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A Centralidade na Periferia: o Bairro de Campo Grande

Natália Silva de Oliveira1

Caren Freitas de Lima2

Introdução

O presente artigo visa discutir a constituição de uma centralidade, legitimada


através de intervenções urbanas nas últimas décadas, que provocaram contradições
reverberadas em seu espaço urbano. Nesse aspecto, será abordado o bairro de
Campo Grande, segunda maior centralidade da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, situada na Zona Oeste da cidade do Rio. Busca-se com este artigo,
identificar como os agentes públicos e privados vêm atuando na região e na
consolidação do bairro como centralidade na periferia da metrópole carioca nas
últimas décadas, seus desdobramentos e ambiguidades. Cabe ressaltar, ainda, que
a cidade do Rio de Janeiro recebeu na última década vários investimentos de
intervenção urbana, visando à preparação para os “Megaeventos”. No entanto,
essas recentes políticas não vem demonstrando avanços qualitativos para a vida
dos moradores dessa região e nem à integração urbana necessária para a dinâmica
econômica da cidade.

Campo Grande, bairro da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro,


pertencente à Área de Planejamento 5 e a XVIII Região Administrativa, vem
passando, nas últimas décadas, por profundas transformações do seu espaço
urbano. E apesar da distância de cerca de 50 km do Centro do Rio de Janeiro, as
transformações urbanas que incidiram no bairro ao longo das últimas décadas

1 Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,


especialista em Políticas e Planejamento Urbano pelo IPPUR/UFRJ e mestranda em
Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas pelo Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

2Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Integração Latino Americana,


pós-graduanda em Políticas e Planejamento Urbano pelo IPPUR/ UFRJ e mestranda em
Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas pelo Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas da Universidade Federal Rural Federal do Rio de
Janeiro
implicaram em uma configuração do bairro como área de referência em serviços
urbanos para região da zona oeste da cidade e, até mesmo, para os municípios
vizinhos, como Nova Iguaçu, por exemplo, tornando-se atualmente a segunda
centralidade da Região Metropolitana, de acordo com o Instituto de Estudos do
Trabalho e Sociedade.

Contudo, apesar de importante centralidade frente à dinâmica econômica da


metrópole, atraindo pessoas, infraestruturas e serviços, o bairro apresenta índices
poucos expressivos de desenvolvimento social, bem próximos de outros bairros
periféricos da região, com um grande número de óbitos de jovens e adolescentes,
grande número de residências sem eletricidade e precária rede de esgotamento
sanitário. E, ao mesmo tempo em que revela índices pouco expressivos de
qualidade de vida para parte da população, o bairro concentra um aumento da
produção imobiliária e de serviços de luxo. Esse cenário revela um bairro
socialmente estratificado e excludente, explicitando as contradições, conflitos e
disputas existentes, onde há uma produção espacial característica de bairros de
classe média e ocupações urbanas pauperizadas.

Para desenvolver este estudo, o presente artigo está organizado em três


partes. Na primeira parte será abordada brevemente a conjuntura da Região
Metropolitana Fluminense, de ordem econômica e social. Na segunda parte, busca-
se reconhecer como alguns aspectos históricos, econômicos e sociais do processo
de ocupação da cidade do Rio de Janeiro impactaram na constituição da
centralidade periférica do bairro de Campo Grande. Na terceira parte, vamos
discorrer sobre a estratificação existente no bairro, centralidade que apesar de
possuir condomínios para a alta renda, apresenta os piores índices de
desenvolvimento social da cidade. Por fim, nas considerações finais, procura-se
refletir as especificidades da centralidade na periferia e a necessidade de políticas
públicas para esta centralidade que não reverbere no aprofundamento da
estratificação existente.

Conjuntura da Região Metropolitana do Rio de Janeiro nas duas últimas


décadas
Dentro de um contexto neoliberal e de reestruturação da economia mundial, a
conjuntura do Rio de Janeiro, na década de 1990, é marcada pela perda relativa da
economia fluminense em relação à participação na economia nacional. Essa perda
relativa tanto nos setores produtivos, como nos de serviços, foi intensificada pela
desconcentração por espúria a partir da década de 1980 (CANO, 2008).

