A GRAÇA DE DEUS E A VIDA CRISTÃ

POR ISAAC MAUNGUDI

INTRODUÇÃO

A graça é uma das principais doutrinas do cristianismo. E de modo

geral, cristãos, especialmente os evangélicos, acreditam inequivocamente que
somos salvos pela graça. Mas e depois disso? E quanto a caminhada cristã e a
vida de santificação, qual é o papel da graça nisso tudo? E é aqui que toda a
confusão começa. Muitos afirmam que somos salvos pela graça, mas depois é
por nossa conta, a santificação, a vida cristã fica por conta do nosso próprio
esforço.

Outros, por outro lado, afirmam que, já que somos salvos pela graça,
nós não precisamos fazer absolutamente nada. É tudo graça, pouco importa a
maneira como a gente vive. O pastor Dietrich Bonhoeffer, chamou essa ideia
de graça barata1. Em nome da graça, muitas pessoas se perderam numa vida
promiscua, enquanto outros vivem tentando agradar a Deus com suas próprias
boas obras. Mas afinal qual é a relação da graça com a vida cristã? É a
respeito desta pergunta que ensaio pretende fazer algumas ponderações.

1. A GRAÇA E A MERITOCRACIA

Um dos grandes legados do capitalismo é o forte senso de

meritocracia. Este senso mérito é tão arraigado na nossa cultura, que basta
lembrar de alguns bordões muito conhecidos para perceber a onipresença
deste conceito, que se manifesta nas relações entre casais, pais e filhos,
amigos, colegas, vizinhos, no transito, no mercado de trabalho, na academia e
em qualquer lugar da sociedade e inclusive nas igrejas.

Estamos muito bem familiarizados com frases como, “Nesta vida nada
é de graça” ou “Cada um acaba ganhando o que merece” ou então “Quer
dinheiro? Vai trabalhar” ou “Quer amor, faça por merecer”, mais “Faça aos
1
Bonhoeffer, 2016, p.2016
outros antes que lhe façam”. Afinal, segundo a lógica do mérito, “Deus ajuda
quem cedo madruga”. Isto é, Deus dá a cada um segundo os méritos de cada
um.

A grande lei das relações é a “No pain, no gain” (Sem dor, sem esforço,
sem sacrifício, não há ganho) é, originariamente, um termo usado na prática do
halterofilismo (levantamento de peso) e fisiculturistas querendo-se dizer com
isso que, sem fazer esforço a ponto de doer, a pessoa não ganhará aquele tão
sonhado “corpo malhado”, ou na linguagem da musculação “shape trincado” 2.
Esse mesmo princípio foi fortemente absorvido nas relações humanas.

Essa cultura da meritocracia dificulta grandemente a compreensão da

graça e sua plena aceitação. E influenciadas por esse conceito, muitas
pessoas desenvolvem uma relação com Deus e desenvolvem uma vida cristã
profundamente arraigada nessa mentalidade. E o resultado desse tipo de
mentalidade é uma espiritualidade cheia de ressentimento para com Deus e
para com as pessoas que são alvos da graça de Deus.

Porque elas foram ensinadas que se pagassem o preço, se fizessem

por merecer, e fossem muito obediente Deus as abençoaria, seriam cabeça e
não cauda, comeriam o melhor dessa terra. Ai essas pessoas se esforçaram
por viver vidas moralmente corretas. Deram tudo de si para viverem vidas
ilibadas, mas ao invés de comerem o melhor dessa terra, ao invés de se
tornarem cabeças e não caudas, quando algo inesperado acontece, uma
demissão, alguém da família foi diagnosticado com uma doença terrível, uma
morte na família. O coração se enche de ressentimento e revolta, e elas
querem entrar na justiça contra Deus.

Mas essa mentalidade de mérito gera um outro problema, quando a

gente perde aquilo que conquistou, que ralou tanto para ter, a gente se revolta,
sente que Deus está sendo injusto com voce. As pessoas ficam bravas e
ressentidas com Deus, e até revoltadas. Querem brigar com Deus, se afastam,
desistem, entrega tudo e abandona a vida cristã, abandona a igreja.

