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AVINERI, Shlome. Hegel’s theory of the modern state.

Cambridge:
Cambridge University Press, 1972. 252p.

Preface

1. Beginnings

2. Positivity and Freedom


3. The Modernization of Germany


4. The New Era


5. Modern Life and Social Reality


From Natural Law to Social Cohesion
O ensaio sobre direito natural foi uma tentativa de Hegel de apresentar uma
crítica do racionalismo de Kant e o empirismo dos britânicos. A busca era por
um fundamento válido para a legislação de forma a preservar a verdade parcial
presente em ambos os esforços.
Os empiristas erram ao acreditar que podem deduzir a essência de uma
instituição das características empíricas daquilo que leva seu nome. – 82 –
Nesse sentido, os empiristas estão presos no campo do entendimento
(Verstand), pois apenas percebem aspectos particulares e não a totalidade.
Do lado dos teóricos do direito natural, Hegel vê um problema duplo: como
impedir que o governo, alegando defender a vontade geral, imponha sua
vontade aos cidadãos; e como evitar que os cidadãos imponham um controle
desestruturado ao governo. A solução dos jusnaturalistas de estabelecer um
corpo secundário para controlar o governo é precisamente o que gera esse
problema. A resposta de Fichte (o Ephorate) não é satisfatória, pois, ou ele
dependerá da boa vontade do governo, ou se tornará um governo paralelo
tendendo à paralisia. Simplesmente tornar um corpo representativo popular um
órgão de controle, para Hegel, levaria aos excessos violentos da Revolução
Francesa (p. 445, Gesammelte Werke IV, no qual usa o termo Pöbel para se
referir a essa massa de não educados e não participantes da vida pública). –
83
A resposta, ou tentativa de resposta de Hegel, é algo próximo à antiga cidade
grega, a consciência de pertencer a uma comunidade. Uma vida ética absoluta,
não pela existência de uma ideia ética absoluta, mas pelo fato do
pertencimento não ser relativo. Ele é seu próprio fim e não um meio para o
interesse pessoal ou segurança. Isso não significa uma ressureição da pólis
grega. Porém, a privatização da vida é sim um risco, expresso por exemplo na
transformação do Estado em um mero gestor de interesses econômicos de
seus cidadãos. – 84 – O Estado não é um mero garantidor da propriedade, em
franca oposição às teorias do direito natural. Na verdade, o Estado, pela sua
natureza, viola a propriedade. Quanto mais riqueza, mas taxação. Impostos e a
guerra equalizam e garantem contra o Estado se tornar um mero protetor da
propriedade. Há uma universalidade imanente no Estado.
“the old virtus cannot be revived, mainly because life has reached a stage
where economic interests do play a crucial role and have -to be legitimized.
Social differentiation, which we have seen Hegel deplore, he nonetheless sees
as a natural necessity of this state of affairs: it could, though, be utilized to
integrate economic interests into the universality of the state.” A proposta de
Hegel para os estamentos é uma maneira de reintroduzir essa virtude clássica
na vida moderna marcada pela diferenciação social e mediação pelo sistema
de necessidades, daí a divisão entre dois estamentos (Stände): um estamento
absoluto dedicado à vida pública; e um estamento voltado para a atividade
econômica. – 85
O estamento absoluto seria capaz de abstrair completamente das condições
materiais de vida. Teria uma consciência real da vida ética. Ao mesmo tempo,
estaria pronto para morrer pela comunidade, dado seu grau de identificação
com ela. O estamento voltado à vida econômica consistiria na possibilidade de
posse em geral e no sistema de leis daí derivado. Todo aquele capaz de
possuir é, em termos gerais, um bourgeois. São uma nulidade política, mas
gozam dos frutos da paz e dos negócios. Hegel, porém, não entra em detalhes
sobre a relação entre os dois estamentos e não as liga a nenhum fundamento
teórico ou princípio filosófico geral. Isso parece em seu Sistema de Sittlichkeit e
nas aulas conhecidas como Realphilosophie I e Realphilosophie II. - 86
Labour, Alienation and the Power of the Market
Nesses três escritos, publicados postumamente, Hegel introduz aquilo que viria
a chamar de “espírito objetivo”. Os textos mostram que a preocupação
constante de Hegel com construir um sistema de filosofia sempre esteve
acompanhado por uma preocupação com problemas sociais e políticos.
Também mostram que muitos dos termos de PR já estavam presentes desde
antes, logo não podemos lê-los como uma justificação da Restauração de
1815.
No Sistema, a preocupação de Hegel está em pensar que mediações sociais
são necessárias para que haja Sittlichkeit, a vida ética, ou seja, para que o
indivíduo possa se identificar com a totalidade da vida social. – 87 – O ponto de
partida é a realização da consciência de que é distinta da natureza. Seu
movimento é tentar resolver essa separação e integrar-se à natureza. Isso é
feito através da necessidade.
Da relação que se trava com objetos na tentativa de subsumi-los à sua
subjetividade, restaurando uma identidade primitiva entre sujeito e objeto. Ou
seja, temos um ciclo de necessidade, superação e preenchimento da
necessidade e, por último, satisfação. A satisfação, porém, é apenas
momentânea, imediata e negativa (destruição do objetivo). Não é generalizável.
A separação continua. O surgimento da propriedade é uma forma de tentar
tornar essa satisfação mais duradoura. O objeto agora é preservado. A
importância não está mais na relação direta entre sujeito e objeto, mas no fato
de outros sujeitos reconhecerem aquele objeto como pertencendo
exclusivamente àquele sujeito em particular. Ou seja, Hegel “derives the trans-
subjective, non-individual nature of property: property pertains to the person as
recognized by others, it can never be an intrinsic quality of the individual prior to
his recognition by others. While possession relates to the individual, property
relates to society”. – 88
Mas mesmo na propriedade a relação do homem com o objeto é arbitrária.
Apenas o trabalho o sujeito transcende esse caráter acidental e, de certa
forma, separação entre sujeito e objeto. Através do trabalho, é possível uma
síntese entre subjetivo e objetivo. Ao mesmo tempo, é através do trabalho que
um homem reconhece o outro. O trabalho é o elo de interação universal entre
homens. Ao invés da destruição do consumo primitivo, o trabalho é (re)criação,
mas isso não significa que se abandone o plano da necessidade. Trabalha-se e
produz-se para dar contas das necessidades. – 89
Apesar do trabalho ser a forma do homem de desenvolver o mundo e a si
próprio, ou seja, de realizar-se (“actualization”), o trabalho também é o meio
através do qual temos a emasculação (“emasculation”) do homem. É também
através do trabalho que o homem se depara com a frustração de não conseguir
integrar-se. A alienação decorrente do trabalho. Isso não é algo acidental e
contornável, mas parte inafastável do trabalho humano. – 90
No mundo moderno, essa produção através do trabalho se torna
crescentemente abstrata, pois não se produz para o próprio consumo, mas sim
um bem geral a ser colocado no comércio. Com o refinamento dos gostos, nem
mesmo seria possível produzir para satisfazer a próprias necessidades e
desejos. O resultado é uma dependência universal de todo homem em relação
à universalidade de produtores. – 91 – Essa separação entre seu trabalho e
satisfação das necessidades promove a alienação, ao mesmo tempo que
permite a sociabilidade através da dependência universal, tornando o homem
“a universal being”. Quanto maior a especialização e divisão, mais o trabalho
se distancia da satisfação imediata dos produtores, ou seja, mais abstração e
alienação, e mais conforto é alcançado, pois mais bens e mais variedade deles
é produzível. – 92
O trabalho, que servia para permitir o reconhecimento do homem pelo outro e
criar um mundo objetivo para si, se torna o processo através do qual o homem
perde controle e direção. Ao invés de se integrar ao mundo objetivo através da
consciência criativa, do trabalho, a natureza abstrata do trabalha aliena o