Nos anos 2000, há uma mudança nesse processo de perda relativa da


economia fluminense em relação aos outros estados. É convergência na literatura
que houve recuperação da economia, principalmente, por conta do setor petrolífero.
Através da análise do PIB, tem-se um aumento de 8,84% entre 2006-2014. E, com a
análise da participação do Estado na extração mineral, há um aumento a partir dos
anos 2000, tendo seu auge no período entre 2006 e 2008, decaindo em seguida
com a crise mundial de 2008. Nos anos seguintes, há uma recuperação, mas sem
alcançar o patamar anterior à crise (FUNDAÇÃO CEPERJ, 2011). No tocante a
participação na indústria de transformação, há uma estabilização em relação à
década de 1990 (CANO, 2008).

Nesse período, no âmbito nacional, temos a eleição de Luiz Inácio Lula da


Silva pelo Partido dos Trabalhadores, e a criação do Ministério das Cidades, em
2003, que seria o alicerce de diversas políticas de desenvolvimento urbano e
regional. No tocante a essa conjuntura, no âmbito econômico, cabe ressaltar o
aumento das exportações brasileiras, em especial, das commodities. Para este
mercado, não só o quantum de exportações cresceu, mas também o preço desses
produtos (CARCANHOLO, 2010).

Nesse cenário externo favorável, de grande liquidez internacional, diminuição


das taxas internacionais de juros, crescimento da economia mundial, principalmente,
para os países periféricos, no segundo mandato do PT, há um redirecionamento da
política econômica brasileira para o neodesenvolvimentismo, possibilitando
intervenções do Estado na economia. Contudo, cabe frisar, que a mudança da
política econômica não rompe com os paradigmas dos governos anteriores
(CASTELO, 2013).
Essa conjuntura externa favorável reverberou diretamente no Estado do Rio
de Janeiro. A aliança do governo do PT com o governador e prefeito do PMDB
coadunam com a atração dos “Megaeventos”3 e de um grande volume de
investimentos federais para a Metrópole Fluminense. Dentro do conjunto de
investimentos que impactaram diretamente o território, temos o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) lançado em 2007 e o Programa Minha Casa
Minha Vida (MCMV) do ano de 2009, incorporado ao PAC em 2011, (KRAUSE;
BALBIM; NETO, 2013).

Na primeira etapa do PAC, foram investidos R$ 20,8 bilhões para a


urbanização de 3.113 assentamentos precários em todo o país, destacando-se, no
Rio de Janeiro, o Complexo de Manguinhos e o Complexo de Favelas do Alemão,
(CARDOSO; JAENISCH; ARAGÃO, 2016).

Em relação à mobilidade, os investimentos do PAC propiciaram o


financiamento do Bus Rapid Transport (BRT), o VLT e a ampliação da rede do Metrô
na cidade (IZAGA, 2014). Ainda no âmbito deste programa, temos o investimento no
Arco Metropolitano, construído para articular o Complexo Petroquímico do Rio de
Janeiro (COMPERJ) e a província portuária de Sepetiba, em Itaguaí, que contempla,
também, as indústrias localizadas na franja oeste da cidade, como a Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN) e o Complexo da Companhia Siderúrgica do Atlântico
(CSA) do ThyssenKrupp (SOUZA, 2014).

O Programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, desde seu início até
março de 2016, contratou 4.200 milhões e entregou 2.600 milhões de unidades
habitacionais, beneficiando 10 milhões de pessoas a um custo de cerca de 294
bilhões de reais (LIMA; RODRIGUEZ; PONTE, 2016).

