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TEMPERATURA E ENTROPIA DE FUSÃO

DE SUBSTÂNCIAS GRAXAS E BIODIESEL


Joaquín A. Morón-Villarreyes1, GEQ/FURG, dqmjamv@furg.br
Antônio P. de Mendonça Jr.1, GEQ/FURG, engqantonio@gmail.com
Alexandre Bento Carvalho1, GEQ/FURG, alexandrec_eq@yahoo.com.br
Marcelo G. Montes D´Oca2, DQM/FURG, dqmdoca@furg.br

1
Grupo de Engenharia Química (GEQ/FURG)
2
Laboratório Kolbe de Síntese Orgânica, (LKSO/FURG)
Fundação Universidade Federal do Rio Grande
CEP: 96201-900 - Rio Grande - RS – Brasil.

RESUMO
O sebo bovino e outras misturas envolvendo gorduras animais sólidas apresentam-se como
potenciais matérias primas para a produção de biodiesel. Os estudos sobre o processamento de
gorduras animais implicam o conhecimento de propriedades no estado sólido como a
temperatura (Tm) e a entropia de fusão (Sm), esta última praticamente indisponível na
literatura para substâncias graxas de cadeia longa. Com o conhecimento das propriedades
termodinâmicas no estado sólido podem ser determinados os requerimentos energéticos da
produção de biodiesel permitindo o cálculo correto de custos e de equipamentos. Neste
trabalho apresentam-se correlações QSPR (Quantitative Structure Property-Relationships)
para a temperatura e entropia de fusão de ácidos graxos, glicerídeos, biodiesel (ésteres
metílicos, etílicos e outros). Os valores previstos com as correlações foram comparados aos da
literatura com resultados satisfatórios.

Palavras chave: Biodiesel, Métodos de estimativa de Propriedades, Modelagem molecular.


1.- INTRODUÇÃO
A busca de propriedades físicas e químicas das substâncias é uma atividade importante na
Química e a Engenharia Química, no desenvolvimento de processos e de equipamentos. As
propriedades no estado sólido são indispensáveis no balanço de energia dos processos de
síntese de biodiesel a partir de gordura animal. O conhecimento da entropia e da temperatura
de fusão é útil no estudo da solubilidade de poluentes orgânicos em ecologia aquática e no
estudo do equilíbrio sólido-líquido para determinar o ponto de névoa e outras especificações
do biodiesel (IMAHARA, 2006). Com o valor da entropia se determina a entalpia de fusão
através da expressão Hm=SmTm.

1.1. Temperatura de fusão


A temperatura de fusão dos sólidos orgânicos é uma das propriedades mais complexas de
serem correlacionadas por depender do arranjo das moléculas na rede cristalina do sólido
(KATRITZKY, 2001). A tabela 1 mostra as principais abordagens teóricas e empíricas
aplicadas na previsão da temperatura de fusão de substâncias orgânicas.

Tabela 1.- Algumas correlações para a temperatura de fusão (K).

Autor Equação
LONGINESCU (1903) Tm  10ρ n
LORENZ & HERTZ (1922) Tm  0.5839Tb
3
AUSTIN (1930)* Ln ( M )  A  BTm  Ln (Tm )
5
TAFT & STARECK (1930) Tm  Tc  Tb
n 2
BENKÖ (1959) Tm  1600 
M b
474
Tm   100 b  28
GRAIN & LYMAN (1983)  9.2103 
exp 

 M 
JOBACK & REID (1987) Tm  122    Tm
(*) A e B são constantes próprias para cada família de substâncias.

Observa-se que a maioria das correlações, para esta propriedade, depende empiricamente de
outras propriedades como a densidade (), temperaturas de ebulição (Tb) e crítica (Tc). As
mais importantes correlações do tipo Tm=f(Tb) foram desenvolvidas por YALKOWSKY et al.
(1994) e KRZYZANIAK et al. (1995). Outras abordagens se baseiam na teoria da variação da
energia de vibração molecular no estado sólido antes da transição para o estado líquido
(AUSTIN, 1930). A temperatura de fusão dos ácidos graxos saturados além de ser
proporcional ao número de carbonos (n), apresenta o fenômeno da alternância dependendo de
n ser par ou ímpar (ver figura 2b). JOBACK & REID (1987) relacionaram Tm com a estrutura
molecular através do conceito da contribuição de grupos (tabela 2), porém com resultados
limitados.
Tabela 2.- Contribuições moleculares dos principais grupos funcionais de substâncias graxas.

