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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CARIRI

PRÓ-REITORIA DE ENSINO – PROEN

CURSO DE BIBLIOTECONOMIA

ANA KAROLINE VIEIRA DO CARMO

FONTE E MEDIAÇÃO DE INFORMAÇÃO: MEMÓRIA, IDENTIDADE E


SOCIEDADE NO TEATRO DE RUA

JUAZEIRO DO NORTE- CE

2014
ANA KAROLINE VIEIRA DO CARMO

FONTE E MEDIAÇÃO DE INFORMAÇÃO: memória, identidade e sociedade no


teatro de rua

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Graduação em
Biblioteconomia da Universidade Federal
do Cariri (UFCA) – Campus Juazeiro do
Norte, como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em
Biblioteconomia.
Orientador: João Bosco Dumont do
Nascimento.

JUAZEIRO DO NORTE – CE

2014
C287f Carmo, Ana Karoline Vieira do.
Fonte e mediação de informação: memória, identidade
e sociedade no teatro de rua / Ana Karoline Vieira do
Carmo. — 2014.
49f. ; 30cm.

Orientador: Prof. João Bosco Dumont do Nascimento.


Monografia (Graduação) − Universidade Federal do
Cariri, Curso de Biblioteconomia, Juazeiro do Norte,
2014.

1. Fonte de informação 2. Teatro de rua. 3. Mediação.


I. Nascimento, João Bosco Dumont do. II.Título.

CDD: 792.081
PARA CITAR ESTE DOCUMENTO

CARMO, Ana Karoline Vieira do. Fonte e mediação de informação: memória,


identidade e sociedade no teatro de rua. Juazeiro do Norte: UFCA, 2014. 49f.
Monografia (Curso de Graduação em Biblioteconomia). Universidade Federal do
Cariri, 2014.

ANA KAROLINE VIEIRA DO CARMO

FONTE E MEDIAÇÃO DE INFORMAÇÃO: memória, identidade e sociedade no


teatro de rua

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Graduação em
Biblioteconomia da Universidade Federal
do Cariri (UFCA) – Campus Juazeiro do
Norte, como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em
Biblioteconomia.
Orientador: João Bosco Dumont do
Nascimento.
Aprovada em: 05 / 12 / 2014
BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

Prof. JOÃO BOSCO DUMONT DO NASCIMENTO (Orientador)

Universidade Federal do Cariri (UFCA)

__________________________________________________

Profª. Dra. GRACY KELLI MARTINS

Universidade Federal do Cariri (UFCA)

__________________________________________________

Prof. Me. TIAGO COUTINHO PARENTE

Universidade Federal do Cariri (UFCA)


A Naninha, Didinha e Mifilho que foram,
sempre, motivo, exemplo e inspiração para
que eu seguisse em frente e descobrisse a
cada novo dia, a cada novo desafio, o melhor
que há em mim.
AGRADECIMENTOS

Agradecer talvez seja uma das formas mais difíceis de verbalizar o que,
dentro de nós, depois de tanto e tudo o que se viveu, sentiu e experimentou, parece
querer explodir. Agradecer, quando nos tornamos tão sensíveis ao tempo – no seu
jeito astuto de passar e nos fazer existir – torna-se lei. Aos encontros, afetos,
poesias e aos que comigo compartilharam pedaços da vida, agradeço.

Agradeço ao meu Deus por, do seu jeito estranho, aceitar esse meu jeito
estranho de ter fé na vida e, talvez por isso, me conceder a cada dia, inspiração e
bons olhos para que eu possa me permitir viver os encontros e os momentos,
enxergando neles sempre a poesia e o aprendizado.

Agradeço a Pain e a Mainha, Seu Raimundo e Dona Socorro, apesar de e,


principalmente, por causa de. Por terem me ensinado coisas sobre o bem e sobre a
importância e o valor da família. A Pain agradeço por ter sido, sempre, o maior
exemplo de integridade que tive na vida; por seu silêncio tão sabido, por rir das
minhas besteiras e por nunca ter deixado de me chamar de “neguinha de pai”, como
se desejasse que eu não crescesse nunca, mas aceitando toda mudança com
orgulho e fé em mim. A Mainha agradeço por ser o maior exemplo de força que já
vi(vi); por ter-me feito descobrir minhas maiores forças e minhas piores fraquezas;
por ter tentado, na reta final da minha graduação, me dar o silêncio e a paz que eu
precisava e ter admitido falhar nisso, e por nunca ter deixado faltar o cafezinho para
me manter acordada nas longas noites de estudo, choro e recomeço.

Agradeço aos meus irmãos que são meus maiores e melhores motivos, elos e
raízes. A Naninha (Juliana), por ser quem, de alguma forma, sempre fez com que
todos nós buscássemos jeitos e forças de viver da melhor forma possível; por estar
sempre ali, mesmo que às vezes nem ela mesma perceba; por não cansar nunca de
perguntar “tu me ama?”, mesmo sabendo a resposta e o quanto isso, às vezes, me
tira do sério, principalmente quando estou tentando estudar. A Júnior que, ainda
que distante e calado desde que me lembro, foi quem me presenteou com dois
sobrinhos que, também um pouco distantes, sempre me lembram que há de valer a
pena o desejo e o esforço por um mundo melhor e que, invariavelmente, me
lembram de, em alguns aspectos, não me deixar crescer. A Didinha (Benigna), por
ser mais que irmã, por ser quem tomou para si a responsabilidade de mãe e me
acompanhou desde os primeiros passos, investindo, principalmente, na minha
educação; por ter me dado os primeiros livros que tive e por, até hoje, não medir as
palavras para falar do orgulho que sente de mim; por ser o exemplo mais bonito de
força e fé, de profissional dedicada e apaixonada que tenho; se eu conseguir tornar-
me ao menos metade de quem ela é, serei uma grande pessoa. A Mifilho
(Eduardo), por ter despertado em mim o gosto pela escrita; por ser meu grande
exemplo de persistência indo atrás do seu sonho por mais difíceis que tenham sido
alguns dias, e por mais dolorosa que continue sendo a saudade de casa; por me
abraçar e viver as coisas como se não houvesse amanhã e por ter grande culpa no
fato de eu sentir tudo com tanta intensidade e emoção. Aos meus irmãos, todo amor
e gratidão que houver nessa vida!

Agradeço a Felipe por ter causado tanta bagunça que me fez perceber que
ficar quieta muito pouco me apetece e que, por isso, é preciso sempre diminuir os
limites que nos distanciam do céu; por tanta paciência, por tanto desalinho, por tanto
desafio; por ter-se misturado tanto a mim a porto de, muitas vezes, não sabermos
quem é um e quem é o outro e, assim, sermos para nós e pro mundo o máximo de,
no mínimo, duas possibilidades.

Aos amigos quem vêm lá de longe, Thaís, Mariza, Jhéssika, Breno e


Rayane, que mesmo com tanto caminho já compartilhado, ficaram indiferentes à
distância que se instalou tantas vezes ao longo desses últimos quatro anos, e
continuam sendo a mesma força e os mesmos abraços de sempre. A Karina e a
Tati que, por tanto carinho, preocupação, atenção e braços abertos, sempre,
brincaram de ser minhas mainhas para nunca mais deixar de ser assim. E a minha
madinha Nandele agradeço por ter me instigado à escolha do curso, enxergando
nele, bem antes de mim, um lugar onde eu poderia dizer muito sobre quem sou e
por nunca ter saído de perto mesmo quando eu não estava.

Agradeço aos encontros e afetos que me proporcionaram as vivências e os


gostos mais verdadeiros no ambiente acadêmico. À Universidade Federal do Cariri
por ter sido palco de tanto encontro, aprendizado e troca. Aos que participaram dos
meus melhores momentos enquanto acadêmica e que tanto contribuíram em minha
formação, inclusive para além da academia, com tanto preparo profissional aliado às
palavras e gestos de quem tem sempre muito a ensinar. Agradeço a Iza que no
começo dessa trajetória acadêmica me ajudou a ter calma com o novo e que
durante toda essa caminhada se fez colo, carinho e atenção; Agradeço a Lucélia
que é meu grande exemplo de bibliotecária, pela beleza em todos os sentidos,
firmeza nas palavras e leveza nos gestos que tanto me ensinaram e ainda inspiram;
Agradeço a Dona Sônia pelos abraços diários que me doou sempre de muito bom
grado, acompanhados de palavras encorajadoras. Agradeço em especial aos
mestres: Modesto, por tanta poesia trocada; Débora, pela disciplina de Teoria e
Prática da Leitura que me fez apaixonar em definitivo pelo curso, quando nos levou
a conviver e compartilhar com as pessoas fora da universidade e que deu espaço a
outros tipos de escritas diferentes da mais comum no ambiente acadêmico; Fanka,
por ter semeado tanto o significado da palavra afeto e por ter instigado as melhores
discussões dentro e fora da sala de aula e que, por isso, foi fundamental na
construção de alguns dos meus olhares para o outro, para a sociedade; Ariluci, por
tantas palavras e gestos de carinho tão incentivadores e tranquilizadores, e por ser,
de coração, uma mãezona; Cleide, pela orientação na escrita do artigo do qual mais
me orgulho de ter produzido e que nos rendeu uma premiação e por, assim como
Lucas, Carla e Samuel, pelos corredores e suas salas, ter sido responsável por
alguns dos muitos risos no percurso desses anos de convivência; Gracy, por ser
alguém em quem, de alguma forma, me espelho; pela graça, pelas palavras de
incentivo e por compartilhar comigo uma grande paixão artística.

Agradeço a um dos maiores “menino do dedo verde” que já conheci e que,


aceitando fazer parte do meu caminho, fez-se, mais que orientador, um amigo e
grande incentivador. Agradeço a João Dumont por tudo que ensinou, não só a mim,
regado a palavras de afeto e por, muitas vezes, palavra nenhuma ter sido maior que
seu silêncio e abraço de compreensão.

Às amizades que foram semeadas e colhidas, ao longo desses quatro anos,


na mais plena forma de criatividade e invencionice, agradeço. A Thalyta, Paloma e
Wagner por, juntos, termo-nos tornado um quarteto tão cheio de energia, amor, arte
e diferenças que, quando juntas, mostravam que juntos somos tão maiores. A todos
os BIBLIOLINDINHOS, em especial a Macerdonio, pela autêntica chatice e belas
dicas de filmes; a Valesca, Thaís, Patrícia, Raflésia, Andressa e Lívia, pelos
abraços, pela delicadeza azeda de cada dia, pelos exemplos e aprendizados
compartilhados e momentos, quase sempre, de muito riso.
Por fim, agradeço ao Grupo Garajal e todos que o constroem por terem
aberto seus portões e seus braços para me receber. Por terem me feito sentir em
casa e a cada despedida já querer o reencontro. Em especial, agradeço a Mario
Jorge Maninho, que em algumas horas de conversa em dois encontros, me
transmitiu mais emoção e paixão do que já pude sentir em muitos, e por lutar e
militar com todas as suas forças e encantamentos para que o teatro de rua
ocupasse seu espaço na cidade e na vida das pessoas.
“O olho vê

A lembrança revê

E a imaginação transvê.