No Rio de Janeiro, até dezembro de 2012, foi contratada a construção de


56.733 unidades habitacionais, sendo que quase metade desse quantitativo foi
destinado para famílias enquadradas na faixa 1 (zero a três salários mínimos como

3Governos anteriores já almejavam a atração dos “Megaeventos”. Durante o governo Cesar Maia, o
Rio de Janeiro sediou o Panamericano. Contudo, em relação às Olimpíadas, já havia duas
candidaturas fracassadas. E a atuação do governo Lula para a aprovação do COI foi imprescindível
(MIAGUSKO, 2012).
renda familiar) do Programa. Contudo, cabe frisar que 90% dessas unidades foram
utilizadas para as situações de reassentamento (CARDOSO; JAENISH; MELLO;
GRAZIA; 2016). Os investimentos para a faixa 1, foram, sobretudo, na Área de
Planejamento 5, ao longo da Avenida Brasil, longe das centralidades dos bairros,
correspondendo, em abril de 2010, 93,3% do total das unidades habitacionais
construídas (CARDOSO; ARAGÃO; ARAUJO, 2011).

A constituição de uma centralidade na periferia da Região Metropolitana do Rio


de Janeiro: o Bairro de Campo Grande

A cidade pode ser entendida como a materialização concreta de uma série de


processos sociais, entre os quais a acumulação de capital e a reprodução social têm
importância básica, e cuja distribuição espacial desses processos constitui a própria
organização espacial urbana (CORRÊA, 1993). Neste sentido, no que diz respeito à
região metropolitana do Rio de Janeiro, importantes processos sociais provocaram
significativas mudanças no tecido urbano e social decorrentes, em grande medida,
dos interesses políticos e econômicos. Pode-se destacar, como marco deste
processo nas duas últimas décadas, as intervenções urbanas oriundas de políticas
de cunho neoliberal e neodesenvolvimentista e a preparação para os
“Megaeventos”. Cabe frisar, que embora se tratem de diferentes intervenções
ocorridas em diferentes contextos, pode-se verificar que as suas implantações, em
parte ou em sua totalidade, impactaram diretamente na vida cotidiana, na paisagem
da cidade e, também, nos processos segregacionistas de significativa parcela da
população. As profundas mudanças sociais observadas ao longo das últimas
décadas tornam impositivo repensar a organização espacial da metrópole
fluminense.

Diante da diversidade de formas espaciais, heterogeneidades, complexos


processos de estratificação e segregação que a cidade capitalista apresenta, o
bairro de Campo Grande possui importante notoriedade para a cidade do Rio de
Janeiro por constituir uma centralidade na região periférica.

No caso de Campo Grande, as dificuldades de mobilidade, a distância do


centro do Rio de Janeiro e o adensamento populacional da região são elementos
importantes que devem ser considerados na análise do processo de formação da
centralidade na periferia capitalista (OLIVEIRA, 2014).

Situada na Zona Oeste da Cidade do Rio de Janeiro, o Bairro de Campo


Grande pertence à Área de Planejamento V e à XVIII Região Administrativa do
município do Rio de Janeiro (AP5 XVIII RA). O bairro é vizinho aos seguintes
bairros: Bangu, Senador Camará, Santíssimo, Senador Vasconcelos, Inhoaíba,
Cosmos, Paciência e Guaratiba e sua população é de 328.370 habitantes (IBGE,
2010), constituindo o bairro mais populoso da cidade do Rio de Janeiro. Sua área de
11.912,53 hectares e baixa densidade – 27,5 hab/ha – tem como pano de fundo o
Parque Estadual da Pedra Branca e o Parque Municipal da Serra do Gericinó-
Mendanha. A abrangência de sua centralidade vai além dos bairros imediatos do
entorno, e engloba municípios vizinhos da Baixada Fluminense, principalmente os
municípios de Mangaratiba, Itaguaí, Seropédica e Nova Iguaçu.

Para entendermos a origem da constituição da centralidade do bairro de


Campo Grande, e como este processo se refletiu na organização espacial do bairro,
devemos recorrer à compreensão dos meandros de ocupação de forma mais
extensiva da cidade do Rio de Janeiro, que esteve engendrado às exigências do
modo de produção capitalista. No entanto, segundo Abreu (1987), deve-se ressaltar
que este processo histórico não aconteceu de forma linear. Ao contrário, ele varia de
acordo com as características e contradições de cada momento de organização
social passados pela cidade.

