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A meditação

John Main, OSB (1926-1982)


Em "A palavra que leva ao silêncio", ed. Pedra Angular
O objectivo essencial na meditação cristã é permitir que a presença misteriosa e calada de Deus dentro de
nós se torna cada vez mais, não só uma realidade, mas a realidade nas nossas vidas; deixar que ela se torne
aquela realidade que confere significado, forma e finalidade a tudo o que fazemos, a tudo o que somos.
A meditação é um processo de aprendizagem. É um processo de aprender a prestar atenção, a concentrar-
se, a esperar. W.H. Auden viu muito bem isto, ao dizer que as escolas eram lugares que deveriam ensinar o
espírito de oração num contexto secular. Fariam isto, insistia ele, ensinando às pessoas o modo de se
concentrarem plena e exclusivamente naquilo que diante delas se encontrava, fosse um poema, um quadro,
um problema de matemática ou uma lâmina no microscópio, e a concentrarem-se neles só por mor deles. Por
«espírito de oração» entendia ele uma atenção generosa, esquecida de si. (W.H. Auden, A Certain World. A
Commonplace Book, Viking Press, New York, 1970, p. 306).
Ao aprendermos a meditar devemos, pois, prestar atenção, antes de mais, a nós mesmos. Devemos tornar-
nos plenamente conscientes de quem somos. Se conseguirmos realmente apreender, por um momento, a
verdade de que somos criados por Deus, poderemos começar a sentir algo da nossa própria potencialidade.
Temos uma origem divina. Deus é o nosso Criador. E, na visão cristã, sabemos que Deus é não só Criador
de uma vez por todas, que nos cria e, em seguida, nos confia a nós próprios, mas é também o Pai que nos
ama. Eis a verdade acerca de nós mesmos que comemoramos, a que prestamos plena atenção na
meditação. Só porque esquecemos esta verdade fundamental é que, quase sempre, nos tratamos de modo
tão trivial, as nossas vidas escapam-nos por entre os dedos enquanto estamos ou demasiado ocupados ou
demasiado entediados para nos lembrarmos de quem somos. A razão por que podemos tornar-nos tão
banais e ter-nos a nós próprios, e às nossas vidas, por tão aborrecidos, é simplesmente esta: não prestamos
atenção suficiente à nossa origem divina, à nossa redenção divina por Jesus, que nos remiu da trivialidade e
do tédio. Nem prestamos atenção à nossa santidade como templos do Espírito Santo.
A meditação é o processo em que dispomos de tempo para nos permitirmos a nós mesmos tornar-nos
conscientes do nosso potencial infinito, no contexto do acontecimento-Cristo. Como afirma S. Paulo no
capítulo 8 da Carta aos Romanos: «E àqueles que predestinou, também os chamou; e àqueles que chamou,
também os justificou; e àqueles que justificou, também os glorificou» (Rm 8,30).
Na meditação abrimo-nos a este esplendor. Por outras palavras, isto significa que na meditação descobrimos
quem somos e porque existimos. Na meditação não fugimos de nós, achamo-nos; não nos rejeitamos,
afirmamo-nos. Santo Agostinho expressou isto de modo muito sucinto e muito belo, ao dizer: «Os seres
humanos devem, primeiro, restituir-se a si próprios para que, fazendo de si uma espécie de degrau, possam
dali elevar-se e subir a Deus» [Retractações l (viii) 3, Migne PL XXXII].
A maior parte de nós estará, porventura, familiarizada com tudo o que até aqui escrevi. Sabemos que Deus é
o nosso Criador. Sabemos que Jesus é o nosso Redentor. Sabemos igualmente que Jesus enviou o seu
Espírito para habitar em nós, e temos alguma ideia acerca do nosso destino eterno. Mas a grande deficiência
da maioria dos cristãos é que, embora conheçam estas verdades ao nível da teoria teológica, elas não vivem
realmente nos seus corações. Por outras palavras, estas verdades são pensadas, mas não se concretizam.
Conhecemo-las como proposições oferecidas pela Igreja, pelos teólogos, pelos pregadores nos púlpitos, ou
nas revistas, mas não ganharam corpo enquanto verdades fundamentadoras das nossas vidas, como a base
segura que nos inspira convicção e autoridade.
Nada há, pois, de essencialmente novo ou moderno quanto ao contexto cristão da meditação. O seu fito é
virar-nos para a nossa própria natureza com uma total concentração, experimentar a nossa própria criação
em primeira mão e, acima tudo, orientar-nos e levar-nos a experienciar o Espírito vivo de Deus, que habita
nos nossos corações. A vida deste Espírito dentro de nós é indestrutível e eterna e, neste sentido, as
verdades que constituem o contexto cristão da meditação são sempre novas e permanentemente actuais.
Na meditação não procuramos ter noções sobre Deus nem tentamos pensar acerca do seu Filho, Jesus, ou a
propósito do Espírito Santo. Pretendemos antes fazer algo de imensamente maior. Ao desviar-nos de tudo o
que é passageiro, de tudo o que é contingente, não procuramos pensar acerca de Deus, mas estar com
Deus, experimentar Deus como o fundamento do nosso ser. Uma coisa é saber que Jesus é a Revelação do
Pai, que Jesus é o nosso Caminho para o Pai; outra de todo diferente é experimentar a presença de Jesus
em nós, experimentar em nós o real poder do seu Espírito e, nesta experiência, sermos levados à presença
«do meu Pai e vosso Pai».
Muitas pessoas estão, hoje, descobrindo que devem encarar o facto de que existe uma diferença relevante
entre pensar acerca das verdades da fé cristã e experimentá-las, entre acreditar nelas por ouvir dizer e
acreditar nelas a partir da nossa própria verificação pessoal. Experienciar e verificar estas verdades não é
justamente a tarefa de especialistas na oração. As Cartas inspiradoras e jubilosas de S. Paulo não foram
escritas a membros de uma ordem religiosa enclausurada, mas aos talhantes e padeiros comuns de Roma,
Éfeso e Corinto.

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