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Eliana Cristina Dalagasperina

A REFORMA DO ESTADO E AS POLÍTICAS SOCIAIS


PÚBLICAS: AS PERSPECTIVAS NEOLIBERAIS PARA A
POLÍTICA EDUCACIONAL

Dissertação apresentada ao curso de pós-graduação em


Educação, da Faculdade de Educação, da Universidade
de Passo Fundo, como requisito parcial e final para a
obtenção do grau de Mestre em Educação, tendo como
orientador o Dr. Telmo Marcon.

Passo Fundo
2006
Agradeço ao professor Telmo Marcon, pela aceitação,
paciência e dedicação incondicional ao processo de
orientação. À professora e assistente social Berenice
Rojas Couto, ao professor João Carlos Tedesco e à
professora Rosimar Esquinsani pelas contribuições nas
bancas de qualificação e defesa. À colega professora e
assistente social Cristina Fioreze pelas contribuições e
apoio na construção desse trabalho. Às colegas
assistentes sociais do Núcleo de Passo Fundo, pelo
incentivo. Aos amigos e à família pela compreensão
durante os momentos ausentes.
________________________________________________________________________
D136r Dalagasperina, Eliana Cristina
A reforma do Estado e as políticas sociais públicas : as perspectivas neoliberais para a
política educacional / Eliana Cristina Dalagasperina. – 2006.
119 f. ; 24 cm.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Passo Fundo, 2006.


Orientador: Prof. Dr. Telmo Marcon.

1. Educação e Estado. 2. Política social. 3. Neoliberalismo. I. Marcon, Telmo,


orientador. II. Título.

CDU: 37.014
_________________________________________________________________________
Catalogação: bibliotecária Schirlei T. da Silva Vaz - CRB 10/1364
Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as
condições materiais, econômicas, sociais e políticas,
culturais e ideológicas em que nos achamos geram
quase sempre barreiras de difícil superação para o
cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o
mundo, sei também que os obstáculos não se eternizam.
Paulo Freire
RESUMO

O processo de reestruturação do Estado, enquanto estratégia neoliberal de manutenção do


sistema capitalista, aponta para a gradual minimização e desresponsabilização estatal na garantia
dos direitos sociais aos cidadãos. Enquanto forma de materializar essa garantia, as políticas
sociais públicas, com base nas proposições neoliberais, são permeadas por alterações profundas
que provocam limitações ao seu acesso pelos indivíduos. Dessa forma, anteriormente de
competência pública e universal, passam a representar mercado potencial para o capital, sendo
descentralizadas do espaço público à esfera privada. Assim, inaugura-se uma concepção de
direitos fundamentada no poder de compra e venda de serviços sociais, revelando o ataque
neoliberal às políticas sociais públicas. Diante disso, este estudo busca compreender, a partir do
processo de reforma do Estado, as determinações neoliberais às políticas sociais e sua
materialização na política educacional. A pesquisa bibliográfica tem como foco a pergunta:
Quais as determinações do neoliberalismo para a política social pública de educação? Para
tanto, foram utilizados textos de natureza histórica e de referência conceitual tendo como fonte
para revisão livros, periódicos nacionais, artigos, documentos oficiais e publicações técnicas
institucionais de autores brasileiros, franceses, latino-americanos, entre outros, tanto na forma
convencional como por meio eletrônico. Para análise, utilizou-se como autores de referência
Couto, Anderson, Gentilli, Frigoto, Pereira, Sader entre outros. A pesquisa aponta as contradições
entre as propostas neoliberais de universalização e qualidade do ensino público e sua
materialização na política educacional, revelando a utilização de tais categorias como retórica.
Tem-se, então, uma política social pública de educação fragilizada, utilizada como meio para
perpetuar a lógica excludente do neoliberalismo.
Palavras-chave: Estado, políticas sociais públicas, neoliberalismo, política educacional e
educação.

ABSTRACT

The structure process of the State, while neo-liberal strategy of maintenance of the
capitalist system, points to the gradual minimization and no state responsibility in the guarantee
of the social rights to citizens. As a way to materialize this guarantee, the public social politics,
from the neo-liberal propositions, are permeated by deep alterations that cause limitations to the
access by individuals. Therefore, previous universal and public competence start to represent
potential market to the capital, being decentralized from the public space to the private sphere.
Thus, it is inagurated a conception of rights based on the power of purchase and sale of social
services, revealing the neo-liberal attack to public social politics. From this on, this study tries to
understand, from the reform process of the State, the neo-liberal determinations to social politics
and their materialization in the educational politics. The bibliographical research has as focus the
following question: What are the determinations of the neoliberalism to the public social politics
of education.....So, texts of historical nature and contextual references were used, having as
source for revision, books, national periodics, articles, oficial documents and institutional
technical publications of Brazilian, French, Latino-American authors, between others. The
research points to contradictions between the neo-liberal proposals of universalization and quality
of the public teaching and its materialization in the educational politics, revealing the use of such
categories as rhetoric. It is obtained then, a fragil public social politics of education used as a way
to perpetuate the excludent logics of the neoliberalism.
Key-words: State, social politics, neo-liberalism, , educational politics and education.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................................07
1 A REESTRUTURAÇÃO DO ESTADO.....................................................................................15
1.1 O Estado capitalista do pós-guerra à década de 1970............................................................16
1.1.1 A emergência e consolidação do Estado social ...........................................................16
1.1.2 A crise do Estado social..............................................................................................23
1.2 A reforma do Estado e a doutrina econômica neoliberal......................................................34
1.2.1 O neoliberalismo e o “desmonte” do Estado: continuidade ruptura?..........................38
1.2.2 O ajuste neoliberal na América Latina........................................................................46
2 A POLÍTICA EDUCACIONAL E O ESTADO NEOLIBERAL..............................................57
2.1 As propostas neoliberais para a política social pública de educação....................................66
2.2 Os sentidos da privatização na política educacional.............................................................70
2.3 A mercantilização da educação.............................................................................................79
3 AS PERSPECTIVAS NEOLIBERAIS PARA A POLÍTICA EDUCACIONAL....................83
3.1 A proposta de Educação para Todos.....................................................................................88
3.2 O ataque neoliberal à política social pública de educação..................................................101
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................108
REFERÊNCIAS...........................................................................................................................114

INTRODUÇÃO

A realização do presente trabalho tem como principal fonte de motivação a necessidade de


pesquisar continuamente para “reconstruir de contínuo nossas aprendizagens”, como ensina
Osório (2003, p. 11). Ao elaborar teoricamente a reflexão sobre o processo de reestruturação do
Estado, operada pelo neoliberalismo, é possível perceber seus impactos na garantia dos direitos
sociais pelo viés das políticas públicas. Tal processo revela a emergência de um conjunto de
mudanças que redirecionam as funções política, social e econômica do Estado na sociedade
capitalista. Esse movimento, é decorrente de um momento histórico e particular do mundo do
capital, no qual são redefinidas suas estratégias diante da recessão que ameaça a hegemonia
econômica, política e ideológica do capitalismo.
Ao longo de sua trajetória, o capitalismo foi marcado por períodos de intenso
desenvolvimento, mas também por crises cíclicas decorrentes de seus fatores estruturais e das
contradições essenciais do sistema. A partir da década de 1970, a maioria dos países capitalistas
vivenciou uma crise estrutural que provocou alterações nos campos político econômico e social.
Em decorrência desse processo, emergiu uma “nova economia” que, por sua vez, redimensionou
as formas de produção e relações sociais, exigindo da burguesia a reformulação das estratégias
capitalistas. Diante da urgência de reverter a problemática situação da economia mundial, os
princípios liberais são reafirmados e ganham novos elementos, resultando, assim, no modelo
econômico neoliberal. A esse modelo cabe reordenar a esfera produtiva com relação à produção,
ao consumo de mercadorias e aos serviços, como também determinar as atribuições interventivas
do Estado e, de certa forma, da sociedade civil.
Então, a mobilização dos países capitalistas para a retomada do desenvolvimento
econômico é permeada pelo esforço de reformulação da política econômica mundial, buscando
superar as orientações keynesianas a partir da adoção de princípios essencialmente voltados à
livre concorrência. Dos ataques políticos e teóricos proferidos contra o Estado social surgem as
bases fundamentais para uma nova doutrina econômica, que promete reerguer as grandes
potências econômicas.
O neoliberalismo emerge fundamentado na percepção capitalista de incapacidade do
Estado social em promover o desenvolvimento econômico, amparando-se num conjunto de
programas políticos e econômicos propostos a partir da década de 1970. Para Therbon (2005, p.
39), o neoliberalismo é “uma superestrutura ideológica e política que acompanha uma
transformação histórica do capitalismo moderno”. Legitimado pelas políticas econômicas
empreendidas pela racionalidade mercadológica em detrimento de qualquer possibilidade de
redistribuição social, demonstra não apenas a notável capacidade de reestruturação do capital
diante de períodos recessivos, mas, também, a destruição dos direitos sociais.
Diante disso, cabe resgatar como o neoliberalismo operacionalizou o processo de reforma
do Estado, de maneira geral, nos países desenvolvidos que seguiam as proposições do Estado
social. Também, partindo das determinações mundiais, podem-se perceber algumas
particularidades desse processo nos países latino-americanos, entre os quais o Brasil. Essa
contextualização pretende revelar as determinações neoliberais no campo das políticas sociais
públicas, especialmente a política educacional. Cabe ressaltar que esse processo é permeado por
inúmeros elementos que incidem diretamente no planejamento e no desenvolvimento das
políticas sociais enquanto garantia dos direitos sociais. Para situar a problemática da pesquisa
cabe destacar alguns desses elementos que orientaram o processo neoliberal de reestruturação do
Estado.
Ressaltando o contexto da superação da recessão que atingiu o capitalismo na década de
1970, entende-se a reestruturação do Estado como uma das estratégias capitalistas voltadas à
manutenção econômica do sistema, assim como a reestruturação produtiva e a ofensiva contra o
trabalho. A crise do Estado social, tanto fiscal como de legitimidade, é entendida como
conseqüência da ineficiência e ineficácia do Estado na intervenção e regulação da economia
capitalista, deslocando, assim, o problema exclusivamente para a esfera estatal. Para Silva (2003),
amparada no estudo dos principais marxistas1, o que se convencionou chamar de “crises” “não
são mais do que soluções momentâneas e violentas das contradições existentes, erupções bruscas
que restauram transitoriamente o equilíbrio desfeito”. (MARX, apud SILVA, 2003, p. 48). Nesse
sentido,
ao entender que o problema econômico é provocado somente pela incapacidade do Estado, os
neoliberais desconsideram que o investimento estatal financiou a iniciativa privada, sustentando,
por meio das políticas estatais keynesianas, a manutenção das condições de produção e
reprodução do processo de acumulação capitalista.
O movimento estatal de regulação econômica incentivou o consumo da população e os
investimentos empresariais no aumento da produção, provocando também a geração de
empregos. Além de interferir no desenvolvimento dos aspectos econômicos, o Estado social
produziu impactos positivos no campo social, legitimando um sistema de proteção social que
regula o padrão mínimo de vida para os cidadãos. Com os preços acessíveis, a população usufrui
de bens de consumo, os quais proporcionam bem-estar principalmente à classe trabalhadora, que
desfruta de um período de prosperidade econômica e social.
Cabe ressaltar que os países latino-americanos, caracterizados pela regulação tardia de
direitos sociais, como explica Sposati (2002, p. 35), “não viveram o pacto do Welfare State
fundado no modelo keynesiano ou beveridgiano. [...]. São, portanto, sociedades carentes de um
contrato social alargado”, sendo os direitos sociais e humanos reconhecidos somente no último
quartil do século XX. No Brasil, os direitos sociais eram direcionados ao campo trabalhista

1
Consultar capítulo “Reflexões sobre a ‘crise’ do Estado nas décadas de 1980 e 1990”, p. 46 -65.
atendendo aos trabalhadores formais urbanos, muitas vezes concedidos como “benefícios
2
sociais”.
A legitimidade desses direitos, conforme esclarece Couto (2004, p. 117), foi construída
pelos textos constitucionais e pelas propostas de políticas sociais construídas pelos governos,
configurando “um projeto de Estado de bem -estar do tipo meritocrático, particularista, de cunho
conservador”. Nesse sentido, as políticas sociais caracterizam -se pelo recorte seletivo e
fragmentado, não conseguindo responder às demandas, pois a estrutura institucional criada está
voltada a “atender prioritariamente as demandas do trabalho urbano -industrial, mediando, assim,
a relação capital e trabalho”.
Nos países desenvolvidos, a estabilidade foi ameaçada com a crise da superprodução no
final da década de 1960, quando a teoria fordista/taylorista começou a demonstrar deficiências
em sua metodologia de produção diante das demandas provocadas pela mundialização, pela
financeirização e pela descentralização dos capitais. Assim, ao demonstrar que o problema é
oriundo da regulação estatal da economia, e aí reside o ponto crítico de modificações, o
capitalismo promove-se como um sistema harmônico e auto-regulável, mesmo se sabendo que,
historicamente, suas relações sociais são marcadas por profundas contradições. Dessa forma, se,
por um lado, produz a geração de riquezas, o conhecimento, o domínio de técnicas científicas,
por outro, promove a desigualdade, a exploração, a pobreza, a ignorância e a violência. São esses
elementos contraditórios que contribuem para o desenvolvimento das crises cíclicas no sistema, o
que, devido sua própria essência, acaba sendo inevitável.
Nessa ótica, o Estado acabou sendo visto, em razão de suas políticas de financiamento da
economia, como insuficiente para ostentar as prerrogativas capitalistas. Foi a partir dessa
“incompatibilidade” que seu protagonismo começou a ser questionado e atacado pelos liberais
que defendem a existência de um Estado mínimo, capaz de atender às questões básicas como
saúde, educação, segurança etc. Porém, esses atendimentos prevêem uma atuação interventiva
limitada e descolada da garantia dos direitos sociais aos cidadãos.
O processo de reformulação do Estado ancorado nas justificativas neoliberais provoca a
construção de novas relações entre o Estado, a sociedade civil e o mercado. Essa construção
acaba sendo permeada pela regulação do mercado concorrencial, que, com base em interesses
hegemônicos, determina os espaços e funções dessas esferas. O esgotamento do Estado social,

2
Para melhor compreensão, recomenda-se a leitura do segundo capítulo da obra de Couto (2004): “A construção dos
então, como aponta Coutinho (2000), acaba sendo percebido segundo duas situações: da crise
fiscal, oriunda do endividamento público para financiar o sistema produtivo fordista, e das
dificuldades para se legitimar, ou seja, manter seu poder político de representação.
Diante dessas implicações, o Estado social representa uma ameaça, pois, além de não
conseguir sustentar financeiramente a economia capitalista, suas políticas de garantia de direitos
sociais aproximam as classes populares da esfera pública. A organização de grupos
representativos da população e sua movimentação reivindicatória, de certa maneira,
desestabilizam o capital, que precisa fazer concessões para garantir sua manutenção, essas
entendidas como relações paternalistas que emperram o crescimento individual dos indivíduos.
No entanto, para garantir os direitos sociais é imprescindível a participação do Estado,
pois, como aponta Vieira (2004), este regulamenta a construção de “espaços para a
implementação dos sistemas de proteção social que atuam como instrumentos de
desmercadorização da força de trabalho”( p. 29), os quais são estendidos à população de diversos
países. Apesar da origem contraditória, as políticas sociais, nesse sentido, são interpretadas como
condição de atendimento às necessidades sociais, avançando de uma concepção restrita de
proteção social à previsão de um conjunto de direitos, regulamentados por legislações
específicas. Entretanto, com as proposições neoliberais as particularidades que permeiam as
políticas sociais são alteradas profundamente, impondo limitações e possibilidades ao seu acesso
pelos indivíduos.
Sabe-se que essa limitação decorre do entendimento da vertente neoliberal, na qual as
políticas sociais aparecem como responsáveis pelo esgotamento das reservas financeiras públicas,
o que contribuiu efetivamente para o desencadeamento da crise fiscal do Estado. Desse discurso
surge como proposta a necessidade de eliminação das “políticas sociais universais não -
contratuais e constitutivas de direitos de cidadania” por propiciarem “o esvaziamento de fundos
públicos, ‘mal gastos’ em atividades burocratizadas, sem retorno”. (MONTAÑO, 2003, p. 188).
Contextualizando esse movimento, o presente estudo procura fundamentar a compreensão
do processo de reestruturação do Estado e suas implicações na garantia dos direitos sociais, que
correm o risco de, lenta e gradualmente, perderem seu sentido. Isso porque as políticas sociais
anteriormente de competência pública e universal, a partir das reformas neoliberais passam a
representar mercado potencial para o capital, sendo descentralizadas do espaço público à esfera

direitos civis, políticos e sociais no Brasil: trajetória social e jurídica.”