É preciso transver o mundo.”

(Manoel de Barros)
RESUMO

Este estudo postula-se através da importância das práticas/expressões artísticas


num contexto social e informacional, tendo como recorte o teatro de rua, no âmbito
das fontes e mediações de informação e sua contribuição para disseminação de
conhecimento e fortalecimento das ideias de identidade e memória das práticas
tradicionais de um povo. Seu objetivo geral é afirmar o teatro de rua como fonte e
mediação de informação, contextualizando com as práticas do Instituto Garajal de
Arte e Cultura Popular. Tendo por objetivo específico identificar nas práticas do
teatro de rua, ferramentas e ações que atuam como mediadoras e comunicadoras
de informações, com foco nos ideais de preservação de identidade e memória. Com
base no método dedutivo e uma abordagem qualitativa, a estruturação da pesquisa
é de natureza bibliográfica, predominantemente exploratória em comunhão com a
observação direta no contexto em que a pesquisa se insere para estabelecer um
diálogo estreito entre a literatura da área e o campo de pesquisa.

PALAVRAS-CHAVE: Fonte de Informação. Identidade. Mediação de Informação.


Memória. Teatro de Rua.
ABSTRACT
This study posits itself through the importance of the practical / artistic expression in
social and informational context, focusing on street theater, as the mediation and
source of information and its contribution to dissemination of knowledge and
strengthening of ideas of identity and memory the traditional practices of a people. Its
general objective is to affirm the street theater as a source and mediation of
information, contextualizing the practices of Instituto Garajal de Artes e Cultura
Popular. Having by specific objective identify, in the street theater, practices, tools
and actions that act as mediators and information communicators, focusing on the
ideals of preservation of identity and memory. Based on the deductive method and a
qualitative approach the structuring of the research is based on literature searches,
predominantly exploratory in communion with the direct observation in the context in
which the research is inserted to establish a close dialogue between the literature of
the area and the search field.

KEYWORDS: Source of Informations. Identity. Mediation Information. Memory.


Street Theatre.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................13

2 METODOLOGIA......................................................................................................16

3 FONTE E MEDIAÇÃO DE INFORMAÇÃO.............................................................18

3.1 O teatro de rua como fonte de informação......................................................20

3.2 Mediar para informar, comunicar para significar............................................23

4 TEATRO DE RUA....................................................................................................26

4.1 A rua como espaço transgressor......................................................................27

4.2 O espectador, a identidade e a memória..........................................................28

4.3 A cultura popular no teatro de rua: o exemplo do reisado............................31

5 AS PERSPECTIVAS DO TEATRO DE RUA NO BRASIL.....................................33

6 INSTITUTO GARAJAL DE ARTE E CULTURA POPULAR..................................39

6.1 A escolha do grupo.............................................................................................40

6.2 Ações que o grupo realiza.................................................................................41

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................44

REFERÊNCIAS...........................................................................................................47
13

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho surge carregando em sua essência o desejo de pensar o


acontecimento do teatro de rua na cidade como uma fonte de informação e
ferramenta de mediação, formadora e reconhecedora de cultura e conhecimento.
Mas, não apenas isso. É um evento que comunga com discussões acerca da
comunicação, da memória, da identidade, e do caráter político dessa expressão
artística.

Pensemos em um momento em que o ritmo da cidade seja quebrado, em que


as ideias pré-estabelecidas do uso dos espaços públicos são distorcidas e
informação e conhecimento se mostram em forma viva e atuante. Onde o cenário é
montado e um convite a um aprendizado e a uma comunicação em seu modo
empírico, na troca de informação pela convivência, é feito pela presença dos
transeuntes do local, e estar passando na rua faz das pessoas um possível público,
espectador ativo, uma figura importante desse possível jogo.

É esse o contexto primeiro em que podemos enxergar e entender o teatro de


rua. Uma ação incomum, no meio da cidade, que propõe uma quebra do habitual
com algo novo para muitos, algo para além do entretenimento e da diversão, um
modo construtivo e relacional de transmitir e trocar informação. Revelando-se,
também, como um ato político de formação cidadã, levando à sociedade um direito
comum à cidade: o acesso à cultura.

O teatro de rua é uma performance semelhante à que acontece no teatro


convencional (fechado e com palco), compartilhando desde as técnicas de
montagem e apresentação, a algumas necessidades materiais como, por exemplo,
figurino e som, mas que estabelece, de forma clara e necessária, troca e
proximidade com o espectador. Além disso, o espaço, como um todo, faz parte do
espetáculo. O teatro de rua incorpora a cidade.

Essa expressão artística dá forma a uma possibilidade de pensar as fontes de


informação quando, em todo seu processo, usa de valores carregados de
informação e caráter formador de conhecimento. O teatro de rua existe enquanto
expressão da arte e, também, como ferramenta política.
14

Diante da importância do teatro de rua no processo de formação política e


informacional de um povo, no que diz respeito ao seu reconhecimento enquanto
parte fundamental e que deve ser atuante no desenvolvimento do meio em que vive,
e no sentido de considerar o valor das práticas artísticas e tradicionais de seu povo
na formação de sua cidade, é que surge a necessidade de dar vazão à existência
dessas práticas e às formas de preservá-las.
Nesse contexto, o processo da expressão artística do teatro na rua, acontece
como um elo que aproxima o público da ação, com a intenção de estabelecer nessa
proximidade uma relação de reconhecimento e/ou importância. A partir desse
contato, é imprescindível a presença do bibliotecário-artista (uma relação possível
da formação de um profissional com uma outra atividade que desenvolve por prazer,
ou mesmo uma relação entre duas profissões, duas artes) enquanto mediador e
fortalecedor da ideia do teatro de rua como influência crítica, social e informacional
para a sociedade.
Esta pesquisa justifica-se a partir das possibilidades interdisciplinares da
Biblioteconomia, bem como da arte, pautando essa relação a partir de estudos de
fontes de informação. Também promovendo subsídios a estudos que se relacionem
ou agreguem as linhas sobre comunicação, cultura e memória, onde o bibliotecário
atua como mediador/facilitador, repassando e/ou dando acesso aos dados e
informações sobre esses temas, bem como a necessidade de conhecer e analisar
os conteúdos tratados nessas ações.

No que concerne ao trabalho do bibliotecário enquanto profissional da


informação e o seu conhecimento acerca das possibilidades de preservação e
disseminação do seu principal instrumento de trabalho, destaca-se com maior
ênfase a mediação. É nessa importante prática que acontece o processo de
comunicação como forma de aproximar e dar sentido ao uso da informação
pelo/para o usuário.

Motivando a discussão deste trabalho - junto ao objetivo de afirmar o teatro de


rua como fonte e mediação de informação, identificando nas práticas dessa arte
ferramentas e ações que atuem como formadoras e comunicadoras de informações
voltadas à preservação de identidade e memória -, temos dois pontos fundamentais.
De um lado, a ausência de estudos aprofundados que relacionem o teatro de rua
com a Biblioteconomia, ainda que a arte de um modo geral e o incentivo às ações
15

culturais com mediação do bibliotecário enquanto profissional da informação sejam


estudos consideravelmente recorrentes. E, de outro, o fato de os estudos em
Biblioteconomia darem um certo espaço às diferentes práticas do profissional, como
a forma de pensar a leitura, por exemplo, em suas mais variadas possibilidades, e a
existência de informação em diversos formatos, o que, aliado ao caráter significativo
das coisas, resulta no conhecimento.

Quanto aos procedimentos metodológicos, esta pesquisa caracteriza-se como


exploratória, de natureza descritiva, com abordagem qualitativa. Os métodos
utilizados para a formação do referencial teórico e da coleta de dados foram a
pesquisa bibliográfica e o estudo observacional.

A estruturação textual deste trabalho se desenvolve em quatro capítulos de


fundamentação teórica dispostos da seguinte maneira, sucedendo um capitulo inicial
sobre o desenvolvimento metodológico deste: no primeiro capitulo são feitas
abordagens sobre fonte de informação e sobre como a arte pode ser considerada
uma, dividido em duas subseções que dialogam sobre os processos de mediação e
comunicação, e que propõe, baseado nas ideias expostas, o teatro de rua como
uma fonte e ferramenta de mediação de informação, apresentando o recorte que dá
respaldo às ideias do trabalho. No capítulo seguinte são apresentados conceitos e
exemplos da existência história do teatro de rua e, nas subseções desse capítulo,
são discutidas peculiaridades dessa prática artística que fazem referência à política,
identidade e memória. O capitulo seguinte consiste em expor as opiniões de alguns
nomes relacionados aos movimentos artísticos no Brasil, sobre suas perspectivas
sobre o teatro de rua no nosso país. Por fim, é feita uma apresentação do Instituto
Garajal de Arte e Cultura Popular, seguido de uma explanação sobre a escolha do
grupo e, posteriormente, exemplos de ações realizadas por ele como forma de
validar os ideais a que o teatro de rua se propõe, expostos neste trabalho.
16

2 METODOLOGIA

Os métodos são as mais concretas etapas da investigação, e pressupõem


uma atitude igualmente concreta em relação ao fenômeno pesquisado e estão
limitadas a um domínio particular (LAKATOS E MARCONI, 2007). Assim, faz-se de
grande importância esclarecer os procedimentos metodológicos que estruturam esta
pesquisa, uma vez que este é o elemento norteador para que os objetivos da
investigação sejam alcançados.

A pesquisa foi baseada no método dedutivo de abordagem que, segundo Gil


(2009, p. 9), de acordo com uma interpretação clássica,

[...] é o método que parte do geral e, a seguir, desce ao particular. Parte de


princípios reconhecidos como verdadeiros e indiscutíveis e possibilita
chegar a conclusões de maneira puramente formal, isto é, em virtude
unicamente de sua lógica.

A estruturação teórica deste trabalho foi realizada nesse sentido, onde as


primeiras observações foram feitas e, a partir de uma visão geral sobre os assuntos
estudados, depois foram exploradas e tratadas em suas particularidades.

A pesquisa bibliográfica e a observação foram os meios utilizados para


auxiliar e complementar a pesquisa e o referencial teórico, e também para melhor
análise do assunto e objeto investigados, tanto quanto o material científico utilizado
e os próprios sujeitos do estudo. De acordo com Gil (2009) a pesquisa bibliográfica é
desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e
artigos científicos.

Esta pesquisa bibliográfica tem seu enaltecimento pelas palavras de Fachin


(2010), quando conceitua esse tipo de pesquisa como fonte inesgotável de
informação, auxiliando na atividade intelectual e contribuindo para uma abstração do
conhecimento cultural nas mais variadas formas do saber.