homem de seu mundo objetivo. A ferramenta, ao se tornar máquina, deixa de
ser apenas uma forma de mediação entre homem e objeto externo. Através da
máquina, o homem se aproxima da ferramenta. – 93
(...)
“The condition of poverty, in which this mass fInds itself, is endemic to
commodity-producing society: 'This inequality of wealth is in and for itself
necessary', because wealth has the necessary, immanent tendency to
accumulate and multiply itself. The power driving men to act in the market is
inflnite and knows no bounds”. – 96 – Um resultado é a dependência da massa
de pobres – 97 – em relação aos ricos, seus empregadores. Desigualdade
econômica gera dominação e, com isso, um padrão na relação entre
desigualdade e poder.
“Man's Promethean attempt has ended in shambles: the forces. unleashed, by
his creative consciousness have become fetters, and the generality of human
beings becomes enslaved by its own needs and by the modes of satisfying
them.” - 98
The State and Social Classes
Em PR, Hegel acreditou tem encontrado uma resposta ao problema, por isso a
crítica aparece como secundária e a solução ocupa a maior parte do
argumento. Nos manuscritos de Jena, tínhamos o inverso. Uma possível
conclusão seria uma transformação radical da sociedade, mas Hegel descarta
isso como mera indignação interna. – 98 – Seria o Estado o sistema de
integração e forma de superação do individualismo atomístico. O desafio de
Hegel é alcançar a universalidade (a vontade geral) que não é a simples
agregação das vontades individuais, que não é meramente externa, uma
coerção das vontades individuais.
É isso que temos na Realphilosophie. O Estado regula e integra a atividade
econômica. – 99 – O Estado deve ser mínimo na sua interferência na atividade
econômica. Deve permanecer acima dos interesses da esfera das
necessidades. Sua interferência é apenas para garantir um padrão mínimo de
vida para todo indivíduo, caso as forças automáticas do mercado não o façam,
por exemplo através da taxação e controle de preços. A desigualdade é
imanente ao processo produtivo e não pode ser erradicada, mas a
desigualdade extrema pode ser mitigada. - 100
“The state, while incorporating the individual in a universal unity, does not
subsume his activities under its existence. Because on the one hand the
individual uses the state as an instrument for his own particular ends while on
the other the state is the individual's true being, the classical means/end
relationship between individual and state comes to be transcended” – 101
“The general will for Hegel is not the premise on which the state is founded,
historically or logically, but the emergent outcome of the lengthy process of
Bildung, which created through differentiation and opposition the political
consciousness out of the diverse elements of man's struggle for recognition.
The general will is the will of the individuals made into an object within the
institutions of the state:” – 102
A vida política é uma atividade mediada. É a identidade medida entre indivíduo
e a natureza universal de si mesmo. Não é uma identidade imediata, como a
que haveria na pólis grega, mas algo alcançado/alcançável. Algo instrumental e
imanente ao mesmo tempo. – 103 – O homem é, ao mesmo tempo, membro da
sociedade civil e cidadão do Estado. Não se trata de superar essa divisão do
homem na busca de uma unidade total. O pertencimento aos estamentos da
sociedade civil são modos diferentes de consciência. – 104 – A obediência e
confiança imediatas do campesinato. O princípio da lei e ordem das classes
médias. O princípio da universalidade da burocracia, da classe universal. A
divisão é semelhante a que vemos em PR, mas a divisão interna de casa
estamento é mais complexa ao mesmo tempo que a relação direta do
estamento com a forma de trabalho é mais forte, ou seja a conexão entre
estamento e uma antropologia do trabalho é mais marcante.
Cada estamento é uma forma de universalidade em relação aos seus
membros. A relação entre estamentos é uma relação entre universais e não
entre particularidades. O indivíduo, ao pertencer ao estamento, pertence a uma
universalidade e é uma pessoa, “a true individual”. “The main function of the
estates is to mediate the physical dependence, inherent in the relationships of
the system of needs, into an ethical relationship of mutual interdependence, in
which the brute force of physical and economic power is sublimated into political
organization:” – 105
O campesinato é a classe do trabalho imediato, trabalho concreto que se
relaciona com o objeto natural (a terra) e não com um produto. Apresenta um
nível baixo de consciência, não diferenciado. É a classe da confiança imediata.
A consciência irrefletida.
O estamento da classe comercial tem duas classes: burghers (Bürgerstand); e
homens de negócios (Kaumannstand). A primeira é composta principalmente
de artesão, cujo trabalho é a adaptação da natureza. A segunda é
caracterizada pelo comércio. Para ambos, a lei e a ordem são seu princípio –
propriedade e mobilidade social são suas marcas. – 106 – Na segunda, porém,
o grau de abstração é maior, pois aparece o dinheiro em si como o principal
bem/produto.
O estamento universal promove a mediação. – 107 – A universalidade do
homem de negócio era ainda uma universalidade abstrata, do mercado. Com o
estamento dos servidores públicos a universalidade se faz concreta. Seu
objetivo não é natureza, objetos ou abstrações, mas o conhecimento em si. O
estamento não é composto de servidores públicos no sentido usual de hoje,
pois inclui também professores, médicos, advogados, etc. É, sobretudo, o
estamento dos membros educados da comunidade. – 108
Estranhamente ausente em tudo isso é o trabalhador não autônomo, pois a
Bürgerstand comporta apenas os pequenos artesãos individuais e não aqueles
que vendem seu trabalho. O que não quer dizer que Hegel não constate sua
existência. Vimos com seu diagnóstica da divisão do trabalho centra
precisamente nessa figura. - 109
Government and Its Forms
Hegel sustenta que todo Estado foi fundado por um “grande homem” e não por
um contrato ou força bruta. – 110 – Esse líder é uma espécie de educador de
seu povo. Da multidão, ele cria um povo. Uma espécie de ditadura constituinte
que desaparece uma vez que seu trabalho é finalizado. O próprio povo derruba
a tirania por ter se tornado desnecessária. Isso leva à democracia
indiferenciada da polis clássica. A ela, falta universalidade. Se tudo está aberto
à decisão do populacho, tudo está aberto para a vontade arbitrária e nada é
regra geral acima da mera opinião. Não há separação entre público e privado.
Entre particular e universal. – 111 – Apesar da sua aparente liberdade, a polis
escraviza o indivíduo e a sua natureza democrática faz com que o indivíduo
seja absorvido pelo sistema político. A alternativa a esse modelo é a monarquia
constitucional moderna, com seu estado de direito e liberdade individual. A
solução para uma sociedade diferenciado em estamentos é ser encabeçada
por um monarca que simboliza a subjetividade. – 112
Mas a busca do homem pelo autorreconhecimento não para no monarca. Além
do espírito objetivo, Hegel afirma que o homem se expressa através da
filosofia, arte e religião. Há algo no homem que o impele para além do Estado,
além do espírito objetivo.”This absolute cannot be realized on earth; it can
express itself through the spirit of terrestial institutions, but they cannot be
coeval with it.” Na terra, a maior conquista do homem é o Estado. Nesse
mundo, o Estado é o ser supremo. Não é possível institucionalizar o absoluto
do homem. Tentar fazê-lo leva à alienação do homem em relação ao seu ser
objetivo. Assim como o homem religioso que tente elevar-se a uma substância
universal, a arte também erra “where the work of art tries to stand for an
essence which cannot be represented within the limitations of the objective
world.” – 113
“Hegel sums up, while the realms of art, religion and philosophy are beyond the
strict limit of the state, man cannot exist in them independently of his political
existence in the objective world.” - 114