privada. Assim, inaugura-se uma concepção de direitos fundamentada no poder de compra e
venda de serviços sociais, que passam a representar ilhas mercantis, anteriormente evitadas com
as políticas keynesianas. Nesse sentido, emana a concepção do cidadão-consumidor, cerceado por
leis de mercado que determinam como acesso à cidadania o poder aquisitivo dos indivíduos.
Diante das ameaças proferidas pelas estratégias neoliberais de minimização do Estado e
sua desresponsabilização para a garantia dos direitos sociais, avaliando a política educacional
como uma das políticas sociais públicas ameaçadas pelo sistema, percebe-se que representa para
o capitalismo muito mais que um mercado econômico promissor. A educação, desde a
prevalência dos preceitos da teoria do capital humano, é entendida como imprescindível para
contribuir diretamente na formação dos indivíduos à vida, ao trabalho, e, logicamente, ao
consumo. Como lembra Couto (2004, p.117), no Brasil, mesmo sendo a educação um direito
social, “a garantia da mesma foi direcionada para a educação básica e a profissionalizante,
buscando a sustentação do processo de industrialização”.
A teoria do capital humano, enquanto parte da teoria do desenvolvimento, sustenta como
preceito fundamental o acréscimo de instrução, treinamento e educação como forma de aumentar
a capacidade de produção dos indivíduos. Como afirma Frigotto (2003, p. 41), “a idéia de capital
humano é uma ‘quantidade’ ou um grau de educação e de qualificação, tomado como indicativo
de um determinado volume de conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridas, que funcionam
como potencializadoras da capacidade de trabalho e de produção”. Cabe ressaltar que essa teoria
foi considerada como solução para diminuir as desigualdades entre os países desenvolvidos e em
desenvolvimento pelo investimento em educação.
Visando perceber como o neoliberalismo determina o enfraquecimento das políticas
sociais públicas pela diminuição das atribuições do Estado, elaborou-se como problema central
deste estudo o seguinte questionamento: Quais as determinações do neoliberalismo para a
política social pública de educação? Dessa forma, investigou-se, a partir da reestruturação do
Estado, as determinações neoliberais às políticas sociais e como elas são materializadas na
política educacional.
Para tanto, o texto-relato da pesquisa está dividido em três momentos. O primeiro busca
resgatar os principais aspectos do capitalismo determinantes da recessão de 1970; posteriormente,
procura-se fundamentar a reflexão sobre as problemáticas apresentadas ao Estado durante o
período recessivo e a ascensão do neoliberalismo como um projeto de classe que determina um
conjunto de reformas políticas, econômicas, jurídicas e culturais que reorganizam as relações
entre Estado, sociedade civil e o mercado. Nesse sentido, o primeiro capítulo, “A reestruturação
do Estado”, resgata a emergência do Estado social diante das dif iculdades decorrentes da
Primeira Guerra Mundial e da necessidade do capitalismo em fortalecer-se mundialmente.
Diante das propostas keynesianas, também são destacados os principais aspectos que
marcaram a consolidação do Estado social na sociedade capitalista e suas políticas de bem-estar
social. Após essa abordagem, realiza-se uma reflexão sobre as particularidades que levaram, em
instância maior, a crise capitalista a partir da década de 1970 e, conseqüentemente da crise do
Estado social. Com base nessa contextualização, apresenta-se a reforma do Estado operada pelo
neoliberalismo, destacando os princípios norteadores dessa doutrina econômica, bem como suas
propostas de ruptura e continuidade do Estado. Esse processo também é avaliado na perspectivas
dos ajustes neoliberais provocados nos países da América Latina, que devem se adequar às
prerrogativas do sistema.
A segunda parte do trabalho procura refletir sobre as transformações ocorridas no
planejamento e operacionalização das políticas sociais com bases nos pressupostos neoliberais.
Assim, o segundo capítulo, intitulado “A política educacional e o Estado neoliberal”, inicia
resgatando as principais mudanças ocorridas nas políticas sociais na perspectiva neoliberal de
negação dos direitos sociais. Com base nisso, procura-se encaminhar a discussão para a política
educacional, refletindo sobre os mecanismos neoliberais de ataque a essa política social pública e
suas determinações para a educação em geral, para as escolas e para o mercado educativo. Para
tanto, articula-se o desenvolvimento das políticas sociais com as dificuldades da crise da esfera
pública, percebendo-se que a descentralização do ensino para a esfera privada, a adoção dos
pressupostos racionalistas de formação e a aceitação da concepção de cidadão-consumidor a
partir da mercantilização são medidas neoliberais adotadas pelo capitalismo para colocar a
educação à sua disposição.
Buscando dar visibilidade às determinações neoliberais na política educacional, apresenta-
se como terceiro capítulo “As perspectivas neoliberais para a política educacional”. Partindo das
argumentações neoliberais sobre as grandes lacunas da intervenção do Estado para garantir a
universalização e qualidade do ensino público, procura-se compreender as propostas do discurso
neoliberal e a prática materializada na política educacional. Com a intenção de superar a
ineficiência do Estado, a política educacional, principalmente dos países latino-americanos, é
orientada pelos organismos internacionais de planejamento, execução e avaliação de políticas
sociais.
Como fundamento para essa discussão, apresenta-se o planejamento para a educação
elaborado na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em 1990 em Jomtien
(Tailândia) e convocada pelo Banco Mundial, pela Organização das Nações Unidas para a
Educação (Unesco), pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Programa
Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Dessa reunião resultou a
Declaração Mundial sobre Educação para Todos, determinando a cooperação mundial das nações
para melhorar os índices educacionais mundiais.
Partindo dessas reflexões, procura-se compreender a incoerência entre as proposições e
práticas neoliberais fundamentadas num discurso fragilizado e contraditório, que tem como eixo
central a universalização e qualidade do ensino. Tais propostas escondem os elementos que
fragilizam a educação enquanto direito social.
Para o desenvolvimento dessa investigação, utilizou-se como método a perspectiva
histórico-crítica, retomando elementos históricos que permeiam a categoria política social. Dessa
forma, procurou-se entender a problemática com base no contexto das estratégias capitalistas,
compreendendo que a concepção da política social pública de educação na atualidade pode ser
compreendida a partir dos processos macro, ou seja, da própria dinâmica capitalista. Visando dar
contar dessa problemática, adotaram-se os procedimentos de pesquisa qualitativa. Trata-se de
uma pesquisa bibliográfica, desenvolvida a partir de materiais já elaborados, com vistas a
compreender, a partir do discurso teórico, as transformações políticas, econômicas e sociais
provocadas pelo neoliberalismo. Com descrevem Cervo e Bervian (1983, p. 55), “a pesquisa
bibliográfica procura explicar um problema a partir de referências teóricas, [...] busca conhecer e
analisar as contribuições culturais ou científicas do passado existentes sobre um determinado
assunto, tema ou problema”.
Para tanto, utilizou-se um roteiro construído a partir das questões norteadoras levantadas
para a investigação do problema. Os dados foram coletados de textos de natureza histórica e de
referência conceitual, tendo como fonte para revisão livros, periódicos nacionais, artigos,
documentos oficiais e publicações técnicas institucionais de autores brasileiros, franceses, latino-
americanos, entre outros, tanto na forma convencional como por meio eletrônico. Diante da vasta
produção teórica sobre o tema, a seleção dos referenciais teóricos seguiu o critério da pertinência
das reflexões e a disposição de informações gerais e específicas que contemplassem a totalidade
do fenômeno estudado3. Cabe ainda ressaltar que, nesse momento de estudo, a preocupação não
foi com a pesquisa empírica, por se entender a necessidade de compreensão dos processos que
permeiam a política educacional influenciados por determinantes mundiais.
Como finalização provisória do estudo realizado, apresentam-se as “Considerações
finais”, com alguns apontamentos acerca da pesquisa desenvolvida com vistas a ressaltar o ataque
neoliberal às políticas sociais públicas, em especial à política educacional. Também, se procura
ressaltar novas possibilidades de investigação a partir das problemáticas levantadas pela reflexão
realizada.

3
Cabe ressaltar a opção por bibliografias críticas, contempladoras de uma visão da totalidade e que procuram
desvendar o real considerando os processos sociais para fundamentar a discussão das tendências do movimento
hegemônico sobre a garantia dos direitos sociais.
1 A REESTRUTURAÇÃO DO ESTADO

A primeira lição é a mais antiga e recorrente:


mudam conceitos e teorias, mas a pobreza é,
mais ou menos, a mesma.
Pedro Demo

Este capítulo tem como objetivo compreender o processo de reestruturação do Estado


operado pelo neoliberalismo, resgatando os determinantes desse movimento e suas
particularidades. Esse resgate abrange os aspectos relevantes da emergência, da consolidação e
crise do Estado social, levando em consideração o contexto social, político e econômico da época
e a necessidade de recuperação da economia mundial.
Diante da urgência de reverter a problemática situação da economia mundial, surge como
alternativa à superação do Estado social a retomada dos princípios liberais combinados com
outros elementos, resultando, assim, no modelo econômico neoliberal. A função desse modelo,
denominado “neoliberalismo”, é reordenar a esfera produtiva, do mercado e reestruturar o Estado.
O neoliberalismo, como doutrina econômica, promete reerguer as grandes potências pela adoção
de políticas econômicas empreendidas pela racionalidade mercadológica em detrimento de
qualquer possibilidade de redistribuição social.

1.1 O Estado capitalista do pós-guerra à década de 1970

1.1.1 A emergência e consolidação do Estado social

As dificuldades decorrentes das guerras mundiais e a necessidade


de financiamento do desenvolvimento econômico contribuíram,
efetivamente, para a implantação das estratégias capitalistas de
fundamentação keynesiana. Diante dos resultados negativos da “Era de
Catástrofe”, como nominou Hobsbawm (1995), somados às rebeliões e
revoluções globais, registra-se também a ocorrência de uma profunda
crise mundial na economia. Tal situação, “sem precedentes, pôs de
joelhos até mesmo as economias capitalistas mais fortes e pareceu
reverter a criação de uma economia mundial única, feito bastante notável
do capitalismo liberal do século XIX” (p. 16 -17).
A respeito, Frigotto (2003) afirma que foi durante essa época, especificamente na década
de 1930, que as crises cíclicas atingiram seu auge, “cuja base de sustentação teórica foi o
keynesianismo e cujo pressuposto básico, ao contrário das teses da liberdade absoluta do
mercado, implicava tomar como eixo a planificação e, portanto, uma pesada intervenção do
Estado no processo econômico social”. (p. 61).
Caracterizada pela mesma gênese estrutural, porém dotada de materialidade específica
desenhada pelos acontecimentos e situações contextuais, a Grande Depressão ocorrida em 1929
com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, segundo Hobsbawm (1995, p. 96), “eqüivaleu a
algo muito próximo do colapso da economia mundial”, que balançou as bases do capitalismo.
Como grande conseqüência mundial, além da queda dos indicadores econômicos, o desemprego
em massa dissemina-se entre as nações numa “escala inimaginável e sem precedentes”. (p. 97).
Essa situação reforçou o declínio dos países capitalistas, ficando ainda mais agravada naqueles
onde o seguro social era modesto ou inexistente.
As contestações de Keynes, ainda anteriores à recessão4 de 1929, indicavam que os
pressupostos defendidos pela ordem liberal burguesa não subsistiam mais e que a tentativa de
animá-los provocaria a desordem e instabilidade monetária e financeira. Nesse sentido, a
estabilidade interna da economia e o equilíbrio de sua posição internacional dependiam de seu
poder econômico, que possibilitava a execução das políticas monetárias5 e valorização de suas
moedas.
Atrelados a esse problema e visando arrumar o ambiente financeiro do Pós-guerras,
surgiram como iniciativas os acordos firmados na Conferência de Bretton Woods – EUA,
ocorrida em 1944. Dessa reunião, que englobou um conjunto de países, resultou a criação de
instituições voltadas a “promover o investimento internacional e manter a estabilidade do
câmbio, além de tratar a pensar estratégias de problemas de balanças de pagamentos”.
(HOBSBAWM, 1995, p. 269).
Tratou-se, pois, da criação de duas organizações: o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional. A primeira, inicialmente denominada como Banco Internacional para a
Reconstrução e o Desenvolvimento (Bird), mais tarde evoluiria e transformar-se-ia no Grupo do
Banco Mundial, constituído pela associação de cinco instituições6, determinado a “ajudar as
pessoas e os países mais pobres”. Quando da sua criação , tinha como enfoque principal a
reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial, reduzindo a pobreza no mundo.

4
Sandroni (1999, p. 512) entende por recessão a “conjuntura de declínio da atividade econômica, caracterizada por
queda da produção, aumento do desemprego, diminuição da taxa de lucros e crescimento dos índices de falência e
concordata”.
5
Com relação à política monetária, há a desestabilização do “conjunto de medidas adotadas pelo governo visando
adequar os meios de pagamento disponíveis às necessidades da economia do país. Essa adequação geralmente ocorre
por meio de uma ação reguladora, exercida pelas autoridades sobre os recursos monetários existentes, de tal maneira
que estes sejam plenamente utilizados e tenham um emprego tão eficiente quanto possível”. (SANDRONI, 1999, p.
478).
6
Tem-se o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Bird) responsável por empréstimos e
assistência para o desenvolvimento de países com rendas médias e com antecedentes positivos de crédito; a
Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), que tem como principal função a redução da pobreza,
destinando assistir os países mais pobres com empréstimos e outros serviços; a Corporação Financeira Internacional
(IFC), que financia investimentos privados e prestação de assistência técnica aos governos e empresas; a Agência
Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI), encarregada em estimular investimentos estrangeiros nos países
Atualmente, o Banco Mundial é reconhecido como instituição multilateral internacional de
financiamento para o desenvolvimento econômico e social. É também considerado como centro
de estudos econômicos sobre o desenvolvimento dos países pobres, contando com 183 países
participantes e investindo cerca de 30 bilhões de dólares/ano nos países clientes.7
Com relação ao Fundo Monetário Internacional (FMI), foi criado para supervisionar o
sistema financeiro internacional, evitando recessões na economia internacional, principalmente
nos países membros dessa organização. Além disso, acompanha os empréstimos de recursos
concedidos pelo fundo e destaca-se pela pesquisa das questões econômicas internacionais
emitidas em estudos, documentos e relatórios. 8
Hobsbawm (1995) ressalta que posteriormente à Guerra Fria, essas instituições ficaram
subordinadas às políticas americanas, que são detentoras majoritárias das cotas dessas
instituições. Dessa forma, pode-se explicar o grande poder de decisão e determinação nas
políticas econômicas mundiais proferidas pelos EUA, que aprovam propostas que lhes são
convenientes e vetam aquelas que não interessam à sua estrutura.
Cabe ressaltar que a criação dessas instituições de caráter supranacional e regulador,
especialmente o FMI, como se sabe, está vinculada às propostas inspiradas nas argumentações
proferidas por Keynes em meados da década de 1936, que visavam reerguer a economia
capitalista. Nesse período, o modelo econômico da teoria clássica não se demonstrava capaz de
responder aos problemas econômicos, visto que, apesar de seus economistas despenderem
grandes esforços para encontrar saídas eficazes à crise, suas tentativas acabavam em sistemáticos
fracassos. Nessas circunstâncias, as contestações de Keynes (1984) sobre o receituário pouco
atraente dos teóricos clássicos sustentam como imprescindível para a recuperação capitalista a
renovação da teoria econômica. Segundo Vieira (2004), Keynes demonstra que a incapacidade
econômica provém dos insuficientes investimentos dos empresários capitalistas na geração do
crescimento, o que se constitui no principal problema das potências industriais.
Nessa lógica, a falta de investimentos provoca um dos principais defeitos dessa sociedade,
sua “incapacidade para proporcionar o pleno emprego e a sua arbitrária e desigual distribuição da

em desenvolvimento; e o Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (Ciadi), responsável
pela resolução de disputas referentes a investimentos estrangeiros e seus acolhedores.
7
Informações disponíveis no site do Banco Mundial.
8
Dados apresentados no curso de Políticas Econômicas de Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.
iseg.uti.pt/disciplimas/mestrado/dci/dcipedcap8.br.>
riqueza e das rendas” (CONTADOR, 1982, p. 284), fatores imprescindíveis para Keynes
visualizar o progresso. Como confirmação disso, o grande desejo dos trabalhadores, como aponta
Hobsbawm (1995), mediante a situação instável da economia, era a proteção contra as incertezas
do desemprego, doença ou velhice sem rendimentos. O grande sonho era “ver o s filhos em
empregos de salários modestos, mas seguros, e com aposentadoria”. (p. 97).
Pode-se dizer que, diante do colapso, Keynes acreditava que somente pela criação de
empregos à massa populacional poder-se-ia impulsionar o consumo e movimentar,
automaticamente, a economia, o que implicava seguir orientações produtivas diferentes das
sustentadas na época. A superação desse paradigma, segundo Keynes, estava atrelada à condição
de a sociedade não continuar se encerrando em si mesma, ou seja, contando somente com
recursos próprios para mobilizar sua estrutura. Precisaria, então, despir-se do peso de continuar se
responsabilizando sozinha pelo desenvolvimento econômico e mobilizar-se para empreender
auxílios externos capazes de financiar seu crescimento. Nessas circunstâncias, o grande trunfo de
Keynes foi a responsabilização do Estado pela regulamentação da economia e também pelo
financiamento do desenvolvimento econômico e social.
Diante de tal proposição, Keynes demonstrou sua habilidade para convencer os
capitalistas a aceitar sua proposta redentora diante do desespero da crise, quando, além de
explicar a ineficácia da política monetária clássica ao combate à crise, conseguiu,
simultaneamente, propor como alternativa uma política de expansão do emprego e do produto.
(CONTADOR, 1982). Pode-se encontrar o desdobramento dessa proposta na obra do economista
Teoria geral do emprego, do juro e da moeda9.
As medidas utilizadas por Keynes, fundamentadas na análise estrutural e enfatizando a
macroeconomia, apresentam como aspectos corretivos as seguintes reformas: o equilíbrio da
distribuição de investimentos através da garantia do emprego e do consumo de produtos; a
contestação da lógica do laissez-faire, estabelecendo a atenção às flutuações de emprego e do
produto em curto prazo; a necessidade de intervenção do aparato estatal no complemento das
despesas privadas, aumentando a oferta de recursos para investimentos e de gastos em obras
públicas; o descrédito pelo mercado enquanto principal mecanismo de “auto -regulação”
econômica e da sociedade; a preocupação com o desemprego acima do equilíbrio fiscal;

9
Para maiores esclarecimentos, consultar obra do autor.
preferência pela política fiscal à monetária e o processo dinâmico de ajustes de quantidades e
preços10.
Com uma política econômica fundamentada na interpretação não monetária da recessão,
começou a vigorar o modelo de Estado social, que se caracterizou pelo poder interventivo,
regulador e financiador da economia capitalista. Para Keynes (1982), a utilização dos
investimentos estatais para financiar as estratégias econômicas constituía-se na mola propulsora
do sistema, tendo no consumo de bens pela população o principal suporte da atividade
econômica. Essa interferência do Estado na economia durante esse ciclo do capitalismo, segundo
Chesnais (2003), foi essencial à sua continuidade como sistema hegemônico de dominação
burguesa11. Isso porque, diante das tentativas frustradas de recuperação econômica, acalentadas
pelos capitalistas, acreditava-se que Estado, como mecanismo externo de regulação, poderia
contribuir para o retorno da estabilidade12 e das taxas de lucros com sua política de pleno
emprego.
Essa contribuição, como explica Pereira (2002), ocorreria pelo movimento estatal para
regular as variáveis-chave da economia, incentivando o consumo por parte da população e o
investimento dos empresários no aumento da produção, o que, conseqüentemente, impulsionaria
a geração de empregos. A partir desse movimento, um conjunto de gastos dos investidores, dos
consumidores e da própria estrutura estatal, com investimentos suplementares ao capital privado,
seria garantido. Nessa lógica, a receita adotada foi o equilíbrio entre procura e oferta de produtos,
possibilitadas por esse conjunto, o que provocaria a movimentação econômica e a superação da
crise.
De qualquer forma, não se pode negar que, além de interferir nas tendências econômicas
negativas e auxiliar no crescimento e desenvolvimento econômico, a intervenção estatal também
produziu impactos sobre as demandas sociais. Isso porque Keynes entendia que problemáticas
como o desemprego dificultavam o desenvolvimento da sociedade econômica, pois a ausência de

