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Electrónica versão provisória 1

2 – Transístor

2.1 – Transístor Bipolar

A história do transistor remonta, pelo menos, a 1898 data


1
em que Thomson descobriu o electrão .
Para muitos, esta terá sido a descoberta mais importante
do século XX. Os seus autores, John Bardeen, Walter
Brattain e William Shockley desenvolveram um primeiro
2
dispositivo experimental em Dezembro de 1947 ,
enquanto membros da Bell Laboratories. Por esta
descoberta foi-lhes atríbuido o prémio Nobel da Física em
1956.

2.1.1 – Introdução.

Mais uma vez, interessa-nos aqui o estudo deste dispositivo do ponto de vista do seu uso como componente de
circuitos electrónicos.
Para este efeito, iniciamos a questão tentando compreender a sua curva característica (veremos que na realidade se
trata, antes, de um família de curvas).
Notemos, antes de mais, que o transistor é a primeira componente com mais de dois terminais que estudamos. Os
terminais designam-se por colector (C), emissor (E) e base (B). A fig. 9 representa os símbolos dos dois tipos de
transistor que existem. Apenas como nota, a existencia destes dois tipos compreende-se bem porque, tratando-se de
um dispositivo construído com base num cristal semiconductor contaminado (ou dopado) de forma a apresentar três
zonas distintas, de tipo P ou N, separadas por duas junções indênticas às do díodo. As três zonas podem organizar-se
apenas de duas maneiras diferentes, assinaladas também na fig. 9, que originam os dois tipos de transistor bipolar:
npn e pnp.

B E B
C

B B
E C E P N P C
N P N
C
E
NPN PNP

Fig. 2.9 – Símbolos dos transístores NPN e PNP com a indicação esquemática da forma como o cristal semi-
condutor inicialmente puro (ou intrínseco) é dopado de forma a apresentar 3 zonas separadas por duas junções.

1
Ver, por exemplo http://www.pbs.org/transistor/
2
Ver, por exemplo http://www.pbs.org/transistor/background1/events/miraclemo.html
http://www.ideafinder.com/history/inventions/transistor.htm
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Tomando o transistor NPN como exemplo tracemos a curva que mostra a dependência da corrente no circuito, I C ,
com atensão aplicada entre o colector e o emissor, VCE . Para este efeito, vamos admitir que, por um processo
qualquer, se injecta na base uma corrente constante I B , como mostra a fig. 2.10.a.

R
IC

IB
V

VCE
a)
b)

Fig. 2.10 – a) Circuito para estudar a curva característica do transístor. b) Curva I (V ) obtida quando a
C CE
corrente na base é constante e se varia V desde zero até um valor positivo arbitrário.

O andamento da curva pode descrever-se como sendo linear e crescente para valores de VCE próximos de zero,

evoluindo depois para um regime de saturação – deixa de crescer com VCE permanecendo num certo valor constante.

Uma boa parte do entendimento do transistor como elemento de circuitos deriva da constatação de que esta curva
conserva esta forma para diversos valores de I B , desde I B = 0 até valores arbitrariamente elevados e positivos de

IB .

IC
IB

IB = 0
VCE

Fig. 2.11 – Evolução da curva da fig. 10 quando o parâmetro I B varia desde zero até um certo valor positivo.

A forma adoptada universalmente para exprimir o funcionamento de um transistor consiste em traçar um número
razoavel de curvas I C (VCE ) para vários valores equidistantes de IB .
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O transistor aparece assim com um dipositivo que amplifica a corrente de base, IB, multiplicando-o por um factor β
1
que, na prática, assume valores entre 20 e 250 .
É então possível analizar o jogo de correntes do transistor de acordo com o esquema da fig. 2.12

⎧ IC = β I B

⎩ IC + I B = I E
IC
IE
Definindo um factor α =
iB
, demonstra-se facilmente que
IC

β α
IE
α= e β=
1+ β 1−α
iB IC

IE

Fig. 2.12 – Correntes no transístor


bipolar NPN e PNP.

2.1.2 – Polarização.

