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AS TEORIAS DA AÇÃO NO DIREITO PENAL

Ao longo dos tempos, surgiram várias teorias a respeito da conduta, devendo-se ressaltar que,
conforme o sentido que se dê à palavra ação (1), modifica-se o conceito estrutural do crime.

Esse é um dos mais fascinantes temas do direito, não só pelas suas próprias características, mas
mais porque pelas divergências que cria em relação ao estudo do crime. Realmente, qualquer
espécie de crime, seja doloso ou culposo, somente tem sua exteriorização no mundo natural
através da realização de uma conduta. Não por isso que há muito já se dizia que “nullum crimem
sine actione”, i.e., não há crime sem uma respectiva ação humana.

A teoria causalista, também chamada de naturalista, tradicional, clássica, causal-naturalista, foi a


primeira teoria desenvolvida acerca da ação humana. Para a mesma, a conduta é um
comportamento humano voluntário no mundo exterior, consistente num fazer ou não-fazer, livre de
qualquer valoração. É, pois, suficiente que se tenha a certeza de que o agente atuou
voluntariamente, sendo irrelevante o que queria, para se afirmar que praticou a ação típica.

Inegável é a influência do mecanicismo de Newton perante essa teoria.

Os seus defensores, embora não neguem que a conduta implica numa finalidade, entendem que a
apreciação do comportamento e verificação da existência de ação típica devem ser feitas sem
qualquer indagação a respeito de sua ilicitude ou culpabilidade. O conteúdo finalístico só terá
importância na culpabilidade, como elemento dela.

A crítica se pauta pela criação de um conceito jurídico penal da conduta humana, o qual difere do
seu conceito real. Para eles, a conduta é efeito da vontade e causa do resultado. Tudo gira em
torno da tríade naturalística da vontade-conduta-resultado, desprezando-se qualquer conteúdo
finalístico.

Todavia, há dificuldade em se apreciar a questão da tentativa, onde o resultado não se consuma


por circunstâncias alheias à vontade do agente, e a tipicidade de tipos penais que possuam
elementos subjetivos.

Seus maiores defensores foram Asua, Von Liszt, Belling, Radbruch, Basileu Garcia, Frederico
Marques, Nelson Hungria, Magalhães Noronha, entre outros.

A segunda grande teoria, a teoria finalista da ação, cujo maior expoente foi Hanz Welzel, rechaçou
a idéia de que a conduta era um mero acontecimento causal e trouxe para a ciência penal algo que
era inatingível para os naturalistas: o fato de que a conduta é a ação humana, voluntária e
consciente, dirigida a um fim.

Volta-se para a intenção do agente, instituindo-se um iter criminis.

A respeito, ensina-nos o mestre Damásio de Jesus:

“De acordo com Hartamann, a ação está constituída pela direção do ´suceder real´, pelo desejado
pelo agente, por interposição de componentes determinantes. A ação é uma atividade final
humana.” (2)

A vontade finalista pertence à ação, à conduta, primeiro elemento do fato típico, e não é mera
conseqüência do resultado.

Importante dentro desta linha de pensamento é asseverar que não se pode desmembrar a ação da
vontade do agente, vale dizer, sempre que o homem pratica um determinado comportamento é
porque antes refletiu e seu raciocínio lógico o levou a praticá-lo.

Isso transparece uma preocupação com o dolo (vontade de concretizar um fato ilícito) e com a
culpa (o fim da conduta não é dirigido a um fato lesivo, o qual decorre de ausência do devido
cuidado). Neste passo, para os finalistas, há o deslocamento do dolo e da culpa que antes
integravam a culpabilidade para a conduta que é o primeiro elemento do fato típico. Portanto, para
os que se filiam a teoria finalista da ação, o crime é um fato típico e antijurídico e o dolo, que antes
era normativo, passa a ser natural, i.e., prescinde da potencial consciência da ilicitude.

Calha trazermos à baila o exemplo dado com perfeição ímpar pelo Professor Flávio Augusto
Monteiro de Barros (3), vejamos suas palavras:

“(...)O médico que toca nas partes íntimas da paciente pode ou não cometer o delito do art. 216 do
CP. Tudo vai depender do seu “querer interno”. Se assim agiu para melhor realizar o diagnóstico,
não haverá crime. Se, ao inverso, quis satisfazer a sua lascívia responderá pelo delito(...)”.

De plano, asseveramos que o entendimento praticamente pacífico da doutrina penalista é no


sentido de que o Código Penal – após a reforma de 1984 – se filiou por inteiro a Teoria Finalista.

A Teoria Social da Ação, por sua vez, apregoa que a ação é a conduta socialmente relevante,
dominada ou dominável pela vontade humana. Johannes Wessels, Mezger, Soli, Miguel Reali
Júnior são alguns dos seus adeptos.