10
Sobre as inovações propostas por Keynes consultar a obra A importância da Teoria geral do emprego, do juro e
da moeda, especialmente a apresentação da edição brasileira da obra de Keynes (1982), escrita por Cláudio
Contador.
11
Chesnais (2003) argumenta que “pessoas como Roosevelt ou Keynes são bastante claras sobre o fato de que é a
continuidade da dominação da burguesia e a estabilidade do movimento de reprodução e de valorização do capital
que exigem essa regulação fundada no papel do Estado, bem como uma repartição de renda a fim de satisfazer as
necessidades vitais dos assalariados e de suas famílias” (p. 107).
12
Para Sandroni (1999, p. 220), a estabilidade econômica é “a ausência relativa de flutuações cíclicas. Depende
basicamente do nível da produção, do emprego e dos preços, fatores que costumam flutuar em conjunto de forma
cíclica”.
rendimentos do trabalhador impossibilitava o consumo e dificultava a movimentação econômica.
Assim, o desemprego massivo, como observa Hobsbawm (1995), em razão das traumatizantes
experiências do capitalismo durante a Grande Depressão de 1930, passou a ser considerado como
fenômeno “política e socialmente explosivo”. Essa problemática, registrada na Inglaterra, acabou
desencadeando grandes conflitos sociais que ameaçaram a hegemonia intelectual-política do
liberalismo. Considerando essa experiência, o “argumento keynesiano em favor dos benefícios
da eliminação permanente do desemprego em massa era tão econômico quanto político”. (p.
100).
Nesse sentido, a necessidade de desenvolver condições de trabalho à população, como se
pode perceber possibilitaria a movimentação econômica pela circulação rápida das mercadorias,
evitando também reivindicações e oposições dos trabalhadores à proposta fordista-keynesiana.
Com base nesse entendimento, deve-se destacar que a mobilização combativa ao desemprego e a
preservação dos vínculos sociais foram essenciais às potências capitalista-democráticas no pós-
guerra.
Lembra Hobsbawm (1995) que “os keynesianos afirmavam, corretamente, que a dema nda
a ser gerada pela renda de trabalhadores com o pleno emprego teria o mais estimulante efeito nas
economias em recessão”. (p. 100). No entanto, mesmo entendendo que a socialização de
investimentos possibilitava o pleno emprego e, com isso, a distribuição de riquezas, Keynes
(1982) ressaltou que, “fora disso, não se vê nenhuma razão evidente que justifique um
Socialismo do Estado abrangendo a maior parte da vida econômica da razão”.( p. 288). Portanto,
as medidas técnicas e as metodologias de trabalho que incentivam o consumo e a movimentação
financeira13 deveriam estar preocupadas, exclusivamente, em aumentar as taxas de lucros e
impulsionar o crescimento. Todavia, o desemprego existente era plausível de preocupações e
deveria ser tratado, uma vez que dificulta a concretização dos objetivos capitalistas.
Entretanto, o Estado social, com o propósito de criar condições favoráveis à acumulação
capitalista, também se legitimou pela garantia de direitos sociais aos trabalhadores. Essa
articulação, que desencadeou um “pacto” entre o Estado, o capital e os trabalhadores 14, garantiu

13
Segundo Pereira (2002), apesar de Keynes não ser socialista, opôs-se à auto-regulação do mercado e à
determinação de fatores como guerras, pressões sindicais, greves, sobre as disfunções da economia de mercado
(citando as crises e o desemprego), defendidas pelos liberais.
14
Conforme explica Laurell (2002), existem variações nos regimes de bem-estar social que caracterizam os modelos
adotados pelos países centrais. O primeiro classificado como social-democrata, concebe redução do mercado no
universo do bem-estar, sendo adotado pelos países escandinavos. Outro modelo referenciado pela autora é o
por um lado, a acumulação capitalista e, por outro, também a coesão social. Para Santos (2002),
esse processo “tinha uma idéia muito simples: ligar ganhos de produtividade a direito s sociais, e,
portanto, tentar criar direitos sociais com base no desenvolvimento da economia”. (p. 24).
Nessa dimensão, o Estado social responsabilizou-se pela legitimação de um sistema de
proteção social construído a partir das pressões dos trabalhadores na negociação com o capital. 15
Posteriormente, institucionalizaria esse padrão mínimo de atenção social estendendo-o a todos os
cidadãos, independentemente de sua condição de trabalhador. Tem-se, então, a caracterização de
“um Estado financiador do cresci mento, regulador da atividade produtiva e promotor do bem-
estar social, ou seja, um Estado garantidor do crescimento econômico e de um mínimo de padrão
de vida para os cidadãos”. (PERUZZO, 2004, p. 29).
Deve-se destacar que esse financiamento público da economia capitalista, na percepção de
Oliveira (1999), é materializado pela organização estrutural da esfera pública, a qual é regida por
“regras universais e pactuadas”. Portanto, os recursos públicos servem ao custeio tanto das
despesas oriundas da acumulação do capital como daquelas necessárias à reprodução e à
manutenção da força de trabalho, “atingindo globalmente toda a população por meio de gastos
sociais”. (p. 85).
Podem-se destacar como recursos deslocados para financiar a acumulação do capital os
investimentos com ciência e tecnologia, os subsídios para a produção, a garantia de diferenciais
competitivos nas exportações, os incentivos de taxas de juros, a potencialização dos setores
produtivos estatais, o financiamento de excedentes agrícolas, o apoio ao mercado financeiro e de
capitais, a valorização dos capitais, entre outros. Com relação aos gastos sociais destinados à
população, tem-se a educação universal com gratuidade e obrigatoriedade, a saúde pública, o
sistema de Previdência Social, a garantia do seguro-desemprego, benefícios familiares e os
subsídios para transportes. (OLIVEIRA, 1999).
As diversas interações estabelecidas pelo Estado, na opinião de Castel (1998), “tornaram -
se o componente maior de seu tipo de sociabilidade, e o social forma, de agora em diante, a

conservador-corporativo, presente em países como Alemanha e Itália, o qual é voltado para os direitos sociais a partir
de estímulos a efeitos redistributivos. Finalmente, a terceira modalidade compreende a lógica liberal movida pelo
mercado, onde a análise de cobertura dos benefícios sociais e intervenção estatal ocorrem a partir da inserção no
mercado do trabalho, ou mediante a impossibilidade de manutenção no mesmo. Enquadram-se nesse modelo a
Inglaterra, o Canadá e os Estados Unidos.
15
Para Wallerstein (2003), o Estado social legitima-se como mediador dos conflitos sociais presentes historicamente
na relação entre capital e trabalho, construindo um espaço onde “empregadores e trabalhadores esforçam -se, uns e
outros, para obter do Estado intervenções que consolidem sua posição nessas negociações”. (p. 86).
ossatura do societal”. (p. 564). O Estado, como regulador da economia, em substituição à auto -
regulação do mercado, possibilita a existência da desmercantilização das relações sociais,
denominadas por Santos (2002) como “ilhas n ão mercantis”, que segundo o autor, reafirmam a
possibilidade de coexistência de uma economia de mercado no interior de uma sociedade, não
mais orientada totalmente pelas regras mercadológicas. Dessa forma, por meio de políticas
sociais é possível proporcionar o acesso dos cidadãos aos serviços sociais básicos e a legalização
de “elevados níveis de proteção social garantidos como direitos de cidadania pelo Estado, cuja
intervenção assegura a solidariedade nacional e torna possível a desmercantilização da proteção
social”. (SANTOS, 2002, p. 24).
Nesse sentido, não se pode esquecer que as estratégias keynesianas de elevar a demanda,
pela intervenção estatal para superar a crise econômica, inicialmente, apresentaram resultados
satisfatórios, pois, além de favorecer o aumento da produção, proporcionaram maiores
rendimentos às pessoas, que através do consumo movimentam a economia, assegurando um
período econômico estável para o capitalismo.
Entretanto, se essa estabilidade tranqüilizou os capitalistas, como registra Hobsbawm
(1995), posteriormente, tais medidas efetivadas pelo keynesianismo acabariam demonstrando
somente o amortecimento da crise, não sua superação. Como se sabe, foi na década de 1970 que
eclodiram seus fatores remanescentes, demostrando a “cres cente dificuldade de financiamento
das atividades estatais relacionadas aos dividendos de crescimento” (BEHRING, 2002, p. 72).

1.1.2 A crise do Estado social

Pode-se dizer que as dificuldades do Estado social durante a década de 1970 estiveram
atreladas ao esgotamento do modelo keynesiano-fordista e às transformações nas esferas
produtiva e financeira, que acabaram fomentando as propostas de reformulação do papel
econômico, político e social do Estado. Entretanto, cabe situar que o questionamento do seu
protagonismo decorre do contexto da crise econômica que arrebatou o capitalismo.
Para Mandel (1990)16, estas foi “a primeira recessão generalizada desde a II Guerra
Mundial, sendo a única, até então, a golpear simultaneamente todas as grandes potências
imperialistas”(1990, p. 9 – grifo do autor). Entende-se que o teor da crise do Estado social nesse
contexto somente pode ser apreendido com o resgate das particularidades remanescentes das
políticas keynesianas, compreendendo, em última instância, que é modelo econômico de
desenvolvimento do capitalismo que está em crise. Entretanto, o Estado, como instrumento
utilizado pelo capitalismo para sustentar a economia, acabou sofrendo restrições que decorrem da
própria reestruturação do capital. Porém, percebe-se que a necessidade do capitalismo em
culpabilizá-lo pela recessão acaba escondendo os verdadeiros fatores que desencadearam tal
situação.
Resgatando esse período histórico, pode-se constatar que a economia estava fragilizada
pelo agravamento de fatores estruturais, bem como pelo impacto negativo das ações estratégicas
adotadas para a superação da crise 1929. Isso implicou a adoção de uma série de medidas que, de
certa forma, proporcionaram durante o pós-guerra grande desenvolvimento econômico, deixando
a certeza aparente de resolução dos problemas desse período.
Com o crescimento acelerado da economia, Mandel (1982) observa que também “a
produção mundial de manufaturas quadruplicou entre o início da década de 50 e o início da
década de 70, e, o que ainda é mais impressionante, o comércio mundial de produtos
manufaturados aumentou dez vezes”. (p.257). Segundo o autor, durante o ciclo de
desenvolvimento pós-guerra, a demanda por mercadorias superava a capacidade produtiva,
impulsionando a produção em grande escala e a expansão do crescimento econômico. Essa
17
situação provocou a “superacumulação” de mercadorias, agravada com a retração das
exportações em razão da concorrência, o que provocou a “contração sucessiva de produção de
18
mercadorias e, consequentemente, da produção de mais-valia” .

16
Sua reflexão detém-se em analisar os principais fatores que impulsionam o colapso da recessão de 1945-75,
buscando explicar as dificuldades econômicas enfrentadas durante esse período e a profundidade das implicações
originárias das próprias determinações capitalistas, as quais acabam afetando sua própria dinâmica estrutural. De
maneira genérica, explica que a crise representa “a conclusão de uma fase típica de queda da taxa média de lucros” e
o “crescimento regular da capacidade ociosa de produção da indústria”. (1990, p. 23 -26).
17
Para Mandel (1982) o conceito de superacumulação não é absoluto, mas relativo, pois “não há nunca capital ‘em
demasia’, em termos absolutos: há muito capital em disponibilidade para que se atinja a média social de lucros
esperada”( p. 76).
18
Isso porque, quando a aceleração da produção atinge determinado patamar, torna-se difícil manter a “valorização
da massa total de capital acumulado”, sendo a queda na taxa de lucros o termômetro desse movimento.
Ainda segundo Mandel (1982), a superacumulação dificulta o investimento do capital,
fazendo diminuir drasticamente o percentual dos lucros. Essa queda na lucratividade, segundo
Duménil e Lévy (2003), “foi a expressão de uma deteriorização regular das performances da
mudança técnica. [...] A produtividade do trabalho continuou a aumentar, mas a uma taxa
constantemente reduzida, constituindo uma primeira expressão dessa deteriorização”. ( p. 20).
Acreditando na temporariedade dos problemas e na retomada do crescimento econômico
coletivo, os capitalistas não perceberam a estagnação como conseqüência dos fatores estruturais e
das variáveis oriundas das políticas e mecanismos de superação de crises anteriores, nem
consideraram as implicações contraditórias da própria dinâmica capitalista. (HOBSBAWM,
1995). Segundo Mandel (1990, 1982), são as discrepâncias decorrentes das “leis internas” do
capitalismo que acabam justificando os motivos das inevitáveis oscilações. Negligenciando, pois,
essa combinação, o capitalismo sustenta que o declínio econômico e social é resultado das altas
do petróleo19, dos movimentos sindicais e aumentos salariais e, sobretudo, da incapacidade
interventiva do Estado na política econômica e no gerenciamento democrático da sociedade. O
modelo de intervenção estatal na economia, ao não conseguir garantir as taxas de lucros
satisfatórias aos investidores burgueses, provoca o questionamento de sua serventia ao
capitalismo, uma vez que sua principal função não vem sendo cumprida.
Como resultado, a economia é sacrificada pela retração da produção industrial, em razão
da grande concorrência entre os produtores na colocação do excesso de mercadorias produzidas.
20
Essa acumulação no mercado competitivo determina a diminuição dos lucros e a retração dos
investimentos de capitais na produção, elevando o desemprego, que, em comparação com o
período pós-guerra, aumenta consideravelmente e torna-se a expressão evidente da crise
estrutural. Segundo as avaliações de Duménil e Lévy (2003), nos Estados Unidos e nos países
europeus o desemprego durante esse período chegou a atingir 10% da população
economicamente ativa.

19
O aumento do preço do petróleo no mercado mundial, determinado pela Organização dos Países Exportadores de
Petróleo, provocou elevação dos preços de outros produtos, diminuição da produção de determinadas mercadorias,
dificuldades no balanço de pagamento, diminuição das exportações e aumento das importações de matéria-prima.
(WALLERSTEIN, 2003, p. 79). Porém, Mandel (1982) afirma que, mesmo com a incidência de tais dificuldades, a
contração da demanda e da produção não foi desencadeada pelo aumento do petróleo, sendo esse, “no máximo, um
fator adicional que amplifica a gravidade da crise”. (1990, p.38) .
20
Na corrida pela venda, são os monopólios que acabam controlando os preços e o poder de barganha, suprimindo a
concorrência com a cumplicidade governamental. Nessa condição, contribuem para diminuição do Produto
Nacional Bruto, provocando também um descompasso entre a produção industrial e os excedentes agrícolas.
Cabe ainda ressaltar que a problemática do desemprego foi agravada pela introdução das
novas tecnologias nos processos produtivos, as quais prometiam maior lucratividade em menor
tempo e a custos reduzidos. Entretanto, a retração inicial dos postos de trabalho como condição
para sua posterior ampliação não passou de promessa que a modernização tecnológica não
conseguiu cumprir. Dessa forma, com o aumento da produção e a diminuição da acumulação dos
investimentos, o desemprego expandiu-se rapidamente, mostrando a verdadeira face do
fenômeno tecnológico. Explica Tavares (2000) que “esse tipo de transformação produtiva
caracteriza-se pelo caráter restrito e concentrado das mudanças tecnológicas em poucos países,
bem como numa distribuição desigual dos frutos do progresso técnico e dos custos sociais das
políticas de ajuste e reestruturação”. (p. 18 – grifos do autor).
Cabe ressaltar, ainda nesse contexto, a incidência de outros elementos que influenciaram
na diminuição dos postos de trabalho durante o período recessivo, tais como a elevação da
população economicamente ativa, a dependência exclusiva da inserção no mercado de trabalho
formal para acessar as mercadorias e serviços básicos à sua manutenção e o aumento de mulheres
nos espaços laborais. Como forma de manutenção do emprego em meio à instabilidade, os
trabalhadores passam a depender da exploração de seu trabalho, aceitando as reduções dos
salários, do sistema de proteção social e dos direitos sociais historicamente conquistados. Nessa
ótica, novamente seguindo as assertivas mandelianas, “assistimos desde então a uma ofensiva de
austeridade do grande capital contra os assalariados”. (MANDEL, 1990, p. 231 -grifo do autor).
Durante esse período, além da perda do poder aquisitivo dos trabalhadores e da
diminuição de investimentos no sistema produtivo, são registrados elevados índices de inflação21,
sem perspectivas de redução ou, mesmo, de sua estabilização em curto prazo. “Os preços que
subiram na fase de prosperidade e de ‘superaquecimento’ são agora ajustados à redução do valor
das mercadorias”, porém, com a emergência da chamada “inflação permanente” observa -se o
“au mento contínuo dos preços”, que resultam na elevação do custo de vida dos indivíduos.
Sabe-se que tal situação é agravada para aqueles que perderam o emprego e encontram-se
excluídos do acesso às mercadorias e nos serviços sociais. (MANDEL, 1990).
Para complicar, os investimentos locais são reduzidos pela transferência de capitais
financeiros para países com menores riscos monetários, desencadeando uma “desordem
monetária” provocada pelos “grandes movimentos internacionais especulativos de capitais
flutuantes”(MANDEL, 1990, p. 86) de expansão multinacional. Assim, a corrida pela
lucratividade ultrapassa as fronteiras terrestres e desencadeia o processo de fortalecimento do
capitalismo através da mundialização dos capitais e, conseqüentemente, dos mercados,
configurando o novo cenário competitivo da produção mundial.
Por conta dessa leitura histórica, ou seja, da apreensão dos principais elementos que
desencadearam a crise capitalista, entende-se, como Frigotto (1996), que a recessão sofrida na
década de 1970, “ não é, portanto, como explica a ideologia neoliberal, resultado da demasiada
interferência do Estado, da garantia de ganhos de produtividade e da estabilidade dos
trabalhadores e das despesas sociais”. Pelo contrário, a crise afirma -se como “um eleme nto
constituinte, estrutural, do movimento cíclico da acumulação capitalista”. (1996, p. 62).
A essa visão acrescenta Antunes (1999) que, além da acumulação de mercadorias, da
dificuldade de retratação do consumo e da falência do Estado social22, outros elementos
fundamentais somam-se a esse conjunto e provocam o esgotamento das bases materiais do
capitalismo. Esses indicadores se constituem na queda da taxa de lucros provocada pelo aumento
do custo da força de trabalho, na migração dos investimentos para o setor especulativo e nas
grandes fusões de empresas, que formam poderosos monopólios mundiais. Somam-se, ainda, o
esgotamento do sistema padrão taylorista-fordista, as freqüentes privatizações de empresas
públicas e a constante tendência de desregulamentação e flexibilização dos mercados, dos
processos produtivos e, conseqüentemente, da força de trabalho23.
No entanto, é preciso ressaltar que a estrutura capitalista é que se encontra em crise, sendo
o Estado parte dessa estrutura. Assim, seguindo essa concepção, pode-se afirmar que o Estado,
em virtude de suas políticas de financiamento da economia, mostrou-se insuficiente para ostentar
as prerrogativas capitalistas. É a partir dessa “incompatibilidade” que seu papel institucional
começa a ser questionado e as fundamentações liberais contrárias às idéias keynesianas ganham
terreno para determinar a reformulação do Estado como estratégia de retomada da hegemonia
econômica, política e ideológica do capitalismo.

