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— Um momento!
A voz profunda veio do outro lado da
caminhonete, interrompendo abruptamente os
pensamentos de Cindy. Sua surpresa em ver Rane logo
foi substituída por excitação.
— Vocês poderiam me dar uma carona até o hotel
mais próximo?
— Aqui não há hotel — replicou Harvey.
— Não há hotel?! Eu deveria ter adivinhado. Meu
carro está na oficina de Ron Geeter e, ao que parece, vai
ficar lá a semana inteira. Há alguém na cidade que
poderia me hospedar, durante esse tempo?
— Lucy Wakney às vezes aluga quartos para estra-
nhos — Harvey informou. — Já é tarde, mas acho que ela
não vai achar ruim, se você for até lá.
O coração de Cindy estava quase saltando pela
boca, mas ela mordeu a língua e esperou o irmão falar.
Gostaria de oferecer a casa deles a Rane, mas não disse
nada. Cabia a Harvey oferecer hospitalidade a um
estranho, principalmente um estranho do sexo
masculino. No entanto, para seu desespero, ele não
parecia estar disposto a fazer isso.
— Eu ficaria grato se você me desse uma carona até
lá — Rane pediu, sorrindo para Cindy à luz do luar.
— Naturalmente, eu lhe pagaria pelo serviço
prestado.
— Não é preciso — replicou Harvey. — Suba lá
atrás.
Cindy teve que se controlar, para não convidar
Rane a sentar-se na frente, com eles. Aquela era,
provavelmente, a última vez que o veria, e estava louca
de vontade de fazer a curta viagem até a casa de Lucy ao
lado dele. Não disse nada, porque teve medo da reação
do irmão.
Quando chegaram à cabana de toros onde Lucy
vivia, Harvey encostou à margem da estrada de terra e
Rane desceu. Do chão, ele acenou para os dois irmãos e
caminhou para a porta da frente. Sem esperar que Lucy
atendesse, Harvey arrancou e enveredou pela estradinha
serpenteante, ladeada de árvores, que levava à sua
própria cabana de toros, aninhada no alto da montanha.
— Você poderia ter esperado que Lucy o atendesse
— Cindy queixou-se, olhando para trás para ver se
ainda vislumbrava Rane.
— Nós não temos nada com a vida dele.
— Além disso, poderíamos ter lhe oferecido uma
cama na nossa casa — continuou, fingindo displicência.
— Teria sido um gesto educado.
Harvey lançou-lhe um rápido olhar e depois fixou
a atenção na estrada, mostrando claramente que achava
esse comentário indigno de uma resposta.
Já eram quase meia-noite e meia, quando Cindy
acomodou-se no velho colchão de penas que tinha sido
de sua avó. As noites ainda eram frias, e ela puxou a
colcha de retalhos até o queixo, antes de fechar os olhos
e começar a relembrar os acontecimentos daquela noite.
De novo, sentiu o corpo dele de encontro ao seu,
saboreou a emoção deliciosa do beijo que tinham trocado
e, muito corada, reviveu a sensação das mãos másculas
deslizando por sua pele. De repente, percebeu que estava
imaginando como seria entregar-se inteiramente a ele,
uma coisa que nenhuma mulher deveria fazer, a menos
que estivesse pensando em se casar. Inquieta, virou-se na
cama e tentou afastá-lo dos pensamentos. Estava
começando a adormecer, quando uma forte batida na
porta ressoou pela casa. Logo depois, a voz de Lucy
Wakney chegou-lhe aos ouvidos.
— Desculpe acordar você a esta hora, Willie, mas
este rapaz apareceu na minha casa querendo uma cama,
e já estou com todas alugadas. Houve um acidente na
estrada, e estou hospedando várias pessoas, enquanto
Ron dá um jeito no carro delas. Não queria acordar você
tão tarde, mas não faz parte do código destas montanhas
deixar um visitante ao relento, e este rapaz disse que
conhece a sua Cindy. Cindy e Harvey é que lhe deram
uma carona até a minha casa.
Cindy teve a impressão de que seu coração ia parar
de bater. Rane estava ali, na porta de sua casa, e tinha
dito que ela o conhecia. Seu pai na certa ficaria uma fera,
ao ver um estranho aparecer àquela hora da noite, decla-
rando uma coisa dessas. Apelando para todo seu
autocontrole, sufocou o impulso de se levantar e explicar
em que circunstâncias o conhecera. Então, incapaz de
suportar o suspense por mais tempo, foi até a porta e
abriu-a um bocadinho. Seu quarto era o primeiro no alto
da escada, por isso pôde ouvir, com clareza, a maior
parte da conversa.
— Desculpe termos acordado o senhor, sr.
Lancaster —. Rane disse —, mas dancei com Cindy esta
noite e, como sabia que ela e o irmão tinham acabado de
voltar para casa, vim para cá na esperança de encontrar
alguém acordado. A sra. Wakney me garantiu que ficaria
com a consciência pesada, se deixasse um visitante ao
relento, e quis saber quem tinha me levado até a casa
dela. Naturalmente, eu lhe disse que foi Cindy.
— Lucy tem razão, senhor...?
— Rane Randolph — apresentou-se ele, com uma
segurança que fez Cindy sentir orgulho, só de ouvi-lo.
— Sr. Randolph. — O pai dela repetiu. Apesar de
não estar contente com os acontecimentos, ele não
recusaria hospitalidade ao estranho. — Pode ir para casa,
Lucy — disse, antes de voltar-se para Rane e perguntar,
num tom de voz ligeiramente desconfiado: — Como foi
que o senhor conheceu minha filha?
— Meu carro quebrou na estrada, e eu caminhei até
chegar ao salão de festas, que era o único lugar
iluminado na cidade. Cindy fez a gentileza de indicar o
dono da oficina para mim. Depois da dança, ela e o irmão
me deram uma carona até a casa da sra. Wakney.
— O que era a única coisa decente a fazer. Meus
filhos foram bem-educados. — A severidade havia
sumido da voz dele.
— Tenho certeza de que sim — Rane comentou, e
Cindy achou que havia uma certa zombaria em seu
modo de falar. O sangue subiu-lhe ao rosto.
"Quem é ele, afinal, para se considerar tão impor-
tante?", pensou, indignada.
— O que é que você veio fazer aqui, rapaz?
— Na verdade, estou aqui a passeio. Eu estava
fazendo muitas viagens de negócios, e achei que já era
tempo de tirar umas férias e visitar as montanhas.
— Hum. — Cindy ouviu o pai resmungar. Tendo
trabalhado com as mãos a vida inteira, ele
provavelmente não considerava os negócios de Rane
como um trabalho de verdade, nem entendia a
necessidade dele de tirar alguns dias de férias. — Venha
comigo. Não temos quarto de hóspedes, mas no quarto
dos meus rapazes há uma cama sobrando, onde você
pode se acomodar.
— Muito obrigado. Mais uma vez, eu lhe peço des-
culpas por incomodar o senhor, a esta hora da noite.
— Não é incômodo nenhum.
Ouvindo os passos dos dois na escada, Cindy
fechou depressa a porta. Depressa demais, pois fez um
barulhão, que ecoou por toda a casa. Mais uma vez,
imaginou se o estranho estaria rindo dela. Quase podia
acreditar que ele era capaz de vê-la, atrás da porta, e
sentiu uma vergonha enorme das emoções que a simples
presença dele era capaz de provocar em seu íntimo.
O quarto dos rapazes ficava depois do seu, e eles
cumprimentaram Rane com vozes cheias de sono.
Quando a casa se aquietou de novo, Cindy voltou
para a cama e fechou os olhos, tentando não pensar em
Rane, mas foi inútil. Todo o seu corpo vibrava de
excitação, por saber que ele estava dormindo a poucos
passos de distância. Nunca, antes, conhecera um homem
como ele. Era quase como se Rane Randolph tivesse
saído diretamente de seus sonhos.
A ideia de como seria deitar-se ao lado dele e sentir
aqueles lábios acariciando-a- insinuou-se em sua mente,
e Cindy mexeu-se na cama, inquieta. Nenhuma mulher
decente se deixava levar por pensamentos desse, tipo, e
ela era uma mulher decente. No entanto, sempre que
pensava em Rane, a canção do amor despertava em seu
coração, e era difícil abafar as notas de felicidade. Já era
quase dia, quando finalmente conseguiu adormecer.
