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Apresentação
O ano de 2008 foi marcado por comemorações de boa parte da comunidade dos
cientistas sociais. Afinal, a sociologia reavia seu status de disciplina obrigatória, por força de
lei (Lei n° 11.683, de 2 de junho de 2008). Foi uma conquista há muito desejada. Mas haverá
garantias de que assim permaneça?
A nosso ver, entretanto, a permanência da disciplina no quadro das disciplinas
acolhidas tradicionalmente na matriz disciplinar para o ensino médio ainda demandará
intervenções da comunidade científica. A julgar pela história da disciplina, marcada por
intermitências em sua presença nos currículos escolares (Silva, 2004; Moraes, 2003) e
freqüente suspeição, vivemos um momento de cautela. Não há garantia de que a
obrigatoriedade se mantenha. Uma possibilidade de abordagem do problema é especularmos
sobre as condições para a permanência da sociologia como disciplina do ensino médio
brasileiro. Disciplina legítima, e não somente obrigatória do ponto de vista legal.
Como contribuição ao debate, sugerimos neste texto que a legitimidade da disciplina
advirá do sentido que lograrmos construir para ela. Neste empreendimento, a comunidade dos
cientistas sociais, ou sua parte interessada, com ênfase aos quadros universitários, tem um
papel singular a desempenhar, qual seja, a dedicação às investigações metodológicas que
envolvem seu ensino, num esforço de elaborar teoricamente suas potencialidades
educacionais; o que, vale dizer, significará construir a justificativa para sua presença no
ensino médio, afirmar argumentativamente sua relevância, estabelecer seus fins, seus
desdobramentos, sua metodologia própria. Assim, o sentido da sociologia na escola – ainda a
ser construído discursivamente nas experiências de comunicação entre professores de ensino
médio e pesquisadores das ciências sociais - abrange a fundamentação teórica da mesma e
implica a densificação dos debates acerca de seu ensino que passam a ser protagonizados
1
Doutora em sociologia pelo IFCS/UFRJ. Professora do Departamento de Ciências Sociais e do PPGCSO da
Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Membro da Comissão de Ensino da SBS (Sociedade Brasileira
de sociologia). Email: miglievich@gmail.com.
2
Doutorando na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – USP. Email:
flaviosarandy@yahoo.com.br.
2
pelos seus profissionais, quer nas escolas, quer nas universidades e institutos de pesquisa,
nenhum deles unilateralmente.
O projeto político de construção da disciplina e de seu retorno aos currículos escolares
não é decorrente duma necessidade inerente ou essencial à escola ou à própria disciplina. A
julgar pelas justificativas dadas até o presente e pelas resistências advindas da inclusão da
sociologia no quadro das disciplinas oferecidas no ensino médio, não temos sido muito bem
sucedidos em sua defesa – ao menos, não no plano discursivo. Pois que afirmar ser a
disciplina relevante para o desenvolvimento do pensamento crítico e para a construção da
cidadania é nadar na superfície e pouco contribui para esclarecer em quê, exatamente, a
disciplina se diferencia das demais e qual seu papel no sistema educacional. Afinal, os dois
objetivos citados, normalmente elencados quando se trata de justificar a disciplina, podem –
ou deveriam – ser alcançados por todas as disciplinas, objetivos inerentes à própria atividade
educacional que são.
Ora, não é por uma necessidade intrínseca à escola que podemos esperar a
permanência da disciplina na educação básica. Muito menos pelo “natural” interesse da
comunidade acadêmica dos cientistas sociais, como se pela presença das ciências sociais nos
cursos universitários decorresse a obrigação de sua transposição à escola. A legitimidade
social da sociologia como disciplina obrigatória do ensino médio brasileiro, única via para
garantir sua permanência, é projeto político e intelectual; uma construção que depende
essencialmente de nossa capacidade de construí-lo, teórica e politicamente.
Na esperança de colaborarmos com esta construção, retomamos algumas questões que
vêm sendo debatidas há cerca de alguns anos e que, felizmente, parece ocupar cada vez mais
as reflexões sobre o tema 3. Tais podem ser assim expressas: qual a natureza do conhecimento
sociológico? O ensino da sociologia na escola média deve ser o ensino de uma ciência, como
um conjunto de conhecimentos acumulados sobre determinados fenômenos sociais? Ou o
ensino da sociologia se define por promover a emancipação dos sujeitos? Quais os melhores
caminhos para operacionalizar o ensino da disciplina? Tais perguntas dizem respeito
diretamente às questões de ensino e suas respostas são capazes de indicar distintos
direcionamentos para este. É evidente que tais perguntas podem ser apresentadas de outras
formas, tanto quanto outros aspectos, além dos explicitados, poderiam ser postos em foco, o
mais importante sendo o que orienta tais questões. Com a primeira pergunta, tentamos nos
3
Como se multiplicam, hoje, os artigos publicados, produções acadêmicas, seminários e simpósios sobre o tema.
Exemplar disso foi o I Encontro Nacional sobre o Ensino de sociologia na Educação Básica, realizado no
IFCS/UFRJ, em 2009, sob os auspícios da SBS, do qual este livro é um dos frutos.
3
aproximar de uma reflexão sobre a epistemologia das ciências sociais, suas distintas
racionalidades, o tipo de conhecimento que têm produzido e a perspectiva sobre o social que
vêm construindo, como fundamentação de seu ensino na escola média. A segunda e a terceira
perguntas remetem-nos diretamente ao problema da justificativa, isto é, do sentido do ensino
da sociologia. A última pergunta tem por finalidade oferecer orientações metodológicas e
possibilidades práticas para a atuação do docente na escola.