21
“Aumento persistente de preços em geral, de que resulta uma contínua perda do poder aquisitivo da
moeda”(SANDRONI, 1999, p. 301).
22
Considerando a existência de variadas nomenclaturas utilizadas para definir a política voltada ao bem-estar
adotada pelo Estado em determinados períodos históricos, quais sejam: Welfare state, Estado de bem - estar social,
Estado Providência ou Estado assistencial, como referência à política estatal adotada posteriormente à Segunda
Guerra Mundial, utilizar-se-á a expressão “ Estado social” conforme orienta Pereira (2003, p. 76).
23
Diante desse conjunto de indicadores, as concepções marxistas confirmam que a fragilidade do sistema capitalista
é determinada por suas próprias estratégias.
No entanto, esse processo é permeado por inúmeras tensões, uma vez que como relembra
Silva (2003), é no Estado que estão condensadas as contradições sociais, políticas e econômicas
do capital. Diante desse fato, não se pode esquecer que, ao mesmo tempo em que tem como
atribuição atuar como mediador na organização política dos interesses das classes dominantes, no
sentido de desmobilizar as classes populares, por outro lado, propõe legitimar a igualdade de
classes e o estabelecimento de direitos à coletividade.
Para continuar cumprindo tal papel, faz-se necessário reformar o Estado, estabelecendo
novos limites para sua atuação nas esferas econômicas, políticas e sociais. Para Coutinho (2000),
o esgotamento do Estado social foi provocado por duas situações:
pela crise fiscal, oriunda do endividamento público para financiar o sistema produtivo fordista, e
pelo déficit de sua legitimação, ou seja, a direção política do aparelho estatal. Acrescenta Silva
(2003) que os elementos geradores dessa crise são oriundos da contraditória tentativa de
assegurar as condições de produção e reprodução capitalista por meio de políticas estatais. Ainda
segundo a autora, a cada crise do capital, essa situação se complica por enfrentar obstáculos que
dificultam a manutenção do equilíbrio entre o econômico, o político e o ideológico.
Sobre os aspectos econômicos, percebe-se que a insustentabilidade do déficit fiscal do
Estado fundamentou a argumentação capitalista sobre a incapacidade dessa instituição em
gerenciar a economia, uma vez que demonstrava dificuldades em controlar as dívidas públicas.
Destaca-se aqui que a compreensão dessa “crise geral das finanças públicas” é possibilitada, entre
outras abordagens, pelo exaustivo estudo de Behring (2002) publicado na obra Política social no
capitalismo tardio.
O ponto de partida desse estudo consiste no resgate das contribuições de O’Connor24, o
qual acreditava ser a “contradição elementar entre produção social e apropriação privada dos
meios de produção” (p. 72) a principal causa da crise fiscal do Estado social, sendo essa
contradição agravada pelas tendências estruturais e conjunturais, que provocam uma demanda
dirigida ao Estado. Associam-se a essa situação as dificuldades de elevação das cargas tributárias
que intimidam o Estado, restando-lhe como alternativas apelar às finanças inflacionárias,
aumentar os tributos e reduzir as despesas públicas.

24
Conforme reforça Behring (2002), o foco analítico de O’Connor está voltado para a situação dos EUA após a
Segunda Guerra Mundial, porém apresenta importantes elementos para a compreensão das políticas sociais no
contexto geral da crise do Estado.
Nesse sentido, para Montaño (2003), mesmo que a crise fiscal do Estado possa ser
percebida de diferentes perspectivas, acaba sendo permeada por dois aspectos: a diminuição da
arrecadação do Estado em razão dos processos informais de trabalho e da evasão fiscal, e a
elevação dos gastos estatais na área social sem retorno imediato, ou seja, investimentos nas
políticas sociais. Tal situação fora sustentada por Keynes, que acreditava serem os custos
oriundos da manutenção das políticas sociais recompensados pelos benefícios destinados ao
capital, como a colaboração dos trabalhadores no desenvolvimento econômico e social e os
aumentos na produtividade. Entretanto, com a recessão essa concepção foi duramente criticada,
pois as políticas de pleno emprego ofereciam estabilidade, remuneração e garantias na legislação
trabalhista, mesmo que proporcionassem ao capital a serventia dos trabalhadores.
Como aponta Montaño (2003), diante de um Estado promovido tanto pelo capital como
pelos trabalhadores, percebe-se que a estratégia liberal incorpora concepções conhecidas como
“socialistas” para restabelecer a ordem econômica. Esse movimento contraditório, inerente ao
modelo de Estado fundamentado na social-democracia, também pode ser percebido nas
argumentações proferidas por Frigotto (2003). O autor explica que o financiamento público
sustenta diretamente o padrão de acumulação capitalista e, indiretamente, os trabalhadores, ao
interagir com políticas que garantem a reprodução da força de trabalho. Partindo dessa concepção
e das argumentações de Marx sobre a necessidade de manutenção da força de trabalho para o
capital, percebe-se que o Estado social disponibiliza serviços sociais à população instalando a
concepção de direitos que é materializada por meio das políticas sociais.
No entanto, essa manutenção do conjunto de benefícios e serviços condizentes com as
exigências do capital e dos trabalhadores, ou seja, também a socialização os custos, impulsiona o
aumento das despesas do Estado. Como solução imediata, mas indefinida, a instituição estatal
recorre à elevação dos impostos, sendo as políticas públicas subsidiadas pelos custos extras
dispensados aos trabalhadores e ao capital.
Mesmo com o aumento da carga tributária, o Estado não consegue obter todos os recursos
necessários à manutenção dos serviços, gastando acima das receitas que arrecada (MONTAÑO,
2003) e provocando o descontentamento das empresas e da população. Dessa forma, é possível
constatar que a contribuição das medidas keynesianas para o surgimento da crise fiscal revela-se
na ampliação das despesas estatais, no aumento da inflação, no efeito da política econômica
sobre o emprego e os salários, na exploração tributária e na diminuição das receitas do Estado.
Para Montaño (2003), mesmo que os liberais demonstrem coerência nas explicações da
crise fiscal do Estado, o fundamento dessa crise está relacionado ao “uso político e econômico
que as autoridades, representantes de classe, têm historicamente feito em favor do capital (e até
em proveito próprio)”. (p. 216). Segundo o autor, esse financiamento do capital engloba desde o
pagamento da dívida pública e os subsídios fiscais até o reerguimento de empresas falidas ou
vendas subvencionadas de empresas estatais subavaliadas. Deve-se considerar ainda que

o clientelismo político, corrupção, compras superavaliadas e sem licitação, empréstimos


ao capital produtivo com retorno corroído pela inflação, taxas elevadíssimas de juros ao
capital financeiro especulativo, construção de infra-estrutura pública necessária para o
capital produtivo e comercial. (MONTAÑO, 2003, p. 216).

Tomando como exemplo o incentivo à privatização de empresas estatais para extinguir


endividamentos públicos, a transferência para o privado da responsabilidade sobre a manutenção
de setores importantes à economia, em parte, financiadas pelas instituições estatais, favoreceu o
capital privado na aquisição de negócios lucrativos. Entretanto, Oliveira (1999) desconsidera a
privatização como principal metodologia para desmontar a regulação do antivalor, pois na
maioria das grandes potências a privatização vem sendo modesta e despretensiosa no sentido de
resolver a crise estatal em “qualquer dimensão”. Nesse sentido, o autor observa, pelos
levantamentos realizados, que os motivos que levam à privatização são sustentados mais por
razões pragmáticas do que ideológicas. Mesmo quando estatais tais empresas conseguem
acompanhar o movimento da economia mundial, apesar de sua lentidão política para a tomada de
decisões, o que dificultaria sua adaptação ao mercado competitivo25, conforme afirmam os
neoliberais.
Com a incapacidade do Estado social em controlar os aspectos econômicos, conforme
demonstrado pela crise fiscal, também os aspectos políticos que garantem sua legitimidade estão
ameaçados. Isso decorre, como explica Wallerstein (2003), do fato de as políticas estatais
perderem poder ao serem consideradas como “dispositivo político destinado a conter a
insatisfação e o radicalismo político que emana dos trabalhadores” (p.90), sendo suportadas pelo
capitalismo. Apesar dos custos que a democratização envolve o grande problema para os
capitalistas, segundo o autor, é a elevação das exigências dos trabalhadores com relação à
qualidade dos serviços sociais oferecidos pelo sistema de proteção social e a tendência ao seu
aumento regular e sua expansão geográfica.
A previsão de ampliação dos gastos públicos na manutenção das políticas de bem-estar
keynesianas atrelada à tendência de expansão do modelo para outros países, desperta no
capitalismo o entendimento de que, economicamente, essa “ampliação dos direitos sociais é, em
longo prazo, incompatível com a lógica da acumulação capitalista”, como explica Coutinho.
(2000, p. 44). Isso porque, argumenta Silva (2003), a concessão de direitos sociais vai de
encontro aos direitos econômicos e de propriedade, e a forma de evitar esse choque é ampliar os
direitos políticos e civis em detrimentos dos sociais. O sistema de proteção social, de modelo
passa a ser exceção, pois é considerado como um luxo que não deve ser expandido, visto que
provocaria uma série de inconvenientes ao capital. Com a necessidade de redução dos custos
produtivos, especialmente aqueles oriundos da manutenção da força de trabalho, os direitos
sociais agregados ao salário impossibilitam essa manobra. Dessa forma, propaga-se que além de
interferir negativamente na competitividade das economias, a garantia de proteção social a todos
acaba gerando o desemprego e prejudicando a poupança e os investimentos. (SANTOS, 2002).
Cabe ressaltar que outro grande problema provocado pela social-democracia26 ao
materializar os direitos sociais é a aproximação da classe trabalhadora da esfera política27, pois
essa aproximação acabou provocando a redefinição da representatividade social das classes
dominantes na ampla reconfiguração estrutural das classes sociais, mediante as intervenções entre
Estado e economia. Essa relação, que envolve o Estado, as classes sociais e os partidos políticos
revela que a “política não é mero reflexo da estrutura material de produção”, visto que, partindo
de uma relação assimétrica entre política e economia, o Estado precisa atender, paralelamente,

25
Conforme Oliveira (1999), essa avaliação não serve para os EUA, pois desde o fim do mandato de Roosevelt o
Estado não detinha patrimônios produtivos de grande amplitude.
26
Coutinho (2002) afirma que a social-democracia teve o mérito de conquistar reformas que favoreceram os
trabalhadores, porém seu reformismo sistemático proporcionou seu enfraquecimento, pois sempre que suas reformas
se chocaram com a lógica capitalista, abandonou suas estratégias e adotou posturas que não desfavorecessem a
acumulação capitalista.
27
Para Hayek (1984) a igualdade de condições tende a deslegitimar a autoridade política.
dos interesses do capital sem se descuidar das reivindicações dos trabalhadores. (RAICHELIS,
1998, p. 57).
Outro implicante negativo ao capitalismo nessa reconfiguração das classes sociais diz
respeito à democracia representativa, eleitoral e corporativista. Segundo Laurell (2002), ao
facilitar a organização de grupos corporativos, estes “formulam demandas impossíveis de serem
cumpridas, atuam como grupos de pressão e votam em bloco em função da promessa partidária
de satisfazer suas demandas, o que tende a incrementar a intervenção estatal e a restringir o livre
mercado e a iniciativa individual”. (p. 161).
Nesse universo, o Estado é percebido como paternalista em razão das suas políticas de
proteção social, que acabam limitando ainda mais o indivíduo, o qual se contenta somente com as
ofertas do Estado. A respeito, Hayek (1984) já afirmava que esse tipo de Estado tutela os
indivíduos ao tratá-los de maneira desigual perante o mercado competitivo. Por tal concepção,
acaba reduzindo suas capacidades de mobilização para o crescimento individual, desmotivando-
os a perseguirem melhores rendimentos e condições sociais independentes de subsistência. Essa
prática estatal é percebida pelos críticos liberais, como observa Montaño (2003), como geradora
de dependência e acomodação dos indivíduos assistidos, não os estimulando a melhorar suas
condições econômicas. Nesse sentido, a influência do Estado torna-se perniciosa para os
assistidos, ao limitar sua capacidade para o trabalho, e onerosa para os contribuintes, que acabam
mantendo essa condição pela contribuição de impostos.
Além dos argumentos proferidos sobre a crise fiscal, a escassez de recursos e o
paternalismo, a reformulação do Estado também é justificada pela necessidade de desburocratizar
sua estrutura. Nessa linha, Montaño (2003) observa que o Estado é percebido como uma
monstruosa estrutura burocrática, grande no tamanho e lenta na dinâmica de funcionamento,
sendo, ainda, marcado pela política clientelista, pela falta de fiscalização da produção de seus
funcionários e pela internalizada corrupção.
Constata-se ainda que, além, da uma crise fiscal, há outra, ideológica, que coloca em
questão o Estado enquanto representação política e de interesse de todos os cidadãos (SILVA,
2003), uma vez que o setor público demonstra ineficiência e ineficácia em suas intervenções.
Laurell (2002) explica que a ineficácia ocorre quando o Estado “tende ao monopólio estatal e à
tutela dos interesses particulares de grupo de produtores organizados, em vez de responder às
demandas dos consumidores espalhados no mercado”. (p. 162). Com relação à ineficácia, estão
remetidas as referências quanto à incapacidade do Estado em exterminar a pobreza, ao invés de
agravá-la com seu paternalismo, conforme argumentava criticamente Hayek.
Para Tavares (1993), as reclamações neoliberais, ou seja, daqueles “ bem colocados em
termos de renda e riqueza pessoal nos circuitos privilegiados – contra o peso e a ineficiência do
Estado, parecem de um cinismo aterrador, não fosse o fato de que a cegueira ideológica lhes
retira qualquer capacidade de análise crítica”. ( p.67).
O Estado, então, é culpabilizado e considerado como “antieconômico e antiprodutivo”
(LAURELL, 2002) por descontentar ao capital, aos trabalhadores e à população. Essa percepção
é potencializada quando o setor público é eminentemente comparado com o privado, resultando
na concepção de que o privado é “o único a possuir uma ‘racionalidade’ e uma ‘vocação’ capazes
de levar ao crescimento econômico”. (LAURELL, 2002, p. 40). Como também aponta Bóron
(1995), essa ideologia “sustenta que tudo o que o Estad o faz é mau, ineficiente e corrupto; e que
tudo o que faz o setor privado é bom, eficiente e virtuoso”. (p.82).
Como se pode observar pelo exposto, ocorre “uma inevitável crise do Estado social do
pós-segunda guerra, a qual expressava a incapacidade fiscal desse Estado e sua ineficiência
administrativa e política” (PEREIRA, 2002, p. 79 -80 –grifo do autor) diante das exigências
capitalistas. O entendimento dessa inevitabilidade pode ser observado no “peculiar consenso”
entre representantes da “nova direita” (neoliberais/neoconservadores)28 e de esquerda (neo-
marxistas/libertários)29.
Desconsiderando as significativas diferenças de percepção das mudanças histórico-
estruturais desencadeadas pelo processo de mundialização econômica, pela desmobilização dos
movimentos reivindicatórios e pelo aumento dos problemas sociais, ambas as vertentes
concordam com a incompatibilidade entre capitalismo e bem-estar e a inevitável falência desse
modelo de Estado. (PEREIRA, 2003).

28
Com relação à Nova Direita, destacam-se aqueles que acreditam na incompatibilidade entre os ideais
mercadológicos e o bem-estar (Malthus, Nassau Sênior), contestam os gastos sociais realizados pelo Estado como
apontou Bismark, e realizam comparações entre as práticas sociais do Estado e o risco de aproximação às práticas
totalitárias e reprodutivas do nazismo (de Hayek). (PEREIRA, 2003).
29
Proferidas pela esquerda, as contestações de Marx quanto à conciliação entre o capitalismo e os interesses do
trabalho são acompanhadas por seguidores contemporâneos, como Saville, Baran e Sweezy, Muliband, os quais
entendem o bem-estar como resultado das lutas de classe.Ressaltam-se ainda as previsões realizadas por Briggs,
mais tarde abordadas por O’Connor, sobre a “crise fiscal” do Estado. (PEREIRA, 2003).
Essa “crise de governabilidade” 30, também denominada “crise do estatismo”, segundo
Soares (2003), é compassada pelo “processo de internacionalização dos mercados, dos sistemas
produtivos e da tendência à unificação monetária e financeira”, os quais provocaram a redução
das políticas estatais. Portanto, “essa é a base real para a crise do Estado capitalista”, que fez com
que liberalismo econômico abandonasse o modelo estatal e retornasse à ortodoxia do mercado
“selvagemente” concorrencial. (p. 12).
Dessa forma, é preciso eliminar os controles desenvolvidos pelo Estado social-democrata,
que dificultavam a movimentação das forças de mercado com normatizações gerais e específicas
e sua liberdade de realização e determinação de investimentos e gastos públicos. Percebe-se que,
em aspectos gerais, como aponta Behring (2003), não restam dúvidas de que as políticas
keynesianas, fundamentadas no pleno emprego e no consumo, ameaçavam as ousadas intenções
capitalistas.
Desse pensamento também compartilham Duménil e Lévy (2003) ao revelar que o
“controle macroeconômi co, estatal e centralizado, calcado no crescimento do emprego” (p.32),
impunha ao capital numerosas limitações ao regulamentar suas atividades nacionais e
internacionais, reconhecer direitos sociais e construir um Estado fundado na concepção de bem-
estar social. Desse sentimento de repressão do capital é que emerge a urgência de “desmanche”
do Estado social, sendo esse “processo consciente, deliberado, cuidadosamente orquestrado, e
não o resultado de um mecanismo de mercado qualquer”. (p. 32).
Mesmo que as propostas de desarticulação do Estado social tenham concentrado esforços
liberais para sua implementação, Santos (2002) argumenta que esse não foi desmontado por
completo, como será abordado posteriormente. Isso porque o espaço do Estado na sociedade
capitalista, conforme explica Vieira (2004), sempre esteve garantido, porém com atuação
afirmada ou se negada em alguns setores, determinando maiores ou menores ocupações de
espaços.
É por isso que, em alguns momentos, o Estado precisa atender às necessidades do capital,
promovendo aumento nas taxas de lucro e alimentando a acumulação do capital. Em outros, é
chamado a garantir o acesso da população aos serviços sociais básicos, atendendo, mediante as
pressões sociais, às reivindicações trabalhistas e da população. Tem-se, então, em algumas

30
Segundo Tavares (1993) a governabilidade deve ser entendida como a “capacidade ou poder de formular e
implementar políticas, obedecendo o tempo e administrando conflitos, sem abandonar os objetivos centrais
inicialmente propostos pela autoridade constituída”. (p. 134).
situações, a atuação de uma doutrina amparada no Estado social e, em outras, a prevalência de
um “Estado restrito ou Estado mínimo”, ou como prefere denominar Vieira (2004), de um
“Estado diminuto”, emergente das propost as neoliberais.