Com os primeiros raios de sol, uma brisa gostosa
começou a soprar pela fenda da janela, tocando as faces
de Cindy como uma gentil carícia. Relutante, ela abriu os
olhos escuros e se espreguiçou. Depois, de um salto, sen-
tou-se na cama e envolveu-se na colcha. Vinda do quarto
dos rapazes, ouviu a voz educada de Rane, falando com
Harvey. Era impossível distinguir as palavras e, na ponta
dos pés, ela foi até a porta e abriu-a. Não vendo ninguém,
deslizou para o corredor, vestida apenas com uma indis-
creta camisola cor-de-rosa... e caiu diretamente nos bra-
ços de Rane.
— Oh! — exclamou, surpresa. — Não vi você.
Depressa, cobriu-se com os braços, mas isso só
serviu para chamar a atenção de Rane para os seios que
estava tentando esconder. Seu pulso se acelerou, quando
o olhar dele fixou-se no vale profundo e provocante.
— Não, mesmo?
Muito corada, Cindy fugiu das mãos que a
seguravam, entrou no quarto e trancou a porta.
Encostou-se então na madeira e por vários segundos
ficou lá, esperando o coração se acalmar.
"Oh, por que não olhei direito?", censurou-se. "A
última coisa que queria era que Rane Randolph me visse
com esta velha camisola, descabelada e com o rosto por
lavar!"
Ela continuou no quarto por mais algum tempo,
depois colocou um penhoar e saiu cautelosamente. Desta
vez, o corredor estava vazio e pôde ir, sem perigo, até o
banheiro.
De volta ao quarto, tirou do guarda-roupa uma
saia rodada vermelha e uma blusa branca, estilo
camponesa, que vestiu sem sutiã. Depois de pronta,
examinou-se com cuidado no velho espelho preso na
parede, antes de puxar o decote elástico da blusa, até
expor os ombros e o início dos seios.
— Afinal, por que não? — perguntou a si mesma,
dirigindo-se para o andar de baixo, a fim de assumir a
rotina diária.
Primeiro, foi buscar ovos no galinheiro, alimentou
as galinhas e, antes de voltar para casa, pegou uma
porção de carne de porco defumada, no defumador. Na
cozinha, amarrou um avental vermelho na cintura e
começou a preparar o café da manhã, esforçando-se para
não pensar em Rane.
Enquanto acendia o fogo e coava o café, podia
ouvir as vozes dos homens ressoando pela casa.
Depressa, fez alguns biscoitos de manteiga e colocou-os
no forno. Em seguida, fritou alguns pedaços de carne de
porco defumada e quebrou sobre eles uma dúzia de
ovos. Quando tudo ficou pronto, pôs a mesa para seis e
anunciou, tirando o avental e ajeitando os cabelos:
— O café está pronto!
Seus olhos brilharam, quando Rane entrou na
cozinha. Muito educado e parecendo sofisticadíssimo ao
lado dos outros, que usavam macacões de brim, ele
aproximou-se da mesa e esperou que o sr. Lancaster lhe
mostrasse o lugar onde deveria sentar. Então, com os
olhos fixos em Cindy, acomodou-se.
Ela sustentou o olhar dele com ousadia por um ins-
tante, antes de virar-se. Os dedos tremendo muito,
retirou os biscoitos do forno e colocou-os sobre a mesa,
ao lado dos outros alimentos. Em seguida, pegou os
vidros de geleia de maçã e pêssego e a manteiga feita em
casa.
— Bom dia — murmurou para todos, os olhos es-
curos mais uma vez procurando os de Rane.
Seus irmãos e o pai ainda estavam sonolentos, e
responderam ao cumprimento com gestos de cabeça e
resmungos. Só Rane, totalmente acordado, replicou:
— Bom dia.
E só Rane esperou que ela se sentasse, antes de
começar a comer.
— Sirva-se — Cindy lhe disse, sentando-se na
cadeira em frente à dele.
— O que você faz para viver? — perguntou o sr.
Lancaster de repente, dando início à conversa.
— Meu pai e eu somos donos da maioria das ações
de um hotel em Las Vegas. Também fazemos
investimentos em vários outros tipos de negócios —
Rane explicou educadamente, muito à vontade. — Vim
para cá de férias, mas também para dar uma olhada na
região, estudando novos investimentos. Geralmente faço
isso de avião, mas nas montanhas o único jeito de se ter
uma visão melhor do cenário é de carro. — Balançou a
cabeça. — Os carros são uma ótima invenção, mas de vez
em quando nos colocam em situações bem
inconvenientes — terminou, obviamente referindo-se à
situação em que se encontrava.
— Mas as montanhas são lindas, não são? — Cindy
disse. E, ignorando o olhar de advertência do pai, conti-
nuou: — Eu adoraria conhecer todas elas.
Tom, seu irmão mais novo, de dezessete anos,
olhou pensativamente de Rane para Cindy. Depois,
olhando de novo para Rane, perguntou:
— O senhor já e casado, sr. Randolph? Minha irmã
cozinha bem, não acha?
— Tom Lancaster! — Cindy ficou horrorizada com
o que o irmão estava tentando fazer. Furiosa, deu-lhe um
pontapé por baixo da mesa, mas ele não deu
demonstração de ter sido atingido.
Em compensação, as sobrancelhas de Rane ergue-
ram-se subitamente, o que a fez desconfiar que tinha
chutado a pessoa errada. No entanto, como o rosto dele
não registrou nenhum sinal de dor, achou que havia se
enganado.
— Não, eu ainda não sou casado — respondeu
Rane, com secura, os olhos fixos em Cindy. Não havia
sombra de sorriso em seus lábios, e ela teve a nítida
impressão de que ele havia compreendido a insinuação
de Tom e não estava gostando nem um pouquinho.
— Outro biscoito? — ofereceu, agarrando o prato e
colocando-o na frente de Rane, para distrair a atenção
dele. Levou alguns segundos para perceber que, com
isso, parecia estar participando do complô de Tom. Seus
biscoitos eram os melhores da região, e já haviam
recebido inúmeros elogios da população local.
— Não, obrigado — Rane recusou com delicadeza,
um brilho estranho nos pensativos olhos cinzentos. —
Sua comida é deliciosa, mas estou satisfeito. — Virou-se
então para Tom e comentou, com ar divertido: — Ao que
parece, sua irmã tem muitos talentos: não só é bonita,
como também cozinha bem e canta como um anjo. Tenho
certeza de que poderia transformá-la numa estrela em
pouco tempo, se conseguisse convencê-la a ir para Las
Vegas comigo.
O coração de Cindy disparou. Ela esperou que o
pai e os irmãos dissessem alguma coisa, mas eles apenas
trocaram olhares duros, entre si. Incapaz de aguentar por
mais tempo, ela levantou-se da mesa sem acabar de
comer, zangada e embaraçada. Como Tom pudera fazer
uma coisa daquelas? E como os outros podiam continuar
calmamente sentados, como se nada tivesse acontecido?
O fato de o estranho ter seguido em frente com o jogo e
elogiado sua comida e seu canto não tinha importância.
Na verdade, até tornava tudo pior.
Com os olhos cheios de lágrimas e o rosto corado
de vergonha, Cindy começou a encher a pia de água.
Pela centésima vez em sua vida, sussurrou em seu
coração para a mãe, da qual mal se lembrava:
"Você estava certa em fugir. Tinha razão, ao tentar
encontrar um tipo de vida que lhe desse mais felicidade."
Os homens levantaram-se e, conversando, foram
para a sala. Ela ouviu Harvey oferecendo-se para levar
Rane à oficina, a fim de pegar a mala que estava no carro,
e logo depois a porta da frente bateu. Só quando o
barulho da caminhonete sumiu na distância, é que
deixou as lágrimas de vergonha escorrerem livremente
pelo rosto. Mas esta fraqueza, não durou muito; tinha
trabalho demais a fazer, para perder tempo tendo pena
de si mesma. Tentando recuperar o controle perdido,
sentou-se à enorme mesa de carvalho, com uma xícara
de café na mão. Achou que ficaria contente quando o
estranho fosse embora, pois ele levaria junto seus sonhos
românticos e a vergonha daquela manhã. Seria
impossível encará-lo, depois da tentativa de Tom de
empurrá-la para ele, como se fosse um objeto que
estivesse à venda.
Seus olhos moveram-se para o quadro preso na
parede em frente, um pedaço de pano branco onde
estava escrito, em letras góticas: O amor cura tudo. Ela o
bordara durante o último ano de vida da avó. A velha
senhora achava que não existiam palavras mais sábias
que aquelas e, na época, Cindy tinha acreditado nela.
Agora, já não estava mais tão certa.
