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Catalogo Nuno Ramos
Catalogo Nuno Ramos
um relógio
Submerso em Realização
algum corpo
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de um relógio
CMY
SESC apresenta
"Igual ao de um relógio
Ao de um relógio vivo
E também revoltoso"
CM
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CMY
K
Serviço Social do Comércio
2° Reimpressão
2010
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO
Direção-Geral
Maron Emile Abi-Abib
Consultoria da Direção-Geral
Juvenal Ferreira Fortes Filho
Luís Fernando de Mello Costa
Projeto e Coordenação
Assessoria externa
Paulo Venâncio Filho - Produção de texto e curadoria
Projeto Gráfico
Equipe
Marcella Marins Mesquita - Revisão de conteúdo
Mario Saladini - Programação visual
Guarim de Lorena - Fotos das obras
A cultura reflete a diversidade das identidades regionais do Brasil. Música, artes cênicas, cinema, artes plásticas e literatura in-
tegram o cotidiano dos brasileiros. O SESC garante a democratização do acesso a essas variadas modalidades, nacionalmente,
através de projetos como o ArteSESC, difusor das artes plásticas em exposições itinerantes que percorrem o país.
Para a entidade, cultura não significa apenas entretenimento, mas uma nova compreensão da realidade. Em sua postura de articu-
lador, o SESC investe tanto no estímulo à produção artístico-cultural, viabilizando espaço e estrutura para o trabalho do artista,
como na qualificação de público, e em sua interação com os produtores culturais, por intermédio de um trabalho educativo que
Ao longo do tempo, os projetos do SESC tornaram-se referência, conquistaram credibilidade e foram além de seus objetivos
iniciais, transformando-se muitas vezes em principal evento cultural e meio de contato do público com as artes. Esta é a contri-
buição permanente do empresariado, por intermédio do Serviço Social do Comércio, à cultura da sociedade brasileira.
O SESC é hoje reconhecido como um dos principais agentes de difusão das artes plásticas no país. Desde 1981 o ArteSESC vem
realizando mostras itinerantes em centros urbanos e cidades do interior, tornando mais conhecidos os acervos de instituições
culturais e a produção de artistas provenientes de várias partes do país, ao exibi-los nas unidades do SESC ou, eventualmente,
em espaços da comunidade. Fazem parte do acervo de exposições do projeto reproduções de obras de artistas como Portinari e
Margareth Mee.
Com essas atividades, o SESC procura estabelecer as condições do diálogo necessário entre artistas plásticos e o público interessa-
do nesse segmento. Atualmente, a programação busca dar visibilidade à produção artística moderna e contemporânea, marcando
Ser um artista plástico moderno ou contemporâneo significa estar em conexão com o que acontece em sua época, mostrando em
suas obras os avanços das discussões e propostas da arte que se manifestam em diferentes modos no mundo. Diante deste cenário,
o ArteSESC escolheu para itinerar a partir de 2008 artistas que proporcionam uma mudança nas tendências da arte brasileira e
retomam uma postura mais crítica e política sobre a realidade cotidiana do país.
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Exatamente por ter influenciado singularmente a arte no Brasil, o SESC convidou Nuno Ramos para participar do projeto com
às normas. Seus objetivos e suas instalações com materiais não estáveis como parafina, sal, vidro e mármore servem de impulso
Só Lâmina reflete a postura do ArteSESC de estar antenado com as novas tendências, favorecendo uma produção artística nas
Este conjunto de três trabalhos, Só Lâmina, Carolina e dos interesses de Nuno. De que modo ele vem transfor-
Luz Negra, da obra já extensa e ainda em andamento de mando esse interesse em legítima versão própria, meta-
Nuno Ramos, serve de sintética e econômica introdução morfoseando-o plasticamente? Visitação, afinidade, ho-
ao mundo plástico do artista, sem perda da potência da menagem, apropriação, não há um termo que defina com
obra. Três trabalhos, três grandes direções que eventual- exatidão o que está sendo realizado. Acima de tudo, me
mente se cruzam e mostram tanto a atualidade quanto parece, trata-se do franco reconhecimento da pressão que
o substrato inquieto e transformador que se mantém há o moderno ainda exerce entre nós. Do artista, da obra,
Só Lâmina é o mais recente capítulo de um ciclo de en- elementos que ainda estão à disposição de quem os queira
frentamento ao qual Nuno tem se proposto já faz algum elaborar pois, para o bem ou para o mal, ainda não se
tempo. É um verdadeiro e convicto choque com os gran- enrijeceram e estão como que num estado de latência cul-
des modernos brasileiros: Drummond, Bandeira, Goeldi, tural. É desta possibilidade disponível, flexível, maleável
Nelson Cavaquinho e agora João Cabral de Mello Neto. que Nuno se apropria para dar outra forma. A constante
Literatura, música e artes plásticas mostram a amplitude metamorfose é uma das características do seu trabalho,
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o | Submerso em algum corpo | Ao de um relógio vivo | E também revoltoso | Relógio que tivesse | O gume de uma faca | E toda a im
piedade | Da lâmina azulada | Assim como uma faca | Que sem bolso ou bainha | Se transformasse em parte | De vossa anatomia
Assim como uma bala | Do chumbo mais pesado | No músculo de um homem | Pesando-o mais de um lado | Igual ao de um relógi
1. Assim como uma bala | Enterrada no corpo | Fazendo mais espesso | Um dos lados do morto
2. Qual bala que tivesse | Um vivo mecanismo | Bala que possuísse | Um coração ativo
3. Assim como uma bala | Do chumbo mais pesado | No músculo de um homem | Pesando-o mais de um lado
6. Assim como uma faca | Que sem bolso ou bainha | Se transformasse em parte | De vossa anatomia
7. Qual uma faca íntima | Ou faca de uso interno | Habitando num corpo | Como o próprio esqueleto
8. De um homem que o tivesse | E sempre, doloroso | De homem que se ferisse | Contra seus próprios ossos
9. 10. 11.
