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Cleber - Santos - Vieira Livros Didáticos de Ospb e A Formação Do Cidadão
Cleber - Santos - Vieira Livros Didáticos de Ospb e A Formação Do Cidadão
Resumo
1
Cleber Santos Vieira é graduado em História pela UNESP/Franca (1997) instituição na qual também
realizou mestrado na área de História e Cultura (2001). Doutorou-se na Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (2008) defendendo a tese Entre as coisas do mundo e o mundo dos livros:
prefácios cívicos e impressos escolares no Brasil Republicano. É Professor Auxiliar Doutor junto ao
Programa de Mestrado em Educação da Universidade São Francisco. e-mail: clebersvieira@yahoo.com.br
demanda de manuais escolares produzidos a partir dos postulados da doutrina oficial.
Todavia, a leitura de livros de alguns manuais de Organização Social e Política do Brasil
(OSPB) sugerem a relativização destas análises. Neste trabalho, apresentamos a história dos
manuais de OSPB considerando a lacuna existente entre aquilo que o Estado definiu como
Educação Moral e Cívica em 1969 e as definições que efetivamente circularam na
sociedade.
Ao adotarmos tal procedimento partilhamos da observação feita por Michel
Foucault (FOUCAULT,2002.pp.168-169) que referiu-se à definição estatal de nação
empreendida pela Encyclopédie como sendo os esforços do Estado em refutar ou até
mesmo excluir outras definições de nação que circulavam na sociedade francesa no correr
do século dezoito. Esta orientação metodológica é imprescindível, não só porque permite
compreender os discursos cívicos veiculados pelos impressos de OSPB como pontos de
passagens dos efeitos de poder pretendido pelo Estado, mas também porque ilumina os
discursos cívicos produzidos em outros planos e que se deslocaram na mesma malha social,
no período em que o corpo jurídico normatizador da escolarização do civismo ainda não
havia se constituído em sua plenitude. Para viabilizar a análise, atenção especial será
conferida às apresentações, introduções, advertências e todas os outros discursos
preliminares denominados prefácios que precedem o corpo do livro mas que, de acordo
com Gerárd Gennete (GENNETTE, 2001), constituem importantes vestígios para se narrar
a história do livro.
A análise recai especificamente sobre quatro livros didáticos de OSPB: Victor
Mussumeci (1962); Umberto Augusto de Medeiros (1963), Theobaldo Miranda Santos
(1963), além da publicação oficial (MEC/INEP)2 escrita por Delgado Carvalho (1963). A
seleção do corpus documental justifica-se pelo fato de terem sido obras produzidas em um
processo plenamente articulado ao momento de criação da disciplina OSPB, em 1962
(VIEIRA, 2005). Naquele contexto, o professor Newton Sucupira, membro do Conselho
Federal de Educação, testemunhou de forma engajada a decisão:
2
Extenso trabalho sobre as publicações do INEP sob comando de Anísio Teixeira pode ser verificada em
MUNAKATA, Kazumi. Livro didático: produção e leitura, 2001.
exercício consciente da cidadania democrática. Incontestavelmente faltava à nossa
escola este sentido de formação cívica e integração política, que em todos os países
civilizados constituem tarefa essencial da educação secundária. (SUCUPIRA, 1962
p.226)
Os rumos que Sucupira pretendia dar ao artigo 35º da Lei de Diretrizes e Bases
de 1961, que restabeleceu a educação moral e cívica nos currículos escolares, eram bastante
nítidos: criar uma disciplina voltada para a instrução cívica no modelo das democracias
liberais, notadamente França e Estados Unidos. Ou seja, oferecer um conjunto de
referências sobre a estrutura estatal, seus processos administrativos, jurídicos,
constitucionais e sobre a dinâmica sócio-cultural capazes de contribuir na formação e
conduta cívica do jovem brasileiro. Uma acepção próxima ao que Alain Choppin
denominou por instrução ao examinar os manuais escolares e a formação do cidadão na
França3. Tal ponto de vista era compartilhado pelos parceiros de Sucupira que ocupavam,
igualmente, postos estratégicos na máquina estatal, como por exemplo, Anísio Teixeira no
Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP) e Gildásio Amado no Departamento
Nacional de Educação (DNE).
