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A IMPORTÂNCIA DA FOTOETNOGRAFIA NA ANTROPOLOGIA VISUAL E

NA ETNOGRAFIA

Angélica Corrêa1

1. INTRODUÇÃO

2. A FOTOGRAFIA NA ETNOGRAFIA E NA ANTROPOLOGIA VISUAL

A antropologia, uma ciência social que objetiva o estudo de culturas e


sociedades, desde o final do século XIX utilizou técnicas fotográficas aplicadas
ao trabalho antropológico para ilustrar com imagens um texto escrito, com o
objetivo de auxiliar algum detalhe na coleta de dados, ou mesmo para
aproximar o pesquisador do povo e da cultura no campo de pesquisa
(APRATO, 2015, p. 3-4).
Como exemplo disso, a obra Fotografia e antropologia: olhares fora-
dentro de Rosane de Andrade (2002), relaciona o processo de construção da
imagem fotográfica com o de sua interpretação e reporta ao trabalho de Pierre
Verger2, quando menciona o embate entre ser fotógrafo e pesquisador,
1
Doutoranda em Direito pela Universidade LaSalle de Canoas/RS, linha de pesquisa -
Efetividade do Direito na Sociedade. Bolsista do (a): Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior, CAPES, Brasil. Mestre em Direito pela Faculdade Meridional de
Passo Fundo (2019). Graduada em Direito pela Faculdade Metodista de Santa Maria (FAMES)
- 2016. E-mail: angelicacorrea1418@gmail.com
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A obra escrita de Pierre Verger é diversa e multidisciplinar. Suas pesquisas se tornaram obras
de referência para várias áreas do conhecimento científico, sendo muito pesquisadas,
procuradas e analisadas por universitários e pesquisadores de diversas disciplinas e
nacionalidades até hoje. Sua obra fotográfica, baseada nas mais de 64.000 fotografias
cadastradas em seu acervo, foi construída a partir das viagens que ele fez aos cincos
continentes entre o ano de1932 e o final dos anos 1970. Verger começa a escrever artigos
junto com as fotos apenas após sua chegada à Bahia, devido ao seu interesse pela cultura
afro-baiana e a origem desta nos países africanos do Golfo do Benim. Devido a isto, pode-se
observador e participante como criador da imagem fotográfica. A autora
percebe na fotografia uma expressão autônoma e uma forma de pensamento
visual. Enfoca na linguagem marcada pela visualidade o sentido de ver com
olhos livres, propondo que não seja “preciso ser selvagem para pensar
selvagem. Necessita-se de um olhar único e singular, um processo solitário na
tentativa de redescobrir no outro e o outro em si mesmo” (ANDRADE, 2002,
p.29).
No campo da antropologia, a etnografia constitui uma metodologia de
coleta de dados que estuda de forma descritiva os grupos sociais, suas
características antropológicas, culturais e sociais. A etnografia é, ao mesmo
tempo, método de produção de dados e os próprios dados produzidos
(APRATO,2015, p.4).
Uma coletânea de ensaios que compõe o livro Entre arte e ciência: a
fotografia na antropologia, organizado por Sylvia Caiuby Novaes (2015), parte
das variadas alternativas em relação à fotografia e antropologia. Os artigos
reunidos relacionam informação, conhecimento e arte ao abordar combinações
entre o fotógrafo-pesquisador e as pessoas fotografadas. No ensaio
“Fotografar: expor (e se expor) – a utilização da fotografia no contexto da
violência”, de Bárbara Copque (2015) sobre tatuagens dos presos da
penitenciária de Bangu II, a fotógrafa obteve a confiança dos detidos após
mostrar as imagens aos presos, que decidiram quais cenas seriam usadas na
pesquisa.
Cabe destacar também, outro ensaio em que o pesquisador
compartilha e dialoga sobre as imagens fotográficas é “O rúgbi em cadeira de
rodas: um breve ensaio sobre a (des) construção da imagem da deficiência
física”, de Joon Ho Kim (2015). Com a intenção de romper com a ideia de
cadeirante passivo, além de fotografados, os jogadores participaram
ativamente da construção fotográfica. Novaes (2015) argumenta sobre o poder
considerar que ele iniciou as suas pesquisas quando retornou para o Benim. Além destes
trabalhos como fotógrafo e pesquisador, Verger participou, nos anos 70 e 80, de alguns
documentários de temáticas afro-brasileiras como “roteirista”, entrevistado ou conselheiro
científico. Nos anos 80, quando parou definitivamente de viajar para a África, Verger, que
visivelmente tinha noção da importância de seu trabalho, começou a organizar e guardar toda
essa obra, que em grande parte se encontrava na França, criando assim, a Fundação Pierre
Verger, destinada principalmente a cuidar e divulgar sua obra. Além disto, através da editora
Corrupio, publicou grande quantidade de livros, fotografias e outros textos.
 
