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As viagens realizadas ao interior do Brasil: Minas Gerais e a sensibilização

em torno da preservação do patrimônio edificado

O Movimento Modernista no Brasil- dois aspectos que se impõem: o estético e o político-ideológicoo


projeto do modernismo brasileiro re-elabora o passado, constrói uma tradição brasileira

As viagens realizadas por um grupo de intelectuais ao interior do


Brasil. Minas Gerais é o Estado brasileiro, por onde começa a
sensibilização em torno da preservação do patrimônio edificado,
além disso, serviu para embasar a criação, poucos anos depois, do
Serviço do Patrimônio Histórico Nacional – SPHAN. É, portanto,
esse momento, o embrião do sistema de preservação dos bens
nacionais.
O Barroco é percebido como a primeira manifestação cultural
tipicamente brasileira, sendo a aura da origem da nação.
Intelectuais como Alceu Amoroso Lima, Rodrigo Melo Franco de
Andrade, em 1916, seguidos de Lúcio Costa, em Diamantina, nos
anos 20, Mário de Andrade tanto sozinho como em recepção ao
poeta Blaise Cendras, em 1924, viajaram pelo interior e por capitais
do Brasil para visitação e reconhecimento desse patrimônio cultural.
Abilio Guerra A cena atual do turismo burguês, seja ele na sua
versão mais sofisticada dos enricados ou na versão
Modernistas na estrada mais popular do turismo de massa, é, em certo
Arquiteturismo, nº 8 – ISSN 1982-9930.
sentido, a negação da motivação originária do turismo:
São Paulo, Brasil, outubro de 2007 – conhecer o desconhecido. Como contraste absoluto a
Revista online mensal sobre turismo esse quadro descrito, podemos apontar as viagens de
arquitetônico “redescoberta do Brasil” empreendidas pelos nossos
artistas modernistas na década de 20 do século
Editores responsáveis: Michel Gorski e passado. Como diz Aracy do Amaral, no seu livro
Abilio Guerra
Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas, “esses
precursores brasileiros do turismo doméstico se
deslocaram de trem, automóvel, conforme as
possibilidades dos locais visitados”, em busca das
“raízes da nacionalidade”.

Após um primeiro momento quando os olhos de todos


seus membros estavam postados exclusivamente em
Paris, o grupo modernista vai aos poucos se
embriagar de nativismo e nacionalismo, cujas matrizes
mais puras e profundas pensavam estar dispersas
pelo enorme território nacional, seja nas crenças e
valores do povo mais simples, seja nas suas
materializações culturais primitivas expressas em
músicas e danças.

Auto-retrato de Mario de Andrade, com a legenda


"Praia do Chapéu Virado, Belém, Maio 1927. Mario
de Andrade na praia em traje preto de banho".
Acervo IEB-USP
A primeira destas viagens ocorreu em 1924, quando Mario de
Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, René Thioller
e alguns membros da aristocracia paulista vão ciceronear o
poeta suíço-francês Blaise Cendrars em excursão pelas
cidades históricas mineiras. Desconhecida de todos eles, a
paisagem rural mineira marcou-lhes profundamente a
percepção, tocando-lhes de forma indelével a sensibilidade e
tornando-se rico manancial de referências para as obras de
arte que viriam a produzir a seguir.

Os maravilhosos croquis de Tarsila, feitos com traços


Ouro Preto, Tarsila do Amaral, 1924 econômicos e precisos, metamorfosearam-se nas magníficas
pinturas da fase Pau-Brasil dos anos 1924 e 1925, verdadeiras
ilustrações multicoloridas do manifesto homônimo de seu
marido Oswald, que grafará em verso livre impressões
análogas sobre uma região rica em tradição e patrimônio
artístico, mas habitada por um povo esquecido e com as
edificações majestosas envelhecidas e, em muitos casos,
abandonadas e em ruínas.