Grupo —CH3 —CH2— >CH— =CH— —COOH —COO— —OH


T m -5.10 11.27 12.64 8.73 155.5 53.60 44.45

1.2. Entropia de fusão


Segundo DANNENFELSER & YALKOWSKY (1996) a entropia de fusão depende de três
parcelas (entropia posicional, rotacional e conformacional). Para moléculas rígidas e
assimétricas propuseram uma correlação dependente dos números de simetria () e
flexibilidade () molecular. R é a constante dos gases; =2.85 onde  = (SP3) + (SP2)/2 +
RING/2-1. As variáveis SP3, SP2 e RING denotam o número de átomos do tipo sp3, sp2, e de
anéis na molécula estudada. Na tabela 2 se mostram outras propostas para correlacionar Sm.

Tabela 3.- Algumas correlações para entropia de fusão (J/mol K).

Autor Equação
WALDEN (1908) S m  54.4
TSONOPOULOS & PRAUSNITZ (1971) S m  56.5
YALKOWSKY (1996) * S m  13.5  2.5(n  5)

JOBACK & REID (1987) S m 


 0.88    H m
Tm
DANNENFELSER & YALKOWSKY (1996) S m  50  RLn ( )  RLn ()
(*) n´ é o número total de ligações flexíveis presentes na molécula.

Mais recentemente JOHNSON & YALKOWSKY (2005), definiram outros parâmetros como
excentricidade e espiralidade molecular para predizer a entropia de fusão.

2.- MODELOS MOLECULARES PARA SUBSTÂNCIAS GRAXAS


Em Oleoquímica, os ácidos graxos identificam-se com o número de carbonos (n) e de
insaturações (l) na cadeia graxa. Nas gorduras naturais os ácidos apresentam-se esterificados
ao glicerol formando glicerídeos. No biodiesel, esterificados a álcoois de cadeia curta
formando ésteres metílicos, etílicos etc. As propriedades físicas dos ácidos graxos, óleos e
biodiesel podem estimar-se em função de n e l devido à previsibilidade na variação das
propriedades das séries homólogas. Assim, as propriedades (P) podem ser calculadas com
correlações do tipo P=f(n,l) que podem ser estendidas para óleos com ácidos graxos incomuns
acrescentando as variáveis que descrevam a presença de grupos funcionais ou outras
características moleculares incomuns. O óleo de mamona (Ricinus communis), por exemplo,
contém os ácidos ricinoleico e densipólico que são incomuns por apresentar um e dois grupos
hidroxila (h) na cadeia. Neste caso as equações ficam P=f(n,l,h). As propriedades do
biodiesel dependem do álcool utilizado na esterificação. Sendo a o número de átomos de
carbono do álcool utilizado, as correlações têm a forma P=f(n,l,h,a). A tabela 4 apresenta os
modelos desenvolvidos para estimar as propriedades das substâncias graxas estudadas.

Tabela 4.- Modelos moleculares para substâncias graxas.

Fórmula Massa molecular


Modelo geométrico *
(CxHyOz) (g/mol)
h
OH
l x= n
AG1 COOH y= 2n-2l MAG=14.0268n–2.0158l+15.999 h+31.998
n z= h+2
RCOOH
h
OH
l OH x= n+3
MG2 COO y= 2n-2l+6 MMG=4.0268n–2.0158l+15.999h+106.0764
n OH z= h+4
HOCH2CH(COOR)CH2OH
h OH
OH
l OOC x= 2n+3
DG2 COO y= 4n-4l+4 MDG=28.0536n–4.0316l+31.998h+120.0596
n OH z= 2h+5
HOCH2 CH(COOR1)CH2 (COOR2)
h OH
OH
l OOC
x= 3n+3
3 COO
TG y= 6n-6l+2 MTG=42.0804n–6.0474l+47.997h+134.0428
OOC
n z= 3h+6
OH
(R1OOC)CH2CH(COOR2)CH2(COOR3)
h
OH
l x= n+a
BD COO y=2n-2l+2a MBD=4.0268(n+a)–2.0158l+15.999h+31.998
n a z= h+2
RCOO(CH2)a-1CH3
* Modelo de molécula isolada (Standard geometry) útil para apresentar os descritores moleculares relevantes.
1
Onde R = – (CH2)6 (CH2 CH=CH)l [CH2 CH(OH) CH2]h (CH2)n-3l-3h-8 CH3
2
Podem existir outros isômeros de posição.
3
Considerando: R1 = R2 = R3 = R
3.- CORRELAÇÕES PARA TEMPERATURA E ENTROPIA DE FUSÃO
Selecionando os métodos das tabelas 1 e 3 que se utilizam unicamente da estrutura molecular
para correlacionar Tm desenvolveram-se equações QSPR seguindo os métodos de Austin e
Joback, (este último não foi avaliado por produzir resultados incoerentes). No método de
Austin obtiveram-se as constantes A e B para ácidos graxos, glicerídeos, e ésteres alquílicos,
conhecendo apenas as massas moleculares e os pontos de fusão de dois compostos da série
homóloga, ou por análise de regressão. Notar que esta equação depende apenas da massa
molecular total, sendo insensível à insaturação e a outras características da estrutura
molecular. Nota-se, também, que devido à natureza matemática da correlação, Tm deverá ser
calculada aplicando métodos numéricos. As correlações para Sm obtiveram-se com o método
de DANNENFELSER & YALKOWSKY (1996). A tabela 5 apresenta as correlações
desenvolvidas para ácidos graxos (AG), monoglicerídeos (MG), diglicerídeos (DG),
triglicerídeos (TG) e ésteres alquílicos (BD).
Tabela 5.- Correlações para temperatura e entropia de fusão de substâncias graxas.