das imagens quando “tornam visível o que não era, subvertem o senso comum,
denunciam com sensibilidade única e, por isso mesmo, agem” (NOVAES,
2015, p.15).
Cabe destacar, que bem antes da fotografia ser utilizada na etnografia
e na antropologia visual, já havia as antropologias simbólica e interpretativa.
Que nasceram nos finais dos anos 1950 nos Estados Unidos e no Reino Unido.
Nos anos 1960 ambas perspectivas eram alternativas às abordagens
materialistas e estruturalistas. Nos anos 1970, vários de seus expoentes
lecionaram na Universidade de Chicago. Apesar de estar em menor evidência
desde os anos 1980, constitui-se uma das principais abordagens adotada no
“politeísmo teórico” vigente na antropologia desde então (ALVES, 2017, p.1).
Neste sentido, como sistema, os símbolos são construídos socialmente
por um processo contínuo e são dependentes dos contextos e de outras
variáveis, inclusive materiais e mesmo simbólicas. A origem dos símbolos
seriam, portanto, sociais, não oriundas de processos mentais como queriam os
psicanalistas ou os estruturalistas da época (ALVES, 2017, p. 2).
Portanto, a compreensão da significação simbólica tipicamente seria
alcançada pelo exame de diferentes níveis “interpretar a significação posicional
de um símbolo, ato ou fato dentro do sistema de símbolos, estabelecer seu
significado operacional para no fim descrever uma significação simbólica”
(ALVES, 2017, p.2).
Pode-se destacar dois representantes desse período. A antropóloga
britânica Mary Douglas, que fez investigações na África austral. Recebeu
influência de Durkheim, Evans-Pritchard e Lévi-Strauss. Formulou a teoria
cultural do risco, pela qual as pessoas reforçam as estruturas sociais por meio
de símbolos, rejeitando alternativas culturalmente possíveis, mas
simbolicamente indesejáveis. Fez análises entre o sagrado/puro e o
profano/impuro em obras como Pureza e perigo (1966), Símbolos
naturais (1970), Levítico como literatura (1999) (ALVES, 2017, p 4).
Sem defender alguma essência estrutural no processo de
transformação simbólica, Douglas com seu clássico Pureza e Perigo mostrou
como toda uma cosmologia que prega uma ordenação do mundo ganha forma
através de símbolos de sujeira, perigo e proibição. A autora exemplifica sua
tese se apoiando em noções de higiene que seriam, segundo ela, uma
"excelente rota" para se falar de religião e outros aspectos socioculturais. Os
rituais de pureza e impureza seriam formas de manifestar publicamente os
padrões simbólicos desejados, nos quais o que está implícito é uma tentativa
de colocar as coisas "no lugar", de acordo com a ideia de um mundo ordenado.
Ratifica ela que:
(...) ao examinarmos crenças de poluição descobrimos que os tipos
de contato tidos como perigosos também carregam uma carga
simbólica. Este é o nível mais interessante no qual as idéias de
poluição se relacionam com a vida social. Acredito que algumas
poluições são usadas como analogias para expressar uma visão geral
da ordem social. (DOUGLAS, 1980, p.14).