Capa do livro de Blaise Cendrars


sobre viagem ao Brasil, com
desenhos de Tarsila do Amaral
À esquerda, foto Mário de Andrade de 1927, com legenda "Na
lagoa do Amanium / Perto do Igarapé Pintura de Paisagem Nacional de Tarsila do Amaral
de Barcarena / Manaus 7-VI- / Minha
obra prima". À direita, Pavilhão Brasileiro na Feira
Mundial de Nova York.
Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e
Paul Lester Wiener, 1939

O balanço dessas viagens de estudo é formidável. Aquele país profundo – feito de paisagens
selvagens e de povos simples que foram reiteradamente esquecidos, ridicularizados ou
estigmatizados por todo tipo de acusações sobre suas incapacidades atávicas – surgia
reabilitado na documentação feita in loco e mitificado nas obras de arte posteriores. O
inventário da vida brasileira realizado por Mario de Andrade vai servir de sustentáculo para
um sólido projeto cultural, que propunha uma arte de cunho erudito erigida sob a base cultural
popular – a pintura de Tarsila, a poesia de Oswald, a música de Villa Lobos, a arquitetura de
Lucio Costa.
Janela colonial em Diamantina, croquis de Lucio Costa

Lucio Costa. Curiosamente, nos anos 20, ainda recém-


formado, o jovem arquiteto carioca ganha do ideólogo
da arquitetura neocolonial, o intelectual José Mariano,
uma viagem para Diamantina como prêmio de final de
graduação. A partir de então se tornará também ele
um viajante contumaz, tendo como destino
preferencial as cidades coloniais, não como turista,
mas a serviço do SPHAN.
Getúlio Vargas e a “Causa da Cultura Nacional”

Presidente da república do Brasil em dois


períodos. O primeiro teve duração de 15 anos
ininterruptos, de 1930 a 1945, e dividiu-se em 3
fases:
* De 1930 a 1934, como Chefe do Governo
Provisório;
* De 1934 a 1937, Getúlio comandou o país
como presidente da república.
* De 1937 a 1945, enquanto durou o Estado
Novo implantado após um golpe de estado.
No segundo período, em que foi eleito por voto
direto, Getúlio governou o Brasil como
presidente da república, por 3 anos e meio: de
31 de janeiro de 1951 até 24 de agosto de 1954,
quando se matou.

Getúlio Vargas em abraçar a causa da cultura


nacional, enfim, naquela época se fazia
necessário fundar a mentalidade nacional com
aspecto de modernidade associada à
intelectualidade.
O Estado Novo se colocou como o grande
preservador dos bens simbólicos da nação. Ao
criar para esta um sentido identitário, instituiu
símbolos oficiais (bandeira, hino) e incentivos de
atividades cívicas.
O primeiro órgão voltado para a preservação do patrimônio, no Brasil, foi criado em 1933, (Getúlio era o Chefe do
Governo Provisório);como uma entidade vinculada ao Museu Histórico Nacional.
Era a Inspetoria de Monumentos Nacionais (IPM), instituída pelo Decreto n° 24.735, de 14 de julho de 1934, e tinha
como principais finalidades impedir que objetos antigos, referentes à história nacional fossem retirados do país em
virtude do comércio de antigüidades, e que as edificações monumentais fossem destruídas por conta das reformas
urbanas, a pretexto de modernização das cidades.
A cidade de Ouro Preto, antiga Vila Rica, principal cidade do Ciclo do Ouro nas Minas Gerais,foi erigida em
"monumento nacional" pelo Decreto nº22.928 de 12/07/1933 e é considerada como um dos principais exemplos do
patrimônio histórico nacional, além de ser declarada como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO.

Cronologia

* 1936 (18 de abril) - Criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em caráter provisório.
* 1937 (13 de janeiro) Lei nº 378 institui a fundação do SPHAN como órgão oficial de preservação do patrimônio
cultural brasileiro.
* 1937 (30 de novembro) Decreto-Lei nº 25 regulamenta as atividades do SPHAN.
* 1946 - O SPHAN tem o seu nome alterado para Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(DPHAN).
* 1970 - O DPHAN é transformado em Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
* 1979 - O IPHAN é dividido em SPHAN (Secretaria), na condição de órgão normativo, e na Fundação Nacional
Pró-Memória (FNPM), como órgão executivo.
* 1990 - A SPHAN e a FNPM foram extintas para darem lugar ao Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural
(IBPC).
* 1994 (6 de dezembro) - Medida Privosória nº 752 transforma o IBPC em Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional.
* 2000 (4 de agosto) - Decreto nº 3.551 institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial.
* 2006 (fevereiro) - Por ocasião da mudança de direção do IPHAN, entrando o arquiteto Luiz Fernando de Almeida,
o Programa Monumenta, o qual ele coordenava e continua coordenando, passou a ser integrado ao Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
O IPHAN – A Presença dos Modernistas na Fase Heróica