1a8 9 a 11
S/ Título, 2007 S/ Título, 2007
Alumínio, pelúcia, espelho, acrílico e tinta óleo Alumínio, pelúcia, espelho, acrílico e tinta óleo
1,55 x 0,75 m 1x1m
omem que se ferisse | Contra seus próprios | =Qual uma faca íntima | Ou faca de uso interno, | Habitando num corpo | Como o p
De um homem que o tivesse | E sempre, doloroso | De homem que se ferisse | Contra seus próprios | E sempre, doloroso | De h
róprio esqueleto | Assim como uma bala | Enterrada no corpo | Fazendo mais espesso | Um dos lados do morto | Qual bala que
penso até que já existe um universo metamórfico só seu, do crescente, cimitarra, semi circular que os desenhos e
distinguível através de certos materiais, fenômenos, pro- esculturas de Nuno já vinham, faz algum tempo, apresen-
cessos. Pois em Só Lâmina trata-se de metamorfosear a tando. Forma-lâmina, a lâmina e seu corte, que corta e re-
áspera poesia de João Cabral. Para começar, o construtivo corta, ela mesma o objeto. Operação e resultado do corte
rigor do poeta não é o que se esperava encontrar junto que estrutura o desenho. De modo que esta série de onze
à fluência plástica de Nuno, a sua incorrigível vocação desenhos manifesta não só a destreza plástica da lâmina,
picassiana. Mas a escolha certamente não é arbitrária ou mas também o raciocínio seco do corte: onze desenhos,
voluntarista. Aparentemente por mais afastados, há um onze facadas de uma mesma lâmina. Ora o corte é limpo,
paralelo entre a brutalidade fria de “Uma faca só lâmina” precisão racional de um mundo claro e transparente, ora
e o método plástico de Nuno. Numa outra chave, só para o corte é sujo, obscuro, corta o informe irracional e am-
exemplificar, recordemos Balada, o trabalho de Nuno que bos estão assim lado a lado, latejantes. E este método da
é simplesmente um livro, alvo e vazio, perfurado por uma lâmina, ávido, pede a ação incessante do corte. Continuar
bala. Balada: corpo que se oferece à bala. Nele a violência o corte, tudo o que seja para cortar; seja palavra, metal,
seca e sintética do tiro fica encravada, no grosso das pági- vaselina, espelho ou papel. Na mesma faca, duas lâmi-
nas, chumbo dentro do papel, ali no lugar das palavras que nas: por um lado o poema de Cabral aceitando a matéria
o livro não tem. É bala lâmina que atravessa Balada. “Assim tal qual ela é: simples palavra escrita no papel, por outro
como uma bala/Enterrada no corpo”, só bala mais nada. Nuno a exigir da matéria ir além, até quase onde ela não
Só Lâmina, vai então de certa forma, continuar a explorar, A mesma ambivalência e oposição dos estados físicos es-
através do poema de João Cabral, aquela forma cortante tão sempre presentes e atuantes nos desenhos, como tam-
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bém nas pinturas e esculturas e nada mais é do que a forte O que é dito e respondido agora, em São Paulo, ou em
que Nuno utiliza: matérias de construção, destinadas a da vida e do sentido de todos e da cidade? E se houvesse
conter, estabilizar e sustentar. Pedra, areia, vidro, metal. alguém para tudo isso ouvir? Não é isso que Carolina diz
escorrendo e fazendo extravasar, estrutura desestruturante Em Só Lâmina os versos atingem a proporção de ver-
que se sustenta pelo próprio desmoronamento. O mesmo dadeiros anúncios estampados em agressivas placas
ocorre também nas instalações “sonoras”. Difícil é conter de alumínio. São desenhos auto falantes, pois gritam
o som. O som vaza e desaparece, sai da palavra e se perde e ensurdecem visualmente. Integrar o som - música,
no espaço. Palavra, som, espaço formam uma equação pa- fala, ruído. É o que Nuno vem fazendo também já