Lágrimas de humilhação recomeçaram a escorrer
por seu rosto, mas ela enxugou-as e começou a tirar a
mesa, decidida a não pensar mais naquilo. Seu destino
estava ali, nas montanhas, numa cabana de toros,
lavando pratos, cozinhando, costurando e sonhando
sonhos que se tornariam cada vez mais desbotados pelo
tempo.
Suspirando desiludida, Cindy segurou uma pilha
de pratos sujos e virou-se para a pia. Foi então que seu
coração deu um salto e ela quase deixou cair tudo: em pé
na porta da cozinha, os braços cruzados no peito, os
olhos admirando suas pernas bem-feitas, estava Rane.
— Oh! Pensei que você tivesse saído com papai e
os rapazes. — As pernas de Cindy tremiam tanto, que ela
teve que se apoiar na mesa, para não cair.
— Eles me levaram para pegar a bagagem, depois
me trouxeram de volta — Rane explicou, com um sorriso
insolente. — Seu pai disse que tinham muito trabalho a
fazer, e como eu não tinha o menor desejo de passar a
manhã subindo montanhas, à procura de lenha, vim para
cá.
— Mas as montanhas são gloriosas, nesta época do
ano — Cindy disse, já esquecida do incidente daquela
manhã. — As macieiras estão em flor, a grama está mais
verde do que nunca, as flores já desabrocharam. A paisa-
gem fica de um colorido maravilhoso! Aposto que você
nunca viu uma coisa igual na sua vida.
— Não, mesmo? — Um sorriso indulgente surgiu
nos lábios dele. — Bem, se você me convidar para dar
uma volta pela montanha, aceitarei com prazer. O que
acha? Vai me convidar?
— Será um prazer. Mas primeiro tenho que
terminar de lavar a louça.
Com passos ágeis, Rane atravessou a cozinha e
sentou-se numa das cadeiras, junto à mesa.
— Tudo bem, não há pressa.
Mas foi impossível, para Cindy, ficar à vontade
com ele sentado ali, observando-a. Trêmula da cabeça
aos pés, lavou os pratos o mais depressa que pôde e foi
limpar a mesa. No exato momento em que se inclinou
para recolher os farelinhos de pão, que estavam sobre a
toalha, Rane levantou-se e segurou-a pela cintura.
Cindy levou um susto tão grande, que deixou cair
todos os farelinhos. No entanto, não resistiu quando ele
virou-a de frente para si e puxou-a de encontro ao peito.
O coração batendo forte, viu o rosto dele aproximar-se e
logo sentiu os lábios másculos pousarem nos seus, num
beijo gentil e suave.
A ideia de que estava tendo um procedimento
terrível, ao deixar que um estranho a beijasse na cozinha
de sua casa, passou-lhe pela mente, mas foi logo abafada
pelo êxtase que a carícia apaixonada despertou em seu
íntimo. Erguendo os braços, envolveu o pescoço de Rane
e moldou o corpo ao dele, esquecida de tudo, a não ser
da necessidade de corresponder àquele beijo.
Finalmente, com o corpo em chamas e atordoada
pela virilidade que emanava do corpo forte colado ao
seu, jogou a cabeça para trás e olhou-o. De imediato,
percebeu que não poderia dizer nada, pois tinha gostado
tanto do beijo, quanto Rane. Confusa e envergonhada,
deu um passo para trás e, quando ele largou-a, inclinou-
se para terminar de limpar a mesa.
— Ande depressa — ouviu-o murmurar, a voz
rouca de desejo.
— Es... está bem — respondeu, afastando-se um
pouco mais. Seu rosto estava vermelho como um
pimentão, e, sentindo que precisava de alguns minutos
sozinha, para pôr em ordem as emoções, sugeriu: — Não
quer me esperar na sala da frente? Não vou demorar, e
lá é muito mais confortável.
— Não demore.
Com um sorriso agradável, Rane virou-se e foi
para a sala.
Cindy varreu a cozinha como um furacão, e o exer-
cício físico ajudou-a a recuperar o controle das próprias
emoções, criando forças em seu íntimo para resistir ao
toque dele. Quando terminou, tirou o avental, passou a
mão pelos cabelos e foi atrás de Rane. Encontrou-o sen-
tado no sofá, examinando uma cesta de palha trançada,
que ela enchera de flores secas, amarelas, vermelhas e
marrons.
— Estas cestas são feitas à mão? — perguntou ele,
indicando a cesta que estava examinando e as outras,
alinhadas junto à parede. — São muito bonitas.
— Obrigada. Fui eu quem as fiz.
— Tenho uma amiga que coleciona cestas. Ela tem
cestas de todos os lugares possíveis e imagináveis, mas
poucas são tão bonitas quanto estas.
Cindy sentiu-se inchar de orgulho. Sua mãe e sua
avó tinham lhe ensinado tudo que sabia sobre tecelagem
de cestas, e apesar de já ter recebido vários
cumprimentos por sua criatividade, era a primeira vez
que ouvia um elogio tão rasgado.
— Você é uma garota e tanto — continuou Rane,
fitando-a com olhos brilhantes. — Sabe cozinhar, tecer,
cantar e é linda. Além disso, é meiga e ardente nos braços
de um homem. Sujeito de sorte, o rapaz que conseguir se
casar com você! — Examinou-a de alto a baixo, de novo,
e recolocou a cesta no lugar, antes de se levantar.
Muito excitada, Cindy deu alguns passos para a
porta da frente. Estava certa de que os elogios dele só
tinham um objetivo: vencer sua resistência.
— Pronto para uma caminhada? — disse, tentando
aparentar calma e frieza.
O sorriso que surgiu nos lábios de Rane, quando
ele lhe estendeu a mão, fez seu coração dar um pulo no
peito. Nunca mais, em toda a sua vida, veria um homem
tão simpático e excitante. Disso, não tinha a menor
dúvida.
Enquanto caminhavam ao longo da estradinha de
terra que levava ao topo da montanha, Cindy viu Rane
olhar para trás e examinar a estrutura da casa. Sentiu
vontade de saber o que ele achava de seu lar, pois estava
certa de que a casa dele devia ser muito diferente da
velha cabana de toros, que já fora aumentada inúmeras
vezes, sem o menor planejamento, por várias gerações de
habitantes. Sua avó lhe contara que a cabana havia
começado com apenas um cômodo; as outras salas, o
banheiro e o andar superior tinham vindo depois. De um
modo geral, era uma estrutura feia, que não tinha
melhorado nem com todas as mãos de tinta branca e os
vasos cheios de flores coloridas que ela havia colocado
nas jardineiras, junto às janelas pequenas e estreitas.
Os olhos de Rane foram da cabana para a cerca em
volta, rachada em vários pontos, e, para distrair sua aten-
ção, Cindy apressou o passo e começou a apontar as
belezas do cenário. A encosta da montanha estava
coalhada de azáleas rosa e vermelha, mas ela logo notou
que o olhar dele estava mais em seu rosto que na
paisagem, e sua excitação cresceu.
Quando entraram numa trilha que dava a volta na
montanha, Cindy mostrou a Rane moitas de hera e louro
mais altas que um homem, e às vezes tão cerradas que
era impossível andar no meio delas. Atravessando a
floresta, ela levou-o até um grupo de cornisos,
totalmente floridos.
— Você sabia que, antigamente, os cornisos eram
árvores altas e fortes, e que a cruz de Cristo foi feita do
tronco de um deles? — perguntou. — É por isso que as
flores do corniso são como são. Olhe, dá para ver nelas o
desenho dos cravos que foram enterrados nos pés e nas
mãos de Cristo. — Pegou uma das pétalas rosadas e
estendeu-a para Rane. — Depois da crucificação de
Cristo, os cornisos nunca mais foram altos e fortes.
Rane sorriu com indulgência, os olhos brilhando,
divertidos.
— Você é um encanto — murmurou, segurando a
mão que lhe estendia a flor. — Tão meiga e natural!
— Mas o que estou dizendo sobre o corniso é
verdade — Cindy insistiu, certa de que ele não havia
acreditado em uma palavra do que dissera. — Dê uma
olhada nessa pétala, e verá por si mesmo.
Rane pegou a pétala e revirou-a entre os dedos
bem cuidados, examinando as quatro manchas verde-
escuras na superfície rosada.
— Tem razão — concordou, mas havia um sorriso
em seus lábios e sua voz parecia a de um adulto conspi-
rando com uma criança.