Não é nossa intenção, neste texto, darmos respostas às questões apresentadas, muito
menos seremos arrogantes ao ponto de almejarmos as respostas definitivas. Todos nós
sabemos que estas se tratarão de deliberações, fruto de uma construção coletiva, com base em
investigações que ainda se iniciam e de sinceros e bem-intencionados embates e acordos entre
os que valorizam a sociologia também como saber escolar. Para fomentar os debates é que
expomos aqui algumas de nossas reflexões acumuladas em felizes encontros 4.
Nossa contribuição se limitará a analisar a importância e as justificativas para o ensino
da disciplina, com o intuito de refletirmos sobre as condições de possibilidade para a
permanência da sociologia como disciplina na educação básica e, para tanto, propomos
caminhos para a construção teórica e política deste projeto. Este texto tem início com a
discussão do que é seu foco principal, o problema a legitimidade, após o que tentará
demonstrar possibilidades para o que é sugerido como nossa tarefa mais urgente, na esperança
de contribuir para a justificação da disciplina. Para isso, recorreremos à Teoria Social e aos
resultados de pesquisa realizada na cidade de Campos dos Goytacazes e à produção mais
recente sobre o tema. Encerramos com considerações sobre as incertezas que pairam sobre a
disciplina, notadamente no que diz respeito ao ENEN. Ao avançarmos nas respostas às
questões, com sorte, estaremos enfrentando o tema da construção de um projeto para a
disciplina e alargando o consenso em torno dela, como disciplina legítima na educação básica.
4
Os autores se viram juntos em desafios comuns de falar sobre o tema da sociologia na Escola em distintos
eventos regionais e nacionais, em escolas e universidades. O I Encontro Nacional sobre o Ensino de sociologia
na Educação Básica sedimentou a decisão do texto a quatro mãos.
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sociologia conta com este agravante, qual seja, construir um saber organizado que torne viável
sua introdução no nível médio de ensino. Parece mesmo que o estudo sobre o ensino tem tido
maior atenção em outras áreas do que nas ciências sociais, nas quais ainda carece de seu lugar
institucional bem definido.
Weber nos alertara, porém, em seu “A ciência como vocação” (2002) que, na defesa
científica, as várias esferas de valor no mundo estão em conflito inconciliável entre si.
Noutros termos, atribuir legitimidade aos saberes sociológicos, como a outros saberes, é uma
escolha que, como tal, podemos sugerir, é objeto de construção por um projeto político e
intelectual. Também, considerar legítimo o ensino de sociologia na educação básica, tanto
quanto a investigação das questões de ensino em âmbito acadêmico, é uma opção coletiva.
Não poucos tomaram esta decisão, que ganhou realidade com sua inclusão nos currículos. O
que tentamos demonstrar, porém, é que sua permanência e seu melhor proveito ainda
dependem do empenho no alargamento do debate em torno da identidade da disciplina no
contraste com as demais.
Habermas (1989; 2004) inspira-nos em seu pressuposto de que as pretensões de
validade para um certo argumento só podem ser obtidas em situações de discussão que são
sua garantia para a universalização. Assim, a vontade de fazer presente a sociologia como
disciplina nas matrizes curriculares há de se pautar em interesses passíveis de serem
compartilhados de modo comunicacional. Tomar a situação de fala ideal como uma direção
normativa dos debates é imputar a estes, como sua condição, a aposta na veracidade, na
responsabilidade, na correção e na verdade dos interlocutores e de seus postulados, então,
confrontados, visando, na competência auto-crítica, ao chamado consenso mais estável, isto é,
aquele capaz de assegurar aos argumentos sua dose de objetividade e de verdade propriamente
dita. Assim, a ação em torno da defesa da disciplina sociologia se dá por sua (re)construção
discursiva, e não somente no interior do campo das ciências sociais, entre os pares
acadêmicos.
Disciplinas possuem fronteiras dadas, antes de tudo, por divisões políticas internas e,
em se tratando de ensino médio, é preciso criar essas diferenças e afirmar uma identidade para
a sociologia se desejamos sua presença nesta dimensão de ensino. Não se faz isso
legitimamente se não na comunicação intersubjetiva pela capacidade de se expressar as
distintas experiências e aproximar pontos de vista acerca das questões e polêmicas postas,
tendo por suposto demandas comuns, no caso, a consistência mesma do enunciado acerca da
relevância da sociologia como disciplina na educação básica. Disso decorre que, ao tentarmos
justificar a presença da disciplina, precisamos demonstrar em que exatamente ela se distingue
5
de outras disciplinas afins – e isso a história recente, ao tempo dos PCN’s (Parâmetros
Curriculares Nacionais), nos ensinou 5.
Talvez, a dificuldade em se perceber a necessidade de justificarmos a disciplina da
parte de alguns decorra de equívocos alimentados pelas narrativas sobre a história da
disciplina, bem como da percepção de sua intermitência, em sua inclusão ou exclusão dos
currículos escolares. No Brasil, tem-se afirmado que o retorno da disciplina aos quadros de
conteúdos próprios do ensino médio é um resgate histórico em face do período ditatorial
militar recente da história de nosso país, que a havia excluído. Nossa percepção é a de que tal
narrativa serve a uma visão de tipo missionária e se, por um lado, instiga os ânimos em sua
defesa, por outro, distorce em algum grau sua história e obsta o aprofundamento de sua
necessária investigação.