Os modernistas tiveram no governo de Getúlio Vargas nítida


qualidade de produção intelectual e prestígio. No Brasil, à
diferença de outros países, os mesmos artistas e intelectuais que
implantaram e difundiram a arte moderna – Mário de Andrade,
Lúcio Costa, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade,
dentre outros – foram responsáveis pela implementação das
primeiras políticas públicas voltadas à preservação do patrimônio
cultural.
Além dos formuladores do SPHAN, Mário de Andrade, Rodrigo
Melo Franco de Andrade e Lúcio Costa (principal autoridade
técnica na Divisão de Estudos e Tombamentos); outros como:
Carlos Drummond de Andrade, Afonso Arinos de Melo Franco,
Prudente de Morais Neto, Manuel Bandeira foram colaboradores
em várias publicações.

Muitos nomes bastante conhecidos e muitos outros, pouco citados


se distribuíram nos Estados em que se desenvolviam os trabalhos
de catalogação e tombamento.

Pode-se considerar um trabalho de herói, que, em conjunto, se


transforma em saga. É a chamada fase heróica do SPHAN como
demonstra o texto que segue:

A tarefa para se descobrir monumentos era feita com grande


entusiasmo e enormes dificuldades, nos finais de semana, pelos
diretores regionais e seus auxiliares, através de estradas
poeirentas, ônibus, caminhão ou cavalo quando não em lanchas
e canoas sob sol e chuva. (AZEVEDO, 1987, p. 83)
No ano de 1936, o escritor Mário de Andrade, a pedido do então
ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanema, redigiu um
anteprojeto de lei que versava sobre a preservação do patrimônio
histórico-cultural brasileiro. A partir desse momento, Mário de
Andrade consagrou-se como um dos intelectuais responsáveis pela
implantação de programas de salvaguarda dos bens culturais no
Brasil.

O ano de 1937 marca definitivamente a inserção do patrimônio


histórico-cultural na legislação e nas políticas públicas no cenário
nacional. A nova Constituição que estabeleceu o Estado Novo
delineou uma percepção de patrimônio e as ações governamentais
para a sua preservação. O Decreto-Lei nº 25 de 1937, documento base
de legislação específica do patrimônio brasileiro, determinou já em
seu 1º artigo o que estava se entendendo como patrimônio histórico-
cultural no Brasil:
Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional, o conjunto dos
bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de
interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da
História do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou
etnográfico, bibliográfico ou artístico. (DECRETO LEI 25/37, ART.
1º)

Nesse mesmo ano entra em funcionamento o SPHAN, órgão que


direcionou as políticas preservacionistas no país. Sob a coordenação
de Rodrigo Mello Franco de Andrade, que esteve na direção da
secretaria desde a sua criação até o final da década de 60.
SPHAN, dois momentos com diretrizes preservacionistas distintas:

*O primeiro (1937-1969), a chamada 'fase heróica', caracterizado pela construção de uma memória e identidade nacional,
valorizando o patrimônio como elemento constitutivo da narrativa nacional brasileira tendo como base a história
oficialmente instituída.

Essa política preservou os testemunhos do poder de uma elite e com eles se propôs a construção da identidade
histórica e cultural da nação brasileira. Alijando do campo do patrimônio os vestígios, por exemplo, dos templos não
católicos, das senzalas e dos bairros operários, legitimou-se a exclusão dos outros grupos sociais. A produção da
memória coletiva das sociedades contemporâneas configura-se, portanto, como uma forma específica de dominação
simbólica. (DELGADO, 2005, p.06)
Ênfase aos monumentos arquitetônicos coloniais, bens característicos da arte barroca, resultado da influência da
colonização portuguesa.

Sob a coordenação de arquitetos, o patrimônio brasileiro ficou restrito aos bens de “pedra e cal” e às obras de arte
eruditas que pudessem referenciar o passado da nação. Os anos entre 1938 a 1942 foi o período mais intenso de
atuação do governo federal, em que houve um grande número de tombamentos, muitos deles concentrados no estado
de Minas Gerais:

O tombamento de edificações isoladas justifica-se a partir do conceito de monumento histórico: determinadas


construções são consagradas como testemunhas da história e passam a incorporar a função de suscitar a
rememoração do passado. Com isso, o conjunto dos bens tombados pelo Sphan constrói uma narrativa material de
determinada história do Brasil, considerada como a História Nacional, cuja matriz discursiva foi produzida no
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). (DELGADO, 2005 p.5)
Mário de Andrade adquiriu e
doou os imóveis ao Serviço de
Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, em 1947.
São Roque, SP
*O segundo, a partir da década de 70, em que ocorre uma ampliação na concepção de patrimônio, com a retomada da
idéia defendida por Mário de Andrade em seu projeto de 1936 e que esteve à margem da política adotada pelo órgão em
sua etapa inicial de atuação.
A segunda fase de atuação do então Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) começa em 1979
sob a gestão de Aloísio Magalhães. Incorporando novas percepções acerca do patrimônio, com base na ampliação do
conceito de cultura e das discussões referentes à construção das identidades, Aloísio Magalhães direciona as políticas
preservacionistas no Brasil a partir da diversidade cultural característica do país: "procedentes sobretudo do fazer
popular" que estão "inseridos na dinâmica viva do cotidiano". (DELGADO, 2005, p.11)
Processos de Tombamento e Leis Patrimôniais do Brasil

1988 - atualidade
Em 1988, a nova Constituição Nacional contemplou de forma mais abrangente o legado histórico cultural
em seus preâmbulos, a partir de uma ampliação conceitual na concepção de patrimônio cultural:

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados


individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira,nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações Artísticos-
culturais
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico. (Constituição Federal, capítulo III, artigo 216)
A Constituição de 1988 definiu também as competências de regulamentação, promoção e fiscalização das
práticas preservacionistas, que ressaltavam a importância da participação da sociedade civil nesse
processo, determinando base de atuação da comunidade junto ao poder público federal, estadual e municipal.
IMPACTOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 SOBRE O
TOMBAMENTO
DE BENS DO PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO
diferenças em relação ao de 1937
DA COMPREENSÃO DE ‘PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO’ À DE ‘PATRIMÔNIO CULTURAL’

O caput do art. 1º do Decreto-Lei n.º 25/37 traz os parâmetros limitadores de sua incidência normativa,
definindo o que pode ser objeto de tombamento: o patrimônio histórico e artístico nacional, compreendido
como o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público,
quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor
arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.

Por seu turno, o art. 216 da Constituição Federal redimensionou o conceito, entendendo que “constituem
patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira”.
A Constituição de 1988 igualmente procedeu no que concerne aos
mecanismos de proteção. O resguardo dos bens de natureza
imaterial, por exemplo, não é feito com a utilização do
tombamento, mas do registro, disciplinado por meio do Decreto n.º
3.551/2000. Esta nova disciplina foi instituída porque de há muito
se havia percebido que o tombamento era inócuo para coisas
intangíveis, uma vez que quando se adota este procedimento o que
se quer é uma perenização do aspecto do bem tombado pelo maior
tempo possível, não obstante, como lembra SONIA RABELO DE
CASTRO (1991, 33), “o bem jurídico objeto da proteção, está
materializado na coisa, mas não é a coisa em si: é o seu significado
simbólico, traduzido pelo valor cultural que ela representa”.

CASTRO, Sônia Rabello. A preservação dos bens culturais: o tombamento.


Rio de Janeiro: Renovar,. 1991.
ESPÉCIES DE TOMBAMENTO E RESPECTIVOS PROCEDIMENTOS

O Decreto-lei nº 25/37, que continua em vigor com a alteração determinada pela Lei nº 6.292/75,
normatizou na esfera federal a atividade de preservação e é um dos instrumentos legais básicos dos
órgãos do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.Ele prevê, quanto à constituição, os seguintes
tipos de tombamento: (1) de ofício; (2) voluntário, que pode ser subdividido em (a) ‘voluntário a
pedido’ e (b) ‘voluntário por aquiescência’; e (3) compulsório, compreendendo a divisão em (a)
‘compulsório ficto’ e (b) ‘compulsório contencioso’. Quanto à estabilidade, o tombamento é
classificado em (1) provisório e (2) definitivo. Trata-se de um conjunto de atos administrativos
encadeados, cujo objetivo é inscrever o bem cultural em um livro de tombo para o fim de gozar das
prerrogativas legais de proteção.
PORTARIA FEDERAL Nº 11/1986/SPHAN
Dispõe as normas para a instauração dos processos de tombamento.