Decidida a ignorar o ar condescendente dele e a
raiva que estava começando a sentir, Cindy anunciou:
— Esta é a melhor época do ano, para se conhecer
as montanhas. Veja só aquelas macieiras. — Saindo do
meio dos cornisos, apontou para o agrupamento de ma-
cieiras totalmente cobertas de flores rosa e brancas.
— Elas são lindas, mesmo — admitiu Rane,
segurando-a de novo pela mão e caminhando para lá.
Contente com essa resposta, Cindy começou a se
descontrair e, alguns minutos depois, já estava
acreditando que a vergonha daquela manhã nunca tinha
existido. Cada vez que olhava para Rane, sua imaginação
criava asas, e logo pôs-se a fingir que era a mulher dos
sonhos dele, e ele, seu amor. Era emocionante estarem
tão perto um do outro, e, quando ele apertou sua mão e
depois levou-a aos lábios, não protestou, trêmula de
excitação.
— As flores daqui são quase tão bonitas quanto
você, minha linda flor das montanhas — Rane
murmurou de repente, os olhos procurando os de Cindy.
Então, largou a mão dela e, com um movimento ágil,
soltou os cabelos que ela havia prendido na nuca e
enterrou os dedos nos fios sedosos e brilhantes.
Paralisada por esse toque, Cindy mal conseguia
respirar. Sua vontade era capturar aquele momento nas
mãos e guardá-lo no coração, para todos os dias de sua
vida. Quando Rane pousou os dedos em sua nuca e
puxou-a de encontro a si, foi a perdição total; estava tão
aflita para ser acariciada por ele, que teve que se
controlar para não tomar a iniciativa e abraçá-lo. Agindo
numa espécie de transe, entreabriu os lábios para receber
os dele e entregou-se à paixão que a estava consumindo.
Não demorou a sentir a mão de Rane em seus seios, e foi
incapaz de protestar, quando ele empurrou-a para a
grama macia, coberta de flores de macieira. Também não
protestou quando os lábios dele desceram por seu
pescoço e encontraram o início de seus seios. Sua blusa
deslizou para baixo então, expondo-a aos olhos
cinzentos, ardentes de desejo, mas foi só quando a boca
máscula pousou num mamilo intumescido que
conseguiu reagir.
— Oh, você não deve fazer isso — murmurou,
tomando consciência do perigo da situação.
No entanto, antes que Rane pudesse dizer alguma
coisa, um barulho chamou sua atenção, e ambos
levantaram a cabeça para ver Júnior Parker a poucos
passos, montado num garanhão castanho.
— Vagabunda! — ele rosnou para Cindy, os olhos
brilhando de raiva. — Esse estranho não a ama. Você é
igualzinha à sua mãe, impressionada com essa gente de
cidade grande. — Sem esperar por uma resposta,
esporeou o cavalo e sumiu, montanha acima.
Reconhecendo a verdade nas acusações de Júnior
Parker, Cindy empurrou Rane para longe de si.
Lágrimas de humilhação vieram-lhe aos olhos, e ela
abaixou a cabeça, envergonhada.
— O que foi, minha flor? — Rane perguntou. —
Nós só trocamos um beijo! Uma coisinha à toa, sem a
menor importância.
— Pode não ter importância para você — Cindy
replicou, zangada e magoada —, mas para mim tem, e
muita. Quando você for embora, eu continuarei aqui,
marcada para sempre.
— Marcada?!
— Marcada como uma mulher perdida. Ela
sentou-se e Rane imitou-a, sorrindo divertido.
— Você está fazendo uma tempestade num copo
d'água. Imagine, alguém ficar marcada como uma
mulher perdida, só por causa de um beijo roubado!
— Um beijo dado livremente a um estranho — cor-
rigiu Cindy. — Além disso, a orgulho de Júnior Parker
está ferido. Ele quer... ou queria... se casar comigo, e
louco de raiva do jeito que saiu daqui, não sei do que será
capaz.
— Ele provavelmente não vai fazer nada.
Com ar ligeiramente aborrecido, Rane observou a
lágrima solitária que estava tremendo na ponta dos cílios
de Cindy. Cada vez mais enraivecida e magoada com ele,
ela secou a lágrima com um gesto brusco.
— Você não conhece Júnior Parker — murmurou,
virando-se para o outro lado —, e muito menos esta ci-
dade. Além disso, Júnior tem razão, você não me ama.
Rane estendeu as mãos e tentou puxá-la para junto
de si, mas Cindy resistiu.
— Júnior Parker não sabe o que eu sinto — disse
ele, e desta vez conseguiu puxá-la para perto de si.
— Você me ama?!
Antes que Rane pudesse responder, ela ouviu o
barulho de cascos de cavalo ecoando pela montanha, e
afastou-se depressa. Quase em pânico, pôs-se a arrumar
as roupas e os cabelos, passando as mãos pelo pescoço
como se estivesse com medo de ter ficado com a pele
marcada pelos beijos dele.
Os cavalos pararam abruptamente na frente deles
e Rane levantou-se, devagar e com calma. Desesperada,
Cindy viu o pai e os três irmãos, ao lado de Júnior Parker,
fixarem os olhos acusadores em seu rosto. E seu pai
estava com um rifle debaixo do braço, bem à vista! Ela já
o. vira em muitos acessos de raiva, mas nunca com os
olhos brilhando tanto, de ódio, como naquele momento.
Arrepiada de medo, virou-se para Rane, que
estava enfrentando a situação com uma dignidade
extraordinária.
— O senhor deseja alguma coisa? — ouviu-o
perguntar, demonstrando com essa simples frase sua
superioridade, arrogância e total falta de intimidação.
O sr. Lancaster ficou em silêncio por um momento,
depois disse, a voz mais parecendo um rosnado,
tamanha sua fúria:
— Você abusou de minha hospitalidade e tirou
vantagem de minha filha, estranho. Nestas montanhas,
não deixamos passar em branco esse tipo de ofensa. Tem
alguma coisa a dizer a seu favor?
Doente de medo, Cindy deu um passo para a frente
e colocou a mão sobre a perna do pai.
— Papai, ele não fez nada de errado...
Mas o sr. Lancaster empurrou a mão dela como se
tivesse sido tocado por algo sujo e impuro, e
interrompeu-a:
— Saia daqui, mocinha. Eu sempre soube que um
dia passaria vergonha, por sua causa. Você é igualzinha
à mãe, e era evidente que, por melhor que fosse a
educação que eu lhe desse, mais cedo ou mais tarde essa
semelhança iria aparecer. De hoje em diante, não quero
ter mais nada a ver com você, mas vou providenciar para
que este sujeito pague pelo que fez. — Olhou de novo
para Rane. — Você se divertiu com minha filha, e agora
vai pagar por isso. A justiça será feita. A menos que
tenha uma ideia melhor, estranho, vai salvar a honra de
minha filha: vai se casar com ela.
— Papai! — Cindy estava chocadíssima. — Nós
não fizemos nada que dê motivo a um casamento.
— Cale a boca, menina, antes que eu a feche para
você!
Os olhos cheios de lágrimas e o corpo rígido de
descrença e raiva, ela voltou-se para Rane, cujo rosto
mais parecia uma máscara de granito.
"Por que ele não diz alguma coisa?", pensou. "Por
que ele não diz ao meu pai que não fizemos nada vergo-
nhoso, que só trocamos um beijo?"
Seus olhares se encontraram por um rápido
segundo, e nos dele havia um desprezo que a gelou.
— Bem, estranho, estou esperando — o sr.
Lancaster declarou. — Não tem nada a dizer a seu favor?
Os olhos de Rane moveram-se, devagar e sem
medo, pelo grupo de homens da montanha. Cindy achou
que a expressão deles havia mudado quando se
detiveram por um momento em Tom, como se
estivessem cumprimentando seu irmão pelo sucesso do
plano deixado tão evidente, aquela manhã. Logo em
seguida, os olhos frios fixaram-se de novo no rosto de
seu pai.
— Creio que vamos ter um casamento na família,
sr. Lancaster — disse ele, num tom de voz ligeiramente
provocante.
Cindy sentiu-se atordoada. Aquilo não poderia
estar acontecendo!
— Não! — gritou. — Não vai haver casamento
nenhum!
— Cale a boca, menina! Ele vai salvar a sua honra...
por bem ou por mal.
— Mas papai, nós não... — começou de novo, ten-
tando fazê-los entender, mas a um sinal de seu pai Tom
desceu do cavalo e parou a seu lado, ameaçador. Doente
de vergonha, ela se calou.
— Então, você está admitindo que tenho razão.
Não é, menina? — perguntou o sr. Lancaster, com ar
ardiloso e satisfeito.