Rapidamente, esta lógica da formação cívica atingiu a produção didática. Ainda
que OSPB estivesse incluída na parte diversificada do currículo, disputando espaço com
línguas estrangeiras, artes e outras disciplinas, e não contasse com programa oficial
definido, autores e editoras lançaram-se em frenética corrida para fazer chegar as boas
novas do CFE às escolas brasileiras. Para justificar a publicação dos livros, os manuais aqui
examinados reproduziram, sem exceção, excertos do discurso cívico do conselheiro
Newton Sucupira.
Com esse gesto, autores e editores distribuíam por vários pontos da malha
social o ideal de fazer da educação instrumento de formação para a cidadania. A rigor eram
educadores e intelectuais que recuperavam um antigo objetivo que surgiu com a República:
3
Para Alain Choppin (CHOPPIN, 1998) a idéia de formar cidadãos e suas projeções nos manuais escolares
“oscila entre dois objetivos dificilmente conciliáveis: por um lado, deve modelar indivíduos de acordo com as
normas sociais? Ou dar-lhes uma informação que lhes permita exercer livremente seu espírito crítico na
urbanidade? O manual, que constitui a elaboração concreta dos objetivos de aprendizagem, flutua
necessariamente entre duas funções: veicular uma ideologia, um sistema de valores, ou então expor
conhecimentos objetivos”.
dar forma à sociedade através da escola e do livro4. A criação da disciplina OSPB ocorreu
em um momento de intensa luta política, no qual a própria idéia do que seria participação
política e civismo era objeto de disputa. Não por outro motivo, participar do Comício de 13
de março de 1964 em apoio do presidente João Goulart era considerado gesto de civismo,
tanto quanto marchar ao lado das alas conservadoras que com Deus pela pátria e pela
família queriam depor o presidente. Com a criação da disciplina OSPB, o estado entrava
decisivamente nesta disputa estimulando edição, publicação e circulação pelo universo
escolar daquilo que os agentes de seus órgãos educacionais consideravam formação cívica
do cidadão (VIEIRA, 2005).
O golpe civil-militar de 1964, bem como o golpe dentro do golpe desferido pelo
AI-5 em dezembro de 1968, atingiu a sociedade brasileira conduzindo-a a um longo
período de cerceamento das liberdades democráticas, limitações e desvirtuações dos
direitos e deveres cívicos. Divisores de água na história do Brasil, 1964 e 1968 repaginaram
a história da educação por variadas ações, dentre as quais se costuma apontar a
obrigatoriedade da educação moral e cívica a todos os níveis de ensino. O decreto-lei
869/69 é, pois, registrado como a extensão acabada da Doutrina de Segurança Nacional e
Desenvolvimento às escolas brasileiras. Para fundamentar esta interpretação sempre aprece
a longa descrição das finalidades da EMC/OSPB:
4
Sobre a inserção dos livros didáticos de instrução cívica e a da história do Brasil ver: BITTENCOURT,
Circe. Livro didático e conhecimento histórico: uma história do saber escolar, 1993.
Mas o hábito não faz o monge. De tal modo, que é necessário discutir o que de
fato a lei 869/69 tornou obrigatório, em particular nos livros didáticos de OSPB, com o
objetivo explícito de legitimar o regime político vigente. Não se tratava apenas de reforçar
o autoritarismo ou de corroborar a militarização da sociedade. Conhecer a realidade
brasileira, com ênfase na estrutura jurídico-administrativa já norteava a escolarização do
civismo desde os primórdios da república brasileira. Agora, porém, a função recaía na
legitimação dos aspectos sociais e políticos da ditadura. Conhecer a estrutura do poder
público em suas variações federal, estadual e municipal; o poder legislativo e os partidos
políticos; as obrigações do Estado na promoção do bem comum. Todos esses aspectos
cumpriam clara função de dissipar os elementos antidemocráticos. Mas numa perspectiva
que está muito longe de se limitar à presença dos militares alojados no poder. Há de se
pensar, sobretudo, nas parcelas civis que compartilharam esse poder e que bem antes de
1969 formularam idéias sobre a educação cívica.