A observação, segundo Lakatos e Marconi (2012, p. 111) “utiliza os sentidos


na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e
ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se deseja estudar”.
17

Este trabalho é, também, em sua mais profunda essência, de caráter


exploratório, tendo como principal objetivo desenvolver, esclarecer e modificar
conceitos, com a formulação de problemas ou hipóteses pesquisáveis como
perspectivas, além de apresentar menos rigidez no planejamento (GIL, 2009).

A pesquisa de campo e a coleta de dados foram os meios utilizados como


ferramentas de pesquisa deste trabalho, feita a partir de entrevistas narrativas e não
estruturadas – acontecendo dentro da rotina do grupo, em conversas
despretensiosas ou mesmo à distância, por meio da internet -, participações em
apresentações de espetáculos ocorridas em cidades da região do Cariri e vivência
no cotidiano na sede do Grupo Garajal, em Maracanaú. Para Gil (2009) a entrevista
possibilita um contato maior com a realidade vivida pelos atores sociais, o que
implica em uma maior parcialidade e objetividade do ponto de vista do pesquisador
para com o objetivo e objeto de estudo da pesquisa.

Dessa maneira, o método e o instrumento de pesquisa utilizados para este


trabalho foram adaptados com a finalidade de se complementarem durante a
investigação. Isso para que pudéssemos compreender a expressão artística, mais
precisamente o teatro de rua, enquanto fonte de informação e, principalmente, a
importância da mediação, com a ação do bibliotecário, relacionada à arte, no atual
ápice do cenário político-cultural no Brasil.
18

3 FONTE E MEDIAÇÃO DE INFORMAÇÃO

É praticamente impossível pensar a sociedade atual sem ter em mente a


grande hibridação que a cerca e a compõe. Os povos e suas culturas – bem como
seus posicionamentos políticos, peculiares experiências de vida e extraordinárias
formas de se comunicar – se agregam através das relações, do contato cotidiano, e
tornam a miscigenação uma realidade, abrindo um horizonte ainda maior de
possibilidades do que o que já existe em cada indivíduo ou em grupos menores na
sociedade.

Uma das formas de estar preparado para viver e fazer parte de uma
sociedade tão mista e inconstante – pela ideia de agregar e, também, de modificar-
se a todo instante – é manter-se informado. “A informação é a matéria prima para os
indivíduos serem partícipes de mudanças na realidade social, organizacional e,
consequentemente, em sua própria realidade” (DIAS et al, 2004, p. 2). Esta
informação ganha sentido à medida em que é tratada e comunicada adequadamente
para que, sendo passada para o público ou procurada por ele, a transmissão da
informação aconteça com coerência e significação.

O bibliotecário, tendo como algumas de suas práticas a recuperação, o


tratamento e a disseminação da informação, atua como agente facilitador. Pensar a
necessidade informacional da sociedade, em muitos casos, ultrapassa o trabalho a
partir de habilidades com determinados suportes de informação, passando a
considerar a existência de outros suportes, inclusive não concretos, que deem
sentido ao pensamento, à interpretação, à possibilidade de considerar real e válido o
conhecimento que se adquire ao longo da vida.

E é a partir dessa linha tênue – que distingue, mas não separa, a atuação do
bibliotecário no que concerne às técnicas e práticas de tratamento e suporte de
informação, e a possibilidade de valorar o conhecimento empírico e a significação
das coisas – que aliaremos, neste primeiro momento, duas áreas de estudo: as
Fontes de Informação e a Arte.

Segundo Teixeira (2010, p. 240), normalmente


19

[...] interpreta-se como fontes de informação, todo tipo de fontes, em


geral, que contenham ou produzam informação em um suporte
estável. Não se fixam unicamente em documentos, mas contemplam
e reconhecem a informação procedente de instituições, pessoas e,
inclusive, dos próprios acontecimentos sociais.

Então, de modo geral, as fontes de informação carregam a necessidade de


um suporte físico que alicerce a sua existência e a proximidade tátil de quem desejar
ou necessitar delas. Porém, não se descarta a existência de informação em
circunstâncias efêmeras, como um acontecimento ou uma pessoa e suas ações e
opiniões. De fato é importante reconhecermos tanto as técnicas para tratamento
quanto os próprios suportes físicos e materiais de informação, mas neste trabalho
proponho considerarmos com mais afinco a busca por possibilidades outras; tanto
de reconhecer a existência de informação (real e empírica), quanto as formas de
tratá-la (suporte de registro e preservação), a partir de um olhar voltado para a
expressão artística como uma das formas mais peculiares e cheias de possibilidades
de interpretação.

Dialogando com Araújo (2011, p. 19), podemos entender a

Arte como expressão do homem, como manifestação de uma humanidade


transcendente, leva o homem a uma sensação de uma liberdade extrema.
Tal sensação de liberdade pode ser entendida como um ambiente propício à
inspiração e à criação daquilo que urge dentro do ser, decorrente da
necessidade de se comunicar [...].

Baseado nessa ideia, cabe pensarmos a arte como algo que, além de dar
espaço ao que vem do mais íntimo de cada pessoa, é o que reafirma a ideia de
mudança e mistura que pensamos em relação à sociedade, por propor um
frequente, e por que não pensar eterno, ato de criação. Além disso, a arte mostra,
assim, a sua carga de significado.

Dessa maneira, ao atribuirmos relação entre arte e fonte de informação,


podemos observar o objeto artístico como um documento que fora produzido a partir
de uma experiência criativa e que carrega valor e caráter informacional por, à
medida em que se refere à resposta do íntimo de quem o produziu, retratar
situações e sentimentos relacionados à condição informacional, sob o olhar público,
ou não, do objeto resultante da criação (PINHEIRO, 1996).

Com essas ideias traçadas, podemos ultrapassar o limite que nos permite
reconhecer a arte como uma ferramenta informacional e, tendo ela como algo que
20

resulta de um sentimento, intangível para quem a produz ou tem acesso, e pensar


como ela poderia afetar e, de fato, também significar para outra pessoa. Nesse
contexto, Araújo (2011, p. 20) nos leva a refletir sobre “obra de arte” ser, também,
um estado que é definido pelo fato de o objeto artístico precisar de um segundo
indivíduo a quem possa estabelecer uma relação de significação. Assim

[...] Não se sustenta uma obra de arte sem alguém que a contemple, sem o
olhar de um observador, sem a interação ou a complementação do outro,
daquele que a identificará como obra, independente do ser que a criou, do
artista, do seu autor.

Por poderem ser representadas por algo que não é necessariamente


concreto, as possibilidades de fontes de informação tornam-se inúmeras e, até,
subjetivas, como no caso da arte, assim podendo configurar a própria memória
como a mais antiga das ferramentas utilizadas pelo homem, não como suporte, mas
como registradora de informação. Essa ferramenta registradora, então, utilizaria a
fala, a comunicação direta, para passar adiante os seus saberes. Mas é importante
considerar também, junto da forma como se transmite a informação, que a
compreensão do outro é parte fundamental no processo de informar, comunicar e
conhecer.

3.1 O teatro de rua como fonte de informação

Dentro do leque de possibilidades que há em expressar-se artisticamente,


existe o teatro de rua. Uma prática milenar que já se configurava na ideia de
formação do público, se pensarmos, por exemplo, as manifestações tradicionais dos
povos, como procissões ou o próprio carnaval. O teatro de rua surge como um ato
espontâneo da sociedade como meio de comunicar-se, tornando-se, posteriormente,
uma forma de salvaguarda de costumes e tradições.

Inicialmente, nesta pesquisa tomaremos como recorte principal o trabalho


realizado pelo Instituto Garajal de Arte e Cultura Popular – grupo de teatro do
município de Maracanaú - Ceará, encontrando no grupo, com maior ênfase nos
próximos capítulos - assim como informações mais detalhadas sobre a história e
atuação do teatro de rua no Brasil -, aspectos que fazem referência ao trabalho do
bibliotecário no que se refere à memória e à tradição (preservação), à prática teatral
como forma de pensar uma maneira diferente de informar e instigar o
desenvolvimento do conhecimento, e ao cunho político-social das atividades do
grupo.
21

Dando respaldo à importância das práticas do teatro de rua no cenário atual


do nosso País, temos o Plano Nacional de Cultura que, nascido em 2010, propunha
pensar o Brasil, dali a 10 anos, com mais acesso e independência em relação à
cultura. A educação e a comunicação social, por exemplo, são áreas das quais se
espera que exista maior relação com a cultura nos próximos anos, o que, pensando
no trabalho do bibliotecário, são vínculos que fortalecem a formação de
conhecimento.

A Constituição Federal incluiu a cultura como um dos direitos sociais, ao


lado da educação, saúde, trabalho, moradia e lazer. Assim, os direitos
culturais devem ser garantidos com políticas que ampliem o acesso aos
meios de produção, difusão e fruição dos bens e serviços de cultura.
Também devem ser ampliados os mecanismos de participação social,
formação, relação da cultura com a educação e promoção da livre
expressão e salvaguarda do patrimônio e da memória cultural (MINISTÉRIO
DA CULTURA, 2010, p. 17).

Dentro das metas do Plano Nacional de Cultura, podemos destacar a Meta 4,


que propõe a existência de leis que propiciem valor e proteção às culturas populares
tradicionais. “Isso significa garantir os direitos daqueles que detêm os
conhecimentos e produzem as expressões dessas culturas. Também significa dar
condições sociais e materiais para a transmissão desses saberes e fazeres”
(MINISTÉRIO DA CULTURA, 2010, p. 28).

O Instituto Garajal de Arte e Cultura Popular já carrega essa responsabilidade


em seu nome, quando, desde a sua criação, propõe a propagação das expressões
tradicionais nordestinas. Com o uso de instrumentos e canções, figurinos e danças,
e com as próprias realizações festivas tradicionais, como a festa do Dia de Reis,
feita para e com a comunidade, o grupo atua com uma forma clara de disseminar e
preservar as práticas da cultura popular nordestina. Além de ter o fazer circense,
arte predominantemente da rua, como um de seus pilares.

A aprovação do Plano Nacional de Cultura configura um momento histórico no


Brasil, onde grupos que trabalham com movimentos de expressões artísticos-
culturais tradicionais ganham reconhecimento e oportunidade de fomento às suas
atividades. A Lei nº 12.343/2010 1 que institui o referido plano, normaliza princípios e
objetivos para uma abertura e acessibilidade da sociedade à cultura, expressado
em:

1
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12343.htm
22

Art. 1º Fica aprovado pelo Plano Nacional de Cultura, em conformidade com § 3º do


art. 215 da Constituição Federal, constante do Anexo, com duração de 10 (dez) anos
e regido pelos seguintes princípios:

I – liberdade de expressão, criação e fruição;

II – diversidade cultural;

III – respeito aos direitos humanos;

IV – direito de todos à arte e à cultura;

V – direito à informação, à comunicação e à crítica cultural;

VI – direito à memória e às tradições;

VII – responsabilidade socioambiental;

VIII – valorização da cultura como vetor do desenvolvimento sustentável;

IX – democratização das instâncias de formulação das políticas culturais;

X – responsabilidade dos agentes públicos pela implementação das políticas


culturais;

XI – colaboração entre agentes públicos e privados para o desenvolvimento da


economia da cultura;

XII – participação e controle social na formulação e acompanhamento das políticas


culturais.

