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O balanço dessas viagens de estudo é formidável. Aquele país profundo – feito de paisagens
selvagens e de povos simples que foram reiteradamente esquecidos, ridicularizados ou
estigmatizados por todo tipo de acusações sobre suas incapacidades atávicas – surgia
reabilitado na documentação feita in loco e mitificado nas obras de arte posteriores. O
inventário da vida brasileira realizado por Mario de Andrade vai servir de sustentáculo para
um sólido projeto cultural, que propunha uma arte de cunho erudito erigida sob a base cultural
popular – a pintura de Tarsila, a poesia de Oswald, a música de Villa Lobos, a arquitetura de
Lucio Costa.
Janela colonial em Diamantina, croquis de Lucio Costa
Cronologia
* 1936 (18 de abril) - Criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em caráter provisório.
* 1937 (13 de janeiro) Lei nº 378 institui a fundação do SPHAN como órgão oficial de preservação do patrimônio
cultural brasileiro.
* 1937 (30 de novembro) Decreto-Lei nº 25 regulamenta as atividades do SPHAN.
* 1946 - O SPHAN tem o seu nome alterado para Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(DPHAN).
* 1970 - O DPHAN é transformado em Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
* 1979 - O IPHAN é dividido em SPHAN (Secretaria), na condição de órgão normativo, e na Fundação Nacional
Pró-Memória (FNPM), como órgão executivo.
* 1990 - A SPHAN e a FNPM foram extintas para darem lugar ao Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural
(IBPC).
* 1994 (6 de dezembro) - Medida Privosória nº 752 transforma o IBPC em Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional.
* 2000 (4 de agosto) - Decreto nº 3.551 institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial.
* 2006 (fevereiro) - Por ocasião da mudança de direção do IPHAN, entrando o arquiteto Luiz Fernando de Almeida,
o Programa Monumenta, o qual ele coordenava e continua coordenando, passou a ser integrado ao Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
O IPHAN – A Presença dos Modernistas na Fase Heróica
*O primeiro (1937-1969), a chamada 'fase heróica', caracterizado pela construção de uma memória e identidade nacional,
valorizando o patrimônio como elemento constitutivo da narrativa nacional brasileira tendo como base a história
oficialmente instituída.
Essa política preservou os testemunhos do poder de uma elite e com eles se propôs a construção da identidade
histórica e cultural da nação brasileira. Alijando do campo do patrimônio os vestígios, por exemplo, dos templos não
católicos, das senzalas e dos bairros operários, legitimou-se a exclusão dos outros grupos sociais. A produção da
memória coletiva das sociedades contemporâneas configura-se, portanto, como uma forma específica de dominação
simbólica. (DELGADO, 2005, p.06)
Ênfase aos monumentos arquitetônicos coloniais, bens característicos da arte barroca, resultado da influência da
colonização portuguesa.
Sob a coordenação de arquitetos, o patrimônio brasileiro ficou restrito aos bens de “pedra e cal” e às obras de arte
eruditas que pudessem referenciar o passado da nação. Os anos entre 1938 a 1942 foi o período mais intenso de
atuação do governo federal, em que houve um grande número de tombamentos, muitos deles concentrados no estado
de Minas Gerais:
1988 - atualidade
Em 1988, a nova Constituição Nacional contemplou de forma mais abrangente o legado histórico cultural
em seus preâmbulos, a partir de uma ampliação conceitual na concepção de patrimônio cultural:
O caput do art. 1º do Decreto-Lei n.º 25/37 traz os parâmetros limitadores de sua incidência normativa,
definindo o que pode ser objeto de tombamento: o patrimônio histórico e artístico nacional, compreendido
como o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público,
quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
Por seu turno, o art. 216 da Constituição Federal redimensionou o conceito, entendendo que “constituem
patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira”.