Rane olhou-a rapidamente e, vendo que ela não ia
responder, disse, com um sorriso forçado:
— É claro que ela está admitindo!
A surpresa de Cindy ao ouvir isso só foi superada
pela horrível percepção de que seu pai iria forçá-la a se
casar com um homem que mal conhecia, só por causa da
acusação feita por Júnior Parker, num ataque de ciúmes.
É lógico que não se importaria com isso, se soubesse que
Rane a queria, pois já estava apaixonada por ele, mas não
era esse o caso. No fundo de seu coração, tinha certeza
de que ele só havia se interessado por ela porque
desejava uma distração, enquanto estava preso nas mon-
tanhas.
Satisfeito com a resposta de Rane, o sr. Lancaster
fez outro sinal e todos desceram dos cavalos, menos
Júnior Parker, que, parecendo surpreso e descontente
com o resultado de sua intriga, desceu a montanha a
galope.
Foi um grupo solene que começou a caminhada de
volta para a cabana, com Cindy e Rane na frente, e o pai
e os irmãos dela atrás, puxando os cavalos pelas rédeas.
Já na cabana, os homens sentaram-se na sala e
começaram uma conversa formal e tensa, enquanto
Cindy era mandada para a cozinha, para preparar o
almoço.
Ela obedeceu, chorando e lamentando
amargamente o dia em que tinha posto os olhos no
estranho. Em menos de vinte e quatro horas, ele havia
arruinado sua vida, e, antes que a semana terminasse,
seria seu marido!
Três dias depois, à uma da tarde, Rane e Cindy se
viram na frente de um pastor na sala da cabana, com o
pai e os irmãos dela atrás. Desde o momento em que con-
cordara com o casamento, Rane não tivera uma única
chance de conversar com Cindy, e agora, quando ela se
posicionava a seu lado, examinava-a da cabeça aos pés,
com ar zombeteiro.
— De branco, minha flor? — murmurou.
Sem saber o que ele queria dizer com esta frase,
Cindy baixou os olhos para o vestido de noiva que estava
usando, que tinha sido de sua avó. Era uma confecção de
renda, delicada e fora de moda, que havia sido
cuidadosamente guardada durante anos, na velha arca
de madeira em seu quarto.
No entanto, apesar do encantador vestido branco,
ela não estava se sentindo uma noiva. Disfarçadamente,
lançou um olhar para Rane. Com um terno cinza e uma
camisa branca, ele parecia uma estátua a seu lado. Mas,
quando seus olhares se encontraram, Cindy viu nos
olhos cinzentos um sorriso amargo, que não entendeu.
Depressa, olhou para as cestas que tinha enchido de
flores do campo, amarelas, brancas e lilás. Era o dia de
seu casamento, e gostaria que ele fosse o mais parecido
possível com um casamento normal, mas não havia
alegria em seu coração. Geralmente, nas montanhas, um
casamento era comemorado com uma festança, com
todos os vizinhos presentes, mas o seu seria apenas uma
cerimônia discreta, com o testemunho só do pai e dos
irmãos.
Seus olhos procuraram Rane de novo, quando o
pastor começou o breve ritual que os transformaria em
marido e mulher. Foi feita uma oração pela felicidade
deles, mas Rane, sério e ereto, não olhou nem uma vez
em sua direção. Sem saber o que ele estava sentindo, ela
se viu presa de emoções contraditórias: alegria por estar
se casando com ele e desespero pelo modo como isto
estava acontecendo.
"Ele sabe que não fizemos nada de errado e que
não precisaria casar-se comigo, se não quisesse. Ele
poderia ter enfrentado meu pai com firmeza e se livrado.
Se não o fez, foi porque não era contra nosso casamento",
dizia ela a si mesma.
Para sua própria paz de espírito, Cindy tinha que
se convencer de que Rane já estava pensando em se casar
com ela, quando tudo acontecera. Que, como ela, ele
também sentira, à primeira vista, aquela atração incrível
e atordoante. Afinal, ele não tinha falado em levá-la para
Las Vegas, logo na primeira manhã, para fazer dela uma
cantora? Não lhe dissera que seria uma ótima esposa?
Não a tinha beijado, desejado e chamado de minha flor,
a voz doce e acariciante?
No entanto, por mais que tentasse se convencer de
que seu amor era correspondido, Cindy sentia a
vergonha crescer em seu coração. Se pelo menos Júnior
Parker e seu pai não os tivessem interrompido, ela agora
saberia se Rane a amava ou não. Não saber era uma
agonia grande demais, que acabaria por deixá-la louca!
Quando o pastor começou a pronunciar as
palavras familiares dos votos de casamento, a atenção de
Cindy voltou-se novamente para a cerimônia. Sua
vontade era levantar a cabeça e ver o amor brilhando nos
olhos de Rane, mas não se atreveu a mover um dedo,
quando o pastor perguntou:
— Você, Rane Dartsfield Randolph, aceita esta mu-
lher, Cindy Cheylonne Lancaster, como sua legítima
esposa, por sua livre e espontânea vontade?
O coração de Cindy, que estava batendo com a
força de um tambor, parou abruptamente, quando
nenhuma resposta se ouviu. Absolutamente nenhuma!
Seus olhos voaram para o rosto de Rane, encontrando os
dele fixos nela.
"Por que ele não responde?", pensou. "Será que
quer me transformar no motivo de riso de toda a
cidade?" Gotas de suor umedeceram sua testa e uma
onda de desespero invadiu-a. Os segundos continuaram
a passar e, não suportando mais o silêncio, ela exigiu,
num sussurro tenso e agoniado:
— Fale alguma coisa! Diga sim ou não, mas fale
alguma coisa!
Depois de mais alguns segundos, que lhe
pareceram uma eternidade, ouviu-o dizer, num tom
cortante:
— Aceito.
Ela não sabia se deveria sentir alívio ou desespero,
mas não teve tempo de analisar nada, pois o pastor já
estava exigindo sua atenção.
— Você, Cindy Cheylonne Lancaster, aceita este
homem, Rane Dartsfield Randolph, como seu legítimo
esposo, para honrar, amar e obedecer?
Seu coração disparou, quando a palavra obedecer
foi pronunciada. Gostaria que ela tivesse sido
substituída por "cuidar", mas ninguém havia se
preocupado em lhe perguntar o que queria.
— Aceito — sussurrou, e a cerimônia continuou.
Quando o pastor declarou-os marido e mulher,
Cindy viu Rane virar-se para encarar seu pai. Ele não
disse nada, mas sorriu com cinismo, e ela não teve que
se esforçar para descobrir o significado daquele sorriso.
Cindy sabia que ela e Rane estavam na boca de
toda a população da cidade. Todos os tinham visto na
dança, e a maioria contava sua própria versão dos fatos,
algumas bem embelezadas. Mesmo que quisesse fugir
para evitar o casamento, ela sabia que ninguém a
acolheria, e que o melhor seria aceitar a situação. No
entanto, agora, contemplando o rosto de Rane, estava
começando a duvidar de ter tomado a decisão certa.
Ron Geeter, tendo finalmente recebido as peças
que faltavam, havia consertado o carro de Rane. Naquela
manhã ele o mandara, exigindo pagamento imediato,
por medo de que o estranho inescrupuloso tentasse fugir
sem saldar a dívida. Os pertences de Cindy haviam sido
apressadamente enfiados no porta-malas do elegante
carro esporte azul e, com tanta facilidade quanto se
varria o chão, todos os traços de sua existência tinham
sido apagados da casa dos Lancaster. Agora, só lhe
restava partir e, em pé ao lado de Rane, ela esperava que
ele fizesse o primeiro movimento. Só seu irmão Tom
olhou-a com tristeza, quando o pastor foi embora,
deixando claro que o casamento havia acabado. Logo, ela
estaria a caminho de Las Vegas.
Las Vegas! As palavras tinham um gosto amargo
em sua boca. Las Vegas seria seu lar! Agora, era a sra.
Rane Dartsfield Randolph! Mas esses pensamentos só
lhe trouxeram dor, pois não tinha mais certeza de querer
conhecer o mundo além das montanhas. No entanto, que
alternativa lhe restava?
— Pronta? — perguntou Rane, olhando-a com
olhos duros e frios.
Cindy percebeu que não havia nada da
exuberância costumeira no rosto dele, e seu coração se
contraiu, quando tornou consciência de que ele ainda
não a beijara. Ninguém tinha beijado a noiva!
— Estou — respondeu. O que mais poderia dizer?
— Então, é melhor trocar de roupa. Temos um
longo caminho a percorrer.