Art. 2º São objetivos do Plano Nacional de Cultura:

I – reconhecer e valorizar a diversidade cultural, étnica e regional brasileira;

II – proteger e promover o patrimônio histórico e artístico, material e imaterial;

III – valorizar e difundir as criações artísticas e os bens culturais;

IV – promover o direito à memória por meio dos museus, arquivos e coleções;

V – universalizar o acesso à arte e à cultura;

VI – estimular a presença da arte e da cultura no ambiente educacional;

VII – estimular o pensamento crítico e reflexivo em torno dos valores simbólicos;

VIII – estimular a sustentabilidade socioambiental;


23

IX – desenvolver a economia da cultura, o mercado interno, o consumo cultural e a


exportação de bens, serviços e conteúdos culturais;

X – reconhecer os saberes, conhecimentos e expressões tradicionais e os direitos


de seus detentores;

XI – qualificar a gestão na área cultural, nos setores público e privado;

XII – profissionalizar e especializar os agentes e gestores culturais;

XIII – descentralizar a implementação das políticas públicas de cultura;

XIV – consolidar processos de consulta e participação da sociedade na formulação


das políticas culturais;

XV – ampliar a presença e o intercâmbio da cultura brasileira no mundo


contemporâneo;

XVI – articular e integrar sistemas de gestão cultural.

É possível identificar no recorte desses dois primeiros artigos da lei aspectos


que caracterizam as relações propositivas – coadunadas com as ações do grupo
Garajal, com ênfase para os tópicos em destaque (grifo nosso).

Encontrando o teatro de rua no contexto da lei e das metas do Plano, é uma


forma de confirmar que esse modo de expressão artística carrega em suas ações,
possibilidades de estudo acerca das práticas informacionais.

3.2 Mediar para informar, comunicar para significar

Refletir, primeiramente, sobre mediação informacional, nos faz pensar numa


busca por ferramentas facilitadoras que preparem adequadamente a informação ao
seu público. Posteriormente, pensamos em como esta informação pode ser, da
forma mais democrática, passada para qualquer um, sem distinção alguma, em
quem seja despertado interesse. Então, para objetivar uma melhor eficácia na
mediação informacional, temos de ter duas variáveis em equilíbrio: uma ferramenta
de mediação qualificada para cada público alvo e um meio democrático para que
essa ferramenta funcione e instigue o interesse da informação nos indivíduos, sem
distinções sociais.
24

Almeida Júnior (2009, p. 92) conceitua, mesmo que embrionariamente,


mediação de informação como

[...] toda ação de interferência – realizada pelo profissional da informação –,


direta ou indireta; consciente ou inconsciente; singular ou plural; individual
ou coletiva; que propicia a apropriação de informação que satisfaça, plena
ou parcialmente, uma necessidade informacional.

Porém, antes de chegar a essa consideração, Almeida Júnior (2009) percebia


que nos estudos sobre mediação, os profissionais da área da Ciência da Informação
tratavam essa ferramenta de uma maneira mecânica, o que acabava tornando essa
tarefa um processo frio e impessoal para o tratamento tanto da informação, em seus
derivados formatos, quanto do público alvo, em suas singularidades.

Então, o elo que tornaria esse acontecimento em algo mais significativo,


instintivo e relacional seria menos de, apenas, mediação/facilitação e mais de
comunicação. Função essa essencial e estrita da relação entre os indivíduos para
compartilhamento de informações, de modo frequente e autêntico, como dito por
Wolton (2011, p. 17):

A comunicação acontece por vários motivos [...]. Cada um tenta se


comunicar para compartilhar, trocar. É uma necessidade humana
fundamental e incontrolável. Viver é se comunicar e realizar trocas com os
outros do modo mais frequente e autêntico possível. [...] O ideal da
comunicação está evidentemente ligado ao compartilhamento, aos
sentimentos, ao amor.

A necessidade do homem de comunicar-se é antiga, em muito antecedendo a


própria fala, quando as ferramentas, quase sempre da natureza, eram o que
possibilitavam que, através de desenhos, gestos e ruídos, o homem transmitisse aos
outros seus desejos, anseios e descobertas. Essas ferramentas foram se
adaptando, atualizando e se transformando intrinsecamente ligadas ao processo de
comunicação. A mediação da informação surge, posteriormente, de uma busca dos
indivíduos, como um meio de facilitação ao acesso às fontes de informação, para
uma melhor qualificação na comunicação, haja vista que é do processo de
comunicação que surgem essas fontes. E essa mediação acontece de forma estrita
sob ensinamentos, normas e funcionalidades técnicas pré-estabelecidas.

A problemática destacada aqui do trajeto no surgimento da mediação está em


pensar a formação desse exercício apenas como um papel facilitador, o que significa
que a função do mediador está para o indivíduo o mesmo que uma seta na estrada
25

está para um viajante: apenas como uma ferramenta indicativa ao destino


procurado. A proposta é pensar a mediação para além da facilitação, do sentido
estável da indicação; como um processo de troca e compartilhamento, onde os atos
de informar e comunicar se tornam indissociáveis.
26

4 TEATRO DE RUA

A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há suor humano na


argamassa do seu calçamento. Cada casa que se ergue é feita do esforço
exaustivo de muitos seres, e havei de ter visto pedreiros e canteiros, ao
erguer as pedras para as frontarias, cantarem, cobertos de suor, uma
melopeia tão triste que pelo ar parece um arquejante soluço. A rua sente
nos nervos essa miséria da criação, e por isso é a mais igualitária, a mais
socialista, a mais niveladora das obras humanas (RIO, 2008, p. 30).

Busquemos ter em mente, para pensarmos as abordagens dos aspectos


propostos neste trabalho, a imagem da rua com esse sentimento profundo e
impactante, que a define como um organismo vivo e pulsante, que é plateia dos
acontecimentos e ações do homem, mas, também, seu palco e coxia.

A rua como um espaço democrático, que deveria estar/ser apta, se não para
comportar todo tipo de gente, mas para aceita-lo, ainda age sob normas que regem
a cidade e a utilização de seus espaços públicos. Normas essas politicamente
estabelecidas, de modo que as vozes e as vontades do povo são suprimidas pela
ideia do direito de ir e vir. É nessa rua onde muito se cita, mas pouco se discute a
democracia, que o povo tem buscado cada vez mais – temos como exemplo as
manifestações que aconteceram em vários estados do Brasil em 2013 -, e gerado
cada vez mais motivos para discussões – muitas vezes científicas e/ou acadêmicas
– sobre o valor da cidade na formação das pessoas e a importância destas na
construção da primeira. Nesse contexto, Lima (2002, p. 6) mostra o teatro

[...] como expressão do comportamento humano que reflete a multiplicidade


de significados que lhe é inerente, como veículo que possibilita a
maximização da cultura dos grupos sociais que constituem uma determinada
sociedade, como forma de comunicação que possui um código, meio pelo
qual se manifestam mensagens entre atores e espectadores, cuja linguagem
também se transforma, ora é influenciado, ora influencia as mudanças de
paradigmas estéticos, sociais, econômicos e políticos.

Se cogitássemos ter como definição do teatro de rua apenas a ideia de que é


a arte que se faz fora dos espaços tradicionais, estaríamos sendo superficiais e
dando vazão a muitas interpretações, afinal, os artistas que improvisam técnicas de
circo e de pantomima nos espaços públicos e “passam o chapéu” para receber
algum trocado, ou até mesmo a transferência de um espetáculo da caixa-preta para
o ambiente aberto, são exemplos da heterogeneidade da expressão “teatro de rua”
(GOMES, 2012).
27

Como, em geral, se vê e espera nos perfis das manifestações artísticas, o


teatro de rua deve propor uma reflexão. De forma individual ou coletiva, imediata ou
posterior, a reação do público reafirma para o artista a importância do seu trabalho e
a necessidade de força para que ele aconteça e, do próprio espectador, espera-se a
reflexão não apenas sobre o rumo que, fora da rotina cotidiana, seu dia tomara,
mas, também, no que tange ao significado do teatro de rua enquanto ação de
(deforma e) reforma de um espaço com traços e ações politicamente pré-
estabelecidos. Pensando nisso, Carreira (2001, p. 144) nos sugere

A possibilidade de pensar o teatro de rua a partir da ideia da


abordagem do espaço urbano, para permitir uma aproximação a essa
modalidade teatral que não seja regida apenas pela delimitação dos
conteúdos temáticos e peça citação de referentes culturais
tradicionais, mas por suas regras de funcionamento como espetáculo
e pelo seu papel de reorganização do espaço urbano.

4.1 A rua como espaço transgressor

A sociedade capitalista hierarquiza alguns espaços, distinguindo-os entre


nobres e marginais. A existência de salas próprias para apresentações de teatro, às
quais, em sua maioria, é preciso pagar para se ter acesso, gerando lucro para
determinado setor/estabelecimento, transforma o teatro de rua numa arte
predominantemente marginal. A ação desta arte nas ruas propõe a transgressão das
regras do uso da cidade, o que acaba por desfazer as ideias pré-estabelecidas de
funções específicas e questionar o sistema dominante. E “ainda quando a cultura
dominante possa conviver com a transgressão, cedendo alguns espaços, a
expressão da rua continua sendo marginal ante o conceito de teatro respeitável que
forjou a sociedade” (CARREIRA, 2001, p. 149). A existência, em si, do teatro de rua
é um ato transgressor manifestado em diversas formas: quando propõe uma quebra
momentânea do cotidiano e/ou a mistura de todos os tipos de pessoas que ocupam
as ruas, quando capta de cada manifestação e luta política elementos que reafirmam
seu caráter democrático. Ainda de acordo com o pensamento de Carreira (2001, p.
149), temos que

[...] essencialmente o teatro de rua transgride o princípio hierárquico


espacial dentro do qual a sociedade burguesa enquadra as manifestações
artísticas. O teatro de rua será sempre um acontecimento com uma
composição híbrida, estará sempre em contato com os referentes da cultura
culta e da popular.
28

O hibridismo no teatro de rua se mostra através do grande número de sujeitos


sociais capazes e aptos a interferirem no ato do espetáculo, mesmo que não
diretamente na sua linguagem cênica, mas no seu caráter. É nessa relação de
proximidade que existe entre ator e espectador, entre realizadores e audiência, e na
importância que existe no pertencimento, valorização e possibilidade de atuar que
existe de ambas as partes, onde o mais simples dos espetáculos vem a interagir
com a cultura híbrida das cidades, tornando-se um objeto novo, a cada
apresentação, sob o olhar de quem está na rua.