Além de Mary Douglas, outro nome que merece destaque neste


período é Bronisław Kasper Malinowski, que foi o pioneiro do método de
observação-participante e do paradigma funcionalista, Malinowski consolidou a
antropologia como uma disciplina acadêmica com objeto, método, teoria e
instituições próprios. Foi mentor da primeira geração “científica” de
antropólogos britânicos, influenciando também seus colegas norte-americanos
e franceses.
Contudo, a linha dos antropólogos interpretativistas, considerava o
funcionalismo de Malinowski como reducionista em sua pretensão de achar
que cada elemento cultural era resposta a uma necessidade básica. Se assim
fosse, não haveria diversidade em um menu e andaríamos uniformizados.
Também, a premissa do etnógrafo priorizar o comportamento ao invés do
declarado para uma etnografia “realista” ignorava a interpretação que os
próprios informantes dão aos fatos culturais.
Malinowski defendia que “cada sociedade deveria ser estudada como
um “todo”, como um organismo possuidor de uma lógica interna e singular,
subdividido através de uma complexa rede de relações entre os indivíduos. E
como tal, propõe como metodologia de estudo, o trabalho de campo” (SAMAIN,
1995, p. 21).
Isto significa que, Malinowski defendia que “ em qualquer ramo do
conhecimento, o resultado de uma pesquisa cientifica devem ser apresentados
de maneira totalmente neutra e honesta” (SAMAIN, 1995, p. 33), sendo que na
Etnografia, este é um fator de grande importância uma vez que é este que
confere credibilidade ao trabalho efetuado pelos etnógrafos. Logo, é o próprio
etnógrafo que terá que ir para o terreno de modo a que conseguia através do
seu contato direto com o “objeto de estudo” produzir conhecimento cientifico
válido.
Embora não fosse fotógrafo, em sua primeira monografia publicada em
1915, Os Nativos de Mailú, já havia inserido 34 fotografias. Uma quantidade
razoável, considerando-se as dificuldades enfrentadas em campo no que diz
respeito a transportar na bagagem um equipamento pesado e de manuseio
delicado, pois o autor, além de fotografar, revelava os filmes em pesadas
placas. “Uma primeira coisa que nos chama a atenção é o uso crescente que
Malinowski faz da fotografia. (...) Um total de 283 fotografias espalhadas ao
longo das 1.883 páginas nas três obras”3 (SAMAIN, 1995, p. 27).
O manuseio das obras de Malinowski nos permite verificar a
importância dada pelo autor aos registros visuais. As fotografias, desenhos e
pranchas são inseridos no corpo de seus livros como parte integrante dos
textos e não apenas como apêndice ilustrativo. Não bastava falar sobre as
populações da Melanésia, era necessário mostrá-las em seu cotidiano. As
criações visuais assumem, em seus trabalhos, o status de fontes reveladoras
das sociedades humanas em momentos diversos de sua história, mostrando
suas formas de ser, vestir, suas expressões, posturas, aparências, assim como
as diversas características culturais (SAMAIN, 1995, p. 29).
Os resultados da busca de uma metodologia inovadora de pesquisa
vieram a público em 1922, com sua obra prima “Os Argonautas do Pacífico
Ocidental”, que além do mérito do conteúdo e riqueza de imagens, tomou-se
um modelo de investigação etnográfica adotado por várias gerações de
antropólogos que, mesmo diante das dificuldades de acesso ao campo,
carregavam em suas bagagens as pesadas câmeras fotográficas e os
equipamentos acessórios para a sofisticada operação (SAMAIN, 1995, p. 31).
No entanto, nas últimas décadas, a Antropologia Visual no Brasil vem
sendo alvo de estudos e atenção, ampliando gradativamente o número de
pesquisadores empenhados em defender e demonstrar que a imagem pode ser
uma peça fundamental enquanto fonte primária de pesquisa científica, capaz
de evidenciar a diversidade social em seu contexto histórico e cultural.

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As três obras citadas são: Argonautas do Pacífico Ocidental (1914-1918), A vida sexual dos
selvagens (1929) e Jardins de coral (1935).
Como toda ciência que se busca, a Antropologia Visual gera polêmicas
no processo de elaboração de um estatuto próprio, pois existe ainda uma
grande complexidade em quebrar paradigmas da maneira clássica do fazer
antropológico, que consagra a escrita como a linguagem científica mais
virtuosa e capaz de dar consistência ao texto teórico.
Por se tratar de estudo recente, embora sua prática venha sendo
adotada desde o princípio do século, há ainda a dificuldade em se delinear um
perfil analítico, entendendo-se aqui por antropologia visual o estudo das
significações de imagens singulares sobre a diversidade cultural, que
transportam as representações sociais para os suportes fotográficos e
filmográficos. Este, no entanto, é um esboço provisório de compreensão,
estando muito longe da busca de elaboração de um conceito. Nesse sentido,
compreende-se que os registros que não ganham forma verbal tenham o
potencial de transmitir informações necessárias para a construção de conjuntos
referenciais capazes de resgatar o lócus de ação de universos sociais
particulares, pelo fato de materializarem o espaço de ação do indivíduo 4.
A partir do agrupamento seriado de imagens existe a possibilidade de
observar o gesto em ação, em momentos significativos do cotidiano sócio
cultural, assim como a construção de diagramas das relações espaciais.
Tomando como base que os espaços refletem o comportamento social e que
cada sociedade manifesta de forma distinta seu relacionamento espacial, esses
aspectos de comportamento dificilmente poderiam ser documentados de outro
modo que não fosse o visual. Neste caso, imagem e escrita tomam-se
complementares, diante duas ideias: descrever/ mostrar.
A análise de um conjunto de imagens como recurso metodológico,
possibilita vivenciar recortes de um tempo passado que se reconstitui no
presente, permitindo o confronto de processos distintos de construção de
identidades sociais, indivíduos, etc. Toma-se possível evidenciar a diversidade
a partir da comparação de registros referentes a várias circunstâncias, mesmo
que tais momentos tenham sido filtrados pelo olhar do autor que domina a
câmera.