Sabemos, a partir de alguns estudos que abrangeram a história da disciplina (Machado,
1987; Giglio, 1999; Santos, 2002; Moraes, 2003; Rêses, 2004 e 2005; Sarandy, 2004-a e
2004-b; Silva, 2004, dentre outros) – e mesmo de outros que não a tinham por foco (Meucci,
2000) – que o ensino da sociologia deixou de ser obrigatório de 1942, com a Reforma
Capanema, até 2008, com a alteração da Lei de Diretrizes e Bases de 1996. Portanto, desde
antes do golpe de 1964 e mesmo após a redemocratização 6. E mais, mesmo durante o regime
ditatorial militar, a disciplina sobreviveu nos cursos secundários para o magistério, como
sociologia da educação, e a maior perda, no plano legal, no período, somente veio com a Lei
5692, de 1971, por meio da qual se aprofundou o caráter tecnicizante do ensino, como é
sabido.
Conforme os trabalhos referidos, de fato, houve intermitência no plano das políticas
governamentais, ou seja, em diferentes reformas educacionais, ora a disciplina encontrou
acolhida, ora foi excluída – e nem sempre sob a nomenclatura de “sociologia”. Relembremos:
em 1882 a disciplina foi proposta num projeto de reforma, por Rui Barbosa; em 1891, ela foi
apresentada no projeto de Benjamin Constant, tendo sido criada a cátedra “Sociologia e
Moral”, no ensino secundário; na Reforma Epitácio Pessoa, de 1901, deixou de ser obrigatória
no currículo da escola média, mas até este momento não chegou a ser efetivamente oferecida
em todo o sistema; em 1925, com a reforma do ministro Rocha Vaz, ela retornou ao ensino
5
Em tempo, não entraremos, por razões de escopo, na questão da interdisciplinaridade, apenas observamos que
transformar os saberes científicos em saberes escolares implica algum grau de diferenciação – e criação de
identidades – entre as diversas disciplinas.
6
Devemos ao Dr. Amaury Cesar Moraes (USP) a observação sobre o aparente paradoxo da presença da
disciplina sociologia, na escola média brasileira, durante parte de um período ditatorial, como no caso do Estado
Novo, e a enorme resistência governamental durante um período formalmente democrático, como no caso dos
governos de Fernando Henrique Cardoso.
6
secundário e foi ratificada pela Reforma Francisco Campos, de 1931; em 1942, com a
Reforma Capanema, ela deixo de ser obrigatória novamente e deste período até a Lei 11.684,
de 2 de junho de 2008, que a tornou obrigatória, parece ter ocorrido algum movimento em
torno dela nas décadas de 1940 e 1950 e, principalmente, com os movimentos pela (re)
inclusão da disciplina, a partir de 1982, notadamente em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Vemos, portanto, que no plano legal a disciplina de fato foi intermitente, apesar de sempre ter
existido timidamente e de modo acentuadamente dispersivo nos sistemas de ensino, seja como
disciplina da formação em nível médio para o magistério, seja no ensino superior,
notadamente nos bacharelados em direito.
Mas um olhar mais discreto sobre a história da disciplina – algo que ainda está por ser
feito – poderia revelar que em diferentes contextos sua presença ou ausência teve a ver com
uma multiplicidade de fatores do que somente decisões governamentais ou regimes políticos.
Apenas a título de exemplo, pois que este não é o objeto deste texto, observamos que, em fins
do século 19, ainda no Império, quando pela primeira vez a disciplina foi proposta, um fator
relevante que ainda está por ser mais bem discernido, foi a disputa em torno da própria
natureza e viabilidade da sociologia. Tal disputa pode ser exemplificada pelos debates entre
os que viam na sociologia uma ciência legítima, como Sílvio Romero, e os que a
consideravam uma falácia, como Tobias Barreto; o primeiro, em seu “Ensaios de filosofia do
direito”, anotações de seus cursos na Faculdade de Direito, de 1895, e o segundo como autor
de “Variações antisociológicas”, de 1884. O que se esboça nestes textos é um acirrado debate
sobre a possibilidade mesma do conhecimento sociológico, num momento em que a
sociologia estava apenas nascendo na Europa e nos EUA. Ora, não é de estranhar que o
debate sobre o ensino da disciplina tenha ganho adeptos e críticos nos anos que se seguiram,
nem que a reforma proposta por Constant, um positivista, a tenha incluído. Certamente, e para
não nos alongarmos neste ponto, em períodos distintos e contextos particularmente diferentes,
outros podem ter sido os fatores a pesarem sobre as decisões quanto à disciplina, mais que a
simplificadora referência imediata à regimes políticos.
As novas e necessárias investigações a se realizar podem vir a esclarecer, também, as
influências que diferentes atores e movimentos desempenharam quanto à presença ou
ausência da disciplina, ou que ainda desempenham sobre sua, talvez, fragilidade. Para mais
um exemplo, pensemos sobre a distância que o campo acadêmico das ciências sociais tomou
do ensino da sociologia, a partir das décadas que se seguiram à Reforma Capanema, antes um
objeto central, como durante o período de sua institucionalização nos cursos secundários e do
Manifesto dos Educadores Novos. Há a possibilidade de que a institucionalização das ciências
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7
Aos interessados no debate das releituras e dos novos paradigmas na sociologia latinoamericana, por exemplo,
pode-se ler, dentre tantos outros, Miglievich Ribeiro; Veras; Navarrete et. al. “Aspectos do pensamento social
crítico latino-americano ontem e hoje: intelectuais e produção do conhecimento”, 2009.
