Você está na página 1de 11

4

A IMPORTÂNCIA DA DESCOBERTA DOS MANUSCRITOS DO MAR


MORTO NOS ESTUDOS DO JESUS HISTÓRICO.
Introdução
Quando tratamos desse universo da pesquisa do Jesus Histórico, sempre em
alguma parte esbarramos nos Manuscritos do Mar Morto, seja no texto, fazendo uma exegese,
seja no campo histórico dos textos e da comunidade ou até mesmo no campo do
comparativismo, o que podemos entender é que ambos campos são imensos e com um grau de
pesquisas que não sabemos o quanto poderemos tirar desses textos, pois tanto um estudo
quanto o outro tem um vasto campo imagináveis.
1. Manuscritos do Mar Morto
Os Manuscritos do Mar Morto foram grandes achados históricos e importante
para fé cristã, pois, através da descobertas podemos entender e comprovar cada vez mais a
autenticidade bíblica. Esses textos são os mais antigos manuscritos encontrados nas cavernas
do Mar Morto, em seu livro Jonas Machado (MACHADO; FUNARI, 2012, p.11) nos dá uma
informação interessante:
A descoberta dos Manuscritos do Mar Morto nas cavernas próximas a Khirbet
Qumran, nas margens do Mar Morto em 1947 foi um dos mais espetaculares eventos da
arqueologia do século XX.
Outra informação precisa que podemos entender é a que George W. E.
Nickelsburg nos passa em seu livro Literatura judaica entre a Bíblia e o Mixná:
Finalmente, os manuscritos têm lançado nova luz sobre as origens cristãs. Sua
linguagem religiosa e padrões de pensamentos, seus ritos e organização da
comunidade fornecem uma janela para o tipo de judaísmo que formou a sementeira
do Cristianismo mais primitivo. (NICKELSBURG, 2011, p. 243)

Os Manuscritos do Mar Morto trouxe uma grande contribuição para o


Cristianismo antigo, pois, trouxe uma nova perspectiva sobre os personagens bíblicos como
Jesus, João Batista e até sobre os pensamentos paulinos e joaninos, sem contar a grande
contribuição ao Antigo Testamento. John Collins em seu livro “A imaginação Apocalíptica”
nos traz uma ideia dos manuscritos:
A descoberta dos Manuscritos do Mar Morto lançou nova luz sobre vários aspectos
do judaísmo pós- bíblico e também sobre a área do apocalipticismo judaico. Essa
nova luz foi dupla. Por um lado, os manuscritos antigos de Enoque possibilitaram a
revisão e compreensão da origem e desenvolvimentos primitivos da literatura
apocalíptica. Por outro lado, há obvias similaridades entre os documentos sectários
recentemente descobertos e o que encontramos nos apocalipses, especialmente em
seu interesse pelo mundo angélico e sua escatologia. (COLLINS, 2010, p.213).
5

Podemos enxergar a importância que esses manuscritos nos trouxeram tanto na


literatura, quanto na história da comunidade que escreveu essa literatura, pois assim, podemos
entender o processo pelo qual o Cristianismo antigo passou.
1.1 História dos manuscritos
A história dos Manuscritos são bem peculiares, pois, são se sabe como eles
resistiram tanto tempo sem que tivesse alguém cuidando deles, e a forma como foram
encontrados foram bem interessante. Jonas Machado nos conta como foi que tudo começou:
No início de 1947, um jovem pastor da tribo de Tamirés, de nome Mohamed El Dib
(cuja tradução seria “o lobo Mohamed”), buscava uma cabra desgarrada, correndo
até esgotar-se. Parou para descansar debaixo de uma rocha e viu um buraco: a
entrada de uma caverna. Aí a história se complica, pois para entrar na caverna não se
pode fazê-lo sem ajuda de outra pessoa e de uma corda. Mohamed teria voltado no
dia seguinte com um primo- por qual motivo, não se sabe. Ao entrar, encontrou nada
menos que oito jarros de cerâmica intactos e tampados, além de restos de ao menos
cinquenta mais. Num deles havia três rolos de couro com sinais escritos que eles não
entenderam. (MACHADO; FUNARI,2012, p. 31)