1.2 A reforma do Estado e a doutrina econômica neoliberal

Com a alteração do modelo econômico capitalista, pode-se perceber que a manutenção de


algumas práticas estatais, e a emergência de novas atribuições do Estado constituem sua
proposta de reestruturação. Tal proposta está fundamentada no desmonte das articulações
anteriormente utilizadas pelo Estado para regulamentar os aspectos econômicos e políticos da
sociedade capitalista. Cabe ressaltar que a reestruturação do Estado emana das concepções
defendidas pelo projeto econômico neoliberal, que de maneira complexa mobiliza os países
capitalistas31 para a retomada do desenvolvimento
econômico superando as orientações keynesianas.
Enquanto solução à crise econômica, as idéias neoliberais eram conhecidas desde a
década de 1940, quando teve início um movimento de ataques políticos e teóricos contra as
políticas keynesianas. O idealizador desse movimento foi o economista Friedrich August Von
Hayek, que proferiu de maneira crítica os perigos eminentes da regulação do mercado pelo
Estado social, esses publicadas na obra O caminho da servidão. Apoiado por outros seguidores32,
enquanto liberal articulado às questões industriais e especificamente urbanas da Inglaterra, Hayek
propõe uma teoria monetarista fundamentada na exaltação do mercado concorrencial e na
eliminação da intervenção estatal33 no campo econômico, desfazendo-se dos ideais de justiça
social e do sistema de proteção social sustentado pelas políticas keynesianas.

31
Cabe ressaltar aqui que os apontamentos realizados sobre a gênese e legitimação do neoliberalismo não derivam
de um aprofundamento específico por países ou blocos econômicos, pois não caberia no momento tal discussão,
conforme justificam Tavares e Fiori (1993). Assim, a abordagem proposta remete aos aspectos genéricos dessa
implantação nos países capitalistas industrializados, culminando na hegemonia neoliberal pelas determinações dos
países ricos, principalmente dos EUA.
32
Um desses fiéis seguidores foi Milton Friedmann.
33
Para Hayek (1984), quando o “setor público”, ou seja, o Estado, controla os me ios econômicos, políticos, sociais e
culturais, acaba dominando, também, todo o sistema. Assim, mesmo que o Estado apenas controle de forma direta o
“uso de uma grande parte dos recursos disponíveis, os efeitos de suas decisões a parte restante do sistema econômico
se tornam tão acentuados que, de forma indireta, ele passa a controlar quase tudo”. ( p. 77).
Para ele, a interferência do Estado em tais questões acaba cerceando a liberdade
individual, colocando em risco o desenvolvimento econômico e comprometendo a liberdade
econômica34, pois a intervenção estatal empreende seu controle e determina as orientações para
seu funcionamento, limitando a liberdade econômica e, automaticamente, a liberdade política,
apesar de considerá-la estritamente no campo econômico. (HAYEK, 1984). Segundo essa
percepção, o Estado é considerado como aparelho de coação e o mercado representa a liberdade
individual, a qual poderá ser garantida somente a partir do estabelecimento do mercado
concorrencial como orientação e organização social.
Dessa forma, as relações sociais, reguladas pelo mercado, seriam constituídas a partir do
princípio do que Hayek (1984) chama de “liberdade”, ou seja, da disponibilidade de múltiplas
opções de produtos, serviços e oportunidades ofertadas pela concorrência35. Para tanto, a
orientação mercadológica deve determinar tanto o consumo de produtos ou serviços essenciais à
sobrevivência como a inserção profissional dos indivíduos, instaurando um universo de liberdade
de escolha proporcionado pela economia liberal.
Sabe-se, entretanto, que a liberdade, nessa ótica, é compreendida somente a partir do
campo econômico, materializado pela garantia da propriedade privada, fazendo do capitalismo o
único sistema capaz de assegurar tal liberdade. Tal concepção equipara todos os indivíduos às
mesmas condições sociais, políticas e econômicas, visto que, além de desconsiderar as
desigualdades que permeiam a sociedade, utiliza-as para estabelecer parâmetros de elevação e
premiação de alguns grupos populacionais.
Assim, a meritocracia, de certa forma, compõe a dinâmica do homem livre, na qual,
mediante a concorrência do mercado, a colocação e a recompensa dependerão do esforço pessoal
de cada indivíduo36. Para Arantes (2005, p.9), o liberalismo “absolutiza o papel do indivíduo e

34
Para o autor, a “liberdade econômica que constitui o requisito prévio de qualquer outra liberdade não pode ser
aquela que nos libera dos cuidados econômicos, segundo nos prometem os socialistas, e que só se pode obter
eximindo o indivíduo ao mesmo tempo da necessidade e do poder de escolha; deve ser a liberdade de ação
econômica que, junto com o direito de escolher, também acarreta inevitavelmente os riscos e a responsabilidade
inerentes a esse direito”. (HAYEK,1984, p.107).
35
Faz-se necessário ressaltar que o liberalismo aceita a utilização da concorrência como método superior e eficaz
para “coordenar os esforços humanos” e alterar as situações atuais . Essa orientação consiste, segundo Hayek, no “
único método pelo qual nossas atividades podem ajustar-se umas às outras sem a intervenção coercitiva ou arbitrária
da autoridade” (1984, p. 58), nesse caso do Estado. A concorrência dispensa o “controle soci al consciente”,
oferecendo aos indivíduos a “oportunidade de decidir se as perspectivas de determinada ocupação são suficientes
para compensar as desvantagens e riscos que a acompanham”. (1984, p. 58).
36
No oitavo capítulo da obra O caminho da servidão, de Hayek (1984), encontra-se a referência a Lorde Acton, o
qual coloca que “a melhor oportunidade que o mundo já teve foi desperdiçado porque a obsessão pela igualdade
frustou as esperanças da liberdade”. A preocupação que permeia tal pensamento, é de que é necessário um sistema de
não reconhece o homem como um ser social. Parte de uma falsa concepção de que os homens se
incorporam livremente no mercado”, contrapondo -se à realidade dos indivíduos em sociedade ao
desconsiderar os elementos da estrutura econômica, cultural e social historicamente constituídos.
Essa despreocupação de Hayek com a questão social decorre da deslegitimação da justiça
social e da igualdade, as quais para ele não constituem fatores importantes à sociedade. Enquanto
opositor dos ideais da social-democracia, Hayek entende que todas as mobilizações em prol da
questão social, ao necessitarem da intervenção estatal, acabam impedindo o desenvolvimento da
liberdade individual, pois “a democracia desimpedida [...] milita contra o mercado”.
(MERQUIOR, 1991, p. 190).
Para argumentar essa lógica, Hayek (1984) observa que o papel do Estado de direito37
consiste em possibilitar a igualdade inscrita no aparato jurídico, garantindo, então, que todos os
cidadãos ao nascerem sejam iguais perante a lei, “o que é a antítese do governo arbitrário” ( p.
91). Independentemente da concepção de Hayek, com as garantias constitucionais sabe-se que a
igualdade assegurada em lei não significa prática efetivada, ainda mais quando inserida na
sociedade que prima pelo mérito da concorrência, reproduz desigualdades entre os indivíduos e
rege-se pelas “leis naturais” do mercado, fatores que acabam determinando a vitória dos mais
fortes.
A partir dos argumentos apresentados por Hayek (1984), os princípios norteadores do
neoliberalismo promulgam a negação das políticas econômicas voltadas ao atendimento, mesmo
que remediado - como no Estado social - da questão social. Desqualificando a política
keynesiana, o autor declara que esta se aproxima dos ideais socialistas38 e tende à substituição da
propriedade privada e do lucro por uma organização coletiva planejada. Dessa forma, o Estado
social é compreendido como projeto antiliberal que desconsidera os “genuínos princípios

liberdade regido pelo mercado concorrencial. Para ele a existência da desigualdade econômica entre os indivíduos é
inegável, porém o sistema concorrencial é “o único em que o enriquecimento depende exclusivamente do indivíduo e
não do favor dos poderosos e, em que ninguém pode impedir que alguém tente alcançar esse resultado”. (HAYEK,
1984, p. 110) .
37
Nesse sentido, o Estado de direito tem supremacia absoluta, excluindo arbitrariedades ou privilégios cometidos
pelo aparelho governamental, representando, assim, a afirmação jurídica da liberdade.
38
Criticando a promessa de liberdade dos regimes socialistas, Hayek esclarece que muitos liberais, ilusoriamente,
acreditaram no socialismo como “caminho da liberdade”, quando, na verdade, revelou-se “caminho da servidão”.
Para ele, o socialismo “equivale a abolição e à criação de um sistema de “economia planificada” no qual o
empresário que trabalhava visando o lucro é substituído por órgão central de planejamento”. (1984, p. 55).
liberais”. Entretanto, é cabível afirmar que tal acusação não se justifica, uma vez que, conforme o
próprio Keynes (1982), fundamenta o Estado social no liberalismo burguês39.
A respeito dessa condenação de Hayek ao keynesianismo, assim como Montaño (2003),
entende-se que ambos os projetos neoliberal e keynesiano – constituem-se em estratégias do
liberalismo, porém diferenciado por suas particularidades, ou seja, os keynesianos apoiavam-se
no pleno emprego, na proteção social e na elevação salarial como receita para movimentar o
mercado consumidor e superar a recessão. Em contraposição, os neoliberais consideram essa
política econômica insustentável diante dos sinais de esgotamento dos lucros esperados e dos
elevados gastos estatais.
Apesar de essas idéias serem disseminadas por Hayek no pós-guerra, somente com a
chegada da crise do modelo econômico keynesiano, na década de 1970, comeram a ganhar
atenção, pois representam ao capitalismo uma alternativa de retomada econômica.40 Com base
nas proposições proferidas por Hayek, pode-se dizer que uma “nova” doutrina econômica,
denominada “neoliberalismo”, rompe com as concepções propagadas pela social -democracia.
Essa doutrina materializou-se como projeto hegemônico, ou seja, “uma alternativa dominante à
crise do capitalismo contemporâneo... [ ] deve ser compreendido como um projeto de classe que
orienta, ao mesmo tempo e de forma articulada, um conjunto de reformas radicais no plano
político, econômico, jurídico e cultural”. (GENTILI, 1998, p. 102).

1.2.1 O neoliberalismo e o “desmonte” do Estado: continuidade ou ruptura?

Hayek (1984), nas bases teóricas do neoliberalismo, fundamentou que o Estado social era
incapaz de proporcionar o desenvolvimento econômico esperado pelo capitalismo, uma vez que

39
Dentre os princípios liberais destacam-se como principais conceitos a autonomia e a liberdade (que pode revelar-
se positiva ou negativa) independentemente de qualquer situação. Utiliza-se do princípio geral da igualdade, da
dignidade, porém não levantando os problemas universais sobre a igualdade entre os indivíduos. Então, conforme
observa Couto, a “autonomia e a liberdade, portanto, vão delinear as propostas feitas pelos pensadores liberais, onde
é possível identificar enfoques diferenciados na definição do termo liberal, o que tem apontado a inconsistência de
tratá-lo de forma linear ou dogmática” (2004, p. 40).
40
Para Anderson (1995), a pouca aceitação das propostas de Hayek durante o período pós-guerra justifica-se pelo
grande crescimento econômico proporcionado pelas políticas protecionistas, as quais, ao deflagrar o bem-estar social
à classe trabalhadora, possibilitaram a amenização dos conflitos inerentes à relação capital-trabalho, facilitando o
acesso dos trabalhadores ao mercado consumidor e utilizando o consumo como motor da economia.
cerceava a condição essencial à ascensão: a liberdade econômica. Como conseqüência disso, o
Estado acabaria descartando as possibilidades de escolha e o desenvolvimento da livre-
concorrência, fatores esses que impulsionariam o crescimento econômico.
Entretanto, como ressalta Netto (1995), essa concepção de liberdade revela uma
“confusão e prestidigitação ideológicas” que “acabaram por reduzir liberdade (s) a liberalismo e
a identificá-lo como democracia, numa clara falsificação ideológica” ( p. 76 –grifo do autor).
Dessa forma, o discurso neoliberal procura convencer os indivíduos de que o Estado limita as
possibilidades e a ampliação do acesso aos serviços essenciais. É por meio desse discurso que o
neoliberalismo condena as limitações do Estado e exalta o mercado concorrencial, pois a
competitividade ofereceria aos indivíduos múltiplas escolhas, popularizando, de certa forma, o
acesso ao consumo.
Apesar da inconsistência, é por meio dessa concepção que é proferida a emergência da
destituição do Estado enquanto regulador econômico e social, destinando tais funções ao mercado
concorrencial. Isso termina com a manutenção de uma sociedade independente das regras
mercadológicas, como anteriormente propunha o Estado social, prevalecendo “uma
argumentação teórica que restaura o mercado como instância mediadora societal elementar e
insuperável”. (NETTO, 1995, p. 77).
Essa inversão de papéis demonstra que “as políticas do Estado de Bem -Estar Social e os
governos da social-democracia não tiveram a capacidade de estancar um modelo de
desenvolvimento social fundado sobre a concentração crescente de capital e exclusão social”
(FRIGOTTO, 2003, p. 69), sendo as orientações neoliberais consideradas como remédio à crise
econômica mundial. Porém, mesmo com as indicações garantidas por Hayek, é preciso ressaltar
suas contra-indicações, especialmente aquelas que determinam a reestruturação do Estado.
Entende-se, assim como Gentili (1998), que a sustentação da lógica da continuidade e da
ruptura das formas históricas de dominação constitui a principal característica do neoliberalismo,
sendo complexa a trama de elementos antigos e recentes que constituem a estrutura neoliberal. É
com base nas prerrogativas neoliberais que se pode entender por que a regulação da economia
pelo mercado em substituição à intervenção do Estado tornou-se estrategicamente importante à
recuperação capitalista.
Diversos são os estudos41 que referenciam esse processo de redirecionamento do sistema
capitalista e procuram descrever as características da doutrina neoliberal, bem como estabelecer
entendimentos sobre os aspectos herdados de modelos hegemônicos anteriores, como elementos
que assumiram novas configurações. Resgatando os antigos princípios liberais, Sodré (1998)
identifica que o neoliberalismo é velho conhecido do capital, que se apresenta “com roupa nova,
muito bem confeccionada, primorosa e rigorosamente talhada”, substituindo “o que o
colonialismo, em velhos e distantes tempos, usara tanto e com tanto êxito” (1998, p.19). Mesmo
que sua apresentação se modifique em “selvagem, liberal ou social -democrática”, conserva
características que acompanham o capitalismo ao longo dos séculos, ou seja, os elementos
essenciais que movimentam o capital.
Mesmo nascendo dos “escombros, da ruína e das cinzas do mundo dividido” (p. 18), é
defendido como bandeira pelos profetas da nova doutrina econômica, utilizando elementos
remanescentes de regimes antigos para servir aos seus propósitos e adaptando-os à realidade.
Dessa forma, reafirma os princípios “essenciais do capitalismo liberal - o consumismo, o
egoísmo, o individualismo, o mercantilismo – e que reorganiza não apenas as relações sociais,
mas também as relações de poder”, revelando a “cara assumida p elo capitalismo na sua fase de
hegemonia econômica do capital financeiro”. (SADER, 2005, p. 14).
Para Therborn (1995), o neoliberalismo econômico constitui-se numa “superestrutura
ideológica e política que acompanha uma transformação histórica do capitalismo
moderno”(p.39). Esse “projeto comum de reconfiguração institucional do capitalismo”, segundo
Fernandes (1995), está amparado em três fatores essenciais: a desestadização, a
desregulamentação e a desuniversalização.
Com relação à redução do Estado, Sader (1995) argumenta que o neoliberalismo se
apresenta como filho da crise fiscal do Estado e seu surgimento encontra-se atrelado ao
esgotamento do regime de bem- estar social, bem como à industrialização desencadeada para
substituir as importações. Essa reformulação implica, necessariamente, destituir o poder
interventivo do Estado na economia, passando essa atribuição para o mercado, que é
movimentado pela concorrência acirrada.