O SECRETÁRIO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, no uso de suas


atribuições legais, e Considerando o disposto no Decreto-Lei n. 25, de 30 de novembro de 1937,
que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional;
Considerando especialmente o disposto no artigo 16, inciso VII, do Regimento Interno da
Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, aprovado pela Portaria Ministerial n. 313,
de 8 de agosto de 1986;
e Considerando a necessidade de consolidação das normas de procedimento para os processos
de tombamento, no âmbito da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN,
resolve:...............................................................................................................................................
......................................................
Salvaguarda

Bens Imateriais
Em 1936, Mario de Andrade, em proposta entregue ao então ministro da Educação Gustavo Capanema,
afirmava peremptoriamente: o patrimônio cultural da nação compreendia muitos outros bens além de
monumentos e obras de artes.
Nos diários de viagem que compõem o livro O Turista Aprendiz ,quecontém textos escritos entre 1927 e
1943, escreveu:

“Natal, 6 de janeiro, 22 horas – Hoje é dia dos ‘Santos Reis’ que nem inda se diz por aqui, segundodia grande pras
danças dramáticas nordestinas.Pelo Natal saíram a Chegança e o Pastoril. Pelo Reis sai o Bumba-Meu-Boi. No Norte, o
boi tem como data pra sair o Dia de São João. No Nordeste saipelos reis e se no dia 30 de dezembro passado pude
assistir ao Boi no município de São Gonçalo, isso foi exceção, honraria pra quem vos escreve essas notas de turista
aprendiz ...
... Hoje o Boi do Alecrim saiu pra rua e está dançando pros natalenses. Os coitados estãointeiramente às nossas ordens
só porque Luís da Câmara Cascudo, e eu de embrulho, conseguimos que pudessem dançar na rua sem pagar a licença
na polícia. Infelizmente é assim, sim. Civilização brasileira consiste em impecilhar as tradições vivas que possuímos de
mais nossas. Que a polícia obrigue os blocos a tirarem licença muito que bem, pra controlar as bagunças e os chinfrins,
mas que faça essa gente pobríssima, além dos sacrifícios que já faz pra encenar a dança, pagar licença, não entendo.
Seria justo mais é que protegessem os blocos,Prefeitura, Estado: construíssem palanques especiais nas praças públicas
centrais, instituíssem prêmios em dinheiro dados em concurso. Duzentos mil-réis é nada pra Prefeitura. Pra essa gente
seria, além dogozo da vitória, uma fortuna. O Boi de S. Gonçalo outro dia murchou de pé no areão várias horas de Sol
pra chegar na Redinha e ganhar 40 paus! É horroroso.

Além desse notável poder de antever o futuro, o que o tornou pioneiro na reflexão sobre a importância do patrimônio
cultural imaterial para a cultura de um povo, Mario de Andrade fez mais: foi um dos mentores da criação, em janeirode
1937, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), primeira instituiçãogovernamental voltada para
a proteção do patrimônio cultural do país.”
Mario de Andrade deu o pontapé inicial, e passou a bola para seus sucessores, que, nos anos 50, se
mobilizaram em torno da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, criada em 1947, no governo do
General Eurico Gaspar Dutra.
Esse movimento originou o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, hoje incorporado ao
Iphan. Nas décadas de 70 e 80, o assunto voltaria a ecoar e reverberar fortemente, graças às
experiências desenvolvidas no Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) e na Fundação
Nacional Pró-Memória (FNPM), sob a liderança de Aloísio Magalhães.
Outro nome, aliás, fundamental naquele hipotético samba-enredo sobre bens culturais imateriais.
Nos cerca de 60 anos posteriores às primeiras preocupações e reflexões de Mario de Andrade sobre o
assunto, o interesse pela documentação das atividades ligadas à cultura tradicional e popular não
esteve restrito apenas ao Iphan ou à esfera patrimonial. O Centro Nacional de Folclore e Cultura
Popular realizou, no período, relevante trabalho de conservação, promoção e difusão do conhecimento
produzido pela cultura popular.
Mais: desenvolveu ações de apoio às condições de existência dessas manifestações e manteve
extraordinário acervo sobre o tema.
Aloísio Magalhães - no comando do CNRC e, posteriormente, da FNPM, foi a ampliação da proteção do
Estado em relação ao patrimônio não-consagrado, vinculado à cultura popular e aos cultos afro-
brasileiros. Em Alagoas e na Bahia, o Iphan tombou, respectivamente, a Serra da Barriga, onde os
quilombos de Zumbi se localizaram, e o Terreiro da Casa Branca, um dos mais importantes, antigos e
atuantes centros de atividade do candomblé baiano.