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O vazio foi ocupado pelas associações profissionais e sindicais de cientistas sociais e sociólogos, com novas
implicações em termos de disputas internas ao campo e apropriações simbólicas da disciplina. É impossível,
portanto, afirmar que o silêncio em torno do tema se deu nalgum dia. Mais recentemente, a SBS (Sociedade
Brasileira de sociologia) consolidou sua chamada Comissão de Ensino, ligada à diretoria, que, desde seu início é
coordenada pela Dra. Heloísa Martins (USP) e secretariada pela Dra. Ileizi Fiorelli Silva (UEL), à qual
professores e pesquisadores, em nível universitário, que nunca deixaram de se dedicar à questão do ofício do
sociólogo e/ou de sua prática docente, portanto, também no empenho do retorno da disciplina à escola aderiram
imediatamente.
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Pode-se citar o caso do Estado do Rio de Janeiro que, através da Associação Profissional dos Sociólogos do
Estado do Rio de Janeiro (APSERJ), viu a sociologia retornar como disciplina obrigatória atestada pela
Constituição Estadual de 1989, tendo sido realizado, após esta, o primeiro concurso público em 1991. Apesar do
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imperativo legal, a realidade de não-reconhecimento da disciplina preponderou. Ainda assim, sua presença na
matriz curricular obrigou uma mais permanente vigilância da parte de seus profissionais com um papel eminente
para a APSERJ, na promoção, dentre outros, de encontros e debates entre os professores da rede estadual.
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Em coletânea organizada por Maria Stella Grossi Porto e Tom Dwyer, sociologia em transformação: pesquisa
social do século XXI (2006), podem ser lidos três artigos da autoria respectiva de Adelia Miglievich Ribeiro,
Alice Plancherel e Tânia Magno que, derivados da mesa “Histórias locais das ciências sociais no Brasil”,
possibilitam ao leitor o conhecimento da trajetória das ciências sociais também no Rio de Janeiro, em Alagoas e
em Sergipe. Também, cabe citar o livro organizado por Marcio de Oliveira sobre “As Ciências Sociais no
Paraná” (2006). As várias pesquisas acerca da história das ciências sociais, de variados ângulos, têm-nos
permitido, também, um olhar mais cuidadoso sobre as singularidades dos processos de institucionalização de
nossa ciência no vasto território nacional, no ensino e na pesquisa, nas instituições de cultura, nas universidades,
nas escolas.
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Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as
seguintes diretrizes:
I - destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das
letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua
portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da
cidadania;
II - adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos
estudantes;
III - será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida
pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da
instituição.
IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as
séries do ensino médio.
Qual o caráter do ensino de sociologia no ensino médio? O que significa dizer que o
ensino de sociologia, na escola média, contribuiria para a cidadania? Vejamos o que Pierre
Bourdieu, em Lições da Aula (1994) nos diz:
Sem dúvida, o sociólogo não é mais o árbitro imparcial ou o espectador divino, o único a dizer
onde está a verdade – ou, para falar nos termos do senso comum, que tem razão –, e isso leva a
identificar a objetividade a uma distribuição ostensivamente eqüitativa dos erros e das razões.
Mas o sociólogo é aquele que se esforça por dizer a verdade das lutas que têm como objeto -
entre outras coisas – a verdade.(...) Cabe-lhe construir um modelo verdadeiro das lutas pela
imposição da representação verdadeira da realidade (...). (Bourdieu, 1994, p 13)
É para nós cara a percepção de Pierre Bourdieu de que uma aula de sociologia há de
ser a expressão da condição do sociólogo enquanto intelectual; condição definida
necessariamente pelo status de cientista cujo objeto é o campo social e a posição dos atores
sociais no infindo processo, cuja base é a interação social, de atualizar este campo – o que
pode significar, ainda, sua transformação, ao mesmo tempo em que, nele, é também formado.
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Tal concepção que vai ao encontro de sua definição de habitus parece-nos útil em nossa
reflexão num duplo sentido.
Primeiramente, a consideração acima autoriza-nos a dizer que uma aula de sociologia
deveria permitir – e mesmo estimular – uma reflexão sobre a própria aula de sociologia em
sua pretensão de eleger temas e conceitos – uns e não outros – para se trabalhar em sala de
aula. Um professor irremediavelmente faz escolhas, pelas quais há de ser responsável, no
modo como transmite um saber e produz outros (sim, produz!). Damos aulas e aderimos a
valores e a instituições num só tempo. Na impossibilidade de negarmos tal relação, um
compromisso básico assumido pelo docente e por sua comunidade é o de desconfiar de seu
saber, com certa regularidade, para que se possam diferenciar as aulas de sociologia das
pregações dogmáticas. No mínimo, a aula de sociologia é o lócus da dúvida e das buscas
coletivas de novas respostas, na proposição de desenvolver nos alunos a disposição para a
prática do diálogo.
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Podemos definir habitus como “um conhecimento adquirido e também um haver , um capital (...), o habitus, a
hexis, indica a disposição incorporada, quase postural – mas sim o de um agente em ação (...). espécie de sentido
do jogo que não tem necessidade de raciocinar para se orientar e se situar de maneira racional num espaço”. Cf.
Bourdieu, O poder simbólico, p. 61-62.
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Estas questões, no âmbito do ensino da sociologia na escola média, foram objeto de análise minuciosa nas
Orientações Curriculares Nacionais (OCN), redigidas por Amaury Cesar Moraes, Elisabeth Guimarães e Nelson
Dacio Tomazi.