A partir daí começaram as disputas entre os beduínos que queriam achar os


manuscritos para vender e os arqueólogos que queriam achar esse tesouro histórico. García
Martinez em seu livro Textos de Qumran nos dá uma ideia da história dos Manuscritos:
O que é seguramente certo é que na primavera de 1947 sete manuscritos procedentes
da Gruta 1 passam para as mãos dos “antiquários” de Belém: Jalil Insakandar
Shalim, o famoso Kando, que converterá posteriormente no intermediário
imprescindível entre os descobridores beduínos e as autoridades do museu
Palestinense, Faidi Salahi. (MARTINEZ, 1994, p. 20)

Os beduínos encontravam os manuscritos e vendiam no mercado, assim as


autoridades do museu Palestinense compravam e colocavam no museu, mas nem todos os
manuscritos foram para o museu palestinense de acordo com García Martinez:
Deste sete manuscritos, quatro (1QIsa, 1QpHab, 1QS e 1QapGn) foram adquiridos
pelo arquimandrita do convento siro-ortodoxo de São Marcos de Jerusalém,
Athanasius Yeshue Samuel, com a esperança de poder obter um benefício por sua
venda. Os outros três (1QIsb,1QH,1QM) foram oferecidos ao professor E.L.
Sukenik, da Universidade Hebraica de Jerusalém. Em novembro de 1947,
aparentemente no mesmo dia da proclamação do Estado de Israel, o professor
Sukenik reconhece o interesse e a possível antiguidade destes manuscritos e os
adquire para a Universidade Hebraica junto com duas das jarras nas quais os
manuscritos haviam sido depositados. (MARTINEZ, 1994, p. 21)

Dando continuidade aos estudos da história dos manuscritos Jonas Machado nos
conta ao ainda mais interessante, pois houve durante um tempo um certo cuidado por parte da
pesquisa e escavações do local:
As escavações, comandadas por de Vaux, nunca foram publicadas na forma que
se costuma e deveria ser feito, como relatórios detalhados tanto das estruturas fixas, como dos
artefatos. (MACHADO; FUNARI, 2012, p.34)
6

Mas uma pergunta que os estudiosos da época e de hoje é: quem escreveu esses
manuscritos? Como viviam? O que faziam? Essa pergunta, vamos buscar entender a seguir.
1.2 Comunidade que escreveu os manuscritos
Há um grande divergência entre os estudiosos, no que diz respeito à autoria dos
Manuscritos do Mar Morto, Donizete Scarledai em seu livro Da religião bíblica ao judaísmo
rabínico nos mostra uma ideia de quem eram essa pessoas:
O grupo dos essênios é, normalmente, associado aos escritos encontrados nas grutas
do deserto de Judá, em 1947: Manuscritos e Qumran. Por terem sido encontrados às
margens do Mar Morto, esses documentos são também conhecidos por Manuscritos
do Mar Morto, revelando um estilo de vida social e religioso ligado a um grupo
judaico específico. O conteúdo dos Manuscritos, porém, pode antes remeter à
organização de uma pequena seita dissidente judaica, localizada em Qumran, em vez
de assegurar o estilo de vida e sociedade dos essênios como um todo. É difícil
garantir que a comunidade descrita nos manuscritos de Qumran possa ser
automaticamente identificada com os escritos dos essênios de Flávio Josefo. A
organização social, a vida religiosa e as crenças dos essênios aparecem nas
descrições desse historiador judeu da época. (SCARLEDAI,2008, p.116)