Cindy esforçou-se para descobrir um pouco de ter-
nura na voz dele, mas foi em vão. Por um momento, seus
olhos caíram sobre o vestido que estava usando. Desde
criança, tinha sonhado em tirar um retrato no dia de seu
casamento, um retrato especial, que conservaria para ale-
grar os dias de sua velhice. Este casamento não teria
retratos, mas não tinha importância, pois não era mesmo
o casamento de seus sonhos. A cerimônia tinha sido
rápida e fria, e era essa a imagem que guardaria para
sempre na mente: uma imagem tão feia e dolorosa que
jamais poderia ser esquecida.
— Está bem — murmurou, virando-se e subindo a
escada, em direção a seu antigo quarto.
Uma onda de recordações invadiu-a, assim que
entrou lá. Tinha passado toda a sua vida naquele quarto,
e os troncos escuros e pesados que formavam as paredes
lhe eram tão familiares quanto seu próprio corpo. A arca
onde costumava guardar seus poucos tesouros ainda
estava ao pé da cama, só que vazia, tão vazia quanto seu
coração. Como seus sonhos, sua vida ali tinha acabado, e
agora todos os seus pertences estavam no porta-malas do
carro de um estranho, jogados numa caixa de madeira,
que costumava servir para armazenar lenha para o fogo.
O quarto onde tinha rido e chorado, dançado e sonhado,
vivido alegrias e tristezas, não era mais seu. No curto
espaço de três dias, seu pai a empurrara para os braços
de um estranho, banindo-a de sua casa, de seu quarto e
forçando-a a sair de seu mundo de sonhos e enfrentar a
realidade. Daquele dia em diante, pertencia a Rane, o
estranho.
Cindy tirou o vestido branco e jogou-o sobre a
cama. Ele não era mais um vestido de sonhos, e não
havia razão para levá-lo e guardá-lo para uma filha que
pudesse ter. Depressa, ela vestiu uma saia de algodão
branco e uma blusa azul-claro, que tinha feito no dia
anterior. Nos pés, conservou os sapatos brancos com que
havia se casado.
Olhando a imagem refletida no espelho da parede,
viu uma garota de cabelos escuros, com olhos que
pareciam duas manchas de tinta nanquim. Eram os
mesmos olhos e o mesmo rosto que tinha visto todas as
vezes que se olhara no espelho, mas uma coisa havia
mudado: agora, era uma mulher casada, uma mulher
casada com um homem que nem mesmo a queria.
Essa ideia era insuportável e, virando as costas
para o espelho, Cindy pegou a velha bolsa e voltou para
a sala, onde seu marido e sua família continuavam se
olhando com frieza e desconfiança.
— Vou embora, então papai — murmurou,
hesitante, olhando do pai para Rane. Ele retribuiu seu
olhar com indiferença e, incapaz de aguentar isso, ela
virou-se depressa para os irmãos. — Até qualquer dia
Tom, Ralph, Harvey — disse, sorrindo para eles.
Os três responderam, mas nenhum deles se
aproximou para abraçá-la. Reunindo coragem, Cindy
deu um passo para a frente e beijou o pai, recebendo em
troca um frio cumprimento de cabeça.
— Cindy!
A voz cortante às suas costas era tão impaciente
que ela sentiu o coração dar um pulo no peito. Muito
vermelha, voltou-se para encarar as feições duras do
marido.
— Vamos embora, Cindy.
Rane saiu sem dizer uma palavra para o sogro e os
cunhados, e Cindy seguiu-o com esforço, lançando
olhares furtivos para os rostos impassíveis dos
familiares.
De repente, ela girou nos calcanhares e entrou de
novo, sem saber por quê. Meio desesperada, olhou em
volta por alguns momentos e correu para a cozinha,
como se estivesse sendo atraída para lá por uma força
maior. Seus olhos caíram sobre o quadro que proclamava
que o amor cura tudo, e instintivamente ela soube que
precisava dele, que precisava continuar acreditando na
verdade daquelas palavras. Com mãos trêmulas, tirou-o
da parede e foi se juntar ao marido.
Rane, que já estava no carro, perguntou, desin-
teressado:
— Está pronta, agora?
Cindy fez que sim e acomodou-se no banco ao
lado. Em silêncio, eles enveredaram pela estradinha
serpenteante, que levava à cidade. Logo passaram pela
casinha de Lucy Wakney e Cindy não pôde deixar de
imaginar o quanto as coisas teriam sido diferentes, se
Rane tivesse encontrado lugar lá, aquela primeira noite.
Seus olhos moveram-se pelo cenário que conhecia
de cor, reparando nas árvores frondosas, nos campos
recém-arados e nas flores de cores vivas. "É a última vez
que vejo meu lar", pensou, o coração apertado. Sempre
sonhara em sair dali, em conhecer outros lugares, mas
não daquele jeito. Não com um homem que se casara
com ela há trinta minutos, e desde então não lhe dissera
mais que meia dúzia de palavras.
Uma brisa agradável começou a soprar pela janela.
Olhando para Rane, Cindy pensou que nunca o vira tão
frio e indiferente. Ele parecia estar totalmente
concentrado nos próprios pensamentos e no carro e,
reparando no modo como um músculo contraía-se a
todo momento no queixo dele, repuxando a cicatriz que
lhe marcava a face, ela teve medo de ser a primeira a
quebrar o silêncio.
No entanto, quando um segundo depois Rane
virou a cabeça e pegou-a observando-o, Cindy esqueceu-
se de tudo e perguntou, sorrindo levemente:
— Rane, você está zangado comigo?
— Não, por que eu haveria de estar zangado com
você? Diga-me, Cindy, por quê?
Apesar de soar normalmente, a voz dele tinha um
tom cortante e amargo, que a fez estremecer e morder o
lábio inferior, enquanto tentava pensar numa resposta.
— Diga-me, Cindy — ele insistiu —, que motivo
teria eu para estar zangado com minha esposa, tão meiga
e inocente?
— Você está falando de um jeito tão amargo! Além
disso, está tão quieto... — Cindy olhou para as mãos, que
estava apertando com força, no colo. — E nem me beijou,
depois do casamento.
Ela estava preocupada com a falta de um beijo,
mas, assim que terminou de falar, percebeu que tinha
cometido um erro, ao mencioná-lo.
— Ah, é isso que você está querendo?
Rane parou o carro no acostamento e, com um
gesto brusco, puxou-a para si e beijou-a com aspereza,
forçando-a a inclinar a cabeça para trás.
Confusa e sem saber como reagir, Cindy
permaneceu rígida, os olhos bem abertos e cheios de
mágoa. Então, inesperadamente, os lábios dele perderam
a dureza e o beijo tornou-se mais suave e caloroso,
fazendo-a perceber que, por mais que tentasse resistir,
no fim acabaria cedendo e correspondendo à carícia. Não
era o que queria, mas quando estava perto de Rane,
perdia toda a capacidade de raciocinar.
Exatamente quando seus braços fecharam-se em
volta do pescoço dele e seus lábios tornaram-se mais
calorosos, Rane afastou-a bruscamente de si. Cindy não
conseguiu decifrar a expressão que viu nos olhos
cinzentos, mas soube, por instinto, que ele estava mais
zangado agora do que antes.
Arrependida de ter pronunciado a frase que dera
início àquilo, virou-se para a janela, lutando para se acal-
mar, enquanto Rane dava a partida, com um palavrão.
"Que tipo de futuro posso ter com esse homem?",
pensou. "A hostilidade dele me assusta. Rane Randolph
é um homem sem coração."
Quando passaram pela velha mercearia que ficava
numa curva da estrada, Rane brecou subitamente o
carro, deu marcha à ré e estacionou na frente do edifício.
Surpresa, Cindy perguntou:
— Por que estamos parando aqui? O que foi que
aconteceu?
Sem responder, ele saiu do carro e caminhou para
a mercearia. Sentadas por ali estavam várias pessoas que
Cindy conhecia, e ela sentiu as orelhas queimarem,
quando os cochichos começaram. Na certa, estavam
falando de seu casamento apressado. Que sorte para
aqueles mexeriqueiros Rane ter parado bem ali! Agora,
teriam assunto para pelo menos uma semana.
Depois de alguns minutos, que lhe pareceram uma
eternidade, Rane voltou com uma cesta trançada, feita de
bambu e gravetos de carvalho, pintada de verde e
marrom. Enquanto ele a guardava no porta-malas, ela
pensou, com tristeza, que não havia necessidade de ele
comprar uma cesta. Poderia ter lhe dado uma das que
fizera. Só que ele não pedira...
