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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

DEPARTAMENTO DE ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

PROJETO DE PESQUISA

CANZONETTE A TRE VOCI, DE CLAUDIO MONTEVERDI: TRADUÇÃO E


ADAPTAÇÃO COMO RECURSO INTERPRETATIVO PARA
APROXIMAÇÃO DO REPERTÓRIO ENTRE PÚBLICO E INTÉRPRETE.

DANIELE OLIVEIRA
Linha de pesquisa: Musicologia/Etnomusicologia
Orientadora pretendida: Prof.ª. Drª Silvana Ruffier Scarinci

CURITIBA
2020
RESUMO

O presente projeto de pesquisa propõe uma tradução e adaptação ao português da obra de


Claudio Monteverdi, Canzonette a tre voci, como recurso interpretativo para aproximação
da relação intérprete x público, através da compreensão textual e afetiva contidas nesta
obra. Com o intuito de aprofundar os conhecimentos sobre as figuras textuais e musicais
utilizadas por Monteverdi, este trabalho investiga a obra como uma ferramenta alternativa
tanto para quem executa, quanto para quem a ouve.

Palavras-chave: Claudio Monteverdi. Canzzonette a tre voci. Tradução e adaptação.


Música veneziana do século XVI.
INTRODUÇÃO

Claudio Monteverdi foi um dos principais autores do barroco da primeira metade


do século XVII. Sua obra compreende diversos estilos composicionais e foram
responsáveis pela conformação da música ocidental do final do século XVI até os dias de
hoje. As Canzonette a tre voci são exemplos de suas primeiras composições profissionais
e, apesar de serem textual, harmônica e melodicamente menos complexas se comparadas
a suas próximas obras, já continham o gérmen de sua genialidade inovativa.
Paradoxalmente, sua música, especificamente o livro de Canzonette, no Brasil é
pouco pesquisada e ainda desconhecida do público em geral, se comparada a outros
autores mais modernos, como Rossini e Bizet por exemplo. Parte deste distanciamento
pode ser, de alguma forma, creditado ao que convencionamos chamar de barreira
linguística. Nas considerações finais do Projecto Aproximações1 vimos que “Assim
sendo, facilmente se conclui que o desconhecimento da língua falada pela maioria dos
elementos de uma comunidade dificulta a integração na mesma.” (OLIVEIRA;
FANECA; FERREIRA, 2007, p.7).
Partamos do pressuposto que norteou de forma geral toda a música vocal do
período barroco: o princípio da submissão da música a palavra. No final da renascença a
quebra entre a prima e a seconda pratica veio da necessidade dos compositores do início
do barroco, inspirados pelos antigos gregos, em expurgar os sentimentos da alma humana
por intermédio de uma música onde o texto e sua carga dramática fossem exaltados
(HILL, 2005).
As antigas regras da harmonia e do contraponto e da música modal vão dando
espaço para dissonâncias e para a música tonal. O texto em italiano se torna o esqueleto
sobre o qual essa música foi escrita. Como seria possível compreender essa música e por
ela ser tocado sem a devida compreensão do texto, sua alma?
Girolamo Mei (1519-1594), um dos mais respeitados estudiosos a debruçar-se
sobre a Grécia Antiga, tradutor experimentado e profícuo do grego, referia de modo
enérgico que um dos impedimentos à expressão dos afetos de paixões contidas em texto

1
Projecto Aproximações à Língua Portuguesa: atitudes e discursos de não nativos residentes em
Portugal: projeto realizado entre 2005 e 2007 pela Universidade de Aveiro, buscando caracterizar e
integrar os aprendizes da língua portuguesa, falantes de outros idiomas e advindos de outros países
(especificamente cabo-verdianos, ucranianos e chineses), residentes em Portugal. (ANÇÃ & FERREIRA,
2007).
e música era a confusão ou desordem auditiva nascida da sobreposição das palavras que
fluíam simultaneamente, e, assim, anulavam-se enquanto sentido e comunicação textual
e afetiva para o ouvinte. Dizia Mei em sua carta de 1572 a Vicenzo Galilei,

Assim, [tal textura] não permite que o intelecto de quem ouve seja penetrado
pela virtude do conceito que pelas palavras é, quiçá, eficazmente expresso;
expresso pelas palavras visto que geralmente delas o extraem aqueles que as
cantam. Conceito que se fosse bem compreendido, por si seria apto a comover
e gerar afetos em outrem. (CHASIN, 2004, p.20).