Um outro estudioso dos manuscritos do Mar Morto tem uma ideia diferenciada do
Scarledai que é o Geza Vermes, ele em seu livro Manuscritos do Mar Morto afirma que os
essênios eram sim da comunidade de Qumran:
A opinião comum identificando, ou associando, os sectários de Qumran aos essênios
está baseado em três considerações principais:
1- Não existe outro local, a não ser Qumran, que corresponda ao assentamento
descrito por Plínio entre Jericó e Engedi.
2- Cronologicamente falando, as atividades essênias descritas por Josefo como
tendo lugar no período entre Jônatas Macabeus (c.150 a.C.) e a primeira guerra dos
judeus (66-70 d.C.) coincidem perfeitamente com a ocupação sectária em Qumran.
3- As semelhanças da vida da comunidade, a organização e os costumes são
fundamentais para confirmar a identificação das duas entidades como algo
extremamente provável, na medida em que algumas das óbvias diferenças entre elas
possam ser explicadas. (VERMES, 1997, p. 76)

Há uma certa divergência sobre quem seria os habitantes dessa comunidade entre
os estudiosos antigos e os mais novos, pois enquanto os antigos afirmavam veemente que
eram os essênios os atuais desconsideram essa afirmação por não ter prova ou material que
comprovasse isso. Dos estudiosos atuais Jonas Machado nos traz uma informação precisa
sobre a identificação dessa comunidade:
Entretanto, o nome Essênios nunca apareceu em Qumran, e não foi encontrado
nenhum fragmento no sítio. Claro, isso não significa que não possam estar
associados, pois o nome “Essênios pode ser uma definição dos de fora, que não era
empregado pelos próprios adeptos do grupo, algo tão comum em outros casos.
(MACHADO; FUNARI, 2012, p. 74-75)

Uma nova visão dessa comunidade no quesito da identificação, assim como os


cristãos foram identificados por esse nome por outros, assim também a comunidade de
7

Qumran foram identificados por outros, mas isso não fica muito evidente, pois não há
material que comprove isso.
1.3 Evolução das pesquisas
Após a descoberta desses manuscritos houve uma gama de produções de textos
sobre a comunidade e sobre a relevância para o Antigo Testamento, mas com o passar do
tempo, muitos estudiosos do Novo Testamento tem estudado esses manuscritos e fazendo um
comparativismo com os evangelhos e os textos paulinos, durante essa gama de produções de
textos sobre os manuscritos houve um comparacionismo e um certo debate sobre os
personagens Jesus e João Batista, em seu livro Os Manuscritos do Mar Morto e o Novo
Testamento, Gervásio F. Orrú nos mostra como era essa comparação:
Em sua pregação, João Batista fez uso de Isaías 40.3. A Regra da Comunidade
também menciona essa passagem:
E quando essas coisas sucederem aos membros da comunidade em Israel, no tempo
designado, separar-se-ão da habitação dos homens perversos e irão para o deserto
preparar o caminho do Senhor, como está escrito: No deserto preparai o caminho do
Senhor, endireitai no deserto a estrada para o nosso Deus. 1QS 8.12-14
(ORRÚ,1993, p. 56)

Outras comparação que Orrú faz um paralelo entre os ditos de Jesus e os textos de
Qumran:
Ao tratar com rigor o pecado do adultério, Jesus frisou que qualquer que para uma
mulher com intenção impura, no coração já adulterou com ela (Mt 5.28). A Regra da
Comunidade exorta: “...não mais andem na teimosia de um coração pecaminoso,
nem com olhos de fornicação, cometendo toda espécie de mal. 1QS 1.6-7
(ORRÚ,1993, p. 61)
Os estudiosos atuais não se preocupam com essas ideias, pois já estão concluídas
para eles, o que muitos tem feito, são as exegeses dos manuscritos e feito paralelos com
escritos do Novo Testamento com as apocalípticas, com as experiências religiosas da
comunidade em detrimento com as experiências tanto de Paulo como de Jesus, grandes
escritos sobre os textos de Qumran tanto no campo da história, como da arqueologia, Jonas
Machado dá um ideia de como tem sido aproveitado os estudos atuais dos manuscritos:
Uma constatação sobre a situação atual da pesquisa que vale sublinhar é que o
impacto desse material ficou, até então, confinado a um pequeno círculo de
estudiosos, em geral de formação religiosa, e com interesses bem voltados para o
estudo da religião. (MACHADO; FUNARI, 2012, p. 85)