Assim, pelas mudanças e evoluções dos espetáculos, bem como dos atores,
estarem diretamente relacionadas com a interferência e influência do público, o
teatro de rua torna-se um ato político por, além de democratizar as linguagens e os
espaços, ser uma representação da voz e do sentimento dos povos que ocupam as
ruas. Para Araújo (2011, p. 16)

No que se refere à mudança para além dos palcos, tratamos do fazer teatral
socialmente responsável, onde o ator, o artista, mais que o indivíduo, se
torna representante do seu povo, referenciando-o e representando-o, dando
voz a quem não tem vez e, de alguma maneira, se comprometendo com a
sonhada e esperada transformação social.

4.2 O espectador, a identidade e a memória

[...] muito antes do teatro querer ganhar a cidade, já houve um momento em


que o teatro era feito pela cidade, e mais: era o ápice da vida em comum na
cidade, um momento em que toda cidade parava e se congregava em torno
do espetáculo cênico. Hoje, o teatro invade a cidade, ou hoje, o teatro volta
para a cidade? (DIAS, 2012, p. 48-49)

Se voltarmos um pouco no tempo e pensarmos na nossa herança histórica,


veremos que nós, enquanto espectadores de teatro, o fomos inúmeras vezes nas
ruas, feiras, praças públicas. Se voltarmos ainda mais e pensarmos ser pertinente a
ideia de que o teatro ocidental deriva dos rituais gregos, como os das seguidoras de
Dionísio, por exemplo, reafirmamos a rua como um palco. Assim, se há pessoas
para acompanhar os cortejos que acontecem nos espaços públicos, há cena na rua
e os espectadores existem.

A rua, como espaço de convivência, permite que o cidadão desfrute de um


anonimato que o libera do peso de um compromisso pessoal. No espaço
aberto da rua e em comunidade, o sujeito urbano se sente mais capaz de
atuar. Esse é um comportamento que facilita que na rua exista uma
predisposição para o jogo e a participação espontânea. Participação
29

espontânea se refere aqui não necessariamente a uma inclusão do público na


cena, mas na disponibilidade de se relacionar de múltiplas formas com o
espetáculo, aceitando a invasão do espaço coletivo (CARREIRA, 2001, p.
145-146).

Este jogo refere-se ao que se faz inconscientemente, não sem saber o que
está fazendo, mas sem posicionamentos extremamente questionadores sobre sua
utilidade. O jogo é invenção. Concordando, ainda, com o pensamento de Carreira
(2001, p. 146), “a rua é, portanto, o espaço para o exercício da liberdade e da
criatividade.” Assim, essa é a primeira relação de espectador que as pessoas podem
entender ao participarem do jogo: quando se permitem fazer parte, criar, imaginar.

A segunda possibilidade da formação do espectador, dá-se através de uma


das mais atuantes vertentes do teatro de rua: a cultura popular. O ato de levar ao
público as manifestações tradicionais que contam as histórias de um povo é, no
mínimo, estreitador, por estabelecer a relação ou de identificação, quando aquelas
manifestações não se referem à história do público que está assistindo ao
espetáculo, mas são características fortes e facilmente direcionadas à quem
pertecem, ou de reconhecimento, quando a contação pertence à história daquele
público e este se enxerga como parte daquilo.

Em relação a essas características que facilitam e dão intensidade à relação


de identidade do público com o espetáculo, e tendo como exemplo os bois e reisado,
Barroso (2013, p. 317) nos explica que essas figuras

[...] retém arquétipos, fragmentos de mitos e matrizes culturais, que lhe dão
qualidades universalizantes e representatividade cultural. Daí explica-se, em
parte, a forte empatia que exercem sobre seu público. São personagens
fortemente incrustados no imaginário popular.

A reação do público, quase sempre, é o que manifesta a importância dessa


questão da identidade, quando a efetivação e permanência dele acontecem. Aqui,
encontrando a possibilidade de pensar a identidade do público no contexto da ação
teatral na rua, efetivamos a importância da memória coletiva que, para Le Goff
(1990, p.140), é “um objeto de poder”, sendo as sociedades que permitem esse
espaço para a memória coletiva, o meio de permitir a compreensão acerca da luta
pela memória da tradição.

Nos estudos da biblioteconomia, o ato de preservação é de imensurável


importância, o que vai de encontro com algumas ideias mais contemporâneas que
30

apostam fortemente no hibridismo, no resultado das misturas de informações como


o futuro mais certo para as manifestações artístico-culturais, pensando em como
essas têm acontecido de algumas formas tão inovadoras nos dias atuais.

O que acontece, na verdade, é um desequilíbrio entre a ideia de dar liberdade


às manifestações artísticas e a de deixar registrado, pelo sentimento de valoração à
coisa importante que aconteceu e que pode ter afetado de diversas formas as
pessoas e o meio, mas também como uma forma de garantir fontes de pesquisas,
acadêmicas ou pessoais, no futuro. Para Faria (2008, p. 15-16), devem ser
preservados

Todos os bens de natureza material e imaterial, de interesse cultural ou


ambiental, que possuam significado histórico, cultural ou sentimental, e que
sejam capazes, no presente ou no futuro, de contribuir para a compreensão
da identidade cultural da sociedade que o produziu.

Como exemplo da importância desse equilíbrio entre a permissão de


modificação e hibridação que as práticas tradicionais devem receber, e a
importância da preservação dessas mesmas práticas como fontes memorialísticas
da história de um povo, tem-se o “Romeu e Julieta – O encontro de Shakespeare
com a Cultura Popular”, atual principal espetáculo do Grupo Garajal, com texto de
Victor Augusto e direção de Mario Jorge Maninho. O espetáculo propõe contar mais
uma vez o clássico romance shakespeariano, mas sob uma nova perspectiva: a
briga entre Montéquios e Capuletos e o amor entre seus herdeiros acontecem em
um terreiro de reisado, interpretados por mestres, catirinas e mateus, ao som de
pífanos e zabumba, e embalados por rodas de coco, pau-de-fita e lutas de espada.
Ou seja, a mistura de culturas ditas diferentes, uma história predominantemente
contada com uma linguagem dita erudita sendo recontada com o linguajar peculiar
do nordeste, com ferramentas e folguedos que fazem parte da memória do
nordestino.

A preservação não deve carregar a incumbência de cápsula protetora das


manifestações artísticas e culturais, quando essas, por onde passam, capturam os
olhares e energias que receberam e, naturalmente, se transformam. A preservação
deve ser encarada como uma forma de garantir a existência, a memória viva do que
se fez, baseado, entre outras coisas, no ideal de ensinar, instigar e afetar as
pessoas. Daí a importância, não de enclausurar a ação primeira, mas de garantir
que, ainda que ela se modifique – e isso serve para cada uma de suas mudanças,
31

também –, não seja esquecida. Preservar não é impedir a mistura, o novo, a criação,
mas evidenciar a importância histórica e social do que existiu.

4.3 A cultura popular no teatro de rua: o exemplo do reisado

Como apresentado na seção anterior, o principal espetáculo do Grupo Garajal


dá respaldo à escolha do reisado como forma de exemplificar a importância da
existência da cultura popular no teatro de rua. Importância essa que reafirma a
presença, por vezes implacável e necessária, das relações de identidade entre
público e espetáculo.

Com o reisado, quando atuado nos quatro cantos do Nordeste, é fácil refletir
no público um sentimento de pertencimento por ser de conhecimento quase geral
que, em algum lugar do tempo, aqueles relaxos e cantorias, por exemplo,
compuseram a história de nosso povo e são, hoje, recontados com novas
roupagens. Esse exemplo torna-se mais estreito e particular se pensarmos nos
lugares onde os grupos de reisado existem, onde a vida comum e cotidiana da
cidade ganha vida no terreiro quando as brincadeiras se direcionam a uma figura
popular ou a um acontecimento comum àquele público.

É existindo esse sentimento de pertencer àquela arte, àquela manifestação


artístico-popular que pode causar um sentimento real de valorização e
reconhecimento, como forma de fazer surgir o desejo de aproximação e,
posteriormente, o entendimento e/ou a reflexão sobre a importância política e social
da ocupação dos espaços públicos.

Tanto quanto os brincantes, o público é elemento indispensável na


brincadeira. Conhece o brinquedo e dele participa. Seu prazer é rever o
conhecido, na forma inesperada como vai acontecer. Conhece os
brincantes, partilha com eles a mesma linguagem, os mesmos costumes,
humores, gestos e sensibilidade. Faz parte do mesmo universo cultural
(BARROSO, 2013, p. 106).

A partir deste viés, o reisado surge aqui não apenas como exemplo
relacionado ao recorte deste trabalho, mas por ser uma das manifestações culturais
que mais faz referência a esse jogo de reconhecimento – com as cores, os sons, os
movimentos, os rituais – e participação da comunidade.
32

Além dessa relação forte com a própria comunidade, o reisado alicerça sua
manifestação, também, na relação do homem com as práticas tradicionais da
sociedade como um todo, e até da natureza, como explica Barroso (2013, p. 307):

Bois e reisados utilizam formas cênicas características de sociedades


tradicionais, nas quais prevalece o espírito religioso, a visão sagrada do
universo e onde o mundo preserva seu encanto. Originam-se de ambientes
onde homem e natureza, arte e vida, ainda não estavam de todo apartados.
Como expressões de culturas orais, utilizam linguagens mito-poéticas que,
muitas vezes, não privilegiam a palavra no processo de comunicação.
33

5 AS PERSPECTIVAS DO TEATRO DE RUA NO BRASIL

O Brasil é um país rico em culturas populares e tradicionais. As regiões que


compõem o país, uma a uma, realçam e inspiram, cada qual com sua singularidade,
a criatividade e as expressões da cultura popular que dão nome, vida e sentido às
histórias do povo brasileiro.

Nesse sentido, o território brasileiro é um local ideal para o desenvolvimento


de ações de incentivo e projetos que visem proliferar e preservar as diversas
culturas populares que o compõem, dentro de cada gestão menos (municipal,
estadual) de cada região. “O Brasil é campo fértil para o desenvolvimento de
projetos em que a cultura tenha um papel central, devido sua notável diversidade
criativa” (UNESCO apud Santiago, p. 13).

Mediante o exposto nos capítulos anteriores, e à perspectiva do Brasil como


um país marcado pelas diversas e miscigenadas culturas, faz-se de grande
importância compartilhar um pouco da opinião sobre o teatro de rua, recorte principal
deste trabalho, de atores e/ou participantes ativos dos movimentos artísticos no
Brasil. As falas abaixo são os primeiros resultados de uma pesquisa pessoal do
assessor de comunicação, técnico e fotógrafo do Grupo Garajal, Anso Rodrigues,
em parceria com Miguel Cairo, ator do grupo. Sua pesquisa vem sendo desenvolvida
ao longo deste ano durante a passagem do grupo por algumas cidades do Brasil,
por meio da aprovação no edital do projeto Palco Giratório, do Sesc. A pesquisa,
que recebe o nome que dá título a este capítulo, ainda está em andamento e tem a
fanpage2 do grupo como veículo de divulgação.

Além de expor algumas opiniões sobre os rumos que o teatro de rua tem
tomado no Brasil, as falas vêm para reforçar as ideias expostas neste trabalho,
reafirmando sua veracidade e importância. Das sete entrevistas divulgadas,
usaremos cinco como exemplo.