O funciocionamento do transistor bipolar como amplificador de corrente requer que a junção Base-Emissor esteja
directamente polarizada e a junção Base-Colector
inversamente polarizada.
A fig. 2.13 representa um transistor NPN correctamente
polarizado. Diz-se correctamente porque, para alem das R2
duas condições anteriormrnte enunciadas, o ponto de 1.0kohm
funcionamento em repouso fica situado aproximadamente a β=220
meio da recta de carga permitindo que, no caso de ser VC
R1 Q1
introduzido um sinal, a variação consequente seja simétrica 10V
2N2222A
em torno desse ponto, como veremos adiante. 470kohm

A determinação do ponto de funcionamento em repouso VB

pode fazer-se analiticamente ou graficamente. Seja qual for 10V

o método escolhido o cálculo analítico da corrente de base


é o primeiro passo a ser dado.
Fig. 2.13 – Circuito de polarização de um
A equação que dá este parâmetro obtem-se circulando na transistor NPN.
malha da base:

10 = R1 ⋅ I B0 + 0.7 Substituindo aqui os valores da fig.2.13 vem

I B0 ≈ 20 µ A
O valor de IC0 calcula-se agora através de

1
Como regra, quanto maior a corrente de colector, menor o ganho. Isto deve-se à grande dimensão física que a junção tem de
tomar nos disposotivos de alta corrente assumindo uma geometria que não é favoravel aos ganhos elevados.
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IC 0 = β ⋅ I B 0 = 220 ⋅ 20 10−6 = 4.2 mA .

Finalmente, o valor de VCE calcula-se circulando na malha do colector e usando os valores já calculados

10 = R2 ⋅ I C + VCE

I C0 = 5.8 V

O ponto de funcionamento em repouso é, assim, dado pelo par de coordenadas (VCE=5.8V, IC=4.2 mA).

Na resolução gráfica a família de curvas IC -VCE é um dado e o primeiro passo é, aqui também e pelo mesmo
processo, o cálculo de IB . De seguida faz-se o traçado da recta
de carga – o lugar geométrico dos pontos de funcionamento
IC
possíveis. Esta recta é facilmente traçada a partir dos seus dois
(mA)
pontos em cada um dos eixos:
10
I C = 0 → vCE = 10 V e

VC
vCE = 0 → I C = = 10 mA IC0
R2 IB0= 20 µA

Está tracada a azul na fig. 2.14.


A intersecção da recta de carga com a curva da família com o VCE (V)
valor de IB calculado dá o ponto de funcionamento em repouso. 10
VCE0
Assim se obtem o ponto (VCE0 , IC0) assinalado na fig. 2.14.
Fig. 2.14 – Determinação gráfica do ponto de funcionamento
emrepouso.

Esta determinação gráfica não teria muito interesse se não


constituisse o primeiro passo para visualisar com clareza o efeito amplificador do transistor.
Este efeito exerce-se sobre um sinal que (depois de se garantir que o transistor está correctamente polarizado) se
introduz de modo adequado no circuito da fig 2.13. Uma forma de o fazer é a que se mostra nas fig. 2.15 .
A consequência óbvia de se introduzir s(t) na malha da base é que a IB vai variar em torno do valor de repouso IBO
com uma amplitude S/R1 representado pelas curvas a tracejado correspondentes a iB1 e iB2 na fig.2.16 .

IC

R2
1.0kohm

IB2
s(t)
VC
R1 Q1 IB0
10V
2N2222A IB1
470kohm
VB
10V VCE

Fig. 2.15 – Circuito amplificador do sinal s(t) . Fig. 2.16 – O sinal introduzido no circuito da base obriga IB
a variar entre os limites a tracejado e o ponto de funciona-
mento a ser correspondentemente desviado.

O sinal que, por conveniência, é sinusoidal faz IB variar levando o ponto de funcionamento dinâmico a ocupar a zona
da recta de carga compreendida entre as duas curvas a tracejado e assinalada a traço forte.
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Projectando o efeito da variação introduzida pelo sinal sobre os dois eixos IC e VCE podemos obter directamente os
sinais amplificados, fig. 2.17.

2.1.3 – Transístor como conversor de energia DC-AC. Classes de funcionamento.