Este período corresponde ao final do século XIX, onde a cidade passou por
uma transição econômica que resultou em profundas transformações de sua
estrutura urbana. De acordo com Abreu (1987), os fluxos de capitais, mercadorias,
pessoas e ideias passam a se dar de forma mais intensa e complexa na região
central da cidade. No entanto, a constituição do processo de ocupação dos
subúrbios cariocas de maneira mais extensiva ocorre a partir da década de 1930,
através do crescimento demográfico e da instalação de indústrias.

O processo de descentralização do núcleo central da cidade e o processo de


ocupação dos subúrbios ocorrem em razão de vários fatores: menor rigidez
locacional no âmbito da cidade; terras não ocupadas, a baixo preço e impostos;
facilidades e desenvolvimento dos meios de transporte; entre outros. O apoio do
Estado à atividade manufatureira modifica bastante o padrão de localização
industrial e, como consequência disso, o crescimento suburbano também se
redireciona, privilegiando agora as áreas servidas pelas vias férreas (ABREU, 1987).

Até meados do século XX, o bairro de Campo Grande detinha característica


predominantemente rural. A citricultura teve relevante importância para a economia
e ocupação local, com um incipiente desenvolvimento urbano formado no entorno da
Igreja de Nossa Senhora do Desterro e nos limites da estação ferroviária. A
decadência da cultura da citricultura após o fim da Segunda Guerra Mundial levou à
venda das fazendas e ao parcelamento do solo no bairro, mudando sua estrutura e
paisagem (OLIVEIRA, 2104).

A descentralização do núcleo central da cidade do Rio de Janeiro, associado


ao crescimento demográfico e às novas exigências do modo capitalista de produção,
vê na Zona Oeste, até então região rural limítrofe do Distrito Federal, uma
possibilidade de expansão de suas atividades e do mercado consumidor. De acordo
com Abreu (1987), a descentralização foi viabilizada através da já instalada via
férrea do Ramal de Santa Cruz, pela construção da Avenida Brasil, em 1946, e do
surgimento do distrito industrial de Campo Grande e Santa Cruz, na década de
1960.

A constituição do Estado da Guanabara, atual município do Rio de Janeiro,


em 1960, consistiu em um ponto de inflexão para a ocupação socioespacial da
região, transformando-a em Zona Oeste da Cidade do Estado. A partir de então, a
região oeste passa a receber investimentos de âmbito habitacional e de
infraestrutura por constituir uma possibilidade frente ao processo de expansão do
Estado. De acordo com Oliveira (2014), mesmo estando na periferia, Campo Grande
conseguiu reunir elementos essenciais para o adensamento de sua área, como a
facilidade de transporte (rodoviário e ferroviário), infraestrutura implantada, terras
não ocupadas a preço baixo, entre outros. Para os trabalhadores de classe média
baixa e os pobres, a periferia urbana é consolidada como espaço de reprodução
social (CARDOSO; LAGO, 2015).

Durante as décadas de 1960 e 1970, durante a ditadura civil-


militar, destacaram-se a construção de conjuntos habitacionais e loteamentos
populares de classe média no bairro e no entorno imediato, através do Banco
Nacional de Habitação (BNH) e de pequenos loteadores (BARATA, 2014). Este
período, segundo Abreu (1987), é caracterizado também pela ação discriminatória
sobre o espaço, privilegiando claramente as áreas mais ricas da cidade,
especialmente o Centro e a Zona Sul, no que diz respeito à provisão de serviços,
infraestrutura e habitações de qualidade pelo Estado. Verifica-se, assim, que o
espaço urbano do bairro de Campo Grande é uma consequência dessa política
seletiva e segregadora, onde a ausência de regulação do Estado permitiu não
apenas a produção ilegal da construção de loteamentos populares, mas também a
dinamização deste mercado de terras, como bem afirma Barata (2014). Os
loteamentos populares seriam a expressão do processo de periferização dos
grandes centros urbanos (LAGO, 1990, p.21).

Na década de 1980 percebe-se a intensificação na região de um processo de


heterogeneização social. De acordo com Barata (2014), a ação diferenciada dos
agentes do mercado imobiliário cria áreas socialmente distintas, atraindo população
de renda diversificada, emergindo, dessa forma, segregação sócio-espacial. Ainda
segundo este autor, a intensificação da heterogeneização social esteve atrelada ao
processo inflacionário que corroeu o poder de compra da classe média que não
pôde obter moradia nas regiões mais centrais.