6. The Owl of Minerva and the Critical Mind


No prefácio à PR, Hegel anuncia seu projeto de um tratamento científico
(wissensahaftlich) da filosofia. Isso não deve ser confundido com um
tratamento análogo ao das ciências naturais. Wissenschaft é aquilo que pode
ser conhecido através de conceitos “científicos” rigorosos, ao invés de noções
vagos e sentimentos. Ele é caracterizado pela unidade de forma e conteúdo, o
que caracteriza a razão (Vernunft) em oposição ao mero entendimento
(Verstand). – 122 -, que não ultrapassa a dicotomia entre os dois.
Uma das principais fontes de confusão é a relação que Hegel estabelece entre
atualidade histórica e razão. O que a má interpretada citação nos diz é a
importância da natureza crítica da tarefa filosófica. Não basta permanecer no
plano das aparências externas. O conhecimento científico deve entrar no
núcleo interno dos objetos a serem conhecidos “divining the inner rationale and
inherent connections holding it together”, o que pode ir contra a autoridade
positiva ou opinião pública. – 123 – O risco, porém, é reduzir essa tarefa à
negação, negando até mesmo a atualidade que se faz presente. A simples
oposição ao que é posto não é uma prova de virtude filosófica. Para Hegel, há
uma verdade imanente do/no Estado, uma atualidade da liberdade racional.
Abstrair da atualidade é construir a partir do nada – 124 -, como comprovaria
os horrores da Revolução Francesa.
Ou seja, ainda que a filosofia não esteja limitada pelas circunstâncias externas
e aparentes, pelo comodismo, “it does have actuality as its object, and this
means that if something exists, there must ultimately be a reason for its
existence, and this reason, hidden and elusive as it may be, must be brought
out into the open. (…) its rationality [of the world] is historical, developing,
reason unfolding itself in actuality over time.” – 125
Ademais, a famosa citação emprega o termo wirklich para se referir ao que é
atual, ao que é real. A raiz é wirken, que significa “agir”, ou seja, a
atualidade/realidade (Wirklichkeit) não é algo natural, dado, passivo, mas o
resultado de um ato, de uma ação. Além disso, a citação não começa com “o
atual é racional”, como Engels erroneamente cita, mas com “o racional é atual”.
Ou seja, postula primeiro a atualidade do racional e não a racionalidade do
atual. Em outras palavras, “what is rational has within itself the power to
actualize itself, to turn from potentia into actus. Reason is not an abstraction”. –
126 – Só após isso é que temos o “o atual é racional” como seu corolário, ou
seja, só após a atualização do racional.
A confusão que gerou sua citação o levou a introduzir uma longa nota de
rodapé na edição de 1830 da Enciclopédia enfatizando que
atualidade/realidade (Wirklichkeit) não é o mesmo que existência (Dasein).
Dasein inclui tudo que existe, enquanto Wirklichkeit é apenas a sua parte onde
essência e existência coincidem – ou seja, é racional. Ainda que a citação
original continue de difícil compreensão e explicação introduza novos
problemas, a intenção de Hegel de não pura e simplesmente legitimar o estado
das coisas é evidente. – 127
(...)
“’The owl of Minerva spreads its wings only with the falling of the dusk': in this
seemingly quietistic sentence, full of resignation and apparent conservatism,
there lies hidden a critical message about the role of philosophy. True, to
borrow and invert a phrase from Marx, philosophy cannot change the world,
only interpret it; but by its very act of interpretation it changes it, it tells the world
that its time is up.” - 130
7. The Political Economy of Modern Society
The Premises
O espírito objetivo é o espaço no qual a consciência humana alcança a si
própria, onde se torna o que é. Onde temos a unidade da vontade no seu
conceito com a vontade do indivíduo. Mas isso não é algo dado. A liberdade
não é um produto natural do estado de natureza. A liberdade “evolves precisely
out of his effort to dissociate himself from his state of primeval savagery”. É
através da educação (Bildung) que o homem se torna livre. – 132 – Esse
processo de mediação é o principal objeto de PR, seguindo esses estágios:
vontade é imediata (direito abstrato ou formal); vontade refletida (moralidade
subjetiva); unidade da vontade imediata com a vontade refletida (vida ética).
Esse último divide-se em 3 outros momentos: família (vida ética na sua fase
imediata, natural), sociedade civil (vida ética na sua divisão e aparência); e
Estado (liberdade universal e objetiva na autosubsistência livre da vontade
particular). – 133 – Outra forma de ler esses três momentos é entre: altruísmo
particular; egoísmo universal; e altruísmo universal.
Na família, a preocupação é com os interesses “deles” e não, apenas, meus.
Na família, estou disposto a sacrifícios, como trabalhar para que as crianças
possam ser educadas. Sacrifícios em benefícios de pessoas com as quais
temos laços familiares. As atividades da família se limitam a uma esfera fixa de
seres humanos, por isso o altruísmo é particular.
Na sociedade civil, trato a todos como meios para os meus fins. É o espaço da
vida econômica. Minhas metas são mediadas pelas necessidades dos demais
e mais pessoas dependem de uma necessidade que eu posso suprir e suprir
melhor, conforme minha própria situação melhore.
No Estado, não temos a garantia de interesses privados, como no liberalismo
tradicional, mas um altruísmo universal, pois é uma forma de se relacionar com
o universo de seres humanos não por interesse privado, mas por solidariedade
– “out of the will to live with other humans beings in a community". É análogo à
família, mas seu escopo é diferente, pois o nexo entre as pessoas se baseia na
consciência livre e não em uma determinação biológica. – 134 – Para Hegel, é
evidente que não se trata de uma ligação baseada no interesse privado, pois é
muito melhor não pagar imposto e não lugar na guerra. Isso é feito em
benefício dos demais.
Para entender esses conceitos, precisamos entender as ideias de direito
abstrato e moralidade subjetiva. O direito abstrato é encarnado na propriedade.
Ela não é mero instrumento, mas requisito básico na luta pelo reconhecimento
do homem e para sua realização no mundo objetivo. – 135 – Pela propriedade,
o homem é reconhecido pelos demais e pelo reconhecimento da sua
propriedade pelos demais ele é uma pessoa, ao invés de mero indivíduo.
“Property is thus an objectification of the self which raises it from the realm of
pure subjectivity into the s here of external existence”. A propriedade encarna a
personalidade. Por isso, a propriedade privada não é mero acidente, mas
condição para que a pessoa seja uma pessoa. Uma consequência disso é que