ralela a da superfície, forma e matéria das telas e desenhos. desde algum tempo. A matéria som, interessa espe-
Assim, se apropriando da poesia, Nuno quer ultrapassar cialmente quando vaza de um continente, seja pala-
a palavra apenas lida, em silêncio, e dar som e imagem à vra, música ou ruído, e volta a ser apenas som. Ou de
palavra que não tem. outro modo, e válido para todo o trabalho, a matéria
É do que Carolina fala; da palavra falada. Este trabalho nente, o que implica o volume e, portanto, a espa-
que é um extenso fragmento do interminável perguntar cialização do som ou até mesmo a ideia implícita de
e responder que corta e recorta, da enunciação mental ao escultura sonora – o som seria afinal a matéria ideal
murmúrio da cidade, fala a língua do cubismo sonoro. do trabalho. Penso que o mundo para Nuno se estru-
tura num antagônico e constante fluxo de capturar e lada. Realizada, parece, no ritmo do irritante regressivo
Pois vejamos. Em Luz negra a música que vaza do chão, cacofonia visual quase não dá tempo ao olhar, absorve-o
faz soar alto a voz sepultada de Nelson Cavaquinho. As sem parar, super sintético artificial cafona o nunocabral
caixas acústicas que tocam Juízo final estão enterradas caótico caos. Nada menos que a colagem moderna levada
voz do cantor, o seu verdadeiro lugar. Próprias de Nuno A matéria de um melado grudento lento cola, cansa e
são essas poderosas visões plásticas, como Nelson sob a escorre pelo olhar esbugalhado. São desenhos para olha-
terra e Drummond sobre a água. Quem sabe exista aí o res vazados. Cortada, a vista escorre pelos lados de uma,
projeto de uma outra espécie de land-art, uma fusional duas, três, onze, inúmeras facadas. Por lâminas cimitar-
Ocorre-me chamar de Collages-Melées esses desenhos- ou/e vidraça quebrada? Um dadá trash cortante, belo pelo
colagem, essa quase simples gosma mascada, falada e co- avesso, tal um bicho de pelúcia, uma página de poesia e
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um espelho rapidamente batidos no liquidificador. Ingre- tato, ao olhar, aos sentidos. Mas para isso precisam tam-
se encontrar.
Só escrevendo assim, improvisando neste tema de Nuno, nhos, traz o desafio de uma eloquência plástica ante uma
d’aprés João Cabral, consigo seguir seu fluxo, rapidamen- contenção poética, ou o excesso diante da contenção, que
te juntando à vontade: imagens, associações, relações, im- são os momentos fortes, eventualmente o próprio cerne
pressões vagas e fortuitas, tentando apreender este proces- do trabalho. Disso resultam estes desastres verbo-visuais
so plástico. Parece que vale tudo: espelho, vaselina, folha como displays do poema, transtornos plásticos vigorosos
de ouro, pelúcia, metal, tinta. Tudo é o mesmo e diferen- de resultado instável, de um todo quebrado e desconjun-
te na absoluta não hierarquização da matéria. O aspecto tado que um dia já foi goeldiano. Facada a facada, Nuno
lixo luxuoso do desenho de Nuno não quer ser agradável, destroça a anatomia dos oito versos iniciais de “Uma faca
mesmo assim, e por isso mesmo, chega a ser tão atraente, só lâmina”. Cada verso um desenho, cada linha escrita no
espelho partido de um mundo afluente e desgovernado. alumínio recortado, cada letra na tinta espatifada assim
Quase sempre caótico, sem direção, desconexos, tais ma- como, assim como...
4. 5. 6.
Foto da instalação “Carolina” - A instalação varia de acordo com o espaço.
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Assim como uma bala Assim como uma faca
e toda a impiedade
de lâmina azulada
1 MELO NETO, João Cabral de. Uma Faca Só Lâmina, Poesias Completas; 1940-1965, pág. 187, Rio de Janeiro Livraria José Olympio Editora, 1979