Na década de 1990, há uma continuidade do processo de produção


imobiliária, mas não através de uma política habitacional, com o BNH sendo extinto
no ano de 1986, e através do parcelamento do solo das antigas fazendas por
pequenos loteadores. Nesse período, a oligopolização das incorporadoras
empresariais do mercado imobiliário de grande porte intensificaram construção
de edifícios multifamiliares, condomínios e loteamentos residenciais de médio e alto
padrão. Essa década reúne importantes intervenções urbanas no bairro como, por
exemplo, o alargamento de importantes avenidas, por intermédio do projeto da
PCRJ Rio Cidade II, bem como a construção do primeiro shopping center da região,
o West Shopping (FONSECA, 2010).

Nos anos 2000, percebe-se uma continuidade no processo de aumento


demográfico da região. O bairro passa a atrair investimentos imobiliários e
comerciais. De acordo com Oliveira (2014), em 2008, o bairro ocupou o segundo
lugar em arrecadação de ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços, sendo superado apenas pela região do Centro da Cidade. Além de
serviços básicos como, por exemplo, farmácias e supermercados, a região conta
com a concentração de serviços especializados.

Nesse processo de conformação da centralidade de Campo Grande, os


projetos Rio Cidade e PEU Campo Grande, ambos da Prefeitura da Cidade do Rio
de Janeiro, tiveram importante papel na requalificação, diferenciação e
fragmentação dos espaços do bairro. Segundo Barata, são por intermédio dos
projetos Rio Cidade e PEU:

...que é realizado um processo de transformação do bairro de pouco


desejado a um patamar superior que atenderia as necessidades do capital
incorporador, valorizando aquelas áreas onde o Estado é incompetente em
transformar, ao mesmo passo que desvaloriza outras, de maneira racional,
onde a atuação estatal não se realiza.” (BARATA, 2014, p. 12)

Atualmente, de acordo com o relatório de Centralidades da região


metropolitana do Rio de Janeiro do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade de
2016, Campo Grande é a segunda maior centralidade da Região Metropolitana do
Rio de Janeiro, logo após o Centro. De acordo com Corrêa:

Em primeiro lugar, a descentralização torna o espaço urbano mais


complexo, com vários núcleos secundários de atividades. Mas o significado
dela é mais amplo. Para o consumidor, o aparecimento de núcleos
secundários de atividades comerciais gera economias de transporte e
tempo, induzindo a um maior consumo, o que é de interesse do capital
produtivo e comercial.” (CORRÊA, 1993, p.47)

Além dos apontamentos citados acima referentes à produção imobiliária e


econômica para a constituição da centralidade no bairro de Campo Grande, deve-se
considerar a precariedade da mobilidade na região. De acordo com Lago (2008), o
aumento da imobilidade dos trabalhadores estaria relacionado a um maior
dinamismo econômico em centralidades periféricas, abrangendo uma economia
informal de serviços de baixa qualidade e o desenvolvimento de um mercado de
trabalho para os setores médios.

Os atuais investimentos urbanos no bairro sejam de ordem da iniciativa


privada - construção do Park Shopping pela maior empresa de shoppings da cidade
em 2012, e o aumento considerável da oferta de salas comerciais e residências pelo
mercado imobiliário - ou de ordem da iniciativa do Estado - Bus Rapid Transport
(BRT) que liga o bairro à região da Barra da Tijuca, e o Arco Metropolitano, reforçam
a constituição da centralidade do bairro de Campo Grande.

Após uma breve consideração sobre a constituição da centralidade do bairro


de Campo Grande, o próximo capítulo visa discorrer as contradições do bairro em
meio à opulência da produção imobiliária para as classes com maiores rendimentos.
Contradições, Estratificação e Segregação social na Periferia: o Bairro de
Campo de Grande

No capítulo anterior, abordou-se que o bairro de Campo tem sofrido


profundas transformações, fruto de uma série de processos sociais. Essas
profundas transformações consolidaram a hierarquia do bairro na região
metropolitana.