41
Utilizaram-se como referência os estudos produzidos no seminário pós-neoliberalismo – As políticas sociais e o
Estado democrático, com publicação organizada por Sader e Gentili (1995).
Dessa forma, juntamente com o desenvolvimento da globalização42 financeira, são
estabelecidas regras mundialmente unificadas, que propagam a livre-competição e a supremacia
absoluta do mercado sobre a organização e o desenvolvimento da economia mundial.43 Com o
advento da competitividade, a abertura comercial em âmbito mundial impulsiona a expansão dos
mercados, tanto financeiros como produtivos, os quais não definem somente a direção da
economia, mas também determinam as relações sociais.
Chesnais (1996) alerta que a “configuração do capitalismo mundial e dos mecanismos que
comandam seu desempenho e sua regulação” (p. 13) provoca alterações nas relações entre
Estado, mercado e sociedade civil, gerando, assim, diferenciadas demandas à instituição estatal.
Como oportunamente afirma Netto (1995), não se pode esquecer que “é o mercado que determina
o espaço legítimo do Estado” (p.79), gerando, com isso, novas necessidades e a redefinição de
suas atribuições. Cabe ressaltar que as argumentações favoráveis à desestatização e à
desregulamentação são fundamentadas com freqüência na comparação, anteriormente analisada,
da eficiência e eficácia entre os setores público e privado.
Com relação à desuniversalização, Fernandes (1995) afirma que os padrões de proteção
social disseminados pelos programas de bem-estar do Estado social movimentam-se da via
coletiva à individual, assumindo o caráter de benefícios particulares atrelados à lógica privada.
Como a flexibilização e fragmentação do trabalho provocam rearranjos na constituição e atuação
da classe trabalhadora, modificam “seus padrões de soci abilidade, vida cultura e consciência,
simultaneamente às condições de organização, mobilização e reivindicação”. (IANNI, 1996, p.
23)44.
Fragilizada com seu trabalho, a classe trabalhadora45 fica subordinada aos ditames do
capital, não conseguindo instrumentalizar-se para contestar as implicações dessas determinações

42
Segundo Fiori (1998), a visão mais comum da globalização aos fins do século XX é a atualização da ideologia
econômica liberal. O “retorno às raízes mais profundas e utópicas do liberalismo é que explica, de fato, a força e
difusão da idéia da globalização, mesmo quando ela seja refutada da forma implacável pela força dos números e
fatos que a transformam numa palavra sem nenhuma consistência conceitual” (p. 87 -88).
43
Sodré (1998) realiza uma discussão aprofundada a respeito do fenômeno da globalização.
44
Para Singer (1999), as conquistas vinculadas ao sistema de proteção social direcionadas aos trabalhadores do
emprego padrão, ou seja, do trabalho formal, procuram, mediante contrato de trabalho, a garantia de condições de
trabalho dignas, tais como estabelecimento de horário fixo de jornada semanal, salário profissional regulamentado
por legislação da categoria, remuneração indireta (13 salário), férias remuneradas, pagamentos de horas-extras
quando ultrapassada jornada normal, descanso semanal remunerado, sistema de seguro ( acidente de trabalho,
velhice, saúde, doença, desemprego).
45
“Uma noção ampliada de classe trabalhadora inclui, então, todos aqueles e aquelas que vendem sua força de
trabalho em troca de salário, incorporando, além do proletariado industrial, dos assalariados do setor de serviços,
também o proletariado rural, que vende sua força de trabalho para o capital. Essa noção incorpora o proletariado
à sua subjetividade. Assim, a tendência é “a capacidade de negociação de seus detentores a
diminuir cada vez mais diante das empresas a dos indivíduos abastados, suscetíveis de comprar
seu uso” . (CHESNAIS, 1996, p.42).
As políticas neoliberais, destinadas a garantir a acumulação do capital, pouco consideram
as necessidades oriundas da população trabalhadora ou excluída dessa condição, preocupando-se
em transformar as relações sociais estruturadas pelo keynesianismo em relações estritamente
mercantis. Partindo de uma visão ancorada na racionalidade econômica, pode-se dizer que o
mercado mostrou-se totalmente criativo em mercantilizar os serviços de bem-estar, identificando,
inclusive, clientes potenciais e oportunidades de negócios para sustentar essas relações. Esse foi
o caminho encontrado pelo neoliberalismo para o sistema de proteção social, anteriormente
considerado imprescindível à manutenção do regime fordista. O conjunto de serviços sociais até
então sob a responsabilidade do Estado passa a compor o portifólio de produtos privados
oferecidos à população. Do ponto de vista da legitimação de direitos sociais e trabalhistas,
percebe-se que o sistema de proteção social não objetiva mais “o be m-estar dos cidadãos, mas o
crescimento da economia e este crescimento torna-se um fim em si mesmo e não um meio de
aumentar o bem-estar”. (SANTOS, 2002, p. 26).
Em contraposição ao privilégio de deslocamento dos investimentos públicos para as
agências privadas, é a sociedade civil que acaba sendo chamada a responder pela parcela
populacional que não consegue atingir o patamar de consumidor. Essa mobilização dá origem ao
chamado “terceiro setor”, que, paralelo ao mercado e ao Estado, também se organiza par a atender
às diversas expressões da questão social. Como denuncia Montaño (2003), com a alteração das
relações sociais percebe-se, numa concepção reducionista, que as atribuições para cada setor
estão bem definidas: o político, pertencente ao Estado, o econômico, ao mercado e o social, à
46
sociedade civil.

Esse redimensionamento do Estado não se encerra nas alterações provocadas pela sua
destituição da interferência econômica e na redefinição de relações com outras instâncias

precarizado, o subproletariado moderno, part time, o novo proletariado dos Mc Donalds, os trabalhadores
hifenizados de que falou Beunon, os trabalhadores terceirizados e precarizados das empresas liofilizadas de que falou
Juan José Castillo, os trabalhadores assalariados da chamada “economia informal”, que muitas vezes são
indiretamente subordinados ao capital, além dos trabalhadores desempregados, expulsos do processo produtivo e do
mercado de trabalho pela reestruturação do capital e que hipertrofiam o exército industrial de reserva, na fase de
expansão do desemprego estrutural”.(ANTUNES, 1999, p. 103 -104).
46
Sobre essa discussão consultar Montaño ( 2003).
políticas, percorrendo distâncias mais extensas que a própria falência do modelo keynesiano-
fordista. A partir da concretização do sistema neoliberal pela reestruturação do capital, pode-se
afirmar que ocorre um movimento de adaptação do aparelho estatal às exigências impostas pelo
mercado.
Mesmo com a imposição de limitações, Chesnais (1999) observa que “a mundialização do
capital e a pretensão do capital financeiro em dominar o movimento do capital em sua totalidade
não apagam a existência dos Estados nacionais” (p. 18), visto que e ssas são fundamentais no
atendimento à sociedade capitalista.
Apesar dessa importância, o Estado apresenta problemas reais que devem ser
exterminados. Isso, segundo Borón (1995) implica reconhecer a ineficiência estatal nos gastos
públicos e os altos índices de corrupção em sua estrutura, porém de maneira alguma defender
esse Estado. Nesse sentido, o Estado precisa ser reformado, mas, como afirmam Anderson et al.
(1995), a partir de “uma concepção política nos marcos da qual a intervenção estatal deva
efetivamente se basear na solidariedade social. Ou seja, na diminuição das desigualdades e não
somente na eficácia econômica”. (p. 143). Nesse sentido, afirma Tavares (1993),

Não basta desregular, privatizar e tentar reduzir o tamanho do Estado, como ensina a
doutrina neoliberal. Há que se tentar reestruturá-lo e mudar seus padrões de
financiamento (fiscal, financeiro e patrimonial), além de mudar a forma de gestão e
regulação pública. É verdade que se requer um Estado forte e ágil e não um big
government paralisante, mas sua capacidade de intervenção e regulação eficientes não
deveria desaparecer e sim, ao contrário, fortalecer-se para poder encaminhar reformas
institucionais necessárias, tanto do mercado quanto do próprio Estado ( p. 79).

Uma vez reconhecida sua utilidade à concretização dos objetivos neoliberais, as suas
representações na sociedade capitalista, como observa Dupas (1999), a reforma do Estado é
fundamentada na concepção de desmonte das prerrogativas seguidas pelo Estado social, sendo
balizado por dois pressupostos: a “idéia de um Estado mínimo – que não crie embaraço algum ao
mercado-e de um Estado forte – que saiba atuar no mundo globalizado minimizando seus
conflitos, inclusive a exclusão social”. ( 1999, p. 88).
A compreensão do Estado mínimo perpassa duas concepções sobre a reformulação dos
atributos estatais à sociedade capitalista. A primeira explicita os limites da intervenção e
planejamento do Estado nas questões econômicas, considerando tal condição como
imprescindível à auto-regulação do mercado. (LAURELL, 2002). Restrito à interferência estatal
nas regras econômicas, o atributo “mínimo”, na economia, é aspecto primordial para desobstruir
as passagens para o mercado concorrencial. Como visualizava Hayek, esse é o primeiro passo
para se construírem as “bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o
futuro”, como relembra Anderson. (1995, p. 10).
Noutra dimensão, a limitação do Estado ao “mínimo” pressupõe sua insignificante
presença também na esfera social, anteriormente atendida pela política do bem-estar voltada à
coletividade trabalhadora e às classes populares. Com a preocupação em impulsionar o capital
financeiro, a solução para o déficit fiscal público consiste na redução dos investimentos estatais,
principalmente na área social47.
Com a privatização, essa tendência é ainda maior, pois ao mercado privado é delegada a
responsabilidade de oferecer serviços sociais, crescendo a demanda consumidora na medida em
que os serviços públicos ficam limitados tanto na proporção de oferta como na dimensão da
qualidade. Conforme explica Hobsbawm (1995), “durante o auge dos teólogos do livre mercado,
o Estado foi solapado mais ainda pela tendência de desmontar atividades até então exercidas, em
princípio, por órgãos públicos, deixando-os entregues ao “mercado”. (p. 414). A grande ofensiva
capitalista para o desenvolvimento econômico defende a configuração de um Estado mínimo,
ausente de poderes na economia e responsável por atender às demandas sociais que não são
interessantes ao capital.
Nessa perspectiva, Laurell (2002) entende que, a partir das relações determinadas pelo
tripé mercado, instituição estatal e sociedade civil, ao Estado compete “intervir com o intuito de
garantir um mínimo para aliviar a pobreza e produzir serviços que os privados não podem ou não
querem produzir, além daqueles que são, a rigor, de apropriação coletiva”.(p. 163).
As metamorfoses no mundo do trabalho determinam mais do que nunca, que os
trabalhadores dependam da inserção no mercado de trabalho para obter os subsídios
mínimos à sua manutenção e de sua família. Partindo das configurações recentes das modalidades
de emprego disponíveis no mercado de trabalho, o próprio sistema encarrega-se de provocar a
desmobilização dos grupos organizados, que, amparados pela lógica dos direitos sociais e

47
As conseqüências dessa restrição serão abordadas no próximo capítulo.
trabalhistas, pressionavam coletivamente o capital para garanti-los como condições mínimas para
os cidadãos.
A posição neoliberal à garantia dos direitos sociais pela sociedade respeita somente as
determinações ainda não desregulamentadas, opondo-se “radicalmente à universalidade,
igualdade e gratuidade dos serviços sociais. (LAURELL, 2002, p. 163). Então, politicamente, o
Estado ainda consegue conduzir as negociações provenientes das relações entre capital e trabalho,
pelo menos aquelas regidas pela legislação trabalhista. No entanto, escapa à sua alçada interferir
nas determinações que regem outras modalidades de contratação, que muitas vezes não
asseguram as condições mínimas ao trabalhador, como piso salarial, condições e segurança no
trabalho, entre outras.
Para Anderson (1995), o neoliberalismo precisa “manter um Estado forte, sim, em sua
capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os
gastos sociais e intervenções econômicas”. (p. 11). A onda de dessindicalização, apontada por
Hobsbawm (1995) como oriunda da influência da recessão econômica nas mutações no mundo
do trabalho e pela hostilidade dos governos, abalou a organização da coletividade para as
mobilização reivindicatórias.
O enfraquecimento do foco organizado de pressões populares não é razão única da
tipologia de um Estado fortalecido, sendo ainda necessário garantir condições favoráveis à
manutenção do sistema. Essas condições, segundo as contribuições de Dupas (1999), consistem
na disponibilidade das estruturas estatais, sejam físicas (instalações, terrenos públicos),
reguladoras e fiscalizadoras (impostos, órgãos governamentais de fiscalização de tributos e
condições de trabalho), ou até mesmo de utilidade pública (como a conservação de estradas e
portos, melhoramento nos sistemas de telecomunicação, oferta de força de trabalho barata e
flexível), para servir ao capital.
O usufruto dessas condições pelos capitais financeiros é possibilitado pela simplificação
de processos administrativos, aceitando as regras mercadológicas em permuta pela promessa de
empregos, aumento da arrecadação de impostos e progresso econômico e social. A preocupação
capitalista com o fortalecimento desses aspectos estatais evidencia que não há pretensão em
“reduzir a intervenção do Estado, mas encontrar as condições ótimas (hoje só possíveis com o
estreitamento das instituições democráticas) para direcioná-las segundo seus particulares
interesses de classe” (NE TTO, 1995, p. 81 – grifo do autor).
Para acompanhar os passos do mercado, o Estado é forçado a desenvolver seu espírito
empreendedor, investindo em situações que favoreçam os negócios. Imerso nessa “arena de
conflito entre a nação-Estado e o capital transnacional”, como exemplifica Harvey (1994), o
Estado deve “atrair o capital financeiro transnacional e global e conter (por meios distintos dos
48
controles de câmbio) a fuga do câmbio” , além de proporcionar “pastagens verdes e mais
lucrativas” para o capital . (HARVEY, 1994, p. 160).
Nessa linha de atuação, preocupado em atrair investimentos industriais, o Estado assume
uma posição constrangedora: por um lado, representa o interesse geral da sociedade civil,
relacionando-se estreitamente com grupos empresariais, onde “os assuntos de vocação particular
orientam os de vocação geral e de interesse público, no quadro de uma dissociação entre o poder
econômico mundializado e o poder político nacional” (BEHRING, 2003, p. 59); por outro, atende
às demandas que escapam aos objetivos mercadológicos, ou seja, às necessidades básicas dos
indivíduos desprovidos economicamente.
Dessa forma, ao Estado diminuído é delegada a responsabilidade de atender, em parte, os
segmentos populacionais excluídos do processo mercadológico, proporcionando-lhes serviços
sociais necessários à sua sobrevivência. Nesse sentido, o Estado é idealizado como salvador,
como enfatiza Dupas (1999), “apto simultaneamente a enfrentar sua enorme e indelegável missão
de viabilizar serviços públicos essenciais à população de baixa renda nas áreas de saúde,
educação, habitação e amparo à exclusão social” (p. 89). Com relação a essa expectativa
neoliberal, os indicadores financeiros e sociais demonstram enormes distâncias para seu alcance.
A redução de investimentos públicos no campo social, argumentada como solução para a
crise fiscal, demonstra ao capital a impossibilidade de responsabilização do Estado na resolução
dos problemas sociais. Num universo onde o Estado deve reduzir suas dívidas, como afirmam os
órgãos de financiamento internacionais, é difícil acreditar que com a redução de recursos seja
possível atender à demanda empobrecida. Em contrapartida, os indivíduos são responsabilizados
por financiar seus próprios benefícios sociais, restando ao Estado uma atuação restrita junto às
políticas sociais, visto que “já não tem por missão servir toda a sociedade, mas fornecer bens e
serviços a interesses setoriais e a clientes ou consumidores”. (SILVA, 2004, p. 37).
Dadas as características da doutrina neoliberal e suas intenções para com o Estado, pode-
se perceber que os interesses que permeiam a reforma do Estado percorrem caminhos que fazem

48
Controle sobre a operação financeira de venda, troca ou compra de “valores em moedas de outros países ou papéis
avançar a concepção de fortalecimento do mercado concorrencial. Analisando as contribuições
teóricas expostas até o momento, é necessário ressaltar que a ideologia que perpassa o
fortalecimento do mercado reforça a manutenção do sistema capitalista, principal motivo para
tantos rearranjos.
Enquanto hegemônico, o neoliberalismo constitui-se na renovação do projeto da classe
burguesa para superar a crise das estruturas capitalistas e garantir a dominação dos aspectos
econômicos, políticos, sociais, jurídicos e culturais da sociedade. Como afirma Netto (1995), “em
resumidas contas, a proposta neoliberal centra-se na inteira despolitização das relações sociais”
(p. 80-grifo do autor), buscando erradicar os fatores democráticos que procuram controlar o
movimento do capital burguês. O enfraquecimento do poder do Estado e suas regulações
democráticas fortalecem a burguesia, que, através da regulação econômica pelo mercado, pode
caminhar livremente rumo a maiores lucros.
Cabe ressaltar ainda que o capital estabelece estratégias de reerguimento, encontrando nos
serviços públicos, anteriormente de responsabilidade estatal, maneiras de garantir sua
movimentação financeira em desenvolver mercados potenciais à acumulação capitalista. Rompe
com algumas metodologias para acumular capital, ao mesmo tempo em que lança tantas outras
mais eficientes. Nesse sentido, Netto (1995) afirma que

a grande burguesia monopolista tem absoluta clareza da funcionalidade do pensamento


neoliberal e, por isto mesmo patrocina sua ofensiva: ela e seus associados compreendem
que a proposta de ‘Estado Mínimo’ pode viabilizar o que foi bloqueado pelo
desenvolvimento da democracia política – o Estado máximo para o capital (p. 81).

1.2.2 O ajuste neoliberal na América Latina

A adoção do neoliberalismo, bem como por suas orientações à reforma do Estado aos
países capitalistas, implicou um processo de ajuste que redefine não somente os aspectos
econômicos, mas, como explica Tavares (2000), também estabelece uma “redefinição global do
campo político-institucional e das relações sociais”.(2000, p.12).

que representam moedas de outros países”. (SANDRONI, 1999, p. 74).