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Esboço do conceito exposto, como forma de reflexão na dissertação de mestrado: O olhar
antropológico: O índio brasileiro sob a visão de Harald Schultz (CAMPOS, 1995, cap. 3).
No entanto, a fotografia como qualquer outro instrumento de registro,
tem seus limites e apresenta seus riscos, devendo-se ficar atento à questão
colocada por Morin, de que “ o testemunho ocular é um elemento capital, mas
não passa de um elemento para um trabalho de reconstrução e verificação,
através de confrontações. A estratégia de conhecimento desenvolve-se
estabelecendo concordâncias e coerências, mas a concordância não tem
sempre valor comprobatório e a coerência pode ser destruída pelo
aparecimento de um dado que a contradiga”. (MORIN, 1986, p.29).
A antropologia é uma disciplina que se constrói através da observação,
descrição, compreensão e interpretação de fatos da cultura humana e vem
atribuindo ao texto escrito o rigor de sua expressão científica. O objeto de
observação geralmente é descrito em cadernos de campo acumulando-se
dados para uma posterior compreensão e interpretação. Desde que a imagem
vem sendo incorporada aos métodos de registro, percebe-se a possibilidade de
uma conjunção de olhares, em que a memória pode recompor com maior
amplitude a realidade observada a partir da combinação das várias formas de
registros (CAMPOS,1996, p. 280/281).
Por essas razões, a fotografia, o filme e o vídeo vêm conquistando
novos domínios, transformando a imagem em fonte reveladora do
conhecimento antropológico. Seguindo os ensinamentos de Malinowski “ a
antropologia seria o estudo segundo o qual compreendendo o primitivo
poderíamos chegar a compreender melhor a nós mesmos” (GOLDEMBERG,
2005, p.30).

3. FOTOETNOGRAFIA
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

ALVES, Leonardo Marcondes. A antropologia simbólica e interpretativa.


Ensaios e Notas, 2017 Disponível em: https://wp.me/pHDzN-45N Acesso em
16 de dez. de 2020.

ANDRADE, Rosane de. Fotografia e antropologia: olhares fora-dentro. São


Paulo: Estação Liberdade; EDUC, 2002.

APRATO, Ana Paula Lima. Compondo Narrativas de Inspiração


Fotoetnografica sobre Crianças & Objetos – Um modo de pesquisar a
infância em escola do interior do RIO GRANDE DO SUL. Disponível em:
http://www.2017.sbece.com.br/resources/anais/7/1495661020_ARQUIVO_Trab
alho_Completo_Sbece2017_Sem_Imagens.pdf. Acesso em: 13 de dez. de
2020.

CAMPOS, Sandra Maria Lacerda. A imagem como método de pesquisa


antropológica: um ensaio de Antropologia Visual. Rev. do Museu de
Arqueologia e Etnologia, São Paulo, n. 6, 1996.

COPQUE, Bárbara. Fotografar: expor (e se expor) – a utilização da fotografia


no contexto da violência. In: NOVAES, Sylvia Caiuby (Org.). Entre Arte e
Ciência: A fotografia na Antropologia. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 2015.

DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1980.


GOLDENBERG, Mirian. de perto ninguém é normal Estudos sobre corpo,
sexualidade, gênero e desvio na cultura Brasileira. São Paulo: Record, 2
ed., 2005.

HO KIM, Joon. O rúgbi em cadeira de rodas: um breve ensaio sobre a (des)


construção da imagem da deficiência física. In: NOVAES, Sylvia Caiuby
(Org.). Entre Arte e Ciência: A fotografia na Antropologia. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2015.

Morin Edgar. Para sair do século XX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

NOVAES, Sylvia Caiuby (Org.). Entre Arte e Ciência: A fotografia na


Antropologia. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 2015.

VERGER, Pierre. Fundação Pierre Verger. Disponível em:


http://www.pierreverger.org/br/pierre-fatumbi-verger/sua-obra.html Acesso em
15 de dez. de 2020.

SAMAIN, Etiene. “Ver” e “Dizer” na Tradição Etnográfica: Bronisław Malinowski


e a Fotografia. Revista Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 1, n. 2,
jul/set, 1995.

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