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PPGE/UFRJ
Resumo:
Esta pesquisa tem como objetivo estudar a relação entre o público e o privado na
educação brasileira, através da análise do Conselho de acompanhamento do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
da Educação (FUNDEB). Este trabalho analisou as leis que regulamentam a criação dos
conselhos municipais e, através de um estudo de caso, pesquisou as atas das reuniões do
conselho do FUNDEB-Itaboraí com o objetivo de identificar a sua composição e a
participação dos setores da sociedade civil. Através de entrevista com os conselheiros
foi possível apreender as motivações políticas de sua atuação. O conselho municipal é
entendido neste trabalho como parte de um processo histórico de formação do espaço
público brasileiro e também de disputa entre interesses públicos e privados. Assim,
pretende-se responder a seguinte questão: quais são as principais limitações e quais são
as principais possibilidades no exercício do controle social e acompanhamento dos
gastos públicos pelo conselho do FUNDEB- Itaboraí Ao acúmulo da analise é possível
perceber a manifestação de diversas formas de privatização do espaço público, seja esta
declarada, seja de forma tácita.
1. Introdução:
Contudo, continua a autora, a defesa do caráter público do estado, da sua função social
e, principalmente, da democracia são instrumentos importantes contra o capitalismo. Pois a
divisão de poderes entre classe e estado não significou a diminuição do poder estatal, mas ao
contrário, que este “corporificado no monopólio mais especializado... é, em última análise, o
ponto decisivo de concentração de todo o poder na sociedade”( WOOD; op.cit.:49).
Uma definição mais apurada de estado encontra-se no filósofo italiano Antônio Gramsci
e das formulações advindas, a posteriori, desta matriz. Partindo das elaborações gramsciana
de Estado, Buci-Glucksman (1980) atenta para a ideia de estado ampliado no
pensamento do referido filósofo, entendido, assim, como relação dialética permanente
entre a sociedade civil e a sociedade política, onde a sociedade civil é definida como o
espaço de disputa entre agências privadas de hegemonia (esta, entendida aqui como
produção do consenso) e espaço privilegiado da luta de classes. Já a sociedade política
seria o aparato do estado, suas agências, órgãos e instituições. Também espaço de
conflitos - mas principalmente espaço de coerção – influenciando e influenciado pela
sociedade civil. O estado aqui (na concepção ampliada ou integral) não é entendido
como um corpo estranho à sociedade ou dicotomicamente oposto a ela, mas reflexo das
tensões e condensação das relações existentes nela. É, com outras palavras, todo o
aparato de coerção de uma classe sobre a outra, com todas as instituições criadas para
tanto (polícia, exército, burocracia, a justiça, etc.), mas é também espaço de forjar o
consenso através da cultura e da política, que compõem a hegemonia ou a direção
cultural e ideológica de uma classe sobre outra classe ou sobre frações delas
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Visto sob esta tensão entre sociedade civil e sociedade política, os conselhos
teriam em Gramsci um formulador privilegiado. Tendo em vista a vasta elaboração
teórica e prática que o italiano tem acerca do que denomina conselhos de fábrica, cujos
objetivos principais seriam elevar a condição do trabalhador em produtor e também
educar o trabalhador nas funções pertinentes ao estado. Estes conselhos, organizados
através da unidade produtiva, do local de trabalho (no caso histórico, a fábrica) seriam a
célula formadora de um novo estado. Eles seriam o correlato “ocidental” de um espaço
surgido antes do processo revolucionário russo de 1917, mas fundamental para este
acontecimento: os sovietes. Há, portanto, na tradição trabalhadora, formulações que
trazem como positiva a experiência dos conselhos, principalmente por estes buscarem
engendrar a ideia de “autogoverno”. (GRAMSCI:1984, BUCI-GLUKSMANN:1980;
LEHER:2004)
(2004, 13).
