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Lecticia Cavalcanti
Do Recife (PE)
Os hábitos alimentares estão presentes por toda sua obra. Sobretudo em "Mitológicas"
(escrito entre 1964 e 1971), em que analisa 813 mitos de diferentes povos indígenas do
continente americano, definindo seu grau de desenvolvimento a partir do uso dos
alimentos - o "cru" (natural), transformado em "cozido" (culturais), que depois volta à
natureza sob a forma de "podre", em uma relação que denominou "triângulo culinário".
O trabalho é dividido em quatro volumes. "O Cru e o Cozido" (vol. I) fala da origem da
culinária, do fogo, da cocção dos alimentos, da carne de caça, das plantas cultivadas.
"A vida civilizada não requer apenas o fogo, mas também as plantas cultivadas que esse
mesmo fogo permite cozinhar"; e assim "começamos a compreender o lugar realmente
essencial que cabe à culinária na filosofia indígena: ela não marca apenas a passagem da
natureza à cultura; por ela, e através dela, a condição humana se define com todos os
seus atributos, inclusive aqueles que - como a mortalidade - podem parecer os mais
indiscutivelmente naturais". "Do Mel às Cinzas" (vol. II) trata das origens e do uso do
mel e do tabaco, no livro representado por "cinzas". "A Origem dos Modos à Mesa"
(vol. III) fala de receitas, dos modos de consumo, das regras de educação - próprias não
apenas do ato de comer, mas também do viver em sociedade.
"Saber portar-se à mesa é saber portar-se socialmente", e isso diz comparando as figuras
da canoa (que aproxima culturas distantes) e do fogo (essencial na formação cultural de
um povo). Finalmente, em "O Homem Nu" (vol. IV) ensina que "dentre todas as
técnicas culinárias, o forno de terra se apresenta como a que manifesta de modo mais
pleno uma homologia formal e íntima entre a infra-estrutura e a ideologia ... a cada vez
que é acendido, ele comemora majestosamente o conflito inicial, imagem antecipada de
todos os que viriam a seguir, e cujo resultado foi a conquista do fogo". Depois
confessaria que essa obra "mobilizou meu espírito, meu tempo, minhas forças, durante
mais de vinte anos ... eu realmente vivi em um outro mundo".
Lévi-Strauss dizia em 1955 ("Tristes Trópicos") que "não há mais nada a fazer: a
civilização já não é essa flor frágil que se preservava". Agora, perto do fim, se
confessava desiludido. Por se considerar vivendo em "um mundo ao qual já não
pertenço. O que eu conheci, o que eu amei, tinha 1,5 bilhão de habitantes. O mundo
atual tem 6 bilhões de humanos. Já não é mais o meu mundo". Afinal, e bem visto, não
era mesmo. Era agora um mundo melhor, precisamente por conta de sua luz.