Apesar de uma pequena parte dos estudiosos atuais terem estudado e estudam os
manuscritos, universidades públicas tem dado um certo valor para pesquisa desse
manuscritos, seja no campo da história, seja no campo da arqueologia, seja no campo dos
textos em si, por isso, a evolução da pesquisa se dá ao fato de que a importância atual está nos
documentos e na história desses documentos, sem contar também que a história dessa
8

comunidade e os paralelismo nos textos de Qumran, junto com o comparativismo tem tomado
a nova ordem das pesquisas.
2. Jesus histórico
Com as descobertas dos Manuscritos do Mar Morto, houveram um acaloramento
nas pesquisas de Jesus Histórico, mas esse acaloramento veio recentemente, pois até, então a
discussão era outra, sobre as diversidades do Jesus Histórico segundo seus autores tanto do
liberalismo, como da neo-ortodoxia, como também dos iniciantes qumramitas, que estudavam
a fundo a vida de Jesus nos evangelhos e fora deles.
2.1 Jesus Histórico e suas três ondas
Ao tratar das questões sobre Jesus histórico e suas três ondas devemos
primeiramente entender o que são essas três ondas, que fizeram parte dessas pesquisas do
Jesus histórico.
A primeira onda que teve como expoentes Hermann S. Reimarus (1964-1768),
Heinrich Paulus (1761-1851), Ernst Renan (1823-1892), David F. Strauss (1808-1874), onde
a grande questão aqui, está em perguntar quem foi Jesus de Nazaré de fato, usando o método
cientifico e desconfiando dos textos. David F. Strauss em seu livro, The life of Jesus Critically
Examined nos mostra um pouco do seu pensamento a respeito de Jesus Histórico:
Quanto às obras de Jesus, a visão racionalista é, que ele tenha se tornou querido para
a humanidade por este acima de tudo, que ele ensinou-lhes uma religião à qual é
para pureza e excelência é uma justa atribuído um certo poder divino e dignidade; e
que ele ilustrou e executada esta religião pelo brilhante exemplo de sua própria vida.
(STRAUSS,2009, p.767)

A segunda busca foi diferenciada, pois foi no período do nazismo e sendo assim
acabou tendo uma desvinculação do Jesus da cidade de Jerusalém, onde teve dois expoentes
como Ernst Käsemann (1953) e Günther Bornkhamm, em sua pesquisa “A terceira busca pelo
Jesus Histórico, a partir de N.T. WRIGHT Éverton Klug Mesquita, Josué Klumb Reichow
mostram um pouco do pensamento de Käsemann a respeito do Jesus Histórico:
Ernst Käsemann proferiu no ano de 1951, uma palestra denominada O problema do
Jesus histórico. Em sua crítica ao ceticismo metodológico, Käsemann despertou a
esperança por um conhecimento fidedigno sobre a biografia de Jesus. Em 1959,
James Robinson denominou esse esforço reanimado de A new Quest, o que hoje
também é chamado de a segunda busca. (MESQUITA; REICHOW, 2013, p. 179)

Nas últimas 4 décadas houveram um estudo insenssante sobre Jesus Histórico,


onde mostra um O Jesus Judeu em meio às diversidades judaicas do seu tempo. Em seu livro
Jesus, um judeu da Galileia, Sean Freyne mostra a nova cara da pesquisa sobre Jesus
Histórico:
9

Em relação aos que precedera, o traço distintivo deste capítulo mais recente dos
estudos sobre Jesus Histórico é o marcado interesse pelos aspectos sociais, em
contraste com os religiosos, da vida de Jesus. Esta mudança de ênfase pode sem
dúvida ser atribuída a muitos fatores em operação nas sociedades ocidentais do fim
do século XX, fatores que levaram a uma crescente “secularização” dos estudos do
Novo Testamento. (FREYNE,2008, p.1)
Eis a nova cara do Jesus Histórico, mais voltado para o lado social e nada
religioso, Chevitarese e Pedro Funari no livro Jesus Histórico uma brevíssima introdução nos
mostra uma ideia atual de Jesus:
Para além do Seminário de Jesus, outros estudiosos e abordagens têm se destacado,
diversos deles disponíveis em nosso idioma. Uma característica comum a esta
literatura é o esforço para uma compreensão racional de Jesus. (CHEVITARESE;
FUNARI,2012, p.64)