O receituário neoliberal implicava, primeiramente, a reordenação dos aspectos
econômicos mediante a adoção de uma série de medidas corretivas. A Inglaterra, durante a
administração do governo Thatcher49, foi o “primeiro regime de um país de capitalismo avançado
publicamente empenhado em pôr em prática o programa neoliberal”. (ANDERSON, 1995, p. 11).
Iniciou seu processo de ajustes estabelecendo a contração monetária, a redução do aparato estatal,
a liberalização dos mercados, a redução de impostos sobre rendimentos elevados, o corte nos
gastos sociais e a ampliação das privatizações de indústrias básicas e, em conseqüência, fez
díspar o desemprego.
Posteriormente50, com características diferenciadas dos países europeus, também os EUA
aderiram à “economia da oferta”, determinando como medidas a redução fiscal, a co ntração
monetária e o fortalecimento internacional de sua moeda oficial. Percebe-se como sua maior
preocupação a competição militar em detrimento das concepções de bem-estar dos países
europeus. Dessa forma, preocupava-se com a corrida armamentista dando-se o “luxo” do
desrespeito à disciplina orçamentária, o que elevou seu déficit público. (ANDERSON, 1995).
Apesar do fortalecimento do liberalismo econômico e das possibilidades de reafirmar a
supremacia do capitalismo mundial, Anderson (1995) relembra que a aceitação do neoliberalismo
não foi imediata. Em meio à resistência à mudança, demorou uma década para ser digerido, uma
vez que as políticas keynesianas continuavam sendo desenvolvidas na maioria dos governos da
Organização Européia para o Comércio e Desenvolvimento.
Mesmo diante dos percalços, o neoliberalismo consegue ser unificado51 como principal
alternativa à retomada do crescimento econômico. Adotado por parte considerável dos países do
norte europeu, da América do Norte e pelos latino-americanos52 atualmente está legitimado pela

49
A respeito da orientação seguida pelo governo da “dama de ferro”, “ a força hegemônica neoliberal, irradiada a
partir do pensamento de Reagan-Tatcher e ampliada pelas antigas instituições do Bretton-Woods”, produzem efeito s
mundiais que atingem a potência americana em aspectos econômicos, militares e ideológico. Porém, avançam para a
transnacionalização e globalização. (TAVARES, 1993, p.19).
50
A partir de meados da década de 1980, quase todos os países do Norte europeu aderiram ao neoliberalismo.
51
Deve-se assinalar ainda, que, com a crise dos países socialistas – do socialismo real –, essa percepção reforça o
neoliberalismo como única alternativa para combater a crise recessiva mundial, proporcionando também sua
dominação hegemônica, livre de ameaças e com poucos esforços.
52
Pode-se afirmar o neoliberalismo, no caso da América Latina, foi implantado com atraso, conforme relata Sader
(1995). No Brasil, por exemplo, a ditadura militar apresentava políticas contrárias aos fundamentos neoliberais ao
centralizar os rendimentos nacionais e estrangeiros. Houve resistência do Estado, da burguesia industrial e também
dos movimentos de esquerda aos ditames do capitalismo concorrencial, contexto este que exigiu cautela na
implantação de tal sistema econômico.
maioria das nações mundiais mediante as heranças e modelos hegemônicos que asseguram suas
versões diferenciadas53.
As políticas de ajustes desencadearam um movimento global diante do contexto da
mundialização financeira e produtiva. As reformas estruturais estavam centradas na
desregulamentação dos mercados, na abertura financeira, na privatização do setor público e na
minimização do Estado. Com relação ao ajuste macroeconômico, Tavares (1993) explica que as
políticas monetárias adotadas pelo neoliberalismo nos EUA visavam, em curto prazo, combater a
inflação e ajustar o balanço de pagamentos com taxas de câmbio flutuantes aliadas às políticas
fiscais pró-cíclicas. O Japão seguiu caminhos diferentes e, como estratégia, alterou sua estrutura
industrial introduzindo a transformação tecnológica como diferencial.
A autora ainda ressalta como pontos críticos das políticas de ajuste e reestruturação, que
denominou como “modernização conservadora”, as seguintes situações: o sucesso relativo das
políticas dos EUA e Inglaterra com relação aos melhores resultados da Alemanha e do Japão; os
fracassos monetários que acabaram incidindo negativamente na América Latina e em outros
países periféricos e o caráter desigual da modernização, com “desequilíbrios dos benefícios do
progresso técnico”. (1993, p. 55) Assim,

enquanto as políticas macroeconômicas recomendadas pelo FMI vão mudando de


natureza e acompanhando, ex-post, os sucessos e os fracassos das experiências de
estabilização em vários países, as “reformas estruturais’, sobretudo a partir de 1985, vão
assumindo uma convergência forçada nas medidas “recomendadas” pelo Banco
Mundial, que foram ganhando força de doutrina constituída e aceita por praticamente
todos os países capitalistas do mundo. (TAVARES, 1993, p. 19).

O processo de ajuste neoliberal chegou à América Latina ao findar de 1980, comandado


pelo chamado Consenso de Washington, que estabeleceu um conjunto de medidas econômicas.
As propostas sistematizadas pelo economista pesquisador do Instituto Internacional de Economia
John Williansom pretendiam resolver o desperdício de recursos financeiros dos países em
desenvolvimento, pois, como sofriam com as conseqüências da crise, alimentavam a
inadimplência junto aos órgãos de financiamento.

53
Entendeu-se por versões diferenciadas as particularidades do modelo neoliberal em cada país, considerando os
aspectos culturais, políticos e econômicos históricos.
Para resolver tal situação, as instituições multilaterais de financiamento – o Fundo
Monetário Internacional e o Banco Mundial – ,representantes do governo americano e
economistas latino-americanos reuniram-se em 1989 para avaliar as reformas econômicas
realizadas na América Latina e propor alternativas de desenvolvimento dos países pobres. Como
explica Batista (2001), o objetivo desse encontro, “convocado pelo Institute for International
Economics, sob o título de ‘Latin Américan Adjustment: How Much Has Happened?’, era
proceder a uma avaliação das reformas econômicas empreendidas” nos países latino -americanos.
Sabe-se, entretanto, que sua pretensão subjetiva não deixa de ser a elaboração de regras
para resgatar os recursos destinados aos países latino-americanos e disciplinar, desse momento
em diante, futuros empréstimos. Dessa forma, apesar do seu caráter informal, o encontrou foi
imbuído de grande significação simbólica, representando a ratificação das propostas neoliberais
recomendadas aos países latino-americanos, atrelada à sua adesão à concessão de empréstimos
pelas agências internacionais de financiamento. (BATISTA, 2001).
Também concorda Carcanholo (1998) que, apesar do caráter não deliberativo desse
encontro, “não é preciso muita sagacid ade para perceber que essas conclusões serviram como
diretrizes para a atuação dos participantes”. (p. 25). Dessa forma, têm -se, de um lado, órgãos que
servem aos interesses hegemônicos e detêm os recursos financeiros e, de outro, os países que
precisam financiar suas políticas, tendo como regras mediadoras que determinam não somente as
condições para futuros empréstimos, mas também conduzem a política econômica da América
Latina conforme seus interesses hegemônicos.
As políticas de mercado recomendadas pelo Consenso de Washington, segundo Tavares
(1993), constituem-se em regras para a obtenção de apoio político e econômico dos governos
centrais e órgão internacionais. Essas foram implantadas por meio de políticas macroeconômicas
de estabilização e também por “reformas estruturais liberalizantes” 54. As recomendações
proferidas abrangem as seguintes áreas: a disciplina fiscal, a priorização dos gastos públicos, a
liberalização financeira, a reforma tributária, a liberalização comercial, o regime cambial, o
investimento direto estrangeiro, a privatização, a propriedade intelectual e a desregulamentação.
55

54
Pereira (2002) ressalta que no conjunto das reformas estruturais pode-se englobar a reforma financeira, que
possibilitou mais independência aos bancos e fortaleceu seus regulamentos, a estabilização econômica, a
liberalização do comércio, a integração regional, a reforma tributária, a privatização crescente de setores importantes
da economia, a reforma trabalhista e também a previdenciária.
55
Conforme coloca Carcanholo (1998).
Pode-se perceber que tais reformas alteram as relações do Estado com a economia,
estabelecendo ações específicas, como é o caso do condicionamento do combate à inflação e aos
problemas de desequilíbrio financeiro externo à proposta de equilíbrio fiscal. A condução de tal
ação propõe a redução dos gastos públicos no que tange à redução salarial, a reforma
administrativa para diminuir o tamanho da máquina estatal, até a privatização de alguns setores, o
que, além de libertar o Estado das dívidas, possibilitaria a movimentação de recursos em curto
prazo. (CARCANHOLO, 1998).
Para Batista (200, p. 33), essas propostas proferidas pelo Consenso de Washington
“converg em para dois objetivos básicos: por um lado, a drástica redução do Estado e a corrosão
do conceito de Nação; por outro, o máximo de abertura à importação de bens e serviços e à
entrada de capital de risco”. Esses ideais são movimentados em favor da soberan ia do mercado
sobre as relações econômicas, políticas e sociais, demonstrando, assim, a necessidade de ajustes
dos países latino-americanos às políticas de recorte neoliberal.
O estabelecimento das “proposições” das agências multilaterais de financiamento aos
países da América Latina, nesse sentido, apesar do entusiasmo provocado pela esperança de
recuperação econômica, afetam as economias desses países, ameaçando também sua autonomia.
Como afirma Tavares (1993), após estudar as políticas de ajustes neoliberais e os limites de suas
56
resistências, as políticas de estabilização econômica foram muito contraditórias na América
Latina, pois não conseguiram proporcionar estabilidade financeira e inserção no mercado
internacional.
Compartilhando dessa concepção, Batista (2001, p. 47), ao estudar o Consenso de
Washington, aponta as insuficiências e contradições desse receituário, denunciando a grande
distância entre o discurso e a prática neoliberal. Mesmo que os meios de comunicação tenham se
esforçado para demonstrar aspectos positivos do receituário para a América Latina, o autor
afirma que estes “não podem deixar de ser vistos como modestos, limitados que estão à
mobilização monetária e ao equilíbrio fiscal. Miséria crescente, altas taxas de desemprego, tensão
social e graves problemas” fazem parte dos resultados de suas propostas.
Cabe ressaltar, que as políticas de ajuste estrutural “aconselhadas” pelo Consenso de
Washington, como relembra Silva (2003), reforçaram as políticas neoliberais que vinham sendo
destinadas aos países latino-americanos, mas que não estavam apresentando resultados
satisfatórios. Entretanto, mesmo após a implantação compulsiva do conjunto de políticas
corretivas pelo consenso, sabe-se que os organismos internacionais de financiamento,
preocupados com o fracasso de suas recomendações, em meados da década de 1990, procuraram
revisar o conjunto de determinações do Consenso Washington, no sentido de estabelecer
correções nos rumos neoliberais.57
Com relação ao Brasil, o ajuste neoliberal, com a conseqüente discussão da reforma do
Estado, foi intensificado no início da década de 1990, sofrendo, de início, grande imposição em
razão dos elementos constitutivos dos contextos social, econômico e político da época, nas quais
as relações sociais eram determinadas pelo autoritarismo em detrimento de práticas democráticas.
Sader (1995) observa que a ditadura militar e a influência autoritária no regime posterior, ao
contrário das prerrogativas neoliberais, reforçavam a centralização dos rendimentos nos níveis
nacional e estrangeiro. Dessa forma, as mudanças propostas pelo ajuste provocaram resistência
da burguesia industrial, pois, além da política protecionista do Estado aos interesses dominantes,
havia também a contestação dos movimentos de esquerda.
Mesmo diante desse impasse, conforme Silva (2003), a resistência não foi tão eficaz
quanto à imprensa brasileira, que com seu marketing organizado colocava na defensiva os
críticos do neoliberalismo. Na medida em que o ajuste58 era percebido como saída e alternativa à
inserção na economia mundial, aos poucos se formou um consenso59 entre as frações burguesas e
instituições de classes, que passam a apoiar o governo na adoção das políticas neoliberais.
60
Destacando-se pelo desenvolvimento industrial, o Brasil apresentava-se como
potencial para o mercado consumidor estrangeiro, mas, em razão das iniciais resistências às
novas determinações capitalistas, o ajuste neoliberal foi conduzido, por um lado, com

56
O estudo de Tavares (1993) apresenta uma reflexão sobre a implantação das políticas de estabilização pelos países
da América Latina, explicando as particularidades e resultados de cada país.
57
Sobre essa discussão, Montaño (2003, p. 30) afirma que, em 1993, especialistas novamente se reuniram em
Washington para “discutir “as circunstâncias mais favoráveis e as regras de ação que poderiam a judar um
‘technopool’a obter apoio político que lhe permitisse levar a cabo com sucesso” o programa de estabilização e
reforma econômica, que antes havia sido chamado de “Washington Consensus. Um plano único de ajustamento das
economias periféricas”. Sobre o assunto, consultar também Silva (2004).
58
Para a compreensão das políticas de ajustes proclamadas pelo Consenso de Washington no Brasil, consultar
Batista (2001).
59
Vale destacar que, sobre a construção desse consenso no Brasil, a autora resgata ainda a interessante participação
da força sindical na implementação das reformas neoliberais e, também, a movimentação política no governo de
Fernando Henrique Cardoso.
60
O país se destacou entre os países latinos por sua capacidade produtiva industrial, bem como por sua inserção na
economia internacional registrada com o aumento das exportações. A liberalização do comércio acentua a
determinação e, por outro, com cautela. Durante esse período, o Estado brasileiro também
estava fragilizado econômica e politicamente pela crise fiscal, pois os empréstimos realizados
para financiar o desenvolvimento nacional provocaram o aumento das dívidas internas e externas,
revelando a fragilização econômica e política do aparelho estatal. Conforme salienta Soares
(2000), amparada nas argumentações de Fiori, o país experimentava um

[...] processo circular e crônico de instabilização macroeconômica e política:


instabilidade da moeda; instabilidade do crescimento; instabilidade na condução das
políticas públicas, etc. A política econômica terminou por submeter-se à própria
volatilidade do processo econômico e político, ambos movendo-se em direções opostas.
Foram contabilizados nesse período oito planos de estabilização monetária, quatro
diferentes moedas (uma a cada trinta meses), onze índices de cálculo inflacionário, cinco
salariais, dezoito modificações nas regras de câmbio, cinqüenta e quatro alterações nas
regras de controle de preços, vinte e uma propostas de negociação da dívida externa e
dezenove decretos sobre a autoridade fiscal. (SOARES, 2000, p. 36).

O ajuste, nesse sentido, provocou adaptações necessárias à economia brasileira,


incentivando a competitividade da indústria nacional à conquista de diversos países
consumidores, implicando também a entrada de produtos estrangeiros que diversificam a
competição interna na perspectiva do livre-mercado. Pode-se afirmar, nesse sentido, que “os
países latino-americanos estão integrados à economia mundial numa ‘situação de dependência”.
(SILVA, 2003, p. 73). Considerando-se, ainda, os processos de mundialização dos mercados
aliados às medidas de ajustes, aumentaram ainda mais o fosso entre os países desenvolvidos em
relação aos periféricos.
Consagrando a desregulamentação em prol da estabilização econômica e do combate à
inflação61, a discussão da reforma do Estado62 mobilizou durante o governo do presidente

competição entre as nações, afirmando a solidificação de um mercado sem fronteiras e restrições, fortalecendo os
oligopólios e acentuando a concentração de rendimentos àqueles que conseguem produzir mais com menores custos.
61
O privado assume com naturalidade a administração de empresas estatais, comprando-as sob a alegação de reduzir
as despesas oriundas da ineficiente governabilidade pública. Minimizado, o Estado limita-se a oferecer serviços
básicos, como saúde, educação, assistência social, necessários para fortalecer a estruturação do mercado econômico.
62
Segundo Soares, o Estado desenvolvimentista revelou-se esgotado a partir do final do governo Sarney devido ao
“processo de transição democrática em que, apesar da evidente hegemonia conservadora na sua condução, também
encontramos movimentos sociais ativos e propostas alternativas de gestão pública em alguns níveis e setores de
governo. A erosão da autoridade governamental com a ausência crescente de legitimidade, enfrentando uma
sociedade carente de consensos e hegemonia, sem parâmetros de ação coletiva, sofrendo os impactos de uma
economia destruída pela hiperinflação, tudo isso levou a insustentabilidade da situação política e econômica” (2000,
p. 38).
Fernando Henrique Cardoso, políticas estatais de minimização apesar de o país não ter
experienciado o Estado social. Para realizar os trabalhos de reforma, foi criado o Ministério da
Administração e Reforma do Estado, que elaborou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de
Estado. 63
Segundo os estudos de Silva (2003), que adentram numa discussão aprofundada sobre as
políticas de ajuste viabilizadas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, as opções desse
governo não podem ser justificadas somente pela recuperação da economia brasileira. Isso porque
as decisões são políticas e apóiam fielmente a ideologia neoliberal, aceitando seu programa de
ajustes propostos para retomar o crescimento do capital. Contudo, o discurso proferido pelos
representantes do governo demonstra desaprovação das políticas neoliberais e de sua metodologia
de ajustes determinada aos países periféricos. Proferindo críticas ferrenhas contra o FMI, ao
Banco Mundial e as políticas cegas e generalizadas do Consenso de Washington, o ministro
responsável pela reforma do Estado, Bresser Pereira, referiu a incapacidade destas orientações
para solucionar a crise econômica na América Latina, tratando-se principalmente do Brasil.
A proposta extraída do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado considerou que
para o país deve prevalecer “a idéia de reforma ou reconstrução do Est ado, de forma a resgatar
sua autonomia financeira e sua capacidade para implementar políticas públicas” (1995, p. 11).
Tanto é assim que, procurando sensibilizar sobre a importância da reforma para o país, o
presidente da República afirmou, na parte inicial do documento, que o governo estava
empenhado em “procurar criar condições para a reconstrução da administração pública em bases
modernas e racionais”. (1995, p. 11).
Dessa forma, seguindo o movimento do capitalismo mundial, o Brasil também deveria
ingressar na discussão sobre a eficácia e efetividade do Estado, questionando o modelo de
administração pública e suas funções no país da democracia. Em meio às argumentações,
referindo-se ao contexto internacional, o documento propõe uma administração pública
fundamentada no modelo “gerencial”, utilizando conceitos modernos de administração e
eficiência, “voltados para o controle dos resultados e descentralizado”, o que possibilitaria a
proximidade da administração pública do cidadão.