a pobreza, ao invés de mera privação de bens materiais, se torna uma privação
da personalidade. – 136 – Ou seja, a distribuição da propriedade pode ser
desigual, mas a todos deve ser garantida alguma propriedade.
Moralidade subjetiva (Moralität) diz respeito às relações entre indivíduos
enquanto indivíduos, enquanto a vida ética da comunidade trata das pessoas
relacionando-se entre si como membros de uma comunidade. Os problemas
políticos não são reduzíveis a problemas de moralidade individual. – 137 – O
Estado é um aspecto da nossa própria autodeterminação. – 138 – Ele não
pode ser visto como algo externo, condenando o homem à servidão. “Human
emancipation, according to Hegel, depends upon the ability to raise the brutal
relations of natural dependence and domination into conscious relations of
mutual inter-dependence.” - 139
The Family
A família não é um contrato, pois não é dissolúvel por um ato de vontade. O
contrato é o modo de operar da sociedade civil e tratar a família dessa forma
seria submetê-la à lógica da sociedade civil, degradando o casamento a um
contrato de uso recíproco, como faz Kant. O casamento e a família, pelo
contrário, são parte do processo de alcançar a própria consciência no outro.
Ainda que o começo do casamento seja um contrato, é um contrato para
transcender o ponto de vista contratual, ou seja, ir além da consideração das
individualidades como unidades autossubsistentes. Ao invés de direitos, a
família e o casamento se preocupam com deveres. – 139 – O casamento não é
uma autorrestrição, mas uma forma de liberação, pois é um passo na direção
da autoconsciência subjetiva, o que não exclui a contradição interna a ele
inerente.
O amor é o lado subjetivo do casamento, mas não pode ser só isso. Há uma
necessidade institucionalização do casamento, em razão de um de seus lados
objetivos, a constituição do capital familiar (Vermögen). – 140 – A propriedade
familiar não deriva do indivíduo, mas da unidade familiar. Já a família, em si, é
objetificada nos filhos. Os filhos são a existência externa, objetiva, da família,
do casamento e do próprio amor.
Mas cada família é como um indivíduo uma em relação às outras. Cada uma é
uma espécie de pessoa concreta autossuficiente. O próximo passo é a
sociedade civil. - 141
Civil Society: Universal Interdependence
Hegel diferencia o princípio da sociedade civil, como esfera o egoísmo
universal, o que existe em toda sociedade, de seu desenvolvimento
institucional completa enquanto esfera social diferenciada, o que apenas ocorre
na sociedade moderna, na qual ao interesse privada é legitimado e se
emancipa de considerações religiosas ou ético-políticas. Ele usa o termo
“estado externo” ou “estado baseado na necessidade” para designar a
sociedade civil, diferenciando-a do Estado propriamente dito, enquanto, para a
maioria do pensamento político, o que Hegel define como sociedade civil é
parte do Estado. – 142 – Ou seja, para Hegel, o Estado dos contratualista é
apenas a sociedade civil, pois se limita às necessidades e a um tipo inferior de
conhecimento, pois preso ao plano das necessidades externas, o entendimento
(Verstand), ao invés de alcançar o conhecimento ao nível da razão (Vernunft).
A base da sociedade civil é um sistema de necessidades, mas essas não são
necessidades puramente naturais, mas mediadas pelo trabalho do homem. –
143 – As necessidades do homem não são necessidades físicas. “Labour is
thus the medilltor between man and nature and therefore in labour there always
exists an intrinsic moment of liberation, since labour enables man to transcend
the physical limits set upon him by nature.” O trabalho e as necessidades que
atende e produz são ilimitadas. – 144 – “In a passage strongly reminiscent of
Tocqueville, Hegel maintains that the tendency toward equality which is typical
of modern society pushes civil society ever more into the direction of expanding
production since equality means pressure for more consumption”. – 145 – Um
resultado necessário dessas necessidades criadas ilimitadas é a pobreza. A
pobreza é algo inerente à sociedade civil e não um acidente.
Como pano de fundo, temos um intenso processo de interdependência. Para
atingir fins egoístas, é criada um sistema de completa interdependência em
razão do qual a subsistência, felicidade e estatuto legal de uma pessoa estão
ligados à subsistência, felicidade e estatuto legal de todos. Isso apenas se
intensifica com a divisão do trabalho, que leva à maximização da produção,
mais lucros e mecanização. Tudo isso é consequência da sociedade civil. - 146
Poverty and the Limits of Civil Society
Em Realphilosophie e em PR, Hegel sugere a intervenção estatal como forma
de lidar com a pobreza. – 147 – Hegel, de certa forma, seque a ideia da “mão
invisível” de Smith, mas sem seu otimismo. Para Hegel, a pobreza é endêmica
ao sistema de necessidades e toda política para resolvê-la é, em última
análise, inútil. Pobreza e riqueza crescem juntas e, com elas, a polarização.
Hegel sugere que isso é decorrência do surgimento e expansão do luxo. – 148
Importante aqui notar que Hegel, ao discutir o sistema de necessidades, afirma
não haver um padrão mínimo de vida determinável a priori. As necessidades
são produtos históricos e esse padrão deve ser aferido em relação às
condições contemporâneas ao debate. “The main problem of the poor is that
while they cannot attain that which is considered as the minimum in their
particular society, they nevertheless have the felt need to achieve this level.” A
pobreza é um conceito dialético: a tensão entre as necessidades que a
sociedade civil cria e a impossibilidade de satisfazê-las. – 149
(...)
“Hegel's dilemma is acute: if he leaves the state out of economic activity, an
entire group of civil society members is going to be left outside it; but if he
brings in the state in a way that would solve the problem, his distinction
between civil society and the state would disappear, and the whole system of
mediation and dialectical progress towards integration through differentiation
would collapse.” – 151 – Em qualquer caso, Hegel é categórico em afirmar que
o Estado não deve simplesmente tomar a atividade econômica para si, caso
contrário, destruiria a sociedade civil.
Como paliativos, Hegel fala em instituições voluntárias, redistribuição de renda
através de impostos e trabalhos públicos. Mas nada resolve o problema de
fundo: superprodução e consumo aquém. Ademais, algumas soluções não
tratam um outro problema, a relação entre trabalho e o membro da sociedade
que deve se ver como autossuficiente, pois a mera caridade o impede de ter
essa visão sobre si. – 152