Rane continuou a dirigir. Milhas e milhas se passa-
ram, o sol se pôs no horizonte e uma escuridão
aveludada caiu sobre eles. Uma nova cidade surgiu e ele,
ainda sem dizer nada, começou a olhar em volta, como
se estivesse procurando alguma coisa. Cindy, cansada e
dolorida, sentiu vontade de lhe pedir para parar, mas
não teve coragem.
Vendo um hotel, Rane desviou o carro para lá. O
coração de Cindy disparou; era ruim não saber se o
marido tinha se casado com ela porque a queria ou por
considerá-la o menor de dois males. Mas... pior ainda era
não saber se ele pretendia exigir seus direitos de marido,
aquela noite. O silêncio dele não lhe dava a menor pista,
e foi com um certo nervosismo que ela o viu descer do
carro. Como nunca estivera num hotel, não sabia se
devia segui-lo ou não; acabou achando que não, pois
Rane fechou a porta e caminhou para a recepção, sem
sequer lhe lançar um olhar.
Com os olhos fixos na porta do hotel, Cindy
esperou, ansiosa, pela volta do marido. Estava ficando
terrivelmente cansada do silêncio dele. Se ele não queria
se casar com ela, deveria ter tido a coragem de dizer.
Mas, se queria, por que estava se comportando como se
ela não existisse?
Logo depois Rane voltou com a chave de um
quarto — e o seu futuro — nas mãos. Quando ele parou
em frente a um chalezinho encantador, Cindy começou
a transpirar. E seu nervosismo aumentou mais ainda,
quando o viu caminhar para lá, deixando-a onde estava.
"Será que ele espera que eu o siga?", pensou. "Pois
bem, se espera, vai ter uma bela surpresa. Já aguentei
demais!"
— Você quer que eu o acompanhe ou não? — per-
guntou, irritada, a paciência a ponto de estourar.
Rane não respondeu imediatamente, mas mesmo
na fraca claridade fornecida pelas luzes de néon do hotel,
deu para ela ver seu rosto crispar-se de raiva.
— Você não é minha esposa?
O tom cínico atingiu Cindy como uma bofetada.
— Sou — disse. E teve vontade de acrescentar: "De
nome, pelo menos", mas o bom senso impediu-a.
— Então, é claro que quero que me acompanhe!
Afinal, esta é a nossa noite de núpcias.
Um sorriso frio surgiu nos lábios dele, e uma onda
de dor invadiu-a. Voltando, ele abriu o porta-malas,
pegou uma malinha de mão e perguntou, indicando a
caixa de madeira, que fazia um contraste absurdo com
sua mala luxuosa:
— Quer alguma coisa daqui?
— Minha camisola, por favor. — Ela tinha posto os
artigos de toalete na bolsa, com medo de que eles se
perdessem ou se quebrassem.
Rane lançou-lhe um olhar zangado.
— Dela, você não vai precisar — declarou, com
uma grosseria que fez Cindy corar.
— Eu quero minha camisola — insistiu ela. E,
depois de pensar um pouquinho, acrescentou: — Por
favor...
Remexendo no conteúdo da caixa, ele achou a
camisola cor-de-rosa e jogou-a na direção dela.
— É isto aqui?
— É, sim.
Embaraçada, Cindy enrolou a camisola e colocou-
a embaixo do braço. Ainda não sabia o que Rane
esperava dela nesse casamento, mas estava descobrindo,
bem depressa, que o estranho romântico podia ser tão
frio e cruel quanto seus irmãos. Só que, com ele, era pior,
pois sendo seu marido, tinha direitos legais sobre sua
pessoa. Além disso, ela havia prometido obedecê-lo.
Tentando conter o nervosismo, Cindy entrou com
Rane no quarto. O lugar era um encanto! Ela nunca vira
algo assim, e sentiu-se transportada para um outro
mundo. As paredes eram cobertas de papel cor-de-rosa;
no chão, havia um tapete espesso e macio, todo branco;
cortinas de um rosa pálido pendiam da janela larga.
Várias poltronas, forradas de veludo rosa, achavam-se
espalhadas pelo ambiente, e, num canto, sobre uma
mesinha de madeira, estava o maior aparelho de
televisão que ela já vira. Mas o que mais a surpreendeu
foram as duas camas espaçosas, colocadas lado a lado e
cobertas por colchas de veludo rosa, que ocupavam a
metade do quarto.
— O banheiro é ali — disse Rane, olhando-a com
ar de pouco-caso. — Pode usá-lo primeiro.
— Obrigada.
Cindy tentou reprimir a irritação que estava lhe
causando a atitude do marido. Rapidamente, entrou no
banheiro e fechou a porta atrás de si. Depois de abrir as
torneiras para encher a banheira cor-de-rosa de água
morna, voltou, relutante, para pegar a camisola que
deixara sobre a cama.
Rane estava sentando numa das poltronas, vendo
notícias na TV, e nem se preocupou em tirar os olhos de
lá, quando ela entrou. De volta ao banheiro, Cindy tirou
as roupas e deslizou para dentro da água quentinha,
onde ficou de molho um longo tempo, depois de se lavar
com um perfumado sabonete cor-de-rosa, fornecido pelo
hotel. A verdade é que não estava com coragem de sair
dali, pois não sabia o que a esperava em sua noite de
núpcias.
Finalmente, com um suspiro resignado diante do
inevitável, saiu da banheira, enxugou-se com uma toalha
também cor-de-rosa, vestiu a camisola, escovou os
dentes, penteou os cabelos e, após uma ligeira hesitação,
passou um pouquinho de brilho nos lábios. Com as mãos
escondendo o decote da camisola, voltou para o quarto,
onde Rane ainda estava na frente da televisão. Só a luz
que vinha do banheiro e o brilho da tela iluminavam o
ambiente, e Cindy sentiu-se aliviada por ele não poder
vê-la bem.
— Acabou? — perguntou Rane, num tom que
passava por civilizado.
— Acabei, sim.
Rapidamente, ela deitou-se na cama mais próxima
e puxou as cobertas até o pescoço, pondo-se a esperar,
rígida e com coração batendo forte, que ele fizesse o
próximo movimento.
Rane desligou a televisão, pegou a malinha de mão
e foi para o banheiro, fechando com firmeza a porta atrás
de si. Logo depois, o barulho de água correndo chegou
aos ouvidos de Cindy, e pensamentos confusos enche-
ram-lhe a mente.
Rane tinha se casado com ela, mas nada lhe dissera
a respeito de seu futuro juntos. Ainda não sabia se ele
pretendia reclamar seus direitos de marido, e era essa a
dúvida que mais a atormentava. É verdade que ele havia
dito que não precisaria de camisola, aquela noite, mas
fora isso, nada mais tinha sido mencionado.
Cindy fechou os olhos e, aos poucos, sua ansiedade
e nervosismo foram sendo vencidos pela escuridão agra-
dável e pela cama gostosa. Estava começando a
adormecer, quando Rane desligou o chuveiro e fechou a
porta do boxe com estrondo. O barulho assustou-a e,
reagindo por instinto, ela apertou as cobertas em volta
do corpo.
O cheiro já familiar da loção após barba do marido
chegou-lhe às narinas, quando ele abriu a porta do ba-
nheiro. Uma réstia de luz invadiu o quarto, iluminando
a cama onde estava. Absolutamente imóvel, quase sem
respirar, os ouvidos aguçados, o coração disparado,
esperou.
O barulho do interruptor de luz sendo desligado,
ressoou pelo ambiente. O som atingiu-a como um tiro,
abalando ainda mais seus nervos, que já estavam à flor
da pele.
"Ele vem vindo", pensou, tomada por uma mistura
de medo e excitação.
Seus olhos seguiram a figura delineada contra as
cortinas rosadas, que atravessou o quarto e passou por
sua cama, em direção à seguinte.
"Fui rejeitada!", percebeu, aliviada e ao mesmo
tempo zangada. De certo modo, isso era pior que a
sensação que havia experimentado até alguns segundos
atrás, quando ainda não sabia se teria ou não que
cumprir com seus deveres de esposa.
Rane acendeu a lâmpada de cabeceira e olhou-a.
— Está com sono? — murmurou.
Na fraca claridade, Cindy viu que ele tinha apenas
uma toalha enrolada na cintura; gotinhas de água
brilhavam no peito largo, e os cabelos escuros e crespos
ainda estavam úmidos. O físico dele parecia-se com o de
um deus pagão, que vira uma vez num livro, quando
ainda estava na escola.