A função básica do transistor como amplificador é conferir maior amplitude às tensões e correntes que podem ser
fornecidas por um gerador de sinal. É, por outras palavras, reproduzir o mesmo sinal mas com maior disponibilidade
energética. A pergunta que
surge naturalmente é a de
saber de onde é que o IC
transistor vai retirar a
energia que coloca no
sinal. A resposta, prova-
velmente óbvia, é que a
retira do único sítio pos- IB2
sível: do gerador DC que o IB0
polariza. Neste sentido se IB1
pode dizer que o transistor
converte energia DC, que
lhe é fornecida pelo(s) ge- VCE
rador(es) DC de polariza-
ção, em energia AC que
ele disponibiliza.

Nesta perspectiva surge


uma questão importante
que se deve estudar – qual Fig. 2.17 – Jogo de tensões e correntes de um transistor como amplificador de sinal.

o rendimento dessa con-


versão de energia ?

Genericamente, a noção de rendimento de um sistema tem a ver com o quociente entre o que obtemos na saída e o
que temos de fornecer para esse fim. No caso do transistor como amplificador, queremos obter energia AC fornecendo
energia DC.
Ora o transistor, usado da forma descrita até aqui,
seguramente vai mostrar rendimentos muito baixos.
Basta reparar que mesmo quando não há sinal ele IC
consome energia DC (caso da fig. 2.14).
Esta forma de polarizar o transistor, em que o ponto
de funcionamento em repouso está no centro da recta
de carga e a amplitude do sinal é suficientemente
pequena para ficar sempre contido na zona linear de
funcionamento (quer dizer que nunca atinge as duas
zonas-limite em que as curvas deixam de ser equi-
VCE
distantes para o mesmo acréscimo de iB) chama-se
classe A. Fig. 2.17 – Transístor polarizado em classe B.

Esta classe de funcionamento é a mais natural e usa-


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se quase obrigatóriamente para amplificar pequenos sinais. Aqui, a questão do baixo rendimento da classe A assume
valores pouco significativos.
Quando os sinais têm grande amplitude a questão energética e do rendimente pode assumir uma expressão mais
preocupante tendo sido desenvolvidas técnicas
para a melhorar.
V+
Estudamos aqui uma dessas técnicas designada
por funcionamento em classe B, que consiste em
4
polarizar o transistor de mododiferente colocando o R1 Q1
ponto de funcionamento em repouso junto do 2
ponto IC =0 da recta de carga. 6
Vin
O funcionamento dum transistor em classe B faz 3

mais sentido se existir a possibilidade de combinar R2 Q2


dois transistores de tal forma que cada um deles 1
amplifique uma das alternâncias do sinal.
Essa possibilidade existe e é conferida por uma 5
montagem designada por push-pull na literatura
V-
inglesa. É constituida por dois BJTs complementa-
res (ou seja, um é NPN e o outro PNP) polarizados Fig 2.18 – Representação simplificada de um andar “push-pull”.
em classe B, com a geometria apresentada na fig
2.18.

Configuração Darlington

Tal como no caso do “push-pull, existem outras associaçõs de transístores com propriedades interessantes e de

grande valor em projecto.


A configuração Darlington é uma delas e caracteriza-se pela sua simplicidade. Consiste na ligação directa de dois

transístores de forma a que o resultado seja equivalente a um único trnsístor de grande ganho.

C C
C
C

B B B
B

E E
E E

a) b) c) d)

Fig. 2.19 – Configurações Darlington. As configurações a) e b) são feitas com dois transístores da mesma polaridade
enquanto que as c) e d) usam pares complementares.
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Com estas configurações conseguem obter-se unidades com ganhos até 3.0000. Sabendo que o ganho de um

Darlington é aproximadamente o produto dos ganhos dos seus transístores e que um transistor de pequeno sinal tem

um ganho típico de cerca de 100 pode causar alguma estranheza que o ganho global do Darlington não atinja valores

da ordem de 100 x 100 = 10.0000. Isto deve-se ao facto de os dois transístores terem estrutura diferentes: geralmente,

o primeiro transistor, por manipular correntes baixas, tem ganhos da ordem de 100. O segundo transístor tem ganho

bem menor por ter uma estrutura adequada a correntes elevadas.