12
se propor ainda o enfoque nos movimentos sociais, do século 19 e de hoje, com destaque às
lutas sociais no Brasil contemporâneo. A percepção de nossa inserção em relações
desumanizadoras, de exploração e dominação, e as contingências de nossa condição de classe,
pode permitir uma compreensão importante do mundo social por parte do aluno. Tendemos,
contudo, a supor que haverá perdas para os alunos em seu direito de acesso a um clássico do
pensamento moderno se o professor optar por valorizar mais nas aulas a solução marxista na
análise da economia capitalista de seu tempo do que as principais perguntas postas por Marx
no conjunto de sua obra, até hoje a produzir novas respostas.
Durkheim também pode ser lembrado em sala de aula. O sociólogo francês expõe,
dentre outros, a problemática da solidariedade moral, das representações sociais e da anomia,
entendida como ausência de normas ou de efetiva regulamentação por parte das instituições
sociais. Mais do que discutir entre alunos da educação básica as contendas da sociologia
funcionalista, há de se atentar, por exemplo, para o fato de que os seres humanos necessitam
de orientações morais em suas condutas, quaisquer que sejam elas. Desta necessidade, nasce a
sociedade e suas instituições. Conflitos dão-se na contestação de tais ordens morais, porém,
visando a criar novas ordens – quer disto os humanos tenham plena consciência ou não - do
contrário, é a própria sociedade – e não apenas suas elites ou grupos dominantes (categorias
menos importantes para Durkheim) – que experimenta a sua dissolução. Noutros termos,
conflitos convivem com a ordem e recriam solidariedades morais – o que há de ser explicado
ao aluno é que isto nada diz sobre ser uma ordem moral boa ou má. Poderá ser péssima. Ou
altamente criativa e geradora de relações sociais libertadoras. Neste item, é sugestivo o debate
da violência urbana e do assim denominado poder paralelo. Também, do trabalho informal e
da geração de renda. Pode-se retomar o tema da coerção social e das pressões sociais sobre
comportamentos individuais e o próprio processo de individualização. Por que não, então,
permitir ao aluno e à aluna questionar os papéis sociais que lhes são atribuídos? 13
13
Em debates havidos no I Encontro Estadual de sociologia no Ensino Médio, promovido em 2008 pela
Faculdade de Educação da UFRJ, uma das professoras participantes, Gabriela de Souza Honorato, narrava a
demanda dos alunos por debates acerca da sexualidade e de como isto a espantou de início. Sabemos que o
espanto há de ser minimizado dada a constatação da exposição permanente dos adolescentes à erotização da
sociedade. Noutro aspecto, quando não se tematizava a sexualidade nada se garantia em termos de experiências
de vida mais harmônicas, haja vista nossa sociedade marcada pela violência doméstica com o maior ônus sobre a
mulher jovem. De fato, a sociologia não há de substituir a educação sexual, sobretudo, porque os conflitos entre
humanos e/ou grupos não se restringem a esta dimensão nem podem ser explicados isoladamente. Exatamente
por isso, os debates de gênero podem ser suscitados, com sensibilidade, aqui. A lembrança de Durkheim pode
surgir na abordagem, por exemplo, das expectativas sociais sobre os papéis feminino e masculino em sociedade,
sobre as resistências aos questionamentos de tais papéis e sobre os mecanismos de punição aos desviantes.
Defendemos que a única maneira da sociologia fazer a boa diferença nestes embates é se o professor puder
conduzir os debates seguro em estudos e conceitos que permitam escapar a um senso comum que tenderia a
subestimar o potencial analítico acumulado pelas ciências sociais.
13
Weber, por sua vez, como sociólogo dos valores com os quais as pessoas e grupos
criam e legitimam a vida em todas as suas dimensões, pode ser também pelo docente relido,
permitindo que se pergunte aos alunos o que é importante para eles e por quê. Também, que
tipo de pessoa, aula, professor, pais, filhos, escola, lazer, profissão, cidade, país, governo,
político eles consideram desejáveis. Quais tipos de relações sociais são para eles indesejáveis?
Como eles vêem os governos nas sociedades? Por que as pessoas votam num político e não
noutro? O que pensariam ao votar? Se não pensam exatamente sobre isto, ainda assim, o que
as faz escolher um nome no meio de outros? Elas votam naquele que mora em seu bairro?
Naquele que os parentes votam? Mas, por quê? Elas votam no que garantirá algo de que
precisam material e urgentemente? Elas votam no candidato que garantiu a ambulância, por
exemplo, de que precisaram numa situação de desespero? Elas votam em quem admiram em
função de atributos tais como a aparência e o modo de falar? Votam porque gostam do sujeito
e não importa o motivo. Será que escolhem de um modo mais calculado: quem não tirará meu
filho do emprego que ele conseguiu na Prefeitura? Será que estudam o perfil do candidato,
analisam sua trajetória e plataforma política? Temos aqui, na análise de distintas
racionalidades, sugestões de aulas sobre a sociologia weberiana dos tipos de dominação
legítimas. Nestas, seria bastante pertinente o debate da difícil apartação entre o público e o
privado no Estado brasileiro, a partir do tipo ideal weberiano de patrimonialismo, por
exemplo, um diálogo pertinente que autores brasileiros renomados trilharam.
Os clássicos, ou os assim considerados, entre outros cientistas sociais importantes para
a constituição do campo, podem ser a fonte a partir da qual construiremos um discurso
apropriado, razoável, e convincente sobre a presença do saber sociológico nas escolas médias.
Entretanto, não se trata aqui de advogar pela leitura dos clássicos pelos alunos do ensino
médio. Isso, por distintas razões que não nos cabe refletir aqui, pode ter algum sentido em
outras áreas, como a filosofia, porém entendemos que o importante não é escolhermos entre
um ensino com ou sem a presença dos clássicos, mas como eles ou outros serão utilizados;
isto é, precisamos desenvolver a mediação necessária entre o saber produzido pela academia e
o universo escolar. Mediação pedagógica que depende de esforço investigativo e produção
criativa, bem como da compreensão que o rigor teórico não se confunde com ensino teórico.