— Está com sono? — repetiu Rane, mais alto. Seus
olhos examinaram o corpo feminino, delineado pelas
cobertas, passando em seguida pelos cabelos brilhantes
e sedosos e detendo-se nos lábios entreabertos.
— Não — ela sussurrou afinal, forçando-se a olhar
para outro lado.
— Está com fome agora ou prefere comer mais
tarde? Posso pedir que mandem alguma coisa para cá.
— Não... não, não estou com fome, obrigada.
Até aquele momento, Cindy não havia percebido
que tinham perdido o jantar. Muitas sensações
agitavam-se em seu íntimo, mas fome não era uma delas.
Sem dizer mais nada, Rane desligou a luz e, na
penumbra que ficou, Cindy viu-o tirar a toalha da
cintura e atravessar o quarto de novo, desta vez em
direção a sua cama. O som estranho e irregular de uma
respiração, que só podia ser a dela, chegou-lhe aos
ouvidos.
Na escuridão, Rane encontrou a cama e deitou-se
em silêncio. Todos os músculos do corpo de Cindy
enrijeceram, e ela prendeu a respiração. Tinha sido
gostoso trocar alguns beijos com ele antes, quando
achava que nunca mais o veria, mas agora que os beijos
seriam substituídos por intimidades muito maiores,
estava com medo dele. Afinal, mal o conhecia, e nunca
estiver a numa cama com um homem.
Rane estendeu a mão e começou a acariciá-la com
lentidão. Por alguns momentos Cindy continuou rígida,
gelada pelo medo e pela incerteza, mas quando os lábios
dele encontraram os seus, uma pequenina chama
acendeu-se em seu íntimo. Aos poucos, o calor do corpo
másculo foi se transmitindo ao seu, e quando mãos
experientes despiram seu corpo da velha camisola rosa
que o cobria, ela não protestou.
Livres da barreira de tecido, as mãos de Rane per-
correram todo o corpo de Cindy, excitando-a e
acariciando-a até ela achar que não seria mais capaz de
suportar tanto prazer. Todo o seu ser estava latejando de
desejo e, pela primeira vez em três dias, ela sentiu que o
marido a queria.
"Isso prova que ele me ama e que, apesar de meu
pai ter apressado um pouco as coisas, pretendia se casar
comigo", pensou, o coração estalando de alegria.
No entanto, apesar dessa certeza, quando os lábios
dele desceram por seu pescoço, beijando aqui e ali, uma
necessidade profunda de ouvi-lo dizer que a amava
invadiu-a.
— Você me ama, Rane? — perguntou num
sussurro, a voz rouca de amor e desejo. — Você queria
se casar comigo?
As mãos e os lábios que a acariciavam enrijeceram.
Mesmo sem ver os olhos cinzentos, Cindy soube que eles
deveriam estar exatamente iguais a duas pedrinhas de
gelo, e nos poucos segundos que se passaram, antes de
Rane responder, seu coração encheu-se de medo.
O riso cruel que ressoou pela escuridão atingiu-a
como uma chicotada.
— Que jogo você está fazendo agora, sua feiticeira
do mato? Não se finja de inocente. Você sabe, tão bem
quanto eu, que armou aquela história toda para
conseguir sair das montanhas, como sua mãe já tinha
feito.
Cindy estremeceu e deixou escapar um gemido de
dor, jogando-se para longe dele como se tivesse acabado
de ser atingida fisicamente.
— Eu... eu não fiz nada disso! — protestou, os
olhos ardendo de vontade de chorar. — Não fiz!
Chocadíssima, ela não se conformava com o que
acabara de descobrir. Rane estava certo de que ela havia
armado uma cilada para pegá-lo, usando
deliberadamente o casamento como um meio de sair das
montanhas. Como pudera ser tão tola e cega?
"Preciso ir embora", pensou, lutando para se livrar
das cobertas. Teria escapado, se Rane não a estivesse
segurando com tanta força.
— Aonde você pensa que vai? Você é minha
esposa, não se esqueça disso. Casou-se comigo para sair
daquela montanha e conseguiu. Eu a tirei de lá e
pretendo receber meu pagamento aqui e agora. Não
tente subir o preço no último momento, que você não
vale tanto. Assim que chegarmos a Las Vegas, vou dar
um jeito para que esse casamento seja invalidado.
Casamentos na ponta de um rifle estão um pouco fora de
moda, mas, até lá, somos marido e mulher.
Agarrando-a pelos ombros, ele a puxou de
encontro a si.
Cindy enrijeceu o corpo, lutando contra as
lágrimas amargas que ameaçavam jorrar a qualquer
momento. Como havia sido tola! Ele nunca a quisera.
Júnior Parker tinha razão!
Rane apossou-se novamente de seus lábios, a
paixão exacerbada pela raiva. Desesperada, ela tentou
livrar-se dos braços que a prendiam como barras de
ferro.
— Não! Não! Assim, não! Não vou deixar! Assim é
errado! — sussurrou aos trancos, o coração explodindo
de dor, mágoa e decepção.
Rane sacudiu-a com rudeza.
— Por que tipo de tolo me toma, hem? Não venha
se fazer de inocente, nessa altura dos acontecimentos.
Desde o momento em que pus os pés no salão de danças,
aquela noite, você vem se oferecendo a mim. Eu poderia
tê-la possuído sem o menor problema, mas como você
parecia tão desesperada para escapar daquela montanha
e seu pai e seus irmãos estavam tão ansiosos para ajudá-
la, entrei no jogo e deixei o barco correr.
Puxou-a de novo contra si, como se não estivesse
percebendo a resistência dela, e mais uma vez envolveu-
a num abraço apaixonado.
Apesar de estar decidida a não corresponder,
Cindy não conseguiu sufocar um gemido de prazer, e já
ia levantando as mãos para acariciar os cabelos dele,
quando se lembrou de tudo que havia acontecido e
virou-se para o outro lado, rígida de raiva.
Rane, no entanto, não deu a menor importância à
sua reação, e ali, na amarga escuridão, sem cuidado ou
gentileza, tomou-a como esposa e fez dela uma mulher.
Por muito tempo depois disto, Cindy permaneceu
deitada na escuridão, ferida de corpo e alma. Estava
zangada, mas também estava muito, muito magoada.
Como pudera o estranho gentil, que a tinha beijado entre
as flores de macieira, ter se transformado no homem frio
e duro daquela noite? Um homem cruel, que havia piso-
teado seus sonhos com o maior desprezo, como se não
valessem absolutamente nada.
Ela ouviu-o levantar-se e pouco depois tropeçar na
escuridão. Um palavrão ecoou pelo ar, seguido pelo
barulho de objetos sendo remexidos. Logo, Rane estava
a seu lado de novo. O riscar abrupto de um fósforo
assustou-a, fazendo-a estremecer, e quando ele acendeu
um cigarro, ela viu, à fraca luz fornecida pela brasa, que
as feições dele tinham um ar sombrio e fechado. No
entanto, a sensação que se registrou em seu cérebro,
naquele momento, foi de surpresa. Surpresa por nem
saber que ele fumava! Mas também, ela não sabia nada a
respeito dele, sabia?
— Por que não me disse? Eu não tinha ideia. — A
voz dele soou áspera e cortante.
"Não tinha ideia! Não tinha ideia do quê?", Cindy
pensou, cansada demais para responder e desiludida
demais para se importar com isso.
Depois de alguns segundos, Rane apagou o cigarro
no cinzeiro ao lado da cama e inclinou-se para ela. Cindy
estremeceu da cabeça aos pés, com medo de que ele
estivesse querendo possuí-la de novo, e, encolhendo-se,
tentou fugir dos braços fortes e musculosos.
— Cindy, não! — murmurou Rane num tom de
voz estranhamente suave e consolador, puxando-a para
junto de si.
O coração batendo forte de encontro ao peito dele,
Cindy permaneceu rígida e imóvel até que, finalmente,
ele a soltou. Depressa, ela se virou para o outro lado da
cama e afastou a cabeça com um gesto brusco, quando
sentiu a mão dele pousar em seus cabelos e acariciá-los
de leve.
Isto aparentemente acalmou o ardor de Rane, pois
ele se levantou e foi para a outra cama. No entanto, já era
dia claro quando os pensamentos amargos deixaram de
torturar Cindy e ela se convenceu de que o marido estava
dormindo e não a procuraria de novo. E foi lá, naquele
quarto de hotel, que jurou a si mesma que nunca mais
um homem seria capaz de magoá-la.
CAPÍTULO IV