A Constituição de 1988 igualmente procedeu no que concerne aos
mecanismos de proteção. O resguardo dos bens de natureza
imaterial, por exemplo, não é feito com a utilização do
tombamento, mas do registro, disciplinado por meio do Decreto n.º
3.551/2000. Esta nova disciplina foi instituída porque de há muito
se havia percebido que o tombamento era inócuo para coisas
intangíveis, uma vez que quando se adota este procedimento o que
se quer é uma perenização do aspecto do bem tombado pelo maior
tempo possível, não obstante, como lembra SONIA RABELO DE
CASTRO (1991, 33), “o bem jurídico objeto da proteção, está
materializado na coisa, mas não é a coisa em si: é o seu significado
simbólico, traduzido pelo valor cultural que ela representa”.
O Decreto-lei nº 25/37, que continua em vigor com a alteração determinada pela Lei nº 6.292/75,
normatizou na esfera federal a atividade de preservação e é um dos instrumentos legais básicos dos
órgãos do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.Ele prevê, quanto à constituição, os seguintes
tipos de tombamento: (1) de ofício; (2) voluntário, que pode ser subdividido em (a) ‘voluntário a
pedido’ e (b) ‘voluntário por aquiescência’; e (3) compulsório, compreendendo a divisão em (a)
‘compulsório ficto’ e (b) ‘compulsório contencioso’. Quanto à estabilidade, o tombamento é
classificado em (1) provisório e (2) definitivo. Trata-se de um conjunto de atos administrativos
encadeados, cujo objetivo é inscrever o bem cultural em um livro de tombo para o fim de gozar das
prerrogativas legais de proteção.
PORTARIA FEDERAL Nº 11/1986/SPHAN
Dispõe as normas para a instauração dos processos de tombamento.
Bens Imateriais
Em 1936, Mario de Andrade, em proposta entregue ao então ministro da Educação Gustavo Capanema,
afirmava peremptoriamente: o patrimônio cultural da nação compreendia muitos outros bens além de
monumentos e obras de artes.
Nos diários de viagem que compõem o livro O Turista Aprendiz ,quecontém textos escritos entre 1927 e
1943, escreveu:
“Natal, 6 de janeiro, 22 horas – Hoje é dia dos ‘Santos Reis’ que nem inda se diz por aqui, segundodia grande pras
danças dramáticas nordestinas.Pelo Natal saíram a Chegança e o Pastoril. Pelo Reis sai o Bumba-Meu-Boi. No Norte, o
boi tem como data pra sair o Dia de São João. No Nordeste saipelos reis e se no dia 30 de dezembro passado pude
assistir ao Boi no município de São Gonçalo, isso foi exceção, honraria pra quem vos escreve essas notas de turista
aprendiz ...
... Hoje o Boi do Alecrim saiu pra rua e está dançando pros natalenses. Os coitados estãointeiramente às nossas ordens
só porque Luís da Câmara Cascudo, e eu de embrulho, conseguimos que pudessem dançar na rua sem pagar a licença
na polícia. Infelizmente é assim, sim. Civilização brasileira consiste em impecilhar as tradições vivas que possuímos de
mais nossas. Que a polícia obrigue os blocos a tirarem licença muito que bem, pra controlar as bagunças e os chinfrins,
mas que faça essa gente pobríssima, além dos sacrifícios que já faz pra encenar a dança, pagar licença, não entendo.
Seria justo mais é que protegessem os blocos,Prefeitura, Estado: construíssem palanques especiais nas praças públicas
centrais, instituíssem prêmios em dinheiro dados em concurso. Duzentos mil-réis é nada pra Prefeitura. Pra essa gente
seria, além dogozo da vitória, uma fortuna. O Boi de S. Gonçalo outro dia murchou de pé no areão várias horas de Sol
pra chegar na Redinha e ganhar 40 paus! É horroroso.
Além desse notável poder de antever o futuro, o que o tornou pioneiro na reflexão sobre a importância do patrimônio
cultural imaterial para a cultura de um povo, Mario de Andrade fez mais: foi um dos mentores da criação, em janeirode
1937, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), primeira instituiçãogovernamental voltada para
a proteção do patrimônio cultural do país.”
Mario de Andrade deu o pontapé inicial, e passou a bola para seus sucessores, que, nos anos 50, se
mobilizaram em torno da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, criada em 1947, no governo do
General Eurico Gaspar Dutra.