8. Social Classes, Representation and Pluralism


Bureaucracy – The Universal Class
De certa forma, a proposta de Hegel lembra o antigo sistema de estamentos,
no qual esses determinavam seu estatuto na sociedade e, de certa forma, a
natureza da sua personalidade. – 155 – Mas há uma diferença importante. Em
Hegel, essa alocação não é hereditária. Temos uma sociedade aberta e móvel
baseada no talento e não no privilégio hereditário. Ainda assim, o
pertencimento a um estamento (agricultura, negócio ou burocracia) reflete
modos de consciência distintos: conservadorismo, individualismo e
universalidade.
Uma mudança no estamento agrícola é que, agora, em PR, Hegel inclui a
aristocracia possuidora de terras e não só o campesinato, como nos escritos
anteriores. – 156 – Esse estamento, mais precisamente os aristocratas,
também seria mais adequado ao serviço público, por estarem livres das
influências das flutuações do mercado.
O estamento dos negócios trata de três formas de trabalho: artesania;
produção em massa; e comércio. Ainda que a aristocracia esteja acima deste
estamento em termos de acesso a cargos públicos, - 157 – o estamento dos
negócios representa uma forma de consciência mais elevada. Enquanto
aristocratas e camponeses estariam ainda no plano das relações naturais, o
estamento negocial seria marcado pelo senso de liberdade.
Por último, temos o estamento dos servidores civis que promoveria o elo de
ligação entre o particularismo da sociedade civil e a universalidade do Estado.
– 158 – Sua seleção seria apenas por mérito – no tempo de Hegel, uma parte
considerável dos cargos na administração era hereditários ou comprados. –
159 – Além disso, os cargos devem ser dotados de estabilidade e
independência em relação ao poder político. Hegel reconhece o risco desses
servidores acharem-se “donos do estado”, mas afirma que a multiplicidade de
corporações e outras organizações voluntários promoveriam o contrapeso
necessário. O importante é algo que possa balancear o grande poder da
sociedade civil.
Nos escritos de Jena, essa classe universal ainda era focada principalmente na
defesa do Estado. Com o tempo, a ênfase fase da defesa para a
administração, conforme sua preocupação com o poder da sociedade civil
cresce. – 160 – Ou seja, a teoria da burocracia de Hegel é, também, uma
crítica aos poderes absolutos da sociedade civil. - 161
Representation and Corporations
Representação é uma necessidade, pois é necessária uma mediação entre os
interesses da sociedade civil e o universalismo do Estado. A ausência de
mediação (presença apenas do povo e do governante) levaria ao despotismo.
Como o conjunto dos estamentos é a agregação e articulação dos interesses
da sociedade civil, a composição da representação deve refletir essas divisões.
Por exemplo, Hegel propõe um regime bicameral com a Câmara Alta composta
pela nobreza e uma Câmara Baixa de representantes eleitos. – 161 – No
escrito de Wüttemberg, Hegel, porém, se posiciona contra um sufrágio direto e
universal, o que levaria à atomização e alienação política. A votação deveria
seguir a filiação em corporações como forma de reduzir a distância entre
sociedade civil e o Estado. A representação tem uma função integrativa no
corpo social e não só de produção de decisões políticas do ponto de vista
formal. – 162 – De certa forma, o regime de partidos atual cumpriria a função
que Hegel designa para as corporações.
A assembleia dos estamentos seria um órgão de controle, mas também de
expressão do aspecto subjetivo da liberdade, da opinião pública. Do ponto de
vista mais institucional, a assembleia trataria da paz e guerra e, de forma geral,
propõe um sistema mais próximo do modelo inglês, com ministros fazendo
parte do Parlamento. Além disso, a deliberação na Assembleia chegaria à
verdade, que não seria um dado a priori. – 163 – Para isso, é necessário que
os debates sejam abertos ao público, como forma de educar o público e
controlar os ministros. – 164
As corporações servem, em paralelo, como uma barreira contra a atomização e
um caminho de mediação entre sociedade civil e Estado. Diferente das antigas
guildas e corporações, essas corporações são associações voluntárias que
canalizam os fins egoístas dos membros da sociedade civil em direção a uma
estrutura universal. Os elos de solidariedade entre membros da corporação,
ainda que “contra” outras corporações, sedimenta as bases de uma relação de
mutualidade que será importante para a relação com o Estado. Não é possível
o estabelecimento de uma solidariedade sem mediação. “antagonistic
bourgeois cannot become co-operative citoyens without a lengthy process of
mediation and Bildung, and the corporation is one of the prime vehicles for this
political education of modern man. Without it 'fraternity' would disappear under
'liberty' and 'equality'.” – 165 – As corporações defendem os interesses de seus
membros, servindo como barreira contra a interferência indevida do Estado na
sociedade civil e como proteção e assistência social para seus membros. – 166
“The integrated state Hegel has in mind is a pluralistic structure in which
corporations, assemblies of estates and other bodies jointly regulate each other,
so that out of the warring interests of civil society, integration, leading to the
state, may emerge.” - 167
In Defence of Pluralism
“Thus while he undoubtedly gives the bureaucracy a dominant position in his
state, Hegel is much concerned to limit and balance its power. Moreover, what
he understands by an 'organic' structure of a state is not the unitary image
usually associated with organistic theories of political organization, but precisely
its opposite – a differentiated social structure in which relatively autonomous
bodies counterbalance the center.” – 168
(…)
“This leads Hegel to his ambivalent conclusion that 'public opinion therefore
deserves to be as much respected as despised - despised for its concrete
expression and for the concrete consciousness it expresses, respected for its
essential basis, a basis which only glimmers more or less dimly in that concrete
expression'. Though this may leave one quite perplexed, it is meant to bring out
Hegel's feeling that public opinion cannot be summed up under the harmonistic
and simple-minded rubric of vox populi, vox dei. (…) Yet Hegel does indicate
that there is a way out of the cacophonous confusion of public opinion. For him
it is the test of political leadership to be able to discern between the false and
the true in public opinion. Political leadership has, to Hegel, an ambivalent
relation to public opinion: on the one hand, it has to express it, on the other, it
should lead it; on the one hand, a political leader should bow to the wishes of
the led, while on the other, he should be discriminating enough to disregard
immediate public opinion, and be strong enough to claim that the latest editorial
in a daily paper may not be the ultimate expression of the consummate wisdom
of the community. Hegel offers no criteria to the political leader”. - 174