“Nesse período foram realizadas ações de registro bastante significativas que, apesar de seu caráter
experimental e não-sistemático, propiciaram umaimportante reflexão sobre a questão, tendo como
principal fruto a sedimentação de uma noção mais ampla de patrimônio cultural’’[1]

1. No Relatório Final das Atividades da Comissão e do Grupo de TrabalhoPatrimônio Imaterial . IN: MinC/IphanFunarte . O
Registro do PatrimônioImaterial. Brasília, 2 ed., 2003, p. 15

Carta de Fortaleza - Mas, apenas em novembro de 1997, as orientações contidas na Constituição de


1988 resultaram em uma ação mais concreta: o seminário internacional, promovido pelo Iphan em
Fortaleza (Ceará), para discutir estratégias eformas de proteção ao patrimônio imaterial.
O seminário produziu o documento A Carta de Fortaleza. Nela recomendavam-se o aprofundamento do
debate sobre o conceito de patrimônio cultural imaterial e o desenvolvimento de estudos para a criação de
instrumento legal, instituindo o ‘Registro ’ como principal modo de preservação e de reconhecimento de
bens culturais dessa natureza.
A Carta de Fortaleza repercutiu de imediato no Ministério da Cultura: em março de 1998, constituiu-se
Comissão com o objetivo de elaborar proposta visando à regulamentação do acautelamento do patrimônio
cultural imaterial.
Quatro anos depois, em 7 de abril de 2004, já na atual gestão do Ministério da Cultura, o Decreto n°
5.040 criou o Departamento do Patrimônio Imaterial do Iphan (DPI), ao qual se subordinou o Centro
Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), em funcionamento desde 1958.
Passaram a ser missões básicas dessenovo espaço institucional:

1) respeito à diversidade cultural do Brasil;


2) valorização da diferença;
3) ampliação do foco da proteção conferida peloEstado ao patrimônio cultural brasileiro;
4) valorização do patrimônio protegido visando àsua preservação e melhor inserção na vida
cotidiana;
5) ampliação do acesso ao patrimônio culturalcomo direito de cidadania e base para o
desenvolvimento sustentável do país.
Salvaguarda dos Bens imateriais: Para salvaguardar os bens culturais imateriais existe um instrumento legal
denominado Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial, instituído no ano 2000 através do Decreto nº
3.551/00, que dispõe também sobre um programa especialmente voltado para a questão. Podem ser registrados em
um dos seguintes livros:

• Livro de Registro dos Saberes - conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades

• Livro de Registro das Celebrações - rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade,
do entretenimento e de outras práticas da vida social

• Livro de Registro das Formas de Expressão - manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas

• Livro de Registro dos Lugares - mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e se
reproduzem práticas culturais coletivas. Ainda não existem bens registrados nesta categoria

Os registros dos bens imateriais são reavaliados e reexaminados a cada dez anos para que o IPHAN decida sobre a
revalidação do título “Patrimônio Cultural do Brasil”. Caso seja negada, o bem fi cará apenas registrado como
referência cultural de seu tempo.
“o grande desafio a partir do decreto nº 3.551/00,para o Estado, em parceria com a sociedade, é de
dar continuidade à formulação e à implementação efetivas de políticas públicas para a cultura
articuladas e de amplo alcance, que realmente beneficiem os cidadãos. Atenção especial deverá ser
dada ‘àqueles grupos que, embora responsáveis pela criação e preservação de manifestações culturais
vivase admiráveis, – como os grupos indígenas, as comunidades ribeirinhas do sertão e das florestas,
para citar apenas alguns casos, – raramente têm recebido o reconhecimento de toda a nação. Esse
apoio, por outro lado, não pode ficar restrito ao âmbito do Ministério da Cultura, pois envolve
questões complexas como a da preservação do meio ambiente, da propriedade intelectual, dos efeitos
da comercialização e do turismo, entre outras. Fazer essa articulação, a partir de perspectivas
diferentes e de objetivos comuns, é uma tarefa complexa em que cabe ao poder público especial
responsabilidade. São desafios que só serão realmente enfrentados a partir de uma concepção
sistêmica das políticas culturais, com a descentralização de ações, o estabelecimento deparcerias e,
sobretudo, uma ampla abertura para a participação das comunidades.’’

LONDRES, Cecília. Referências Culturais: Base para Novas Políticas de Patrimônio. IN: Manual de Publicação do
Departamento de Documentação e Identificação. MinC/Iphan, Brasília, 2000. p. 11.

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