Esse movimento originou o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, hoje incorporado ao
Iphan. Nas décadas de 70 e 80, o assunto voltaria a ecoar e reverberar fortemente, graças às
experiências desenvolvidas no Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) e na Fundação
Nacional Pró-Memória (FNPM), sob a liderança de Aloísio Magalhães.
Outro nome, aliás, fundamental naquele hipotético samba-enredo sobre bens culturais imateriais.
Nos cerca de 60 anos posteriores às primeiras preocupações e reflexões de Mario de Andrade sobre o
assunto, o interesse pela documentação das atividades ligadas à cultura tradicional e popular não
esteve restrito apenas ao Iphan ou à esfera patrimonial. O Centro Nacional de Folclore e Cultura
Popular realizou, no período, relevante trabalho de conservação, promoção e difusão do conhecimento
produzido pela cultura popular.
Mais: desenvolveu ações de apoio às condições de existência dessas manifestações e manteve
extraordinário acervo sobre o tema.
Aloísio Magalhães - no comando do CNRC e, posteriormente, da FNPM, foi a ampliação da proteção do
Estado em relação ao patrimônio não-consagrado, vinculado à cultura popular e aos cultos afro-
brasileiros. Em Alagoas e na Bahia, o Iphan tombou, respectivamente, a Serra da Barriga, onde os
quilombos de Zumbi se localizaram, e o Terreiro da Casa Branca, um dos mais importantes, antigos e
atuantes centros de atividade do candomblé baiano.
“Nesse período foram realizadas ações de registro bastante significativas que, apesar de seu caráter
experimental e não-sistemático, propiciaram umaimportante reflexão sobre a questão, tendo como
principal fruto a sedimentação de uma noção mais ampla de patrimônio cultural’’[1]
1. No Relatório Final das Atividades da Comissão e do Grupo de TrabalhoPatrimônio Imaterial . IN: MinC/IphanFunarte . O
Registro do PatrimônioImaterial. Brasília, 2 ed., 2003, p. 15
• Livro de Registro dos Saberes - conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades
• Livro de Registro das Celebrações - rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade,
do entretenimento e de outras práticas da vida social
• Livro de Registro das Formas de Expressão - manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas
• Livro de Registro dos Lugares - mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e se
reproduzem práticas culturais coletivas. Ainda não existem bens registrados nesta categoria
Os registros dos bens imateriais são reavaliados e reexaminados a cada dez anos para que o IPHAN decida sobre a
revalidação do título “Patrimônio Cultural do Brasil”. Caso seja negada, o bem fi cará apenas registrado como
referência cultural de seu tempo.
“o grande desafio a partir do decreto nº 3.551/00,para o Estado, em parceria com a sociedade, é de
dar continuidade à formulação e à implementação efetivas de políticas públicas para a cultura
articuladas e de amplo alcance, que realmente beneficiem os cidadãos. Atenção especial deverá ser
dada ‘àqueles grupos que, embora responsáveis pela criação e preservação de manifestações culturais
vivase admiráveis, – como os grupos indígenas, as comunidades ribeirinhas do sertão e das florestas,
para citar apenas alguns casos, – raramente têm recebido o reconhecimento de toda a nação. Esse
apoio, por outro lado, não pode ficar restrito ao âmbito do Ministério da Cultura, pois envolve
questões complexas como a da preservação do meio ambiente, da propriedade intelectual, dos efeitos
da comercialização e do turismo, entre outras. Fazer essa articulação, a partir de perspectivas
diferentes e de objetivos comuns, é uma tarefa complexa em que cabe ao poder público especial
responsabilidade. São desafios que só serão realmente enfrentados a partir de uma concepção
sistêmica das políticas culturais, com a descentralização de ações, o estabelecimento deparcerias e,
sobretudo, uma ampla abertura para a participação das comunidades.’’
LONDRES, Cecília. Referências Culturais: Base para Novas Políticas de Patrimônio. IN: Manual de Publicação do
Departamento de Documentação e Identificação. MinC/Iphan, Brasília, 2000. p. 11.