Mas não podemos esquecer também que houve um período da não busca do Jesus
Histórico, pois houve uma decepção com as tentativas científicas de encontrar o Jesus
Histórico. Houveram alguns expoentes que fizeram história com seus escritos e livros dentre
eles estão: Albert Schweitzer, Karl Barth, Rudolf Bultmann, Paul Tillich, principalmente com
Bultmann houveram uma gama de escritos a respeito de Jesus e também sobre a mitologia e
demitologização.
2.2 O Cristo Mitológico
O Cristo Mitológico é de autoria Bultmaniana, pois foi um estudo que marcou
uma fase dos estudos do Jesus Histórico, como dizia muitos estudiosos, em seu livro Jesus
Cristo e a Mitologia Bultmann dos dá uma ideia do que é esse Cristo Mitológico:
Depois de Paulo, João desmitologizou a escatologia de um modo radical. Para
João, o que constitui o acontecimento escatológico é a vinda e a partida de Jesus.
(BULTMANN,2005, p.27)
Em outra obra Bultmann fala mais claramente o que significa esse Jesus
Mitológico:
Toda cosmovisão que tanto a pregação de Jesus quanto o Novo Testamento em geral
pressupõem é mitológica, isto é, a concepção do mundo como estruturado em três
planos: o céu, terra e inferno; o conceito da intervenção de poderes sobrenaturais no
decurso dos acontecimentos; e a concepção dos milagres, especialmente a ideia da
intervenção de poderes sobrenaturais na vida interior da alma, a ideia de que as
pessoas podem ser tentadas e corrompidas por demônio e possuídas por espíritos
maus. A essa visão qualificamos de mitológica porque difere da que tem sido
constituída e desenvolvida pela ciência, desde que está se iniciou na Grécia antiga, e
posteriormente foi aceita por todas as pessoas modernas. (BULTMANN,1999, p. 51)

Bultmann faz uma ligação entre o Jesus mitológico com a escatologia, o tornando
Jesus mitológico escatológico, pois sua pregação é do reino de Deus, sendo assim, se tornando
um conceito escatológico, em sua teologia do Novo Testamento temos uma ideia do que ele
está tratando:
10

Com essa pregação Jesus se encontra no contexto histórico da expectativa judaica do


fim e do futuro. E está claro que o que determina não é a imagem da esperança
nacionalista, ainda vive em determinados círculos do povo judeu, que imagina o
tempo da salvação estabelecido por Deus como restabelecimento do antigo reino
davídico, transfigurado à luz de um ideal. (BULTMANN,2004, p.41)

Para Bultmann existia uma ideia de um Jesus desmitologizado, totalmente


desligado das experiências sobrenaturais, e a sua pregação era totalmente escatológica,
sempre pensando no fim e no futuro, mas essa pregação continha um certo apocalipticismo.
2.3 Cristo da Fé versus Jesus Histórico
Existiu durante um determinado tempo um debate sobre o Cristo da fé e o Jesus
Histórico, por causa da suas diferenças de pensamentos. Chevitarese nos dá uma impressão
desse debate no seu livro:
Paulo não parece ter conhecido o Jesus Histórico, mas apenas o Cristo. Contudo, o
Jesus de Nazaré continua a fascinar crentes e não crentes, admiradores ou críticos.
Por mais de dois séculos, estudiosos e pessoas comuns voltaram-se para esse
camponês simples e pouco preocupado com as grandezas deste mundo. Com o
passar do tempo, e conforme o interesse pelo Jesus Histórico expandiu-se e a luta
antirreligiosa arrefeceu, procurou-se entender o contexto histórico, as situações
humanas e sociais vivenciadas pelo nazarenos e seus seguidores. (CHEVITARESE;
FUNARI, 2012, p.66-67)