2
https://www.facebook.com/GrupoGarajaldeTeatro
34

O teatro de rua carrega três fundamentais vertentes de atuação que estão


inteira ou parcialmente relacionadas com a proposta deste trabalho, como cita
Adailton Alves Texeira, do Grupo Buraco dOráculo 3:

A estética do teatro de rua no Brasil tem três matrizes fundamentais, né? As


culturas populares tradicionais ou aquilo que Mario de Andrade 4 chamou de
‘as danças dramáticas’; uma outra matriz que é a questão do circo, né? [...]
que a partir dos anos 80 ele aumenta; e uma matriz mais política, né? [...]
que chega ao Brasil ali [...] pelos CPCs, os Centros Populares de Cultura 5
da UNE. [...] Então, essas três matrizes é mais pra separar, mas os grupos
atuam, às vezes, misturando essas linguagens. [...] Com relação ao
movimento do teatro de rua no Brasil, ele, de fato, ele vem aumentando
muito e, mais do que aumentando, a gente vem conseguindo encontrar todo
mundo, né? Seja na Rede Brasileira de Teatro de Rua 6, seja em mostras e
festivais que tem aumentado. Então é muito interessante essa perspectiva
da gente tá se encontrando e só aumentando, por que mesmo grupos que
nunca haviam feito rua, de repente começam a ver essa possibilidade de ir
pra rua, o que é muito interessante. Quer dizer que é esse o espaço onde a
gente tá conseguindo, de fato, dialogar, encontrar o público e discutir (...)
por meio da estética, a sociedade que a gente vive.

Ainda que existam matrizes que norteiam as práticas teatrais, cada grupo cria
suas performances e possibilidades dentro da questão da rua que, por si só, propõe
mudanças a cada nova apresentação. Isso caracteriza a estética, tão recorrente na
fala dos entrevistados.

A chegada do teatro de rua no Brasil, nos anos 90, foi, naturalmente, um ato
político, como explica o pesquisador, músico e ator Filippo Rodrigo:

O teatro de rua, à nível de Brasil, vem ganhando uma proporção grande de


grupos que começaram a praticar e se uniram, aí criaram, com isso, a Rede
Brasileira de Teatro de Rua. Mas não é dessa história que a gente quer
contar um pouco, por que essa história é nova, essa história é recente. A
gente quer contar um pouco de antes, de como chegar a isso, né? [...] Eu
3
O Buraco d`Oráculo nasceu em 1998, com o intuito de fazer um teatro que discuta o homem urbano
contemporâneo e seus problemas. https://www.facebook.com/buraco.oraculo/timeline
4
Mário de Andrade (1893-1945) foi escritor brasileiro, autor de “Macunaíma”, que teve papel
importante na implantação do modernismo no Brasil. Foi amigo inseparável de Anita Malfatti e Oswald
de Andrade. Foi diretor do departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo. Foi funcionário do
Serviço do Patrimônio Histórico do Ministério da Educação. http://www.e-
biografias.net/mario_andrade/
5
O Centro Popular de Cultura foi uma organização associada à União Nacional de Estudantes.
Criada em 1961, no Rio de Janeiro, por um grupo de intelectuais de esquerda, tinha o objetivo de
criar e divulgar uma “arte popular revolucionária”, reunindo artistas de diversas áreas, como teatro,
música, cinema, literatura e artes plásticas, para defender o caráter coletivo e didático da obra de
arte, bem como o engajamento político do artista.
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo399389/centro-popular-de-cultura-da-une
6
A Rede Brasileira de Teatro de Rua - RBTR, criada em março de 2007, em Salvador/BA, é um
espaço físico e virtual de organização horizontal, sem hierarquia, democrático e inclusivo. Todos os
grupos de teatro, artistas-trabalhadores, pesquisadores e pensadores envolvidos com o fazer artístico
da rua, pertencentes à RBTR podem e devem ser seus articuladores para, assim, ampliar e
capilarizar, cada vez mais, reflexões e pensamentos, com encontros, movimentos e ações em suas
localidades. http://teatroderuanobrasil.blogspot.com.br/
35

faço parte de um movimento que, em 1991, na cidade de Janduís, em Rio


Grande do Norte, (...) que existia na época um grande problema com a
seca, que é uma das coisas que aflige muito a região nordeste; que existia,
também (...), quer dizer, não existia naquela época (...) incentivos de
governo de forma nenhuma para alguma atividade cultural, principalmente
para o teatro de rua. O teatro de rua tava começado ali. Em 91 a gente
tinha, à nível de Brasil, até onde se sabia, (...) alguns grupos como o “Ói
nóis aqui traveiz” do Rio Grande do Sul, o “Tá na rua”, no Rio de Janeiro;
sabíamos da existência do “União olho vivo”, aqui em São Paulo, né? [...] o
“Embuaça” em Aracajú, já chegando no Nordeste, o “Galpão” em Minas
Gerais, o “Alegria, alegria” do Rio Grande do Norte. Essas companhias
eram, basicamente, as companhias que circulavam pelo Brasil com grande
precariedade. De lá pra cá um salto grande foi feito [...]. Mas, em 91, (...)
nessa cidade de Janduís, alguns artistas decidiram passar 4, 5 dias juntos
nessa cidade, com uma perspectiva de fazer uma ação, de se trocar a arte
que eles fazem por comida, por água, nas cidades vizinhas, e trazer água
pr’aquela cidade que estava com necessidade. E foi algo tão maravilhoso
que, a partir dali, se criou o movimento chamado “Movimento Escambo
Popular Livre de Rua”. Movimento que perdura e existe há mais de 21 anos
no Nordeste brasileiro. Hoje tem pra mais de 240 grupos que se encontram
uma vez por ano em alguma cidade, principalmente no Nordeste. [...],
geralmente cidade pequena, ou nas periferias das grandes cidades, pra
trocar arte. Trocar o que eu faço com o que você faz, de forma livre, sem
imposição, buscando a horizontalidade, sem verticalidade.

A rua, sendo a mais igualitária obra do homem, estabelece entre os seus a


mais pura relação de democracia. Na rua não decide por gênero, raça ou credo
quem, por direito, terá acesso à cultura. Na rua, estar passando e poder parar para
assistir a um espetáculo nos desperta à simples prática da igualdade e à liberdade
de cada um. O teatro de rua é um ato político por essência, ideia desenvolvida por
Karine Paz, atriz do Grupo Oigalê7, na seguinte fala:

O teatro de rua, eu acho que ele por si só é político [...]. É uma arte
extremamente democrática [...]. E o que eu consigo perceber, num
crescimento muito grande desse movimento no Brasil, uma necessidade de
os grupos estarem comunicando com o outro, sem distinção de cor, de
classe e, principalmente, uma questão de incentivo financeiro, né? A gente
tem algumas leis de incentivo para a criação de rua. No Rio Grande do Sul,
em Porto Alegre, a gente tem, tem crescido muito. Grupos que não
trabalhavam com rua, tão começando a sair pra rua, também, pra se
manifestar, porque o público de teatro tradicional ele acaba sendo sempre o
mesmo, a gente acaba circulando sempre com as mesmas pessoas, e
quando a gente tá na rua a gente abre um leque, uma gama maior e
consegue entrar em contato com pessoas que não estão habituadas a ir no
teatro. Dentro do grupo Oigalê, a gente trabalha com uma estética voltada
pra essa cultura do gaúcho. Uma pesquisa tentando entender qual é a
nossa origem, o que é ser gaúcho, tentando desmistificar essa ideia do
gaúcho que ele é truculento, que ele é grosso, mas tentando, realmente,
buscar essas raízes e essas origens. E eu acho que todos os grupos de
teatro de rua eles buscam isso conforme a sua região. Então a
diversificação desse trabalho é muito grande. A gente assistindo trabalho do

7
A Oigalê Cooperativa de Artistas Teatrais surgiu em 1999 e, desde então, mantém um trabalho
contínuo e de pesquisa. O grupo atualmente faz temporadas de teatro de rua nos parques e praças
de Porto Alegre, além de apresentar em escolas e entidade. Também realiza cortejos e intervenções
cênicas. http://www.oigale.com.br/ogrupo.htm
36

norte, a gente percebe uma cultura de histórias e de lendas da região.


Assim como é quando a gente vem aqui pro estado de São Paulo a coisa é
muito mais política, muito mais relacionada à cidade, mesmo, essa relação
patrão – empregado, como é que se dá as relações de oprimido e opressor,
né? No norte é uma coisa muito mais festiva, eu tenho essa sensação,
assim, de trazer as festas populares, as festas de rua pra dentro dos
espetáculos.

A fala de Karine nos leva a transitar da política – onde o teatro de rua se faz
socialmente responsável e, também, onde as leis, hoje, de forma marcante no nosso
país, atuam facilitando os encontros, trocas e experiências – até onde a arte feita na
rua é considerada um elo entre passado e futuro das práticas tradicionais dos povos
e regiões, mas também é experimentação para a recriação de algumas dessas
práticas.

A questão das identidades (múltiplas, mutáveis, inconstantes e em eterno


devir) está no centro de debates e discussões que interpolam os mais
diversos campos na contemporaneidade: a história, a educação, as ciências
sociais, a filosofia, as artes, o direito, a medicina, a psicologia. Enfim,
praticamente todos os ditos “campos do saber” estão sendo permeados pela
discussão acerca das identidades. (FERREIRA, 2010, p. 118)

Ainda pensando sobre o contexto político e estético do teatro de rua,


podemos discutir a relação entre ator e espectador, pensando que este segundo,
nessa modalidade de arte, tem total liberdade de ser efêmero para o momento do
espetáculo. Isso entrega aos grupos e ao ator em si, a incumbência de, durante o
processo de criação do espetáculo, ser criada uma forma de facilitar o entendimento
do público passante. Mais do que apenas transmitir a informação para o público que
passa e/ou para o público que fica, o jogo em questão é propor uma verdadeira
comunicação que ultrapasse a ponte dura e imóvel, chegando à troca, ao
compartilhamento (Almeida Júnior, 2009). Mostrar o espetáculo é importante, mas
ainda mais é fazer com que ele seja compreendido. Sobre isso, nos fala Osvaldo
Pinheiro, da Cia Estável de Teatro:

Entendendo estética como algo político, nós temos matrizes


importantíssimas de pesquisa de cultura popular, todas de cultura popular,
que nos ajudam a compreender toda essa forma de como se expressar
nesse espaço público e de como encontrar o público, de como acolher o
público e de como incluir esse público nos nossos trabalhos em toda essa
forma de fazer. Então (...) é tudo muito amplo. [...] o momento em que você
vai pra rua, você já tem que pensar neste corpo que é um outro corpo muito
fora do cotidiano, que é um corpo mais amplo, que é um corpo que tem um
diálogo muito direto e muito Brechtiano8. Brechtiano no sentido [...] do gesto,
do gesto social e do fazer ali naquele momento, daquelas relações como
elas são. Então tudo isso você encontra na prática, na experiência com as
8
Brechtiano faz referência ao dramaturgo alemão do século XX, grande influenciador, por seus
trabalhos artísticos e teóricos, do teatro contemporâneo.
37

pessoas. Então, eu acho que a gente tem caminhado bastante no sentido


de aprofundar e de melhorar a nossa qualidade, a nossa estética e o nosso
teatro, mais focado na rua e nesse público passante. Esse trabalho, é muito
interessante pensar, também, na questão dramatúrgica porque o público
que tá passando, muitas vezes tem somente 10 minutos pra ver o
espetáculo, então quando ele passa, ele já tem que ter ideia, mais ou
menos, do que, de fato, o espetáculo quer dizer. [...] O que eu tô querendo
dizer é que cada cena de um espetáculo mais longo na rua, a gente precisa
pensar nessa relação com esse público que passa, que olha, que observa.

