A partir de uma pesquisa conduzida no IPUB-UFRJ, “Diagnóstico, prognóstico e cura
em psicanálise”, incorporada à “Pesquisa clínica em psicanálise”, psicanalistas com variados graus de experiência clínica se uniram em torno da pesquisa e de uma apresentação psicanalítica de pacientes. Essas apresentações eram seguidas de discussões de caso e diretivas prognósticas. Os autores expressam como que ao contrário da psiquiatria clássica, o louco na psicanálise é um sujeito que fala, que expressa uma verdade, ao contrário da psiquiatria biológica contemporânea, a qual está fixada em uma nomenclatura rígida de classificação de sintomas. Embora esteja presente em uma certa psiquiatria renovada uma tentativa de ir além dessa “lógica do DSM”, o que a psicanálises nos mostra é que o sujeito deve ser visto totalmente situado em um contexto da fala, da linguagem. A partir de um caso clínico, as duas lógicas, a classificatória psiquiátrica e a psicanalítica são colocadas em evidência em suas aproximações díspares em relação à loucura, por exemplo, e seu tratamento, e os autores enfatizam a necessidade de se ir além de um diagnóstico meramente estrutural ou fenomenológico. Em relação ao diagnóstico psiquiátrico, temos conhecimento dos sintomas da paciente, especialmente a apatia e o mutismo, seu histórico de sessões de eletrochoques inclusive. Sua “coleção” bastante extensa de sintomas leva o psiquiatra ao diagnóstico final de “síndrome catatônica” ( de acordo com o CID e o DSM.). É interessante percebermos que, o diagnóstico baseado na CID, de “transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave com sintomas psicóticos”, contrasta do diagnóstico do DSM, de “transtorno depressivo maior recorrente, severo, sem sintomas psicóticos, com características catatônicas”. E ainda, a adição dos diagnósticos sindrômico e nosológicos ao contexto geral, levam, na psiquiatria, a “atacar” os sintomas, a aplicar a terapêutica sintomática, a partir do aspecto sindrômico, o qual orienta o diagnóstico nosológico. A descrição fenomenológica dos sintomas, tanto em uma perspectiva de síndrome ou nosológica ( e ainda de “doença de fundo” ), nos leva a classificações psicopatológicas de diferentes naturezas no CID e no DSM. Fica claro, para os autores, que, segundo a psiquiatria, especialmente essa psiquiatria “dos manuais”, a interpretação positivista, biológica, dos sintomas e suas manifestações, que a paciente enquanto sujeito da linguagem, não tem voz, é reduzida à sua própria coleção de sintomas. Se a psiquiatria é “uma clínica do olhar”, a psicanálise é “uma clínica da fala”, e portanto, se o caso de transtorno dissociativo pode ser chamado de histeria na psicanálise, isso se deve ao fato de que essa distinção clínica entre psiquiatria e psicanálise se baseia no eixo da diferença entre um fazer clínico do olhar e da medicação e o da escuta. Na psicanálise, a apresentação de pacientes, se sustentando na fala, se desenrola em três diferentes enquadramentos: o de transmissão, o de diagnóstico e o de encontro clínico. As indagações serão feitas a partir do lugar das estruturas: será uma psicose, uma neurose? E será dentro desse lugar da teoria psicanalítica que nos conduziremos a uma psicopatologia psicanalítica. Na posição do sujeito na psicose, temos que buscar elementos sintomáticos (alucinações verbais, automatismo mental, distúrbios de linguagem), e entender essa posição psicótica como “ se numa uma posição do sujeito frente ao lugar do Outro”, como “objeto de gozo do Outro (psicose)”, ou “se numa posição de responder pela fantasia ao enigma do desejo opaco do Outro, que perde consistência de gozo (neurose)”. O distúrbios da linguagem, tão característicos da psicose e a auto-acusação, presentes na melancolia, estão ausentes na paciente. Durante a apresentação, a fala da paciente vai dando pistas, sinais, que vêm de um determinado “lugar”, ou seja, “sua doença é não falar”, ela vem “de fora”. Ao mencionar a história do irmão, Maria nos conduz a um sintoma formado por identificação, a uma cena envolvendo a mãe e o irmão. A paciente “quer falar ,mas não fala”. Tudo na cena é recorrente a uma relação com a mãe, a um retorno do recalcado. Toda a história de Maria volteia à partir da cena do pai, fraco, e com pouco investimento simbólico, e da mãe, no quadro de uma questão edipiana “mal resolvida”. Há várias covariantes no quadro clínico de Maria que nos levam a uma histeria: o recalque, o sujeito dividido, a identificação ( com o irmão ) e uma construção fantasmática evidente. A paciente não fala, porque “ a posição de não falar à qual a paciente está identificada é uma posição na Fantasia, cujo sentido é barrar o Outro e fazê-lo desejante, faltoso, descompleto”. Seu mutismo, é do estatuto mesmo do sintoma, do retorno do recalcado, não é “retorno no real” ( como na psicose). Atuando nas circunstâncias de uma fantasia, de uma recusa feita à mãe tirânica, Maria se casa aos 18 anos, e o marido se junta a toda essa cena sintomática, onde toda a força dos significantes pode ser vista (por exemplo, todos seus irmãos têm a palavra “amar” em seus nomes), daí Maria dizer: “o meu mal é amar demais”. O caso de Maria ilustra bem a tendência atual da psiquiatria de ir além até mesmo do tradicional diagnóstico fenomenológico, ao se ater somente à descrição sistemática de fenômenos psíquicos presentes tanto no CID quanto no DSM. A caracterização e o agrupamento de sintomas em grandes blocos de categorias, que seriam pretensamente práticas e/ou úteis, leva a divisões nosológicas que essencialmente conduzem aos tratamentos como intervenções farmacológicas .Na psicanálise, radicalmente, o sintoma nos fala do confronto com o desejo do Outro. No grafo do desejo de Lacan, o sujeito responde ao enigma do Outro em quatro níveis: no nível das identificações ideais; no nível do eu e dos semelhantes; no nível exclusivo do sintoma; e no nível da clínica. Quando falamos de sintoma, falamos do “significado do Outro”, e da clínica, “no que isso implica para o sujeito “. E os autores nos dizem que , então, “o diagnóstico deve ser situado no nível em que a fantasia se implica no sintoma”, não podendo nos esquecer, que, na psicanálise, a estrutura como diagnóstico se faz também no lugar da transferência e da ligação do sujeito com seu sintoma, condição para “que se vá mais além no tratamento”.
Referência bibliográfica
FIGUEIREDO,Ana Cristina.; TENÓRIO,Fernando.; O Diagnóstico em Psiquiatria e
Psicanálise. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, v. 5,n. 2, p. 29-43.