O que podemos entender é que o Cristo da Fé é aquele que os evangelhos e a fé


cristã veneram, enquanto que o Jesus Histórico é aquele que a ciência pesquisa, tirando dele
todo esse lado espiritual e vendo seu lado humano e seu mundo desde o contexto histórico até
o social, mas ambas ideias são importantes para os pesquisadores. Outro ponto interessante
encontramos no livro de Udo Schinelle (SCHINELLE,2010, p. 101)
Jesus trouxe uma imagem de Deus que era nova, mas de modo algum não judaica,
embora tivesse em tensão com as imagens de Deus predominantes no judaísmo.
O que podemos entender é que Jesus foi uma figura importante nos estudos
científicos e hoje o que tem se abordado são conceitos de sua humanidade enquanto sua
divindade não é estudada a fundo.
3. Estudos do Jesus Histórico e os manuscritos do Mar Morto na atualidade.
Os estudos do Jesus Histórico e dos Manuscritos do Mar Morto ganharam cada
vez mais espaço na academia religiosa, quanto na secular, pois, os Manuscritos do Mar Morto
é uma ferramenta maravilhosa para os estudantes de história e de arqueologia, o mesmo pode-
se dizer do Jesus Histórico, pois é através da história de ambos é que podemos entender os
contextos históricos, sociais e políticos de suas épocas. Richard Horsley em seu livro Jesus e o
império nos mostra um pouco do que é essa nova pesquisa sobre Jesus histórico:
A abordagem-padrão trata os ditos de Jesus como artefatos com sentido em si
mesmo. Mas na vida real ninguém se comunica com enunciados isolados. A
11

comunicação envolve outras pessoas em contextos sociais específicos. Ao isolar os


ditos de Jesus do seu contexto literário nos Evangelhos, porém, o procedimento-
padrão dispensa nosso principal guia ao significado contextual e relacional histórico
dos materiais evangélicos. (HORSLEY, 2001, p. 69-70)

Essa é uma ideia de como Horsley trabalha em seu Jesus anti imperialista, um
Jesus voltado para o oprimido e fazendo sua pregação contra o imperialismo romano. No caso
dos Manuscritos do Mar Morto está havendo uma gama de textos e livros à respeito dos
próprios textos, nas diversas áreas como exegese, apocalipticismo, as experiências religiosas,
e o paralelismo com os personagens bíblicos. Enquanto que na época da descoberta o intuito
era entender o texto e buscar uma comparação com personagens bíblicos como Jesus e João
Batista, hoje temos textos como por exemplo de Clarisse Ferreira que nos fornece essa
evolução nos estudos dos Manuscritos do Mar Morto:
Contudo, o Rolo do Templo é mais honestamente definido como um mistério que
foge à compreensão e a apreensão do pensamento moderno, especialmente daqueles
que mais estudaram a religião que o criou- o judaísmo do Segundo Templo. Sua
classificação literária é problemática e, mesmo quando uma escolha é feita com
intuito de estabelecê-la, o Rolo é sempre descrito como um texto sui generis em
meio a seus pares, por suas características únicas. (FERREIRA,2013, p.342)

Aqui como podemos observar é um estudo aprofundado do Rolo do Templo, onde


ela trabalha a questão exegética do texto, isso é um pouco da evolução dos estudos dos
Manuscritos. John Collins fez uma abordagem diferente trabalhando o lado apocalíptico da
literatura qumrâmico:
Não obstante, a visão de mundo que encontramos nesses escritos é tipicamente
apocalítica: o destino humano é governado por forças sobre humanas da luz e das
trevas, a história é considerada como se dirigindo inexoravelmente para um final, e
as pessoas aguardam a recompensa ou punição após a morte. (COLLINS,2010, p.
216)