O CONFUDEB- ita, de acordo com a lei municipal 2005/07, seria composto por:
um representante da secretaria municipal de educação e cultura; um representante dos
professores da educação básica pública; um representante dos diretores da educação
básica pública; um representante dos servidores técnicos administrativos da educação
básica pública; dois representantes dos estudantes da educação básica pública; dois
representantes dos pais de alunos da educação básica pública; um representante do
conselho municipal de educação; um representante do conselho tutelar; e dois
representantes do poder legislativo local. Perfaz-se assim um total de 12 conselheiros
onde, formalmente, apenas três teriam relação direta com o poder público local e o
restante seriam representantes de variados setores da sociedade civil. Contudo, este
aspecto é apenas formal. Identificando a ingerência que tem o poder público na escolha
dos diretores e dos funcionários técnicos administrativos (estes que, embora o sindicato
local seja dos trabalhadores da educação, não são por ele indicados) podemos dizer que
estes representantes dificilmente votarão em desacordo com a orientação do poder
público. Ademais, a ausência de entidades representativas de setores tais como os pais
de alunos ou o não reconhecimento do poder público a entidades - como no caso
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Esta já problemática relação foi agravada pela lei 2034/07 que aumenta a
participação do poder estatal em mais um representante do executivo. Totalizando 13
membros e aumentando para 4 o número de conselheiros diretamente ligados a
administração pública local. Nicholas Davies (2001;2004;2007) atenta para o caráter
mais estatal do que social do CONFUNDEB e embora, no caso municipal, houvesse
maior chance de haver o dito controle social, nada garante isso na prática.
É só no âmbito municipal que podemos dizer que os conselhos, pelo
menos formalmente, poderiam ter caráter mais social (ou melhor dizendo,
não estatal) do que estatal, uma vez que contariam com no mínimo 9
membros, sendo dois do executivo municipal ... Teríamos assim, no âmbito
municipal um conselho aparentemente mais de caráter social do que estatal.
A análise das planilhas de gastos faz surgir outra dimensão de impeditivos para
o exercício do acompanhamento e controle social. Analisando conselhos do FUNDEF
no Paraná, Gouveia e Souza afirmam que “uma dificuldade iminente era de os
municípios fornecerem os dados contábeis ao Conselho e da dificuldade dos
conselheiros compreenderem tais dados devido à linguagem técnica da contabilidade
pública” (2006; pág.150). Concordando com isso, Davies (2007) alerta que a falta de
capacitação técnica dos conselheiros - tanto no CONFUNDEF quanto no
CONFUNDEB - é uma marca registrada destes conselhos, inviabilizando a real análise
contábil relativa à aplicação dos fundos. Desta forma, fica fácil fazer prevalecer a visão
dos técnicos dos conselhos (representantes do pode executivo) cuja formação em
contabilidade é melhor e, assim, é possível, como chamou a atenção Gouveia e Souza
(2006), os conselhos passam a ser espaços onde, de praxe, se acobertam desvios ou a má
aplicação destes recursos. A presença de rubricas e siglas desconhecidas do leigo em
contabilidade e a não formação destes conselheiros com fim de bem exercerem suas
funções são também observadas no CONFUNDEB- ita.
escola municipal) e tendo como “duração” somente dois dias, a SEMEC alegou ter
gasto, em algumas dezenas de palestras em 2009, algo em torno de R$ 400.000
conforme lançamento efetuado em planilha de gastos do FUNDEB (ITABORAÌ; 2009).
Por fim, cabe ressaltar um ultimo aspecto positivo percebido na atuação dos
conselheiros no CONFUNDEB, mediante essa articulação entre representantes e
sociedade civil. A possibilidade de se sistematizar estas críticas e limitações e, assim,
propor-se alterações nas leis que instituem os conselhos. Isto já aconteceu na transição
entre o FUNDEF e o FUNDEB, onde diversas críticas ao CONFUNDEF foram levadas
em conta quando na elaboração das leis do CONFUNDEB.
5. À guisa de conclusão
específica de Itaboraí, foi possível perceber claramente os limites que cerceiam a efetiva
atuação e acompanhamento dos recursos do FUNDEB. A forte presença estatal, o
clientelismo, a não representatividade de alguns conselheiros, as contrariedades à lei, a
incapacidade técnica dos conselheiros e as visíveis privatizações de determinados
espaços públicos dentre muitos outros indícios, são claras demonstrações das limitações
deste conselho.
Contudo, diante da experiência local, ainda incipiente, mas em contraste com
outras experiências mais consolidadas, é possível absorver aspectos do conselho na luta
pela valorização do profissional do magistério ou pelo cumprimento do mínimo
vinculado à educação das diversas esferas administrativas. Fornecendo elementos para a
denúncia, potencializando a organização das entidades combativas da sociedade civil,
articulando os setores interessados na formulação e proposição de novos espaços e leis,
e, assim, modificando a “sociedade política”, não é irreal dizer que o CONFUNDEB
pode sim representar uma ferramenta importante na luta por uma educação pública e de
qualidade.
Referências Bibliográficas:
LIGUORI; Guido; Roteiros para Gramsci; Rio de Janeiro; Ed. UFRJ; 2007.
JACOBI, Pedro; Políticas sociais e ampliação da cidadania; Rio de janeiro; FGV; 2000.