Frise-se: Mei, com todas letras, destaca a Galilei que das palavras provinha a
fonte e alento expressivos da música.
Uma vez que as palavras são o cerne da expressão contida na música vocal,
entramos no âmbito das traduções e adaptações, onde aprofundaremos os conhecimentos
acerca das possibilidades de sistemas de traduções e suas praticidades. A tradução de
obras é um conhecido assunto polêmico, principalmente quando há adaptação para
execução musical. Contudo, ao final do século XIX, um nacionalismo emerge na Europa,
criando a necessidade de adequar as obras aos idiomas nativos dos receptores (público).
Uma vez que, no período barroco especialmente, as músicas sacras eram cantadas apenas
em latim – por ser este um idioma clérigo -, as peças seculares traziam seu texto em
linguagem poética, mas com o texto em italiano, na Itália, em alemão na Alemanha, em
inglês na Inglaterra, etc. (MEIRA, 2007).
Considerando que a música de Monteverdi foi escrita - em sua maior parte - por
sobre textos de autores consagrados, poetas e libretistas dentre os mais importantes da
Itália – como Guarini, Striggio e Tasso – e que o conhecimento da língua italiana no
Brasil é ainda escasso (mesmo sendo a colônia italiana tão expressiva por todo o território
nacional e entre cantores estudantes e profissionais), acreditamos ser a tradução de uma
de suas obras para o português e subsequente adaptação para o canto uma forma de
proporcionar ao público em geral uma porta de acesso menos estreita para a divina música
do mestre.
Sobre os caminhos a serem percorridos para a complexa tarefa que em poucas
linhas acabamos de descrever é que se trata este projeto.
OBJETIVO GERAL

Este projeto de pesquisa tem como objetivo apresentar uma tradução e adaptação
da obra de Claudio Monteverdi, Canzonette a tre voci, como recurso interpretativo para
aproximação da relação intérprete e público através da compreensão textual e afetiva
contidas nesta obra.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

1- Compreender sobre as Canzonette a tre voci e a versificação utilizada por


Monteverdi.
2- Analisar a estrutura textual da obra.
3- Identificar e classificar os elementos musicais (métrica, melodia, harmonia,
tonalidade, poética musical).
4- Traduzir as poesias do Canzonette para o português, respeitando toda a
orgânica da métrica e das rimas originais, sem a qual perde-se a cantabilidade
da poesia.
5- Adaptar a poética dessa tradução para o canto em português.
6- Realizar concerto com o material produzido.
JUSTIFICATIVA

Ainda que Monteverdi seja o compositor conhecido popularmente como “pai da


ópera”, muitas de suas obras ainda são pouco difundidas, mesmo entre os estudantes de
canto ou cantores profissionais. Poucas, também, são as pesquisas que se apoiam sobre a
tarefa – hercúlea – da tradução e adaptação ao português do repertório da tardo-
renascença, ou início do período barroco.
Tendo em vista a escassez de pesquisa e prática, a complexidade e abastança de
recursos musicais inovadores desse período, enfatizando a obra a ser estudada, as
Canzonette a tre voci, torna-se necessário investir em mais investigações acerca da
música de Monteverdi, para que ela possa ser compreendida e executada com maior
apropriação – fomentando a pesquisa e a prática desse repertório tão importante para a
música ocidental – e possa comunicar-se mais diretamente com o artista que a interpreta
e o público que a assiste.
Sendo assim, pretende-se com este trabalho traduzir a obra Canzonette a tre voci,
buscando aprofundar o conhecimento sobre o conteúdo textual e musical do barroco
italiano, em especial a escrita utilizada por Monteverdi nesta obra.
A versão poética ao português deste material monteverdiano se dá como uma
alternativa para a comunicação através da arte e, igualmente, condição a uma apropriação
da obra por parte do interprete, muito superior àquela possível quando o idioma não é o
seu. Cantar em língua materna permite ao artista aproximar-se e sentir, algo vital se de
música dos afetos se trata, como dizia Mei (CHASIN, 2004). De outro lado, o concerto é
a experimentação na vida da teoria e tradução. Assim, fazer um concerto é o coroamento
de uma proposta artística que só pode ganhar sentido na prática, no palco
(BOURDIEU,1996).
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A respeito do objetivo geral deste projeto, tradução e adaptação ao canto das


Canzonette a tre voci de Claudio Monteverdi, não foram encontrados trabalhos
específicos, visto que esta obra, em especial, deste compositor não tem a atenção devida
em território brasileiro. Trabalhos com semelhante proposta, tendo outros compositores,
obras e idiomas como o objeto central de estudo já foram realizados e publicados, e
servirão como referência.
Entre os nomes que mais contribuíram com o assunto estão: HILMER TREDE,
1968; SHERMAN, 1998; BENT, 1994; MEIRA, 2007.
Além dos pesquisadores da área da música, neste trabalho abordaremos outras
áreas, tais como filosofia, literatura e cognição, uma vez que a pesquisa tem o perfil de
interdisciplinaridade, em destaque: ARISTOTELES, 2008; BERNARDO, 2009;
BOURDIEU, 1996; EVEN-ZOHAR, 2013, ANÇÃ & FERREIRA, 2007.
O material principal a ser utilizado será a partitura fac símile e a edição de Gian
Francesco Malipiero Tutte le opere di Claudio Monteverdi (Universal Edition, 1926-
1942).
METODOLOGIA

Esta é uma investigação Histórica efetuada a partir da análise documental das


áreas de conhecimento aqui abordadas: filosofia, literatura, cognição e música. A
interpretação de dados se dará através da utilização das partituras e textos, tendo o
conceito da musicologia como norte.
Como nesta pesquisa somos agentes ativos, e não observadores passivos (GIL,
2010), e acreditando que a teoria só ganha efetividade quando posta em prática
(BOURDIEU, 1996), experimentaremos essa tradução no palco, realizando um concerto
com o material produzido.
CRONOGRAMA