Outra forma que podemos enxergar também é o estudo que Nickelsburg faz em
seu livro Literatura Judaica entre a Bíblia e o Mixná, onde ele trata de forma histórica e
exegética dos textos de Qumran:
Finalmente os manuscritos tem lançado nova luz sobre as origens cristãs. Sua
linguagem religiosa e padrões de pensamento, seus ritos e organização da
comunidade fornecem uma janela para o tipo de judaísmo que formou a sementeira
do cristianismo mais primitivo. (NICKELSBURG,2011, p. 243)

O que podemos notar aqui é uma mudança de paradigmas nos estudos dos
Manuscritos, enquanto Geza Vermes e García Martinez se preocuparam em mostrar o texto
em si, que não é errado, pois houve uma contribuição tremenda, os estudiosos de hoje buscam
fazer um aprofundamento histórico como textual.
3.1 Textos de Qumran e os Evangelhos, quais são suas similaridades?
12

Essa é uma pergunta que muitos tem feito nos estudos dos Manuscritos, o que
teria de semelhanças com os Evangelhos e as cartas paulinas? Como é um estudo sobre a
relevância das descobertas dos manuscritos do Mar Morto para o estudo do Jesus Histórico,
não tem porque citar algum paralelismo com as cartas paulinas. Durante um certo tempo
foram produzidos diversos textos onde alguns concordavam que os personagens Jesus e João
Batista teriam feito parte dessa comunidade, e outros retirando essa ideia, o assunto está
fechado, mas o paralelismo continua, Gervásio Orrú trabalhou bem essa questão do
paralelismo:
Argumenta-se que Jesus não passou em Nazaré todo o tempo de sua vida, antes de
iniciar seu ministério público. Da idade de doze anos até os trinta, Jesus teria se
submetido à vida de intensa iniciação na Comunidade de Qumran, sujeitando-se a
esse período de provas e ao ritual do batismo, antes de dar início a seu ministério
público na Galileia. (ORRÚ,1993, p.60)

Mais à frente ele trabalha a questão do paralelismo entre algumas passagens do


evangelho e textos do Antigo Testamento com os textos de Qumran:
Em Marcos 1.14-15, encontramos o seguinte registro: Depois de João foi preso, foi
Jesus para a Galileia, pregando o evangelho de Deus, dizendo: O tempo está
cumprindo e o reino de Deus é chegado; arrependei-vos e crede no evangelho. Nesse
texto a palavra evaggelion, boas novas, empregada para caracterizar a mensagem de
Jesus na época de seu primeiro aparecimento público, trata, sem dúvidas, a maneira
de o profeta Isaías se expressar. Em Isaías 40.9; 41.27; 52.7 e 61.1, a palavra
hebraica usada é basar, proclamar ou anunciar boas novas. Tomemos como exemplo
Isaías 61.1.
Jesus fez referência a essa passagem em Lucas 4.18. Ela também é refletida de
maneira bem clara em um dos hinos da comunidade: “Segundo a tua verdade possa
ele ser o proclamador de boas novas aos humildes, conforme a abundância de tua
misericórdia. 1QH 18.14 (ORRÚ,1993, p. 60-61).

Mas apesar de haver algumas similaridades, não tem como comprovar se os


autores dos Evangelhos escreveram baseado nos manuscritos, isso é impensável, pois as
fontes foram outras e não tem como saber se Jesus e João Batista fizeram parte dessa
comunidade, pois não há material que comprove isso, mas os paralelismo existem e devem ser
usados na medida certa.
3.2 Novas perspectivas dos Manuscritos do Mar Morto e Jesus
Histórico.
As novas perspectivas tanto dos estudos dos Manuscritos do Mar Morto, quanto do Jesus
Histórico são melhores possíveis, no Brasil já temos alguns estudiosos de ambos temas com
materiais riquíssimos e com o jeito brasileiro, pois aqui na terra Tupiniquim os Manuscritos
estão saindo do engatinhar para o andar e estão dando passos rápidos rumo aos estudos com a
nossa cara. No campo de Jesus histórico, está sendo discutido por grandes estudiosos essa
nova cara do Jesus Histórico e de maneira exemplar, no sentido de que está num nível
13

qualitativo gigantesco, o que podemos esperar é que cada vez mais qumramitas e estudiosos
do Jesus Histórico possa contribuir com esses campos tão vastos quanto esses, Jonas Machado
em seu livro deixa claro o que todos esperam sobre o estudo dos Manuscritos do Mar Morto:

O que resta é aprimorar e desenvolver métodos de trabalho para o estudo desse


material, de modo que, conquanto se busque aprofundar os estudos de cada área
específica, isso precisa ocorrer agora num ambiente bem mais propício ao diálogo
entre as disciplinas. Essa tendência já é percebida em publicações mais recentes.
(MACHADO; FUNARI, 2012, p. 83)

Acredita-se que essa ideia do Jonas Machado se coloque no campo dos estudos do
Jesus Histórico, apesar de ser um tema muito estudado nos tempos passados, essa nova ideia
do Jesus Histórico trouxe uma diversificação dos estudos, ainda mais com a descoberta dos
Manuscritos do Mar Morto.
Considerações finais
Os estudos de ambas áreas tem crescido no Brasil, e é esperado que cresça ainda
mais, pois com a revolução dos estudos do Jesus Histórico no Brasil, o número de estudos e
curiosidades sobre os manuscritos do mar morto tem tido um olhar especial, principalmente
com o aumento do paralelismo, do comparativismo e do não comparativismo os estudiosos de
ambas áreas tem estudado de maneira exaustiva sobre os dois temas. Por isso a contribuição
dos Manuscritos do Mar Morto tem sido gigantesca, pois trouxe um novo olhar para o Jesus
Histórico.
Bibliografia
BULTMANN, Rudolf. Jesus Cristo e Mitologia. São Paulo, editora Fonte Editorial, 2005.
_________________. Demitologização. Coletânea de ensaios. São Leopoldo, editora
Sinodal, 1999.
_________________. Teologia do Novo Testamento. São Paulo, editora Teológica, 2004.
CHEVITARESE, André L.; FUNARI, Pedro Paulo A. Jesus Histórico. Uma brevíssima
introdução. Rio de Janeiro, editora Kline, 2012.
COLLINS, John J. A imaginação apocalíptica: uma introdução à literatura apocalíptica
judaica. São Paulo, editora Paulus, 2010.
FREYNE, Sean. Jesus, um judeu da Galileia: nova leitura de Jesus. São Paulo, editora
Paulus, 2008.
HORSLEY, Richard A. Jesus e o império. O reino de Deus e a nova ordem mundial. São
Paulo, editora Paulus, 2004.
MARTÍNEZ, García F. Textos de Qumran. Petrópolis, editora Vozes, 1994.
14

MESQUITA, Éverton K.; REICHOW, Josué K. A terceira busca do Jesus histórico, a partir
de N.T. Wright. Anais do XII salão de pesquisa da faculdades EST. São Leopoldo, 2013.
NICKELSBURG, George W. E. Literatura judaica, entre a Bíblia e a Mixná: uma
introdução histórica e literária. São Paulo, editora Paulus, 2011.
ORRÚ, Gervásio F. Os Manuscritos de Qumran e o Novo Testamento. São Paulo, editora
Vida Nova, 1993.
SCARDELAI, Donizete. Da religião bíblica ao judaísmo rabínico. Origens da religião de
Israel e seus desdobramentos na história do povo judeu. São Paulo, editora Paulus, 2008.
SCHINELLE, Udo. Teologia do Novo Testamento. Santo André, editora Academia Cristã;
editora Paulus, 2010.
SILVA, Clarisse Ferreira da. O Novo Templo e a Aliança Sacerdotal da comunidade de
Qumran. Um estudo sobre o Rolo do Templo (11QTa). São Paulo, Humanitas Fapesp, 2013.
STRAUSS, David F. The Life of Jesus, Critically Examined. New York, Cosimo, Inc, 2009.
VERMES, Geza. Os Manuscritos do Mar Morto. Edição revisada e ampliada. São Paulo,
editora Mercuryo, 1997.

Você também pode gostar