Espécie de cláusula pétrea do estatuto científico, o que normalmente se afirma como rigor
teórico tem sido no mais das vezes disfarce para um ensino quase totalmente conceitual,
teórico, em geral, dogmático. É neste ponto que mais se fazem necessárias as pesquisas
metodológicas para o ensino da sociologia na educação básica.
14
humanas que, ainda que não sigam leis tal como num dia se acreditou, apontam regularidades,
permanências e, em suas reconfigurações também, apontam para descontinuidades e rupturas.
Nas palavras de Bourdieu, se
os que tem algo a ver com a ordem estabelecida, seja lá o que for, não gostam nem um pouco
da sociologia, é porque ela introduz uma liberdade em relação à adesão primária que faz com
que a própria conformidade assuma um ar de heresia ou de ironia.
que aqui recusamos. A experiência tem demonstrado que o trabalho com a sociologia no nível
médio de ensino causa grande impacto na mente dos alunos, o que faz com que a matéria
precise de tempo para ser bem trabalhada e digerida.
Sabemos, entretanto, que ainda não são os formados em ciências sociais em nível
superior a totalidade, sequer a maioria, dos professores que respondem hoje pela sociologia
em sala de aula. Vemos isto, contudo, como algo a ser progressivamente conquistado sob
pena de se comprometer a qualidade da sociologia a ser ministrada, por mais auto-didatas que
os professores brasileiros tenham aprendido a ser 14.
A pesquisa de caráter extensionista realizada no município de Campos dos
Goytavazes, ao norte do Estado do Rio de Janeiro, intitulada “filosofia e sociologia nas
escolas estaduais de ensino médio da região norte-fluminense I: capacitação e atualização de
15
docentes” , mostra-nos, na codificação feita para as respostas livremente dadas sobre a
importância das disciplinas de filosofia e sociologia na Escola, o encaminhamento do
raciocínio da maioria dos professores no sentido de um afastamento do lugar comum –
formação para a cidadania – em vistas à aproximação de uma perspectiva que conceberia
ambas as disciplinas como relevantes na compreensão da existência humana e da vida social,
respectivamente (50%) e, em segundo lugar, no desenvolvimento do pensamento autônomo
(25%).
14
Reconhecemos que o problema da formação docente é grave e de difícil solução. Temos consciência de
distorções ainda mais graves, como no caso da docência em sociologia de profissionais formados em ciências
naturais e exatas, sem qualquer qualificação em ciências sociais, de que nível for. No entanto, opor-se a que
professores formados em outras áreas lecionem a disciplina pode ser ideologicamente relevante, porém de pouco
efeito prático, à medida que esbarramos em questões complicadas relativas a direitos adquiridos e competências
exclusivas dos entes federativos. Neste sentido pactuamos a opção de vários colegas, incluindo membros da
Comissão de Ensino de SBS, quanto à necessidade de formação adequada dos professores que atualmente
lecionam a disciplinas, ou que a lecionarão a partir de 2009, sem prejuízo da luta política para a alteração deste
estado de coisas, a longo prazo. Trata-se, a nosso ver, de assumirmos a responsabilidade integral pelo processo
de (re)inclusão da disciplina, e de sua legitimação.
15
A pesquisa-extensão (Proex-Uenf), iniciada no ano de 2007, congrega hoje os seguintes professores: Dr. Júlio
César Ramos Esteves (Coord.); Dr. Dalton José Alves; Dra. Adelia Maria Miglievich Ribeiro; os sociólogos
Renata de Lourdes Azevedo Saul e Virgílio de Lima Pereira; e os estudantes de Ciências Sociais, Dante
Mendonça Duarte; Andreza Barreto Leitão e Andréia da Conceição Trindade da Silva. Há de se registrar o
pioneirismo da iniciativa do projeto na região, a reunir as áreas de filosofia e de sociologia, contando, também,
com o apoio da SEAF (Sociedade de Atividades Filosóficas) e da APSERJ (Associação profissional dos
Sociólogos do Estado do Rio de Janeiro), nas metas de traçar o diagnóstico do ensino das disciplinas nas escolas
da região e promover cursos de atualização e seminários com os professores do ensino médio em Campos dos
Goytacazes/RJ. Pesquisa que tem sido complementada, a partir de 2009, pelo excelente trabalho investigativo
desenvolvido na UFF, dirigido pelo Dr. Eugênio Soares Carlos de Lemos.
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A pergunta para o professor entrevistado era: Sobre a importância das disciplinas de filosofia e sociologia na
Escola, o que você gostaria de ressaltar?
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desenvolviment
8,3% das respostas válidas para esta questão
o da capacidade
de reflexão ressaltam a importância destas disciplinas
necessidade de
relacionando-as ao desenvolvimento do exercício
presença no E.F. pleno da cidadania por parte do aluno;
6,5% das respostas válidas para esta questão ressaltam ainda a necessidade de que estas disciplinas
façam parte da grade curricular do Ensino Fundamental.
10,2% das respostas válidas para esta questão ressaltam ainda outras diferentes.
Fonte: Esteves; Alves; Ribeiro Miglievich; Saul et. al. “filosofia e sociologia nas escolas estaduais de
ensino médio da região norte-fluminense I: capacitação e atualização de docentes”. UENF.PROEX,
2009.
especialistas. Portanto, numa frase, é desejável que a comunidade das ciências sociais no
diálogo com os professores em sala de aula tragam a si a responsabilidade da construção de
um projeto para a disciplina.
