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de Paula Carrara
O ano é 1968. A paisagem é o pedaço de terra desenhado com linha política imaginaria
chamado Brasil. Um pais território-fabula, que reúne em sua Republica Federativa diversidades do
Oiapoque ao Chuì. A temperatura è amena, típico calor do Rio de Janeiro em setembro, com
chuvas esparsas para refrescar o ambiente. O ar è pesado, cheiro de chumbo concentrado dos 04
anos que já duram a ditadura militar. Censura e revolta dividem o mesmo banco de ônibus com o
ócio americanizado e sonho-embalado-à-la-burgues (e sem açúcar, por favor!). O sonho do carro,
do álcool, do petróleo “è nosso” guia parte da população que nem mesmo sabe que a liberdade
esta cerceada, que os tempos de censura extrema se aproximam, que abrir a boca é o mesmo que
abrir-se uma vala.
https://www.youtube.com/watch?v=m40Hu10FH74
‘Eros’, ‘logos’ vísceras e política exalam dos limites de sua pele. A garganta é órgão
profundo, carne que abraça o ar, o timbre, a voz escura que ‘transando’ livremente com a
intransigência – essa fiel descobridora de mudanças – diz:
é probido probir!
é probido probir!
A platéia já de inicio grita, vaia, joga tomates, objetos, pedaços de madeira. A diferença, a
visibilidade do impulso livre, os cabelos o cheiro o suor de Caetano, irritam, incomodam
aborrecem parte da platéia que dà as costas aos músicos. As guitarras trazem fúria e não diversão,
e nem elas param. Os Mutantes também voltam as costas à platéia, mas a musica não para, não
para, não para, acende. “Eu digo è proibido, proibir”, exala Caetano com sua voz nó na garganta
“Vocês não estão entendendo nada nada nada”. As palavras texto-discurso-canção de Caetano são
plenas da fisicalidade negada à voz desde os metafisicos:
Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?
Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música, um
tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no
ano passado! São a mesma juventude que vão sempre,
sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem!
Vocês não estão entendendo nada, nada, nada,
absolutamente nada. (...) Mas que juventude é essa? Que
juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém. Vocês são
iguais sabem a quem? São iguais sabem a quem? Tem som no
microfone? Vocês são iguais sabem a quem? Àqueles que
foram na Roda Viva e espancaram os atores! Vocês não
diferem em nada deles, vocês não diferem em nada. E por
falar nisso, viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker!
Caetano discursa, a musica desanda, mas não para. A juventude platéia está dividida,
separada em grupos onde a diferença é fonte de guerrilha e desencontro. O Festival, o concurso, a
melodia já não importam – a obra está no pulsar pela transformação, na afirmação enquanto
acontecimento performativo político – sua voz nó na garganta é mobilizadora. Caetano
posicionou-se um corpo-voz em revolução. Ele não foi o único, não será o único. A platéia vaia.
Vaia ainda, still, ancora. The people ainda, still, ancora. A vala ainda, still, ancora. Mas também o
corpo, a curva, as coxas, garganta, espaços vazios e cheios ainda, still-still-still, ancora. Ela-ele
disse, disse-cantou sim:
Diz Caetano, ela-ela-tu diz. Diz ainda. Still. Ancora (O som das guitarras vai ficando mais
alto, mais, mais alto, até irradiarem uma dissonância final).
Bibliografia
Cavarero, A. Vozes Plurais – Filosofia da Expressão Vocal. Editora UFMG , Belo Horizonte 2011.
Paula Carrara, born in São Paulo, Brazil, is a theatermaker and performer who explores
intercultural theatrical practices and develops new forms of staging, with a focus on voice
practices. As a performer she already worked among Cia.Les Commediens Tropicales, Cia. Das
Atrizes, Georgete Fadel, Joao das Neves. She holds a master degree in Actor’s Studies from the
University of São Paulo and publishes it as a book in 2016 [Body Voice Listening] – reflections
about actor’s parctice. (Lamparina Luminosa) More: paulacarrara.com