2
Significado de No pain no gain - Dicionário Popular (dicionariopopular.com)
 2. A GRAÇA E A LIBERTINAGEM

Em muitos contextos tem havido uma pregação da graça que cria uma
compreensão equivocada, que cria no imaginário popular que a graça é
sinônimo de libertinagem. Há “desconexão entre a graça teológica e sua vida
diária”3 e por outro lado, aqueles que buscam fugir desse perigo acabam não
pregando a graça de maneira clara, optando por uma pregação legalista.

Alguns dizem que não se pode pregar a graça, porque se pregar a

graça, as pessoas vão viver de qualquer maneira e vão se entregar ao pecado.
Mas será que o fato de não sermos salvos por boas obras, isso significa que as
boas obras não têm lugar na vida cristã?

Na carta de Paulo a Tito, no capítulo 2.11-14, parece que o apóstolo

está lidando diretamente com essas questões. Ele diz o seguinte a Tito:

Pois a graça de Deus foi revelada e a todos traz salvação.

Somos instruídos a abandonar o estilo de vida ímpio e os
prazeres pecaminosos. Neste mundo perverso, devemos viver
com sabedoria, justiça e devoção, enquanto aguardamos
esperançosamente o dia em que será revelada a glória de
nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo. Ele entregou sua
vida para nos libertar de todo pecado, para nos purificar e fazer
de nós seu povo, inteiramente dedicado às boas obras.

Neste texto, o apóstolo nos mostra que a graça não apenas salva, mas
também nos capacita a ser santo, a ter esperança e a fazer boas obras. A
mesma graça que te salva é a mesma graça que te capacita a viver uma vida
que agrada a Deus. De acordo com o ensino bíblico ninguém é salvo por causa
das boas obras, mas somos salvos para as boas obras. E se é verdade que
nós ainda não somos o que deveríamos ser, isto é, plenamente santos, é
verdade também que pelo poder capacitador da graça, aquele que recebeu a
graça, não é mais o que era e a cada dia somos transformados de glória em
glória4.

3
Murray, 2018, p.14
4
2 Coríntios 3.18.
 CONCLUSÃO

A mesma graça que salva, também capacita o cristão a vencer os seus

pecados. Aquele que recebe a graça Salvífica, também recebe a graça
santificadora e capacitadora. A tentação e o poder do pecado não são mais
fortes que o poder capacitador da graça. Deus prometeu que não permitiria que
fossemos tentados além das nossas forças, com a tentação, Ele concederia
uma saída5. É possível resistir ao pecado pelo poder da graça.

Mas a graça também capacita a ter esperança na volta de Cristo. Por

isso aquele que recebeu a graça Salvífica não precisa viver ansioso e com
medo, pensando se irá perseverar até o fim, se não irá fraquejar e se desviar.
O mesmo Deus que chamou é fiel para guardar até o fim. Aquele que é filho de
Deus pode descansar nessa esperança. E essa é a maior esperança da vida
cristã e por não podemos nos apegar as falsas esperanças que o pecado e
este mundo oferecem.

E finalmente, a graça capacita o cristão a ser frutíferos, por isso

espera-se do cristão que empenhe-se em ser frutíferos, praticando boas obras.
Servindo as pessoas com aquilo que Deus lhe confiou, o seu tempo, recursos,
dons, habilidades, conhecimentos. Tudo isso deve ser usado para servir as
pessoas, conforme as palavras do apóstolo Paulo:

O que agora sou, porém, deve-se inteiramente à graça que Deus

derramou sobre mim, e que não foi inútil. Trabalhei com mais
dedicação que qualquer outro apóstolo e no entanto, não fui eu,
mas Deus que, em sua graça, operou por meu intermédio.6

BIBLIOGRAFIA

5
1 Coríntios 10.13.
6
1 Coríntios 15.10
BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Paulo: Mundo Cristão, 2016.

MURRAY, DAVID. Reset. Vivendo no ritmo da graça em uma cultura

estressada. São José dos Campos, SP: Fiel, 2018.

Significado de No pain no gain - Dicionário Popular (dicionariopopular.com) >

Acesso em 12 de Dezembro de 2020.