9. The State – the Consciousness of Freedom


The Hieroglyph of Reason
A frase que mais contribui para as acusações de autoritarismo está na Adição
ao 258: Es ist der Gang Gottes in der Welt, dass der Statt ist. A redação é
curiosa, o que pode ser resultado de ser uma adição posterior de Gans a partir
de notas de aula. – 176 – A tradução de Kauffmann tenta corrigir o problema:
“It is the way of God in the world, that there should be [literally: is] the state”. Ou
seja, o Estado não seria a marcha de Deus na Terra, mas a existência do
Estado seria parte da estratégia divina e não só uma construção artificial
humana. Apesar disso, a tradução usual continua servido como “prova” do
autoritarismo de Hegel.
Além disso, Hegel não está tratado de nenhum Estado existente, mas da ideia
de Estado. Hegel não era, como mostram as informações biográficas, um
entusiasta da Prússia de sua época. A própria §258A fala expressamente que
nenhum Estado existente é uma obra ideal e que todo Estado, sob algum
princípio ao menos, é ruim. É nesse sentido que §279A afirma que o Estado é
um “hieróglifo da razão”, pois é necessário descartar o acidental e arbitrário
que esconde o racional e essencial. – 177
“The rationality which permeates the world of man becomes apparent for the
first time in the state, Hegel argues. In the family, it is still hidden behind feeling
and sentiment; in civil society it appears as an instrumentality of individual self-
interest. Only in the sphere of the state does reason become conscious of itself;
in other words, only in the state are the actions of man one with his intentions -
man knows what he wants and acts according to it” (§257)
O Estado é a unidade entre a consciência subjetiva e a ordem objetiva. A lei é
vista, sentida, como uma expressão da vontade individual (§147). Elas não são
uma imposição externa. A identidade consciente entre sujeito e Estado é uma
condição para a constituição do Estado enquanto tal. Sem essa identidade –
178 -, o Estado corre o risco de ruir.
“Patriotism, Hegel remarks, is not only a readiness for exceptional sacrifices in
times of emergency; it is rather my knowledge that I am fulfilled through my
living in communion with other human beings, in 'the consciousness that my
interests, both substantive and particular, are contained and preserved in
another's (i.e. in the state's) interests and ends, i.e. in the other's relations to me
as an individual'. The secret of patriotism, according to Hegel, lies in the
citizens' realization 'that they know the state as their substance, because it is
the state that maintains their particular spheres of interest together with the title,
authority and welfare of these'.
A obrigação do que é substantivo é, ao mesmo tempo, a encarnação da minha
liberdade particular (§261). Identidade entre vontade universal e vontade
particular. Junção do direito com o dever (§155). O Estado, assim, se baseia
na liberdade racional, de forma que cada um realize sua liberdade junto, em
paralelo aos demais, enquanto na sociedade civil o indivíduo apenas alcança
seus fins ignorando os fins dos demais. A liberdade individualiística da
sociedade civil é substituída por uma liberdade dependente da liberdade dos
demais.
Mas o Estado não é algo dado, mas historicamente produzido. Por isso o
elemento da subjetividade apenas entra no Estado na era moderna e, com ela,
a liberdade. Na Antiguidade, a vida ética não havia desenvolvido um sistema
livre de ordem objetiva autossubsistente (§150, 261A). No Estado moderno, o
universal está junto à completa liberdade de seus membros particulares e com
o bem-estar privado. O universal avança ao mesmo tempo que a subjetividade
se desenvolve (§260, A)
Isso implica numa politização da vida. A autonomia da vontade se expressa
através das instituições políticas e a relação política se torna a relação
dominante na sociedade. Isso não apaga as esferas não políticas (família,
sociedade civil, etc.). – 180 – Mas há sim um primado da política, o que levou
às acusações de autoritarismo contra Hegel. A interpretação é equivocada,
mas tampouco Hegel é um liberal clássico. Ele não compartilha a desconfiança
desses em relação ao Estado e suas instituições. Hegel destaca o papel
positivo do Estado como encarnação da autoconsciência do homem.
Ao mesmo tempo, isso mostra a crítica de Hegel em relação ao Estado, pois
essa função do Estado como encarnação da relação mais elevada do homem
não é absoluta, mas condicional. Apenas é possível quando o Estado
efetivamente reflete a autoconsciência dos indivíduos. Isso depende de como
as instituições do Estado são organizadas (§258). Ao mesmo tempo, não basta
a conformidade externa à lei. É necessário o momento da consciência (§150A).
As instituições não são percebidas como órgãos externos coercitivos, mas
como extensões da autoconsciência do homem (§260). – 181
Nesse sentido é que devemos entender a distinção que Hegel faz entre
Wirklichkeit e Dasein. Onde não há unidade entre particular e universal, o
Estado pertence apenas ao plano do Dasein e não goza de racionalidade. O
Estado pode possuir existência, mas não atualidade, realidade (na tradução
usual). – 182
(...)