Dentre as variáveis que ratificam sua centralidade, está a densidade, a


diversidade de órgãos do Estado, sedes e filiais de empresas, equipamentos e
serviços, oferta de ensino superior, diversidade de atividades comerciais, oferta de
serviços bancários, estrutura de transporte, dentre outros equipamentos urbanos
não encontrados em outros bairros (IETS, 2016).

Em relação à população residente, Campo Grande possui a maior população


da cidade do Rio de Janeiro, com aproximadamente 328 mil habitantes (IBGE,
2010). E no âmbito imobiliário, de acordo com o Instituto de Estudos do Trabalho e
Sociedade (2016), entre janeiro de 2006 e 2014, o bairro foi o que mais emitiu
habite-se dentro da área de Planejamento 5. Em comparação com as outras áreas
de Planejamento, possui índices referentes à produção imobiliária inferiores apenas
à região Jacarepaguá e Barra da Tijuca, bairros da área de Planejamento 4.

Nesse contexto de protagonismo na periferia capitalista, houve o surgimento


de novos empreendimentos imobiliários e mudanças no padrão habitacional (LAGO,
2000). De acordo com Cardoso & Lago (2015), na última década houve o
lançamento de 7.762 empreendimentos no bairro, superando a oferta dos bairros do
subúrbio.

Sobre a classe média de Campo Grande, de acordo com Barata (2014), eles
se estabeleceram no eixo central, com destaque para a Rua Campo Grande e a
Avenida Cesário de Melo, onde o comércio do “calçadão” representa um fator
atrativo na valorização imobiliária. Há um padrão de estabelecimento habitacional na
Estrada da Posse, próximo ao West Shopping, e no eixo das Estradas do Monteiro e
Cachamorra, próximo ao ParkShopping Campo Grande e nas vias de acesso ao
Recreio dos Bandeirantes e Barra da Tijuca, mobilidade facilitada através da
construção do BRT Transoeste e da construção do Túnel da Grota Funda, em 2012
(OLIVEIRA, 2014).

Contudo, apesar do aumento na produção de empreendimentos imobiliários


na região, inclusive, para as classes com maiores rendimentos, o bairro apresenta
índices poucos expressivos de desenvolvimento urbano e social, bem próximos de
outros bairros periféricos da região, com um grande número de óbitos de jovens e
adolescentes, residências sem eletricidade e precária rede de esgotamento
sanitário.

De acordo com o IBGE (2010), o bairro apresenta um dos piores índices de


esgotamento sanitário da cidade, o quarto em número de domicílios sem o este
serviço, onde os dejetos são jogados diretamente na rua, vala ou rio. E, em relação
ao número de domicílios sem energia elétrica, o bairro lidera com mais de 13.692
domicílios sem eletricidade, ultrapassando bairros mais populosos como
Jacarepaguá e favelas como, por exemplo, o Complexo do Alemão e Complexo da
Maré.

Ainda sobre os índices que revelam a precariedade do bairro, destacam-se os


números expressivos relacionados à mortalidade infantil e juvenil dentro do contexto
da cidade do Rio de Janeiro. O bairro apresenta o terceiro maior número de óbitos
de crianças com menos de 1 ano de idade da cidade. E o terceiro também em
relação ao número de jovens mortos entre 15 e 19 anos (IBGE, 2010).

A mortalidade explicitada acima demonstra a violência do bairro e a ausência


de serviços de saúde adequados para a população. Nos anos 2000, a milícia
ganhou o controle de diversos territórios na zona oeste, sendo Campo Grande um
dos bairros com a maior expressividade de controle de organizações paramilitares
(ZALUAR; CONCEIÇÃO, 2007).

Em relação à violência sofrida pelas mulheres, cabe ressaltar o elevado


índice de mortalidade materna da região (MELO, 2008) e o elevado número de
estupros do bairro. Em 2015, o bairro apresentou o segundo maior número de
estupros da cidade do Rio de Janeiro (ISP, 2015) e, no ano de 2017, das 22
mulheres mortas na cidade, 8 foram mortas em Campo Grande e Santa Cruz.