Entende-se que a ação não poderia se limitar ao plano naturalístico ou à intenção do agente. Era
necessário uma relação valorativa da conduta com o mundo social. É suficiente que, na vontade da
ação, o agente tenha querido alguma coisa. O conteúdo da vontade, em que se busca saber qual o
resultado visado pelo agente, não pertence à ação, mas à culpabilidade.

Na verdade, essa teoria não deixa de ser causal, merecendo os mesmo reparos atinentes àquela.
Além disso, dá-se demasiada importância ao desvalor do resultado, quando o que é realmente
importante é o desvalor da conduta. Isso transparece na análise da tentativa, nos crimes omissivos
e nos de mera conduta.

Resta ainda mencionar a teoria mais recente acerca da conduta: a Teoria racional de Roxin.

A chamada teoria da imputação objetiva, na realidade, não é uma teoria, mas apenas uma série de
princípios elaborados para cumprir a função de delimitar e corrigir o nexo de causalidade, conforme
afirma Luiz Flávio Gomes. O seu maior expoente foi, sem dúvida, Claus Roxin, criador da corrente
alemã do funcionalismo teleológico-funcional, ou teleológico-racional, no pós Segunda Guerra
Mundial.
Tal teoria consiste em instituir três regras básicas: a criação de um risco proibido relevante; a
conexão direta entre esse risco e o resultado jurídico; que esse resultado esteja no âmbito de
proteção da norma.

Assim, o agente só é responsabilizado penalmente por um fato (só lhe é imputado um fato), se ele
criou ou incrementou um risco proibido relevante e, ademais, se o resultado jurídico (lesão ou
perigo concreto de lesão ao bem jurídico) decorreu diretamente desse risco e estava no âmbito de
proteção da norma.

Na conduta, intenta saber se ela, além de típica, criou um risco proibido relevante. Daí, que a
conduta típica permitida, como a intervenção cirúrgica, por não gerar risco proibido, é atípica.

Na imputação do resultado, por seu turno, releva saber se existe conexão direta entre o resultado e
o risco criado e se o resultado está inserido no âmbito de proteção da norma.

Essa teoria não dispensa a teoria do nexo causal, mas complementa-a.

À guisa de esclarecimento, permite-se nos crimes culposos a transformação da tradicional visão


dessa espécie delitiva. Na visão tradicional, temos: conduta humana (dominável pela vontade),
inobservância do cuidado objetivo necessário (imprudência, negligência e imperícia), previsibilidade
objetiva do resultado, produção de um resultado involuntário, nexo causal e tipicidade.

A inobservância do cuidado objetivo necessário, bem como a previsibilidade do resultado,


fundavam-se na conduta praticada por um homem médio, critério que tende a ser abandonado pela
dogmática penal moderna, haja vista que jamais encontraremos essa tal homem-médio. O direito
penal é um direito do caso concreto.

Além da conduta, do resultado involuntário e do nexo causal, é fundamental, para caracterização do


tipo penal culposo, a imputação objetiva da conduta (criação de um risco proibido penalmente
relevante), resultado jurídico relevante, e imputação objetiva do resultado jurídico (o que significa a
conexão do resultado obtido e previsto na norma com o risco causado) são apresentados.

Isso vem, inclusive, sendo aplicado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (4), e pelo STJ, em
certos casos. A respeito, fixa o Ministro Vicente Cernicchiaro, in verbis,

“A antevisão do fato deve traduzir-se de modo concreto e não de modo abstrato. O direito penal da
culpa é incompatível com o antigo homo medius. A investigação da conduta deve ser individual”
(STJ, HC 3.299-SP, DJU em 22.06.98, p.174).

Extrai-se, pois, a finalidade da imputação objetiva: analisar o sentido social de um comportamento,


precisando se este se encontra, ou não, socialmente proibido e se tal proibição se mostra relevante
para o Direito Penal.

Quanto ao Funcionalismo, temos que, para a teoria funcional, a finalidade da norma penal é a sua
imposição à sociedade como imperativo legal, ou seja, como afirmação da autoridade do Estado e
da necessidade de obediência por parte do grupo social.

Desta feita, não cabe à sociedade questionar as opções penais do Poder Público, nem discutir por
que determinada conduta foi erigida à condição de infração penal, devendo limitar-se ao
cumprimento do ordenamento jurídico. Nitidamente positivista, não admite indagações de ordem
material ou ontológica sobre o tipo, de maneira que crime é o que o legislador diz sê-lo,
independentemente da adequação social ou da insignificância do fato incriminado. A coletividade é
encarada como um organismo, o qual, para funcionar a contento, precisa que cada um de seus
órgãos e membros desempenhe o papel social que deles se espera, confiando direcionamentos
apontados pelos detentores do poder.

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