Retomando Bourdieu, o conhecimento científico dispõe do poder de libertar os
dominados dos dispositivos da dominação na medida em que novos conhecimentos
produzidos contribuem para a quebra do efetivo monopólio de um único grupo sobre a
determinação das representações sobre a realidade. Assim, o conhecimento sociológico em
sua dimensão científica também comporta uma dimensão política, pois que permite ao
indivíduo a compreensão do sistema de dispositivos que define uma tendência para a sua
conduta, pela delimitação de seus próprios horizontes, valores e representações acerca da vida
social. Ao concordarmos com tal perspectiva, uma aula de sociologia, portanto, que aspire a
participar do esforço para a emancipação humana e social, tanto quanto isso for possível, deve
permitir revelar as posições e mecanismos sociais que perpassam e estruturam as relações
sociais, a começar pela própria escola e a sala de aula. Talvez isso pareça “óbvio” para um
cientista social, mas nos perguntamos, então, por que alguns professores consideram que a
consciência crítica de seus alunos é função do quanto conseguem reproduzir os conteúdos de
autores clássicos, por exemplo, ou de discursos críticos ao capitalismo? A reprodução em si,
que é diferente de reflexão crítica, afasta-se de todo intento de imaginação sociológica.
A aula de sociologia, numa proposta bourdieusiana, é um espaço de investigação,
estudo e reflexão sobre as condições de produção do próprio conhecimento e das práticas
discursivas, compreendidas como definidoras do real. Um espaço no qual o aluno seria tido
por sujeito inserido, tanto quanto o professor de sociologia, no que Bourdieu definiu como um
campo, isto é, um conjunto coerente de princípios estruturantes das posições sociais. A partir
da reflexão das próprias relações estabelecidas na situação de aprendizagem, que não se
restringem a sala de aula, porém ela mesma um lugar de um contexto social global, se
construiria o conhecimento sociológico do social e aí estariam sendo aperfeiçoadas as
condições políticas da emancipação. Neste sentido, falar numa ciência crítica seria
redundância, como falar num ensino de sociologia crítica – o mesmo valendo para distinguir
um aspecto científico e outro político para seu ensino.
O retorno a importantes autores das ciências sociais são ferramentas para os docentes.
Não estamos sugerindo uma aula burocrática a partir de Bourdieu nem a abolição da
autoridade do professor, numa espécie de rogerianismo simplificador. O que está sendo
sugerido aqui é que o caráter político do ensino de sociologia está justamente em permitir que
o aluno compreenda sua inserção no meio social e, para tal, o conhecimento mais
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especializado é o das ciências sociais que lhe permite desenvolver o pensar sociológico, pelo
qual desvele a si próprio como ser social, sujeito reprodutor e transformador de sua própria
sociedade. Se pretendemos que o ensino da disciplina contribua para a emancipação humana –
esta pergunta precisará ser respondida – comecemos por incluir o aluno como sujeito
participante e crítico dos processos de produção da verdade científica, o que significa que uma
aula de sociologia não pode se permitir ser uma explanação de conceitos acabados ou
dogmas.
ensino médio é garantido o direito de aprenderem sobre fenômenos naturais invisíveis aos
olhos, porque não teriam o direito a aprender sobre o que veem todos os dias? E, como vimos,
este caráter científico da disciplina está relacionado ao seu caráter político.
Mas que o caráter político da disciplina não faça sombra ao fato de que o
conhecimento oferecido pela disciplina em si é importante. Porque integra o saber produzido
no processo civilizador das sociedades modernas e deve estar acessível a todos os membros
de nossa sociedade. Porque permite que o aluno compreenda fenômenos sociais, dos quais
participa diretamente ou que tem relevância para sua vida individual ou familiar, pois, em
muitos casos, fenômenos de seu próprio cotidiano. Este caráter educacional da sociologia é
um dos elementos essenciais para se conhecer a realidade em que vivemos, uma vez que a
educação escolar serve para a adaptação ao mundo e também para a mudança. Um processo
civilizatório, repleto de tensões, humanizador. Quiçá mais libertador?
A sociologia tem, portanto, um conjunto de conhecimentos e de práticas científicas
que devem fazer parte do cabedal de todos os indivíduos para que possam pensar a sua vida e
a sociedade que compõem. Educar é transmitir conhecimentos e valores necessários a
existência de uma sociedade, tanto quanto revelar as condições de produção dos mesmos e os
processos de dominação que perpetuam e que exigem mudança. Além do caráter político e
científico, a disciplina teria um caráter educacional que se expressaria, portanto, tal qual
noutras disciplinas do ensino médio, na socialização do aluno num conhecimento acumulado
pelas ciências sociais – e pela tradição das Humanidades – acerca da realidade social.