João Vicente, integrante da Lamira Artes Cênicas 9, ao ser entrevistado logo


após a apresentação do espetáculo “Do Repente” 10, apresenta as questões pessoais
do grupo, em nível de estado natal, sobre sua necessidade de conhecer o espaço da
rua, mas, também, nos expõe uma preocupação que, assim como a beleza das
inúmeras culturas, percorre grande parte do Brasil.

O grupo, ele tem apenas um trabalho de rua. [...] E, pra nós, o trabalhar com
rua surgiu como uma necessidade, porque Palmas, em Tocantins, é a única
cidade que tem disponibilidade de ter teatro. As outras cidades, do interior,
não tem teatro. Então nós tínhamos a necessidade de adentrar no universo
de todo o público do Tocantins, mas a nossa única possibilidade, pra num
ficar refém de questões técnicas, foi adentrar no teatro de rua. Começamos
sem conhecer e foi necessário fazer um estudo pra adentrar nesse universo
e acontece que nós nos apaixonamos por esse universo [...]. E, desde
então, esse espetáculo sofreu n modificações, porque, logicamente,
conforme nós íamos apresentando [...] nós fomos aprendendo com a prática
também, e adentrando nesse universo a gente foi modificando a estética do
espetáculo e do grupo, porque a gente foi aprendendo. Agora,
particularmente, nós também descobrimos que a questão do teatro de rua
no Brasil é uma necessidade, uma obrigatoriedade, ainda, porque, por
incrível que pareça, nós descobrimos que a necessidade que tem o
Tocantins, que pra receber arte tem que ser o teatro de rua, é uma
necessidade do Brasil. O Brasil não tem teatros suficientes e não tem,
ainda, a tradição, ou a educação, ou a cultura de ir ao teatro. Nós vemos no
teatro somente aquele tipo de público específico, aquele público que é do
teatro, é da dança [...]. E qualquer lugar que nós vamos, sempre tem um
que fala ‘Nossa! Primeira vez que eu vejo... Primeira vez que eu vejo
espetáculo de teatro!’ [...] Então, o teatro de rua, hoje, não é uma questão
só política. Pro artista, acho que é uma questão ética, também, de saber
que o trabalho artístico dele vai ter uma repercussão muito efetiva ao ser
apresentado na rua porque é uma plateia que também tem a necessidade, a
carência. Não é carência, mas tá com a fome da arte, tá mais pulsante a
fome. E isso é muito gostoso quando você vai pra rua, porque você
descobre que, realmente, você não tem fome só de comer, né? Quem
assiste, naquele momento que você coloca o bebo junto com o empresário,
9
LAMIRA é um grupo de artes cênicas tocantinense que busca, na fisicalidade, o ponto de interseção
entre dança, teatro, circo e música para a construção de sua estética. Suas produções partem da
interação entre coreógrafos, diretores e pesquisadores das mais diversas áreas, fomentando,
fortalecendo e desenvolvendo as artes cênicas como linguagem cultural.
http://lamira.com.br/apresentacao/
10
“Do repente” é um espetáculo cênico destinado aos espaços urbanos. Sua poética é elaborada em
torno do universo do Romanceiro Popular do Nordeste  brasileiro, nas figuras do poeta cantador,
do coquista, do aboiador, do glosador, do cordelista, do mamulengueiro e da influência e presença
dessa cultura na formação das “diversas culturas” brasileiras. A proposta consiste numa releitura que
relaciona o universo desse Romanceiro Popular  nordestino, com o universo urbano e globalizado da
atualidade.
38

o rico com o pobre, o patrocinador com o patrocinado, e bota todo mundo


pra ter, sentir essa experiência estética, é aquele momento de parar,
meditar, refletir, assistir e ter uma experiência estética. Parece que é o
momento do espaço que você para e (...) o que é mais legal é que você não
esperava por isso. Essa é a magia da rua. E a rua é honesta. Você não
gostou? Você levanta e vai embora. Isso pro artista é maravilhoso, porque
afoga o ego e obriga ele a aprender, a trabalhar de novo.

É nessa rua honesta – onde não existem patamares e todos estão à mesma
altura – que os saberes – sejam escritos e/ou defendidos pela ciência, sejam
registros da memória e espalhados por meio da oralidade – se encontram. E, na
naturalidade em que a rua “acontece”, esses saberes não se confrontam, assim
como as ideias e propostas acerca deles buscam a harmonia de estar. Isso
corrobora com o discurso de Lamaire (2007, p. 1-2) quando diz que não se deve
utilizar dos mesmos pressupostos para pensar e estudar a escrita (culto) e a
oralidade (popular) e que cada uma dessas linguagens deve ser avaliada e
entendida sob seu real contexto.

O teatro de rua, por fim, mesmo com toda a sua carga política e formadora,
carrega em seu dorso grande naturalidade, seja no desenrolar dos acontecimentos,
seja nos impulsos do corpo e seus sentimentos. Assim, Filippo Rodrigo nos
contempla com uma fala esclarecedora e natural sobre o fazer teatral na rua:

[...] eu acho que cada grupo vai buscar suas referências, vai buscar sua
forma de fazer teatro de rua, não existe uma forma certa. A forma certa é a
forma que você sinta prazer. [...] O importante é o prazer. Estar bem, ficar
bem e fazer o que você gosta. Isso é o importante no teatro de rua: prazer.
Saber que não é só uma profissão, saber que não é só um ganha-pão (...).
É uma grande brincadeira. É uma brincadeira popular que você tem nas
suas costas referências milenares de outros artistas, teóricos e pensadores,
de pessoas populares [...]. Mas eu tenho uma única certeza: eu estarei
brincando. Estarei brincando de teatro de rua.

Portanto, o teatro de rua mostra-se desde a arte da miscigenação e da


militância, até findar-se na naturalidade e no prazer de brincar. Com isso, a
brincadeira faz-se parte fundamental de todo o processo formador que há no teatro
de rua, mostrando que o “riso é o complemento obrigatório da seriedade, elemento
necessário ao equilíbrio da vida humana. Por isso a vida popular se renova com a
festa” (BARROSO, 2013, p. 313).
39

6 INSTITUTO GARAJAL DE ARTE E CULTURA POPULAR

Com 11 anos de existência, o Instituto Garajal de Arte de Cultura Popular vem


fortalecendo sua experiência que focam desde a valorização da memória da cultura
tradicional nordestina, passando pela figura do palhaço e pelas técnicas circenses,
até os processos de formações culturais e efetivação da formação de plateia. O
grupo se define em três eixos: pesquisa, criação de obra e formação cultural. Nessa
trajetória, a equipe vem investigando sua linguagem de teatro de rua com os
elementos da cultura popular nordestina, pautada pelos saberes dos mestres dessa
cultura e nas manifestações tradicionais, como coco, reisado, maracatu cearense,
pau-de-fita, entre outros.

O grupo surgiu a partir de uma capacitação do Programa de Apoio às


Reformas Sociais do Ceará, junto da Prefeitura de Maracanaú e da Associação
Teatral de Maracanaú (já extinta). Como resultado dessa capacitação, surgiu o
espetáculo “Sonho de uma noite de verão” e, na ocasião, o local que hoje é sede do
grupo, era onde os participantes dessa capacitação se reuniam para produzir
figurinos, adereços e cenários para o espetáculo. “Aí o pessoal foi ficando (...). Nós
somos um garajal de todas as artes”, diz Maninho em entrevista ao programa local
“Nossa terra, nossa gente”11. Ao longo desses anos de trabalho, já passaram pelo
Garajal inúmeras pessoas, entre atores, formadores, aprendizes e colaboradores.

Mesmo tendo em Maninho a referência de diretor, findou por tornar-se marca


do grupo trabalhar a ideia de anular a figura fixa de um líder, de um mestre, dando
vazão ao princípio de que cada um tem sempre algo para ensinar, para acrescentar,
da sua história e experiência, aos demais. “O Garajal nunca teve um mestre. A
palavra mestre faz parecer que alguém do grupo guarda um conhecimento
verdadeiro, acabado em si mesmo. Não é assim que o teatro funciona”, argumenta
Mario Jorge Maninho em entrevista para o livro “Terreiro da Tradição”, organizado
pelo Sesc, que catalogou uma série de grupos que desenvolvem as tradicionais
práticas nordestinas de terreiro.

11
https://www.youtube.com/watch?v=0z1OBn8ZEfU
40

O grupo se mantém em atividade com ações como Teatro Empresa,


Animações, Intervenções e Cortejos e, do que é recebido em cada uma dessas
ações, 10% é destinado às despesas de manutenção do grupo e o restante dividido
com os atores que participaram da ação. Além disso, o grupo trabalha com
inscrições em editais, que é uma forma de alicerçar circulações maiores dos
espetáculos. E trabalha, também, com editais próprios, escritos por Flávia
Cavalcante e Mario Jorge Maninho, baseados sempre em trabalhos já desenvolvidos
pelo grupo e que são voltados à formação de plateia, atores e artistas circenses,
criação de obra, além do Festival Nacional de Teatro de Rua do Ceará, que teve sua
primeira edição em 2013. Outra forma de capitar recursos é com apoios e parcerias
municipais e o grupo conta com grande dificuldade de conseguir apoiadores
privados.

O Instituto Garajal, ao longo desses anos de atuação, foi premiado em alguns


festivais como, por exemplo, o FECTA, em dois anos consecutivos. Considerado
“grupo revelação”, nesse festival também foi indicado a melhor direção, maquiagem
e figurino e atriz coadjuvante. O grupo já participou de inúmeros festivais
reconhecidos não apenas nacionalmente. Alguns deles são: Festival Nordestino de
Teatro de Guaramiranga, Festival da Diversidade Cultural Tangolomango, Festival
de Inverno de Campina Grande, Festival das Artes Cênicas do Centro Cultural
Banco do Nordeste, entre outros.