Temperatura de fusão Entropia de fusão


(K) (J/mol K)
AUSTIN JOBACK & DANNENFELSER &
(1930) REID (1987) YALKOWSKY (1996)
Impar:
Ln(MAG)= –1.524 + 0.0109 Tm + Ln(Tm)0.6
AG Tm= 11.27n – 13.81l + 45.82h + 249.86 Sm=50 + RLn(2.85)[n– l + h –1]
Par:
Ln(MAG)= –2.814 + 0.0145 Tm+ Ln(Tm)0.6

M
Ln(MMG)= –2.039+0.012421Tm+ Ln(Tm)0.6 Tm= 11.27n – 13.81l + 45.82h + 272.04 Sm=50 + RLn(2.85)[n– l + h +4]
G

DG Ln(MDG)= –1.0974+0.01139Tm+ Ln(Tm)0.6 Tm= 22.54n – 27.62l + 91.64h + 253.55 Sm=50 +RLn(2.85)[2n– 2l + 2h +3]

Tm= 33.81n – 41.43l + 137.46h +


TG Ln(MTG)= –0.05271+0.0096Tm+ Ln(Tm)0.6 Sm=50 +RLn(2.85)[3n– 3l + 3h +2]
235.06

Tm=11.27(n+a)– 13.81l Sm=50 +RLn(2.85)[(n+a)– l + h –


BD Ln(MBD)=0.787674+0.00487Tm+ Ln(Tm)0.6
+45.82h+131.59 2]
5.- RESULTADOS
As tabelas 6, 7 e 8 mostram o desempenho das correlações de Tm e Sm desenvolvidas. Os
valores calculados foram comparados com dados da literatura fornecidos por PERRY et al.
(1997), YAWS (1999), BAILEY (1961) e CRC Handbook of Chemistry & Physics (2002).
Tabela 6. Temperatura e Entropia de fusão de ácidos graxos.

Tm (K) Sm (J/mol K)


n:l h Config. Nome trivial Fórmula M(g/mol) Literatura Calculado Literatura Calculado
12:0 0 Láurico C12H24O2 200.318 316 313.491 115.800 145.816
13:0 0 Tridecanoico C13H26O2 214.344 315 311.005 154.527
14:0 0 Miristico C14H28O2 228.371 327 323.191 137.612 163.237
15:0 0 Pentadecanoico C15H30O2 242.398 325 323.001 171.948
16:0 0 Palmítico C16H32O2 256.424 335 331.8 161.032 180.658
16:1 0 Palmitoleico C16H30O2 254.408 273.05 171.948
17:0 0 Margárico C17H34O2 270.451 334 333.75 189.369
18:0 0 Esteárico C18H36O2 284.477 342 339.54 182.201 198.079
18:1 0 9c Oléico C18H34O2 282.461 286.15 138.389 189.369
18:1 1 9c12-OH Ricinoleico C18H34O3 298.464 278.65 198.079
18:2 0 9c 12c Linoleico C18H32O2 280.445 264.15 128.662 180.658
20:0 0 Araquídico C20H40O2 312.530 348 346.572 215.500
22:0 0 Behênico C22H44O2 340.584 354 353.015 232.922
24:0 0 Lignocérico C24H48O2 368.637 357 358.961 250.343
26:0 0 Cerótico C26H52O2 396.690 362 364.482 267.764

Tabela 7. Temperatura e Entropia de fusão de glicerídeos.