Os manuais didáticos de OSPB induziam o aluno a pensar na organização
social e política do Brasil configurada pelo eixo nas estruturas políticas estabelecidas ao
longo do tempo e, por isso, enraizadas na tradição cívica do país. Os elementos criados a
partir de 1964 (atos institucionais, decretos-lei e sobre tudo a constituição de 1967 e
emenda constitucional de 1969) foram incorporados como parte desta tradição, e não em
termos de ruptura. A combinação desses elementos resultou em verdadeiro arremedo
democrático: eleições regulares para o parlamento, bipartidarismo, eleições indiretas para o
executivo; repressão aos opositores mais aguerridos, armados ou não; intervenção nos
municípios e estados considerados áreas de segurança nacional.
Há, portanto, certa funcionalidade legitimadora da ditadura e do discurso de
preservação dos princípios democráticos, na medida em que as representações sobre a
formação cívica dos cidadãos fabricaram a imagem do golpe civil-militar em termos de
continuidade da vida democrática, cuja linearidade fora ameaçada de ruptura pelo governo
João Goulart. Na visão dos grupos golpistas, no limiar da década de 1960 a organização
social e política do Brasil havia evoluído ao patamar das grandes civilizações, não podendo,
aos solavancos, ser transformada por idéias estranhas à tradição. Conhecer a estrutura
política do país era visto, antes de tudo, como um gesto de preservação de nossa identidade.
Esse arremedo de democracia não operaria por mais de uma década apenas pela força dos
fuzis. As parcelas civis da base social que apoiavam a ditadura necessitavam de um
discurso para justificar junto ao eleitorado e demais apoiadores a adesão ao regime. E a
justificativa não era pelos elementos autoritários, mas sim pelos “democráticos”. Daí
ressaltar o tipo de democracia vigente no país.
Isso explica as razões pelas quais os conteúdos dos livros didáticos de OSPB –
publicados no momento de criação disciplina, portanto, antes do Decreto-Lei 869/69, e
republicados durante todo o período autoritário – permaneceram inalterados em sua
essência. Nem mesmo os prefácios produzidos no calor da hora para dar as boas vindas à
disciplina OSPB foram suprimidos. Da mesma forma os traços do eufórico discurso de
Newton Sucupira apresentando a criação da Nova disciplina permaneceram, indicando sua
importância para a formação cívica do cidadão e para democracia:
Esta reflexão pode ser projetada ao papel desempenhado pelo manual didático de
Frei Betto, OSPB: introdução à política brasileira. Pelos temas, abordagem, ênfase na
participação social e pela própria biografia do autor, tornou-se símbolo de outra forma de
conceber a disciplina OSPB e a formação do cidadão. Discutir em minúcias o significado do
livro didático escrito por Frei Betto, porém, fugiria, nesse momento, do escopo temático
proposto para esta comunicação.
Referências bibliográficas
CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um tema de pesquisa.
Teoria & Educação, v.2, Porto Alegre, 1990.
MEDEIROS, Umberto. Organização social e política brasileira. São Paulo: FTD, 1963.
__________________. Organização social e política brasileira. São Paulo: FTD, 1975.
RODRIGUES, Alberto Tosi. Diretas já – o grito preso na garganta. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2003.
VIEIRA, Cleber Santos. Entre as coisas do mundo e o mundo dos livros: prefácios
cívicos e impressos escolares no Brasil republicano. Tese de Doutorado, FEUSP, 2008.
VIEIRA, Cleber Santos. História, cidadania e os livros escolares de OSPB (1962-1964). In:
Anais Anpuh, Londrina, PR.2005. (http://www.anpuh.uepg.br/xxiii-
simposio/anais/textos/CLEBER%20SANTOS%20VIEIRA.pdf)