Compreender estes três aspectos ou dimensões (científica, política, educacional) do
ensino da sociologia, como demonstra as OCN’s, e a tensão interessante que existe entre elas
é importante para que a disciplina não seja transformada em algo quase puramente técnico ou
num ensino bacharelesco ou em aulas de politização, quase panfletárias. Em outro lugar já foi
apresentado uma sugestão interessante sobre o ensino de sociologia, oferecida por Dumont
(Sarandy, 2004). Ressaltamos, por acréscimo, que a percepção sociológica de que trata
Dumont não é uma habilidade inata, ao contrário, “não é fácil de ser comunicada a um livre
cidadão do Estado moderno que não a conhecesse” (1992, p.52) ainda mais considerando o
predomínio do individualismo que marca o projeto da Modernidade. Vejamos em suas
próprias palavras:
“A idéia que fazemos da sociedade permanece sendo artificial enquanto, como a palavra
convida a interpretar, a tomemos como uma espécie de associação em que o indivíduo
totalmente constituído se empenhasse de forma voluntária num objetivo determinado, como
que por uma espécie de contrato. Pensemos, sobretudo, na criança lentamente levada à
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humanidade pela educação familiar, pela aprendizagem da linguagem e da moral, pelo ensino
que a faz participar do patrimônio comum - compreendidos aí, entre nós, elementos que a
humanidade inteira ignorava há menos de um século. Onde estaria a humanidade desse
homem, onde sua inteligência, sem esse adestramento, uma criação, para falar mais
propriamente, que toda sociedade compartilha de algum modo com seus membros, que seriam
seus agentes concretos?”. (1997, p. 53)
Neste texto buscamos afirmar que precisamente os três objetivos gerais para o ensino
da sociologia – (1) contribuição para a construção da cidadania por meio da formação dos
cidadãos; (2) preparação básica para o trabalho por meio do entendimento das novas formas
de organização do trabalho e da produção em tempos de globalização, pela capacitação dos
indivíduos para a leitura do mundo social do qual fazem parte; (3) promoção de uma
compreensão sociológica da realidade na qual estamos inseridos especialmente pelo
desenvolvimento de seu modo específico de pensar, em que seja desenvolvida a percepção
sociológica –, constitui a preocupação fundamental a nortear o ensino da sociologia e a
justificar a sua inclusão na grade curricular do ensino médio.
Não esperamos ter resolvido os problemas apresentados até aqui, mas tão somente
provocar o debate, pois consideramos que somente se seguirmos na direção de elaborarmos
teoricamente, discursivamente, um projeto para a disciplina, teremos êxito na legitimação da
disciplina nos currículos da educação básica. A indiferença para com este esforço pode, ao
contrário, trair uma presunção pouco útil num momento de afirmação do olhar sociológico
como necessário e relevante na formação de nossa população jovem: pode espalhar a crença
de que a sociologia, acima do bem e do mal, é legítima em si mesma. Um argumento
facilmente derrubado e, neste sentido, prejudicial aos desdobramentos da conquista legal pela
inclusão da disciplina no ensino médio.
À pergunta: já podemos nós, cientistas sociais, nos aquietarmos quanto à permanência
da sociologia como disciplina do ensino médio? Pensamos que a resposta a tal questão ainda é
negativa. Vejamos, como exemplo da urgência em produzirmos um discurso coerente acerca
do ensino da sociologia para o ensino médio, a questão do novo ENEM (Exame Nacional do
Ensino Médio), no qual a sociologia não está presente no instrumento de avaliação deste ano.
Sabemos, porém, que, segundo o Inep (Instituto Nacinal de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira), o projeto prevê sua inclusão no ano de 2010 e que há até poucos meses não
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estava definido quem elaboraria tal instrumento para a área . Diante disso, caberiam as
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Devemos essas informações ao professor Mário Bispo dos Santos, que inicialmente nos chamou a atenção para
o problema, a partir de sua participação em eventos e mesas, em Brasília, para discussão e apresentação das
mudanças que vêm sendo processadas no âmbito do MEC. A informação que temos até o momento dá conta de
que este quadro ainda não foi alterado.
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Pode-se perguntar se isso é verdade, já que nas diretrizes temos conteúdos relativos a
processos produtivos, Estado e diversidade cultural. Basta que comparemos essas diretrizes
com o que havia antes e se revela, em larga medida, a reprodução de categorias e conteúdos.
Que erro há nisso? A reprodução é algo indesejável por si só? Claro que não. Porém, ainda
assim, há dois problemas: primeiro, que esta reprodução está tendo o efeito de naturalizar a
idéia de que as competências estabelecidas são naturais e bastam. Isto é, que não precisamos
ir além. Do modo como o processo está sendo conduzido até o presente momento resta pouco
espaço para nós, sociólogos, intervirmos e construirmos algo novo a partir da inclusão da
sociologia como disciplina escolar, à conquista efetuada, pois que as competências elencadas
como sendo as que devem ser desenvolvidas simplesmente não contemplam, em boa medida,
nossas tradições discursivas. Somente quando formos capazes, teórica e politicamente –
dimensões indissociáveis – de incluirmos nestes documentos competências e conteúdos
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consensuais que nenhuma outra disciplina possa assumir , lograremos chance de
permanecermos como disciplina do ensino médio. E talvez, então, possamos rever
criticamente o próprio paradigma das competências.
Em que pesem os desafios a ser enfrentados, ressalta aos olhos o fato de que o esforço
crescente que se vem realizando em torno do pensar o ensino da sociologia impulsiona-nos.
Ainda se, um tanto aborrecidos, quisermos que as demais disciplinas, há tempos presentes na
escola e fruindo de maior legitimidade que a sociologia, também se dêem igual trabalho,
devemos, talvez, pensar sob outro ponto de vista e supormos que estamos tendo a rara chance
da auto-análise em nosso empenho de projetar uma disciplina mais interessante e relevante
para nossos alunos. Portanto, exercemos aqui, por excelência, nosso ofício de sociólogos:
analistas de nossa história, de nosso legado, de nossos intentos, de nossos feitos, num mundo
de valores em permanente luta.
Bibliografia
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Se olharmos mais atentamente as competências definidas e seus conteúdos relativos, observaremos que eles
são normalmente os admitidos nas áreas de história e geografia.
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