Par Diferencial

Uma outra arquitectura que já se usava na época da válvula e que transitou para os transístores é o par diferencial ou
1
“par de cauda longa” , que tem a particulridade de ser a configuração que dá origem ao conceito de Amplificador

Operacional.

A utilidade desta configuração vem do facto de, muito frequentemente, é mais importante amplificar a diferença entre
dois sinais do que o valor absoluto de cada um deles. O nível comum que eles partilhem é pois omitido ou anulado neta

medida da diferença.

A figura representa o circuito electrónico clássico que desempenha esta função. Recebeu a designação de “long tailed

pair” (par de cauda longa – numa tradução livre) e constitui a base funcional do Amplificador Operacional.

O entendimento do seu funcionamento pode basear-se num VCC

primeiro argumento de simetria se notarmos que as duas


correntes I1 e I2 devem sempre somar IE

I1+I2=IE (1) I1 I2
R1 R2

Sabendo que a corrente de base de cada transístor está


vO
directamente relacionada com a respectiva tensão VBE
v1 Q1 Q2 v2
podemos adoptar uma expressão genérica que relacione VBE

com IC

H.IC = VBE ,

IE
em que H é uma constante, dimensionalmente uma

resistência, que caracteriza a relação.

Para cada transístor será


Fig. 2.20 – Amplificador diferencial.

H.I1 = VB1-VE e H.I2 = VB2-VE ,

em que VE é a tensão comum aos dois emissores. Sabendo que a soma I1+I2 é constante, calculemos a diferença

H.(I1-I2) = v1 - v2 usando (1) vem

H.(IE-2.I2) = v1 - v2

1
Tradução livre de long tailed pair.
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Como estamos interessados apenas nas variações ao repouso (estamos afinal interessados apenas no regime AC),

vamos reescrever esta última equação sem o termo DC que é IE

1
i2 = ( v1 − v2 )
2hib
Em que i2 é a componente AC de I2.

A componente AC da tensão de saída será

R2
vO = ( v1 − v2 )
2hib

ou seja, a tensão de saída é proporcional à diferença das tensões das entradas.

2.2 - Transístor de efeito de campo - FET1

O transistor anteriormente estudado não necessita, em geral, de nenhuma designação adicional, embora seja por
2
vezes referido como transistor bipolar (BJT , na literatura inglesa)
para sublinhar o facto de ambos os tipos de portador de carga
contribuirem para o processo. iD
Foi no entanto desenvolvido um outro tipo de transistor que
tambem se baseia em propriedades das junções P-N e cujo VGS
S
princípio de funcionamento é, porventura, mais simples que o do
transistor bipolar. VDS
P N
Este tipo de transistor tem apenas uma junção que assume a
G
geometria de um canal duma certa polaridade rodeado de
semicondutor de polaridade oposta. Representa-se na fig. 2.21 o
FET canal N. D
O efeito posto em jogo é o do estreitamento do canal por acção
da polarização inversa da junção que ele forma com o resto do
Fig. 2.21 – Representação diagramática do FET
cristal que o envolve. Esse estreitamento é proporcinal à tensão
canal N com a polarização adequada.
inversa aplicada e, no limite, impede completamente a passagem
de corrente.
Do que se disse tira-se a conclusão que uma diferença funda-
mental entre o FET difere e o BJT é que o primeiro é um dispositivo controlado por uma tensão ( VGS ) enquanto que

o segundo o é por uma corrente ( iB ). A tecnologia desenvolvida ao longo dos anos foi mais prolífica para os FETs

tendo-se produzido diversas variantes deste dispositivo, sobretudo para os circuitos digitais (microprocessadores,
memórias, etc).
A fig 2.14 mostra os símbolos correntes para duas dessas variantes: o FET de junção (JFET) e o FET de tecnologia
Metal-Óxido-Semicondutor (MOSFET) nas versões canal-N e canal-P.

1
Universalizou-se a sigla inglesa FET – Field Effect Transistor.
2
BJT – Bipolar Junction Transistor
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ID

VGS=0
VGS=0.5
VGS=1
VGS=1.5

VGS=2

VGS=2.5

VDS

Fig. 2.22 - Família de curvas características típicas de um FET

JFET-N JFET-P MOSFET-N MOSFET-P

Fig 2.23 – Símbolos dos FETs mais comuns.

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