O espetáculo “Romeu e Julieta – O encontro de Shakespeare com a Cultura


Popular”, que iniciou sua montagem em 2009 com incentivo do “Microprojetos” do
Governo Federal, tem em 2013 um ano marcante de ampla circulação com o
Circuito Cultural Paulista, Mostra de Teatro de Rua do Sesc, XX Festival Nordestino
de Teatro de Guaramiranga, Festival dos Inhamuns – Circo, Bonecos e Artes de
Rua, Festival Internacional de Rio Preto, Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre
e na Virada Cultural de São Paulo. Nesse ano de 2014, segue em circulação
nacional com o Projeto Palco Giratório.

6.1 A escolha do grupo

A escolha do grupo deu-se a partir de uma experiência pessoal, de


compartilhamento com o elenco quando, já contando a sexta vez que assistia ao
41

espetáculo “Romeu e Julieta – O encontro de Shakespeare com a Cultura Popular”,


tive a oportunidade de vivenciar o espetáculo chegando bem perto do que propõe a
sua narrativa. Em 2012, dentro da programação da Mostra Sesc Cariri de Culturas,
acompanhei o grupo ao distrito de Campo Alegre, no município de Crato. Logo na
chegada, ouvimos comentários sobre como, na época, os moradores dali
precisavam deslocar-se para outra comunidade para ter acesso à escola, correios e
posto de saúde, por exemplo. Ainda assim a recepção foi impecável: cancela toda
aberta e terreiro bem varrido. Apresentado debaixo de um pé-de-manga e
levantando muita poeira, o espetáculo reuniu vizinhos no quintal de uma casa, como
era de costume nos tempos mais antigos quando, à luz do candeeiro, as
comunidades existiam na mais plena prática de seu nome.

Além disso, o grupo Garajal age exatamente como propõe uma das ações
que realiza para/com a comunidade: Garajal de Portão Aberto. Foi assim que, desde
o primeiro contato até a primeira visita, fui recebida. De braços e portão abertos para
mim, pude conhecer mais de perto as histórias e o trabalho daquela turma. Até que,
nos encontros seguintes, como deixou claro Maninho desde a primeira visita, eu já
me sentia em casa.

O fato é que essas experiências me levaram a algumas reflexões: sobre as


comunidades distantes que têm pouco ou nenhum acesso à cultura, sobre os
costumes das pessoas que moravam (ou ainda moram) nos sítios mais afastados
dos centros das cidades, sobre a importância do contato próximo e verdadeiro com a
comunidade (rural ou urbana), entre outras coisas. O Garajal instigou minha
curiosidade e imaginação, me levando a aventurar-me nesse mundo da rua, dos
contatos, das narrativas, das relações afetivas.

6.2 Ações que o grupo realiza

O Garajal teve sempre no ideal do grupo, a busca pela proximidade com a


comunidade e, por isso, sempre promoveu momentos de interação com a mesma.
Ao longo dos anos, a equipe passou a ocupar outros espaços na cidade, desde
praças a festas grandes e eventos privados. Mas o bom e velho acontecimento, de
42

interditar a rua e deixar aquele espaço ser tomado pelas pessoas da comunidade,
era primordial.

Entre as ações do grupo Garajal, estão:

 Garajal de Portão Aberto

Com início em 2011, o Garajal de Portão Aberto consiste em apresentações


artísticas, ações formativas e intercâmbios com grupos de teatro e circo do Ceará. A
ação acontece a cada três meses, na sede do grupo, com o objetivo de potencializar
um espaço da rua em um espaço cultural, desenvolvendo diversas ações culturais
em dois eixos: 1. Formação de plateia através de apresentações de espetáculos das
mais variadas áreas, estéticas, gêneros, poéticas e de faixa etária; e 2. Formação
artística através de oficinas, palestras e seminários nas áreas de teatro, dança,
circo, música, audiovisual, entre outras.

 Festa de Reis e Queimação do Judas

Ainda que aconteçam em épocas distintas – a primeira no dia 6 de janeiro,


fechando um ciclo que se inicia no natal, e a segunda na Semana Santa -, esses
momentos são, efetivamente, representações das festas tradicionais nordestinas. Na
Queimação do Judas, a festa é totalmente feita para a comunidade e conta com
alguns patrocínios locais. Nessa noite acontece um grande bingo e é uma festa
regada a muita diversão. Há, também, uma competição que premia a pessoa que
confeccionar o melhor Judas e seu testamento, que é lido para o público. Na última
edição da queima, até o próprio Mario Jorge Maninho foi representado pelo boneco.
A cada ano, na Festa de Reis, o grupo prepara apresentações de reisado, cânticos e
ladainhas, assim como toda a confecção de figurino e ornamentação, com a
participação ativa da comunidade. Essas festas acontecem na mais pura
representação da tradição de comunidades nordestinas.

 Encontro de Malabares e Palco Aberto

O encontro de malabares acontece toda segunda-feira e é uma forma de sair


um pouco da sede do grupo e sua rua e ocupar outros espaços públicos da cidade.
A ideia do encontro é promover a troca informal de técnicas circenses com quem se
sentir interessado e convidado a participar. O Palco Aberto acontece interligado ao
43

encontro de malabares e tem o objetivo de estimular artistas e iniciantes às


experimentações das artes circenses, como também do teatro. O palco é aberto a
qualquer pessoa que queira expressar sua arte.

O Garajal atua com os Projetos de Formação: Teatro na Periferia e PERMEIO


- Escola Popular de Circo que aconteceram/acontecem com financiamento do
governo e onde o grupo alicerça grande vontade de dar continuidade a esses
momentos de formação que congregam atividades de cunho teatral e circense.

Além dessas ações que realiza, o grupo está constantemente em processo de


formação interna, pensando na sua preparação para a continuidade dos seus
trabalhos e novas oportunidades que surgirem. Antes de começarem a circulação
com o Palco Giratório – que conta com a passagem por mais de 15 estados
brasileiros –, o grupo realizou momentos de formação, como aulas de canto e dança
afro. A atuação em eventos como Festival Internacional de Teatro e Festival
Nordestino de Teatro de Guaramiranga, também são momentos importantes para o
grupo como forma de efetivar seu nome, cada vez mais, por esses lugares e, mais
uma vez, de pensar sua formação, com a participação ou o desenvolvimento de
momentos que trabalhem corpo e mente.

São em práticas como essas, pautadas na comunicação, na proximidade e no


compartilhamento, que o Instituto Garajal de Arte e Cultura Popular legitima sua
ação de militante pela cultura, atuando como agentes formadores, resignificadores e,
acima de tudo, preservadores e valorizadores das manifestações do povo
nordestino.
44

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A rua é o palco de todas as coisas, de todas as pessoas e suas histórias e


estórias. A rua é onde se dá o inesperado, onde toda preparação prévia pode vir a
ser coxia para o espetáculo desprogramado da surpresa. Estar na rua é permitir-se
abrir os olhos para um mundo de histórias que são contadas por cada esquina, cada
traço das casas pequenas e dos arranha-céus. Estar na rua é manter a voz em riste
por saber que é de direito o uso de cada canto que, no papel, trata por público, mas,
no peito, é o mesmo povo. A rua é o povo que a cerca.

Durante todo o percurso desta pesquisa, propomos evidenciar a prática do


teatro de rua como uma forma de disseminar aspectos de natureza popular. A ideia
foi mostrar desde as práticas festivas de culturas tradicionais, ao aprendizado
empírico que vislumbra o compartilhamento como fonte promissora de relações e
ensinamentos.

Mesmo que exista a universidade e, com isso, um grande muro invisível que
para tantos ainda divide esse espaço do resto da sociedade, as cidades existem
como grandes conglomerados de possibilidades. Aí estão distribuídas instituições
particulares, privadas, espaços abertos, fechados. E a rua. E em todos esses
lugares, o transformador social: o ser humano. Apesar de haver a barreira entre o
mundo acadêmico e o espaço livre da rua, os dois ambientes são indissociáveis. A
“cerca” que os divide não é intransponível e cabe tentar derrubá-la.

E na busca por unir esses feitos e aproximar o mundo acadêmico e a vida que
pode haver – e há – na rua, é preciso ir além. Faz-se necessário pensar adiante
quando a demanda dessa meta trata de conciliar dois públicos de multiplicidades
singulares.

Nesse aspecto, o uso dos espaços públicos das cidades acontece como: uma
ação política quando propõe a ocupação das ruas que são, por direito, palco
democrático das ações e expressões do povo; uma ação educadora quando, com
movimentos que representam a criatividade humana, expressados, muitas vezes,
em arte, propõe reflexões; e preservadora por ser o lugar onde acontece, dia a dia, a
repetição e a recriação das práticas costumeiras e tradicionais das comunidades.
45

Acerca disso, o bibliotecário pode, perfeitamente, ocupar esses lugares por ser da
natureza da sua formação, estar nos espaços que possuem e/ou criam informações.

O bibliotecário, enquanto agente socialmente predisposto a facilitar as


relações de troca e as ações de disseminação de informação, existe no universo
desta pesquisa como um profissional que, mais que tratar da forma de existência e
transmissão da informação, instiga a formação de conhecimento.

O envolvimento do bibliotecário com as expressões artísticas, principalmente


as que evidenciam relações com a memória do povo, deve acontecer de forma
natural, sendo reconhecida sua presença nesses ambientes como possível, já que
cada vez mais as ferramentas que caracterizam seus trabalhos tornam-se múltiplas.
Assim, ao passo em que há espaço para o novo nessa profissão, há um momento,
também marcante, ou até mesmo divisor de águas das Políticas Culturais
Brasileiras, onde a aprovação de metas e leis que preveem um país autônomo
culturalmente dá vazão às práticas artísticas que promovam e recontem as histórias,
as memórias dos povos. Assim, unem-se as vertentes deste trabalho e o
bibliotecário firma, como uma lei, seu espaço muito além do comum.

Em decorrência desse processo de pesquisa e vivência, intensificaram-se as


ideias sobre a relação da universidade com a rua ser necessária, assim como a arte
ser entendida como forma de informar e gerar conhecimento, visto sempre sob uma
perspectiva do bibliotecário enquanto mediador e facilitador das práticas, olhares e
reconhecimentos dessas ações. É perceptível o quanto as pessoas sentem-se
realizadas e, até, fundamentais, com acontecimentos artísticos nas ruas, que
mudam suas rotinas e aliviam seus pesos que, de tão bem acomodados, findam por
fazer morada. Além do mais, em tantos outros espaços, sob tantos pontos de vista
tão pouco enxergados, as pessoas buscam informar-se e é esse o trabalho do
bibliotecário enquanto disseminador de informação e formador de opinião e
conhecimento.

Por fim, as perspectivas futuras são que a abordagem dos ensinamentos que
existem e acontecem fora do ambiente acadêmico possa ganhar espaço e
visibilidade na universidade, atuando em consonância com as práticas e estudos
que já fazem parte das estruturas curriculares, como forma de tornar mais humanas
e verdadeiras as relações. Além de, assim, a figura do bibliotecário se enrijecer
46

ainda mais enquanto fazedor, mediador e, ainda, protagonista dessa ação que
envolve troca de culturas e conhecimentos.
47

REFERÊNCIAS

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