“the dialectical way in which Hegel conceived the place of the individual will in
the state. For him, it is the basis'of the state, yet it has to be aufgehoben -
transcended and preserved - on the level at which individuals will each others'
goals, i.e. the common weal, and not only their own, particular good.” - 184
The Constitution and the Monarchy
Para Hegel, a monarquia constitucional seria a conquista do mundo moderno
no plano político, seu desenvolvimento. Mas isso não significa que o sistema
poderia ser aplicado, imposto, a priori em uma dada sociedade, como o
exemplo de Napoleão com os espanhóis na frase de Hegel de que o primeiro
ter-lhes-ia dado uma constituição mais racional do que sua educação lhes
permitia. A constituição precisa sempre expressar os sentimentos e direitos da
posição histórica daquela sociedade, caso contrário não terá valor ou sentido.
Ou seja, uma mudança política pressupõe uma transformação social, ou ao
menos sua possibilidade. Isso mostra a visão de Hegel sobre a natureza da
mudança histórica, mas também sua rejeição da mudança violenta, pois lhe
faltaria o aspecto dialético (§298A). – 185
Apesar de saudar a separação dos poderes como garantia da liberdade pública
(§272), Hegel opõe-se a uma separação em funções exclusivas por instituições
políticas. Para ele, cada poder incluiria o outro dentro de si. Uma
interdependência orgânica que permitiria a limitação mútua (§272). Hegel
estabelece os seguintes poderes: o poder de determinar e estabelecer o
universal, que cabe ao Legislativo; o poder de subsunção de casos particulares
ao universal, que cabe ao Executivo; e o poder da subjetividade, de decisão
última, que cabe à Coroa, cujos diferentes poderes estão unidos através da
figura do monarca (§273). – 186 – Não há princípio da legitimação divina.
A própria Coroa contém em si três momentos: universalidade, da constituição e
das leis; particularidade, na sua relação com o universal, através do conselho;
e autodeterminação, o momento da decisão final (§275). Ou seja, o monarca
não detém propriamente o poder, mas sim a Coroa como símbolo da
autodeterminação. “Hegel, it seems, thought that the only effective way of
combating the old absolutist idea of the monarchy and the legitimist theories of
the Restoration would be to keep the form of the monarchy as a symbol for the
modern political idea of subjectivity and self-determination. Undoubtedly this is
in tune with Hegel's own views, quoted earlier, about political change which, he
maintains, occurs 'unnoticed'.” – 187
“The king can thus be both essential - without him the 'i's go undotted - but also
ultimately trivial. Hence the system of primogeniture is as good as any other in
securing royal succession. If some rational faculties were to be required of the
monarch, primogeniture would be a haphazard system; but anyone can say 'I
will', provided there is agreement about who this individual should be and the
hereditary principle guarantees continuity and acceptance.” (§279A)
O rei é um símbolo da unidade do Estado. Ele não responde por suas ações,
mas seus ministros sim (§284), que são escolhidos com base nas suas
habilidades. O rei não é escolhido por suas qualidades, até por isso está acima
das forças conflitantes da sociedade. Esse não era o modelo em nenhum país
europeu, muito menos na Prússia de Hegel. – 188
Para Hegel, essa proposta resolvia a dicotomia tradicional entre democracia e
monarquismo clássicos e entre soberania popular e real, pois soberano é o
Estado e não alguma de suas instituições (§278-9). É precisamente na PR que
o papel da monarquia é menor em todos os escritos políticos de Hegel. - 189
The rule of law
Os princípios gerais do Estado de Direito (“rule of law”) estão nos §§221-228,
vide as cortes de justiça como depositárias dos direitos individuais. – 190 – As
leis devem ser públicas e publicadas (§215), assim como os julgamentos
(§224, A). Ambas as publicidades são corolários da universalidade da lei. Hegel
afirma isso na época em que os procedimentos legais estavam voltando a não
serem mais públicos. De forma geral, a lei não deve interferir em matérias de
crença ou preferência subjetivas, com a privacidade e moral individual, mas
Hegel reconhece que há situações excepcionais nas quais isso pode ser
necessário, como em tempos de guerra (§234A, 213, A) – 191 - Quanto ao
julgamento pelo júri, Hegel traz argumentos práticos (§227A) e especulativos:
“the verdict of one's peers is the criminal's own verdict upon himself, mediated
through the self-consciousness of people who represent the same level of
consciousness as the accused himself.” (§228) O júri também evitava o
monopólio da compreensão da lei nas mãos dos advogados (§215A). – 192
“This progressive minimalization of the necessity to use penal measures
ultimately reflects what is the basis of Hegel's theory of the state - that the
modern state, based on self-consciousness and the citizens' readiness to
cooperate with each other, calls for increasingly less and less coercion.
Coercion is the mark of undeveloped, undifferentiated structures. Where self-
consciousness comes into its own, coercion becomes superfluous.” – 193
10. War