ANO MESES
1o 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º 11º 12º
Revisão
Bibliográfica
Redação da Fund.
Teórica
Revisão e Redação
da Metodologia
Organização das
ferramentas para
tradução
1ª etapa de análise
textual e tradução
2ª etapa de análise
textual e tradução
ANO MESES
2o 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º 11º 12º
Exame de
Qualificação
Revisão e Fixação
da bibliografia de
apoio
Redação dos
Capítulos
Estruturantes
(principais) / Início
das
experimentações
práticas
Organização Final
e Redação do
resumo, sumário,
introdução,
conclusão e
referências /
Realização dos
ensaios
Ensaios e concerto
final / Revisão final
do texto; redação do
abstract
Defesa
REFERÊNCIAS

ANÇÃ, M. H., & FERREIRA, T. (Coord.). Língua Portuguesa e Integração. Aveiro:


LEIP/CIDTFF/UA, 2007. 1 CD-ROM. Disponível em:
https://ria.ua.pt/bitstream/10773/13609/1/atas%20do%20seminario_lingua%20portugue
sa%20e%20integracao.pdf
Acesso em 29 de setembro de 2020.

ARISTÓTELES. Poética. Tradução e notas, Ana Maria Valente. Lisboa: Fundação


Calouste Gubelkian, 2008. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4179798/mod_resource/content/1/PO%C3%89
TICA%20DE%20ARIST%C3%93TELES.pdf
Acesso em 21 de setembro de 2020.

BENT, Margaret. Editing Early Music: The Dilemma of Translation. Early Music,
vol. 22, no. 3, 1994, pp. 373–392. JSTOR, Disponível em:
www.jstor.org/stable/3128085
Accesso em 23 de setembro de 2020.

BERNARDO, Ana Maria Garcia. A Tradutologia Contemporânea: Tendências e


Perspectivas no Espaço de Língua Alemã. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2009.

BERNARDO, Ana Maria Garcia. Abordagem historiográfica da tradutologia:


paradigmas. RUA-L. Revista da Universidade de Aveiro, n.º 5 (II. série) 2016, pp. 15-
38. 2019-04-15. Disponível em:
https://doi.org/10.34624/rual.v0i5.1960 .
Acesso em 21 de setembro de 2020.

BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus, 1996.

CHASIN, Ibaney. O canto dos afetos: um dizer humanista. São Paulo: Perspectiva,
2004 – Coleção Estudos.

CHASIN, Ibaney. Música Serva d’Alma: Claudio Monteverdi: ad voce umaníssima.


São Paulo: Perspectiva; João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2009.

GIL, Antônio C. Como Elaborar Projeto de Pesquisa. São Paulo: Ed. Atlas, 5ª ed. 2010.

HILL, John Walter. Baroque Music: Music in Western Europe, 1580-1750 (The
Norton Introduction to Music History). New York: Norton, 2005.

MALIPIERO, Gian Francesco (Ed.). Tutte le opere di Claudio Monteverdi Livro


VIII. Wien: Universal Edition, 1926-1942.
OLIVEIRA, Ana Luísa; FANECA, Rosa Maria; FERREIRA, Teresa. Integrar
em Língua Portuguesa: considerações finais do Projecto Aproximações. ANÇÃ,
Maria Helena; FERREIRA, Teresa (org.), Actas do Seminário "Língua Portuguesa e
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http://hdl.handle.net/10362/5756
Acesso em 29 de setembro de 2020.

SCANDAROLLI, Denise. História e Musicologia: duas apropriações do passado.


História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography,
v. 9, n. 22, 31 jan. 2017.

SCARINCI, Silvana. Metamorfoses, alegoria e mímeses em l’Orfeo de Claudio


Monteverdi e Alessandro Striggio. In: Per Musi. Belo Horizonte: UFMG, 2017.
Disponível em:
https://periodicos.ufmg.br/index.php/permusi/article/view/5221/3244
Acesso em 20 de setembro de 2020.

SCARINCI, S. R.; RONÁI, L.. Em busca de significados perdidos: convenções da


ópera veneziana do Seiscentos. Música em Perspectiva, v. 4, p. 38-51, 2011. Disponível
em:
http://dx.doi.org/10.5380/mp.v4i1.26411
Acesso em 21 de setembro de 2020.

VASCONCELOS, Lúcia de Fátima Ramos. Transcriação : o processo de tradução da


obra Pierrot Lunaire de Arnold Schoenberg por Augusto de Campos - uma análise
a partir da ótica melopoética. – 2013. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Artes. Disponível em:
http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/324888 .
Acesso em 21 de setembro de 2020.

EVEN-ZOHAR, Itamar. Teoria dos polissistemas. Revista Translatio 4, pp. 2-21.


[Tradução de Marozo, Luis Fernando, Carlos Rizzon & Yanna Karlla Cunha.] – 2013.

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