É interessante notar que, em Campo Grande, temos de um lado


empreendimentos de luxo na Estrada da Cachamorra, autosegregações e, de outro,
bem próximo a esses empreendimentos, domicílios para as trabalhadoras e
trabalhadores com menores rendimentos sem a estrutura adequada. Na Estrada dos
Caboclos, por exemplo, próximo do eixo das Estradas do Monteiro e Cachamorra,
há dois empreendimentos do Programa MCMV, moradias sem os serviços e
equipamentos urbanos básicos necessários.

Através dos índices e informações a respeito dos processos sociais que


ocorreram na escala local do bairro de Campo Grande, percebe-se um conjunto de
diferentes usos da terra justapostos entre si, que conformam a organização espacial
urbana, simultaneamente fragmentada e articulada, característica das cidades
capitalistas, como bem afirma Corrêa (1993). Este cenário revela um bairro
socialmente estratificado e excludente, explicitando as contradições, conflitos e
disputas existentes a partir dos interesses distintos de diversos agentes e atores que
atuam na consolidação de seu espaço urbano.

Considerações Finais

Após breve análise das informações e dados apresentados neste artigo,


percebe-se que Campo Grande vem sofrendo diversas transformações em seu
espaço urbano nas últimas décadas, promovidos por agentes privados e pelo
Estado. Essas intervenções ratificam o protagonismo do bairro frente à dinâmica
econômica e social capitalista da metrópole do Rio de Janeiro, constituindo-se em
uma centralidade na periferia.

Diante das informações levantadas neste artigo, referenciadas por teóricos


amplamente utilizados pela literatura acadêmica, percebe-se que a iniciativa privada,
respaldada pela ação do Estado, teve grande importância na configuração sócio-
espacial do bairro. Nesse contexto, a produção imobiliária na região foi bastante
expressiva, através do parcelamento do solo para a formação de loteamentos
populares, em meados do século XX ou, mais recentemente, através da produção
de moradias em condomínios fechados para a classe média, elitizando o bairro.
Também a partir da iniciativa privada, percebe-se a instalação e comercialização de
salas comerciais e instalação de shopping centers, oferecendo serviços
diversificados.

A intervenção estatal, desde que a região se configurou como pólo de


crescimento da cidade frente à demanda capitalista de produção, em grande parte
buscou acompanhar e valorizar as exigência e tendências já determinadas pelo
capital privado. Os projetos Rio Cidade e PEU Campo Grande entram em cena, na
década de 1990, para dotar o bairro de infraestrutura necessária para a produção
imobiliária.

A implantação de moradias provenientes do PMCMV na região mais periférica


do bairro, sem os equipamentos e serviços urbanos básicos necessários, exacerba a
segregação espacial em escala local. Em Campo Grande, percebe-se um núcleo
central do bairro e principais vias de comunicação com o entorno imediato dotados
de serviços e equipamentos diversificados, enquanto há uma região periférica sem
os equipamentos urbanos necessários para a reprodução social. É notável que esta
segregação espacial é decorrente das contradições do sistema capitalista. Nesse
aspecto, quando pensa-se em políticas públicas para o bairro de Campo Grande, é
necessário considerar as especificidades da periferia do bairro e não apenas nas
suas centralidades.

Ao mesmo tempo em que apresenta infraestrutura habitacional e serviços


semelhante à bairros mais abastados da cidade, o se traduz em uma região
marcada pela violência e pela deficiência em serviços urbanos básicos. Nesse
sentido, é preciso pensar políticas públicas que englobem as periferias da
centralidade de Campo Grande, não a tratando de maneira homogênea e alienada
da estratificação existente.

Pode-se afirmar que o bairro de Campo Grande, resultante do processo


histórico-social de constituição da periferia da cidade capitalista, conforma uma
organização espacial simultaneamente fragmentada e estratificada, explicitando as
contradições, conflitos e disputas existentes a partir dos interesses distintos de
diversos agentes e atores que atuam na consolidação de seu espaço urbano.

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