11. The English Reform Bill – the Social Problem Again


12. History – the Progress towards the Consciousness of Freedom


É na história que o espírito se externaliza e torna-se objetivo, fazendo com que
a consciência do homem alcança a consciência de si. O espírito é o próprio
conteúdo da história. Não há determinismo. A única necessidade é o progresso
da liberdade rumo à autorrealização da consciência humana. A história não é a
consagração dos poderosos. – 221 – Essa discussão é o centro da PH. O
problema é que o texto foi editado a partir de notas de aula e publicado
postumamente por seus alunos. Hegel lecionou o tema diversas vezes e é
difícil identificar as variações e constâncias. [nota 4: A tradução de Sibree é
notoriamente ruim]. Em linhas gerais, temos quatro estágios da historia e, em
cada um, temos uma nação dominante, mas essa dominação não é uma
dominação do ponto de vista político. “Hegel does maintain that a Volk has to
found a state, since the very existence of a body politic is an expression of its
actuality and its ability to function in the objective world. But this does not imply
the emergence of a unitary state, let alone a nation-state, nor is the dominance
of any given Volksgeist reducible to its political power.” Um exemplo é a
dominação dos gregos – 222 -, que não constituíram uma unidade política. -
223
The Stages of History
Em uma posição pouco comum para seus contemporâneos, Hegel incorpora a
Ásia na narrativa histórica e identifica a China e Índia como o começo da
História. O princípio do Mundo Oriental é estático e caracterizado pelo poder
absoluto do monarca, dotado de poderes divinos. – 223 – A consciência
aparece apenas na pessoa individual que governa a estrutura política, por isso
não é capaz de mudança. O indivíduo está imerso na substancialidade.
Sagrado e profano não estão separados. O déspota é a encarnação de alguma
divindade. Do princípio oriental principal Hegel deriva princípios secundários: o
princípio chinês, no qual existência objetiva e existência subjetiva não se
diferenciam (a China não possui história, pois é a mesma há milênios, e seu
princípio ético é a família, o que se repete na estrutura patriarcal do Estado),
em outras palavras não há diferença entre moralidade individual e Sittlichkeit
político; - 224 – o princípio indiano, no qual a diferenciação se dá por um
sistema arbitrário e naturalístico, sem nenhuma dimensão espiritual, sem
espaço para a consciência; e o princípio persa, no qual temos a razão e uma
tolerância básica, mas a liberdade ainda está apenas na ação abstrata do
monarca e não a ação consciente das pessoas.
Em seguida, temos o Mundo Grego com sua pluralidade de cidades-estados. A
liberdade subjetiva aparece, mas ainda presa à unidade substancial da polis,
que é algo dado e não algo conscientemente desejado (“willed”). – 225 -Ou
seja, a ação ética é algo natural e não uma escolha moral consciente. Há
liberdade subjetiva, mas não subjetividade individual. A vida democrática grega
é, portanto, uma vida tradicional. Uma estrutura política sem mediação. Essa
falta de liberdade subjetiva levava à busca por uma dimensão objetiva
expressa, por exemplo, na figura do oráculo. A vontade era algo arbitrário, logo
o indivíduo não poderia dizer “eu quero”, mas tinha de recorrer a um
simbolismo mágico. – 226
Na sequência, temos o Mundo Romano, marcado pela abstração da soberania
e do poder. O Estado é o fim último, ao invés de ser a totalidade da vida social,
como nos gregos. O indivíduo é um instrumento nas mãos do Estado e a
cidade vira o império universal. Essa transformação é fruto do desejo ilimitado
por poder. Indivíduos, enquanto tais, desaparecem.
O Cristianismo foi uma espécie de resposta a essa falta de mediação entre
sujeito e poder político ao introduzir o elemento da consciência subjetiva em
estágios sucessivos até chegar à Reforma Luterana – 227 – e na Revolução
Francesa. Fazendo um paralelo, no Mundo Oriental apenas um homem era
livre, na cidade-estado grega alguns homens eram livres e, com o Cristianismo,
todos os homens podem ser livres.
Esse avanço do Cristianismo teve nos povos germânicos seu agente histórico.
Com isso, temos o Mundo Germânico (die germanische Welt), que é a
Cristandade Ocidental criada pelos descendentes dos povos germânicos após
a queda do Império Romano Ocidental. Os povos germânicos incluem os povos
nórdicos, a Península Ibérica, a Inglaterra, assim como os povos teutônicos e
outros, em suma, a Europa ocidental de forma geral. A tradução de Sibree
para Mundo Alemão (“German World”) disseminou a confusão. [nota 26: Hegel
chega a diferenciar em detalhes deutsch de germanisch em um fragmento
publicado em Berliner Schriften] - 228 – Ademais, devemos notar que Hegel
menospreza a cultural tradicional das antigas tribos germânicas. Enquanto os
românticos alemães de seu período idolatravam o Ur-Volk germânico, Hegel
afirmava sua irrelevância. - 229
The Cunning of Reason and the World Historical Individual
O grande homem tem a tarefa histórica, o que não se confunde com ação
consciente, de educar o povo para a obediência e instilar o hábito de obedecer
à vontade geral ao invés da vontade particular. Isso é feito através de uma
ditadura constituinte, mas, cumprida a tarefa, sua figura se torna redundante e
desparece, junto com o regime, dando lugar a um regime de direito (“rule of
law”, Herrschaft des Gesetze1). O consentimento foi instaurado não através do
consentimento, desviando o problema do contratualismo liberal. Em qualquer
caso o grande homem é sempre apenas um grande homem do seu tempo. Ele
consegue colocar em palavras e ações a vontade de seu tempo. – 231 – Sua
intenção pessoal não importa, mas sim seus feitos e resultados. Seu destino
final não é relevante e, geralmente, terminam fracassados.

1
A tradução mais literal mesmo “rule of law”, mas o termo alemão contemporâneo seria
Rechtsstaat, daí a opção por uma tradução alternativa, marcando a distinção entre os termos.
“reason works in history through the instrumentality of subjective elements. This
is the cunning of reason, List der Vernunft. On the one hand, the world historical
individual has a central place in historical development as an agent of change,
innovation and upheaval; on the other, he is a mere instrument in the hands of
superior forces and his own views or ideas are of little importance.” – 232
Essa solução não deixa de soar estranha. Essa irrelevância da motivação,
intenção individual e consciência não parece de todo harmoniosa com o
restante da teoria de Hegel. Ele chega a falar expressamente que esses
homens não têm consciência da Ideia (Reason in History, p. 40), mas também
fala que são aqueles que alcançam (“grasp”) um universal superior (idem, p.
39-40) e que, instintivamente, agem conforme a necessidade do seu tempo
(idem, p. 39) – 233 – Em suma, o problema da relação entre o indivíduo
histórico e sua dimensão histórica não é resolvido. Enquanto a História é um
progresso no desenvolvimento da autoconsciência, o sujeito histórico parece
não ser, ele próprio, autoconsciente.
A consciência do processo histórica apenas é torna consciente através da ação
do filósofo que, porém, não participa na transformação do mundo. “An intriguing
paradox is thus presented by Hegel: those who make history do not understand
it, and those who understand it do not (and should not) make it. At the end of
Hegel's long road, consciousness and action, subject and object, doer and
knower, are still separate and the tension between them has not been
aufgehoben.” - 234
Glimpses of the Future? [vazio]
(…)

Epilogue [vazio]
(…)

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