Tm (K) Sm (J/mol K)
n:l Fórmula M (g/mol) Literatura Calculado Calculado
MG 10:0 C13H26O4 246.344 326.15 327.73 171.948
12:0 C15H30O4 274.398 336.15 335.31 189.369
14:0 C17H34O4 302.452 343.65 342.16 206.790
16:0 C19H38O4 330.505 350.15 348.43 224.211
18:0 C21H42O4 358.559 354.15 354.19 241.632
DG 10:0 C23H44O5 400.596 317.65 318.76 171.948
12:0 C27H52O5 456.703 329.65 328.66 189.369
14:0 C31H60O5 512.810 338.65 337.44 206.790
16:0 C35H68O5 568.917 345.65 345.34 224.211
18:0 C39H76O5 625.024 351.15 352.51 241.632
TG 10:0 C33H62O6 554.847 304.65 305.97 171.948
14:0 C45H86O6 723.168 330.15 329.03 206.790
16:0 C51H98O6 807.329 338.65 338.69 224.211
18:0 C57H110O6 891.490 346.25 347.42 241.632

Tabela 8. Temperatura e Entropia de fusão de ésteres alquílicos.


Tm (K) Sm (J/mol K)
n:l A h Fórmula M (g/mol) Literatura Calculado Literatura Calculado
4:0 1 0 C5H10O2 102.132 188.35 64.552 76.132
2 0 C6H12O2 116.159 179.85 176.95 69.502 84.842
8:0 2 0 C10H20O2 172.266 229.95 227.12 119.684
10:0 2 0 C12H24O2 200.320 253.19 247.51 137.106
12:0 1 0 C13H26O2 214.346 278.15 145.816
2 0 C14H28O2 228.373 262.45 265.69 145.816
14:0 1 0 C15H30O2 242.400 291.65 152.511 171.948
2 0 C16H32O2 256.427 285.09 282.09 171.948
16:0 1 0 C17H34O2 270.454 297.65 182.252 180.658
2 0 C18H36O2 284.480 303.70 297.05 189.369
18:0 1 0 C19H38O2 298.507 311.15 206.749 198.079
2 0 C20H40O2 312.534 306.85 310.79 206.790
18:1 1 0 C19H36O2 296.491 268.65 189.369
1 1 C19H36O3 312.490 268.65 198.079

a) b) c)

d) e) f)

Figura 1.- Valores experimentais vs valores calculados de Tm.


a) AG ímpares (r=0.998) 5:0 a 19:0; b) AG pares (r= 0.995) 6:0 a 28:0; c) BD etílico (r= 0.995) 4:0 a 18:0 d)
MG (r= 0.990) 10:0 a 20:0; e) DG (r= 0.996) 10:0 a 18:0; f) TG (r= 0.997) 10:0 a 18:0

6.- CONCLUSÕES
As correlações desenvolvidas têm estrutura matemática simples e dependem de n,l,h e a. A
correlação de Tm, obtida pelo método de Austin, descreve quali e quantitativamente a
alternância da temperatura de fusão dos ácidos graxos (ver figura 2a).

b)
a)
Figura 2.- Alternância de Tm nos ácidos graxos saturados. a) Este trabalho, b) Literatura.

7.- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Austin, J.B., A relation between the molecular weights and melting points of organic compounds, ACS, 1049-
1053, 1930.
Bailey, E. A., Aceites y grasas industriales, Editorial Reverté, S.A., Barcelona, 1961.
CRC Handbook of Chemistry & Physics, 82nd Edition, CD ROM, 2002
Horvath, A.L., Molecular Design, Elsevier Science Publishers, Amsterdam, 1992.
Joback, K.; Reid, R.C.; Estimation of pure-component properties from group-contributions; Chem.Eng.
Commun., 57: 223-243, 1987.
Johnson, J. L. H. e Yalkowsky, S. H., Two new parameters for predicting the entropy of melting: eccentricity (ε)
and spirality (), Ind.Eng.Chem.Res., 44, 7559-7566, 2005.
Katritzky, A.R., Jain, R., Lomaka, A.,Petrukhin, R., Maran, U., Karelson, M.; Perspective on the relationship
between melting points and chemical structure, Crystal Growth & Design, 1(4):261-265, 2001.
Krzyzaniak, J.F., Myrdal, P.B., Simamora, P. e Yalkowsky, S.H., Boiling point and melting point prediction for
aliphatic, non-hydrogen-bonding compounds, Ind. Eng. Chem. Res., 34, 2530-2535, 1995.
Markley, K.S., Fatty Acids, I.- Interscience Publishers Inc. 1961.
Morón-Villarreyes. J.A. Modelo molecular para estimativa e correlação de propriedades e composição dos óleos
naturais na combustão interna, Dissertação de Mestrado. Escola Politécnica da USP; 1991.
Perry, R.H., Green, D.W., Perry’s Chemical Engineers’Hhandbook, 7ºed., McGraw-Hill, New York,1997.
Yaws, K.; Handbook of Thermodynamic and Physical Properties of Chemical Compounds; McGraw-Hill;
New York; 1999.

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