63
O referido plano foi aprovado pela Câmara da Reforma do Estado em setembro de 1995, logo também pelo
presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Os membros da Câmara eram: Clóvis Carvalho (ministro
chefe da Casa Civil), Luiz Carlos Bresser Pereira (ministro da Administração Federal e da Reforma do Estado) Paulo
Paiva (ministro do Trabalho), Pedro Malan (ministro da Fazenda), José Serra (ministro do Planejamento e
orçamento), gen. Benedito Onofre Bezerra Leonel (ministro chefe do Estado Maior das Forças Armadas).
O discurso em favor do cidadão afirma que os serviços sociais destinados à população
brasileira deveriam apresentar resultados satisfatórios, tanto em termos de quantidade –
disponibilidade de acesso - como de qualidade. Entretanto, como resgata Gentili (1998, p. 101),
“no fundo, tudo é igual... si cambia il maestro di capella / ma la musica è sempre quella”. As
políticas determinadas para reformar o Estado são as mesmas apresentadas pelos
neoconservadores, ou seja, a privatização, a redução do Estado, a transferência de recursos para o
mercado, entre outras. Tais indicativos de modificação do Estado estão descritos e justificados
nesse plano de reforma, que argumenta que “as distorções e ineficiência que daí resultam deixam
claro, entretanto, que reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que
64
podem ser controladas pelo mercado” .
Outro fator importante que emerge com o desafogamento do Estado perante as despesas
públicas é o processo de publicização, ou seja, a descentralização de serviços sociais que não
dependem da execução direta do Estado, bem como seus recursos, para setores públicos não-
estatais: as organizações privadas e do terceiro setor. Assim, mesmo que o discurso conteste a
concepção neoliberal, é visível a adesão incondicional do Brasil às determinações impostas pelos
países que lideram esse movimento econômico, político e ideológico.
Novamente a armadilha neoliberal mostra seus perigos e vantagens. Vantagens para a
burguesia, que detém a propriedade do setor privado, e desvantagens para os indivíduos, pois os
direitos sociais conquistados em lutas históricas acabam representando somente potencial
consumidor às mercadorias do capital. A conseqüência desse golpe nos países capitalistas65, é a
incidência de resultados similares quanto ao enfrentamento dos problemas sociais, sendo obtidos
como indicadores a elevação da taxa de juros, o aumento do desemprego, o combate às
reivindicações trabalhistas, a redução dos gastos sociais e o crescimento das desigualdades entre
os indivíduos.
A constituição dessa sociedade contraditória é agravada pela competitividade, que, para
Therbon (1995), é mais ideológica que política, enfraquecendo o núcleo social com a imposição
do poder mercadológico, pelo desemprego e pela reprodução da miséria. Assim, as imposições

64
Conforme documento Plano Diretor da Reforma do Estado, 1995, p. 13.
65
Mandel (1990), ao referir-se aos países do Terceiro Mundo, afima que “nada ilustra melhor o caráter capitalista
dessa famosa economia de mercado e suas conseqüências injustas e desumanas do que o espetáculo aflitivo da
metade da humanidade passar fome não porque o mundo careça de produtos alimentares, mas porque a demanda
solvível não pode seguir a física. Apesar da abundância de valores de uso, os valores de troca são inacessíveis, e
econômicas incidem negativamente no desenvolvimento, agravando e ampliando os problemas
sociais, acelerando o movimento de degradação social66 e de deterioração das condições
socioeconômicas dos indivíduos, aumentando, conseqüentemente, a pobreza67 mundial. Essa
situação é provocada pela desregulamentação, que acabou incentivando a especulação financeira
em detrimento dos investimentos no setor produtivo.
Assiste-se, portanto, a um espetáculo desenvolvido para solucionar os problemas
financeiros, que apresenta medidas que desencadeiam o aumento do contingente de pobres, sendo
a maioria da platéia representantes da “categoria classificatória”. Regida pela meritocracia do
mercado, determina os “ganhadores e perdedores, fortes e fracos, os que pertencem e os que
ficam de fora”. (TAVARES, 2000, p.13). É a partir dessa naturalização, conforme alerta Netto
(1995), que o projeto neoliberal vem encontrando legitimação democrática para suas imposições,
eliminando qualquer alternativa ou possibilidade de contestação e resistência popular às suas
orientações.
Nesse sentido, apesar dos argumentos do autor, é possível perceber, mesmo que
timidamente, manifestações de contestação e resistência popular aos ditames neoliberais.
Partindo da mobilização empreendida por diversos movimentos e organizações sociais
organizados pela sociedade civil, pode-se perceber o questionamento da lógica neoliberal através
da problematização das múltiplas expressões da questão social. Têm-se como exemplo as
experiências desenvolvidas por movimentos emergentes do meio rural e urbano, preocupados

algumas vezes até destruídos, condenando milhões de seres humanos a uma existência infra-humana” (1990, p. 117)
.
66
Baseada nas discussões levantadas por Cattani sobre as conseqüências dos processos geradores de desigualdades
sociais, a categoria degradação é compreendida como transmissora da “idéia de enfraquecimento gradual e contínuo,
de passagem progressiva de um nível superior para um inferior” (1996, p. 67).
67
Como categoria histórica-social, a “pobreza” é compreendida como situação na qual se encontram os indivíduos
possuidores de acesso precário ou sua ausência. São aqueles que vivem em condições irregulares de participação na
vida econômica e social devido à incerteza de obtenção de recursos para a sobrevivência em razão da insegurança de
emprego. Como “pobres” caracterizam -se os indivíduos que por si próprios não conseguem prover os recursos para
sua sobrevivência. Conforme referenciais estatísticos do Banco Mundial, a pobreza decresceu em 24% nas três
últimas décadas, reduzindo-se, conseqüentemente, o número de indivíduos pobres de 39,5% para 21,3%67. Cabe
ressaltar que o Banco Mundial utiliza como critério de identificação da linha de pobreza o acesso mínimo a bens de
consumo, relativos ao rendimento per capita de US$ 1,00 diário. Porém, não percebe a pobreza como categoria
desencadeada por um conjunto de situações que ultrapassam o padrão mínimo de consumo aceitável e/ou
insuficiência de renda, desprezando os demais indicadores. Nesse sentido, “para um conjunto de 1,6 milhões de
pobres, existem 800 milhões de pessoas desnutridas, 860 milhões de analfabetos e um universo de quase 874 milhões
de trabalhadores possui uma inserção precária no mercado de trabalho sob forma de desemprego ou ínfimos
salários”. (POCHMANN, 2004, p. 48).
com a preservação ambiental, com as relações de gênero, com as políticas sociais, com as
questões étnicas, entre outros.
Cabe ressaltar, ainda, além das possibilidades das manifestações de luta e resistência
encontradas pela sociedade civil organizada, as fragilidades do receituário neoliberal. As
propostas empreendidas pelo neoliberalismo, principalmente para as políticas sociais, como será
apontado nos próximos capítulos, revelam dificuldades para o cumprimento do desenvolvimento
de suas metas, não efetivando suas proposições de revitalização da economia capitalista.

2 A POLÍTICA EDUCACIONAL E O ESTADO NEOLIBERAL


Portanto, todos os sentidos físicos e intelectuais
foram substituídos pela simples alienação de todos
os sentidos, pelo sentido do ter.
Karl Marx

O processo de reformulação do Estado, ancorado nas justificativas neoliberais de


ineficiência, ineficácia, burocratização e peso dessa instituição à sociedade, demarca a
fomentação de novas relações entre o Estado, a sociedade civil e o mercado. O movimento de
reforma incide diretamente na intervenção do Estado, tanto nos aspectos econômicos, através das
reformas voltadas à recuperação do desenvolvimento, como na esfera social, implicando
decisivamente a materialização dos direitos sociais.
Os direitos sociais, representados pelo direito à educação, à saúde, ao trabalho, à
assistência e à previdência, possuem caráter redistributivo e materializam-se pela promoção
igualitária do acesso a “bens socialmente produzidos, a fim de restaurar o equilíbrio para a coesão
social”. Essa fundamentação na igualdade deriva do reconhecimento das desigualdades entre os
indivíduos e da possibilidade de minimizar esse distanciamento. (COUTO, 2004, p. 48). Tal
aproximação, conforme explica Couto (2004), é possível porque os direitos sociais estão
centralizados em necessidades reais dos indivíduos, ou seja, necessidades “básicas, objetivas,
universais e históricas”. (p. 49). Dessa form a, mesmo diante de sua titularidade individual, são de
natureza coletiva e devem ser acessados por todos os cidadãos membros da sociedade, pois são
“direitos de créditos do indivíduo em relação à coletividade”. (p. 48).
Conforme relembra Coutinho (2000), os direitos sociais emergem das lutas dos
trabalhadores para o atendimento às reivindicações provenientes ainda no século XIX, porém
somente assumidas como direito positivo68 no século seguinte. A mobilização trabalhadora por
melhores condições de trabalho resultou em direitos que, pela intervenção do Estado Social
acabaram sendo expandidos para todos os cidadãos, independentemente da vinculação
trabalhista. É por meio das lutas que os trabalhadores “postulam direitos sociais que, uma vez
materializados, são uma indiscutível conquista”. ( p. 64).

68
O autor argumenta que os direitos sociais foram assumidos parcialmente pelo direito positivo com o Estado
passando a responsabilizar-se pelo acesso dos indivíduos a determinados serviços sociais.
Embora se entenda a amplitude dessa vertente, também se destaca como concepção de
garantia dos direitos sociais a idéia de instrumento de manutenção e reprodução da força de
trabalho. Nesse aspecto, Coutinho (2000) afirma que os direitos sociais, do ponto de vista da
concepção dialética, não podem ser visualizados como “simples instrumentos da burguesia”,
pois, mesmo que essa classe social os utilize para sua manutenção, ao mesmo tempo, empenha-se
em destruí-los.
Assim, ao transcender esse entendimento limitado, percebe-se que, se, diante dos conflitos
travados na relação capital-trabalho, há a necessidade de realizar concessões aos trabalhadores,
também é pelo atendimento coletivo que os trabalhadores se fortalecem e criam espaços de luta e
resistência. Em meio a essa relação contraditória, mesmo que a burguesia atinja seus objetivos
com a concessão de direitos sociais, estes marcam, na modernidade, a ampliação dos espaços de
universalização da cidadania, ou seja, “da democratização das relações sociais”. Abrem -se, nesse
período, as possibilidades de emancipação da humanidade ainda que sejam consideradas mais
como promessas do que como práticas efetivamente garantidas. (COUTINHO, 2000).
Para Pereira (2002), é por meio dos direitos sociais que a sociedade “penetra no Estado,
procurando: conhecê-lo, controlá-lo e interferir na sua estrutura administrativa, nos seus
processos de legitimação e regulação, nas suas prioridades e objetivos”(p. 34). Esse movimento,
segundo Raichelis (1998), é impulsionado pela publicização das classes sociais, pois a luta de
classes se desloca das relações privadas à esfera pública das relações sociais. Esse movimento
também cria condições à publicização do Estado, permitindo a constituição de sujeitos coletivos
no seu interior. ( p. 57).
Então, para a materialização dos direitos sociais, é imprescindível a participação do
Estado, que, conforme relembra Vieira (2004), sempre esteve presente, atuando na sociedade
capitalista, mesmo com diferentes intensidades interventivas, no decorrer de sua existência
histórica. Sua intervenção, a partir de 1930, esteve diretamente ligada à promoção do
desenvolvimento econômico e social, entendendo a regulação dos direitos sociais como condição
indispensável ao progresso. É pela mediação do Estado nas relações sociais que são construídos
os “espaços para a implementação dos sistemas de proteção social que atuam como instrumentos
de desmercadorização da força de trabalho”. (p. 29). Desvinculado do mercado, o acesso aos
níveis de proteção procurava satisfazer as necessidade básicas dos indivíduos, primeiramente dos
trabalhadores, sendo depois estendido à população de diversos países por meio das políticas do
Estado social.
Segundo aponta Raichelis (1998), tal autonomia para o financiamento público da
economia capitalista só foi possível em virtude da “ dessubalternização do Estado em relação ao
mercado” (p.55), o que possibilitou maior liberdade para intervir na conjuntura econômica e
social, “respondendo as demandas sociais e auxiliando os agentes econômicos a realizarem os
seus fins”. (p. 55). O Estado passa a adotar políticas de investimentos voltadas à implementação
de políticas sociais públicas, desvinculadas de uma relação mercadológica, incorporando, assim,
a materialização dos direitos sociais. Para a autora, é a partir desse momento que surgem as
diversas instituições de bem-estar, centralizadas “nas políticas de pleno emprego, nas políticas
sociais universais, na estruturação de redes de proteção contra os riscos sociais”. (p.30).
Cabe ressaltar que as políticas sociais, enquanto garantia dos direitos sociais, também são
marcadas pelas contradições históricas do capitalismo, uma vez que acabam atendendo tanto às
necessidades do capital como às da classe trabalhadora. Assim, por um lado, são interpretadas
como condição ao enfrentamento dos problemas sociais decorrentes da industrialização,
assegurando, assim, a continuidade do processo produtivo; por outro, acabam possibilitando o
atendimento regulamentado às necessidades sociais, avançando de uma concepção restrita de
proteção social à previsão de um conjunto de direitos regulamentados por legislações específicas.
Com relação à garantia desse atendimento, Vieira (2004) ressalta que as políticas sociais
construídas no regime liberal-democrático possuem uma vinculação de dependência com relação
às políticas econômicas. Para o autor, a política social objetiva possibilitar a “igualdade de
cidadania para os homens” pertencentes a uma sociedade caracterizad a pelas diferenças
econômicas. Na sociedade capitalista, a esfera econômica sempre estará acima de outras
manifestações, de forma que os “direitos sociais integrantes da cidadania podem mitigar a
desigualdade dos homens e até contribuir à mudança nas condições de produção, não abolindo a
situação desproporcional estabelecida”. (p. 214).
Nesse sentido, o autor compreende que, mesmo emergindo de um contexto marcado por
interesses, lutas políticas, reivindicações e proposições efervescentes dos trabalhadores, as
políticas sociais não objetivam romper com a “ordem jurídica e comumente na forma de lei”. Isso
porque, mesmo circunscritas “dentro da lei”, elas conservam “a desigualdade, ainda que sem
aprovar as condições desiguais das pessoas”. (p. 215). A respeito , Couto (2000) também entende
que a dependência dos fatores econômicos inviabiliza os direitos sociais, uma vez que é
compreendida de maneira desvinculada da materialidade das políticas sociais e representa
somente o resultado de um processo político.
Concorda-se com Coutinho (2000) que as políticas sociais não são “uma rua de mão
única”, onde “somente a burguesia teria interesse num sistema educacional universal e gratuito,
numa política pública de seguridade”. (p. 64). Isso porque, como na vida social, também são
determinadas pelas lutas de classes, que, por meio de reivindicações organizadas, materializam
direitos sociais, mesmo que essa dimensão de conquista não impeça que a classe dominante, em
determinadas situações, continue utilizando-as em prol de seus ideais econômicos.
Essa dualidade da origem e intervenção das políticas sociais na sociedade capitalista
demonstra que o Estado social, apesar da relativa autonomia para impulsionar o
desenvolvimento, não deixa de ser um espaço de tensões. Como explica Faleiros (1995), o Estado
é “lugar do poder político, um aparelho coercitivo e de integração, uma organização burocrática,
uma instância de mediação à práxis social capaz de organizar o que aparece num determinado
território como o interesse geral”( p. 46). Assim, é a partir dessas características que, no contexto
econômico e político, o Estado intervém na correlação de forças sociais.
No caso do Estado social, este se empenhou para garantir os direitos sociais,
principalmente aos trabalhadores, uma vez que o sistema de proteção social da época
impulsionava a manutenção do sistema produtivo taylorista-fordista. Segundo as reflexões de
Couto (2004), a função do Estado era concretizar direitos sociais, estando essas condições
atreladas às disponibilidades econômicas e à base fiscal do aparato estatal.
A sociedade somente conseguiria assegurar os direitos sociais a todos os cidadãos pela
intercessão do Estado, que os materializa por meio das políticas sociais de educação, saúde,
habitação, previdência e assistência social. Se o Estado se empenhou para tal feito, com o seu
desmonte pelas proposições neoliberais, as relações e particularidades que permeiam as políticas
sociais seriam alteradas profundamente, impondo limitações e possibilidades ao seu acesso pelos
indivíduos. Segundo Viera (2004), a política social

[...]expressa e carrega encargos do Estado, materializados em serviços e atividades de


natureza pública e geral, encargos estes também voltados à reprodução da força de trabalho de
que o capitalismo não pode prescindir. Se assim é, [...] a política social não deixa de germinar nos
interesses e nos embates políticos, de nutrir-se deles. E, no caso, ela acaba por revestir-se de
forma legal, prevalecendo em muitas ocasiões às injunções do mercado capitalista. ( p. 215).

Compreende-se, primeiramente, que essa limitação resulta do entendimento da vertente


neoliberal, na qual as políticas sociais aparecem como responsáveis pelo esgotamento das
reservas financeiras públicas, o que contribuiu efetivamente para o desencadeamento da crise
fiscal do Estado. Para solucionar a crise, é preciso eliminar “as políticas sociais universais não -
contratuais e constitutivas de direitos de cidadania”, uma vez que essas propiciam o “o
esvaziamento de fundos públicos, ‘mal gastos’ em atividades burocratizadas, sem retorno e que
estendem a cobertura a toda a população indiscriminadamente”. (MONTAÑO, 2003, p. 188).
Além disso, conforme defendia Hayek (1984), as ações do Estado voltadas à esfera social
acomodam os indivíduos, limitando suas capacidades competitivas de crescimento individual. A
essência da preocupação, nesse caso, é com a excessiva proteção do Estado aos indivíduos, que,
segundo Hayek, desenvolvem um sentimento contrário ao gosto pelo trabalho, o que pode
comprometer o desenvolvimento da sociedade produtiva.
Essas afirmações fortalecem a reforma do Estado e acabam enfraquecendo as concepções
de igualdade e universalidade dos direitos sociais, bem como a materialização da produção,
instituição e distribuição de bens e serviços sociais pelas políticas sociais no capitalismo. Sendo
o mercado responsável pela regulação e legitimação social, as políticas sociais são destituídas da
exclusividade pública, sendo percebidas como mercado financeiro em potencial. Como resposta
à questão social, o neoliberalismo “quer acabar com a condição de direito das políticas sociais e
assistenciais, com seu caráter universalista, com a igualdade de acesso, com a base de
solidariedade e responsabilidade social e diferencial”. (MONTAÑO, 2003, p. 189 – grifo do
autor).
Fundamentadas nesses pilares, segundo Montaño (2003), as respostas à questão social
migram da garantia de direitos pela intervenção estatal à esfera do mercado como atividades e
serviços comercializáveis. Nesse movimento, a sociedade civil também é chamada a responder
com ações voluntárias e /ou filantrópicas às necessidades dos segmentos populacionais excluídos
do grande mercado das políticas sociais. Tanto a mercantilização de serviços sociais de
qualidade, mediada pelas exigências do poder de compra, como a destinação de serviços sociais
financiados com escassos recursos públicos ou ancorados na “solidariedade social” operam a
desconstrução dos direitos sociais. Essa desconstrução é possibilitada pela redução dos
investimentos e da qualidade dos serviços e benefícios sociais oferecidos pela esfera pública,
causando um verdadeiro Estado de mal-estar, principalmente na América Latina. É buscando
resolver esse problema do Estado que há a transferência da responsabilidade de parte da oferta
para o âmbito privado, mudando, como aponta Soares (2000), “a orientação da política social:
nem consumos coletivos nem direitos sociais, senão que assistência focalizada para aqueles com
‘menor capacidade de pressão’ ou os mais ‘humildes’ ou, ainda, os mais ‘pobres’” (p. 73 – grifos
do autor).
Para Sposati (2002), “se trata de uma relação bem mais complexa do que a imediata
afirmação de um processo de ‘desmanche social’ ou de ‘(des)regulamentação de políticas
sociais” (p. 33), poi s os países da América Latina nem chegaram a passar pela experiência do
Estado social. Mesmo assim, o perfil das políticas sociais é alterado em face das estratégias
concretas do neoliberalismo, tais como a redução dos gastos e investimentos sociais, a
descentralização dos serviços sociais, a focalização do atendimento e a privatização total ou
parcial dos serviços e benefícios sociais (MONTAÑO, 2003; LAURELL, 2002; SOARES, 2000).
Essas estratégias direcionam o processo de “desmanche” dos direitos sociais pelo
neoliberalismo, sendo modificados a natureza, o público-alvo de intervenção e o gerenciamento
das políticas sociais. Para os países latino-americanos, o impacto neoliberal é ainda mais
profundo se comparado ao que ocorre nos países desenvolvidos, onde os direitos sociais já
vinham sendo assegurados pelo Estado, pois tal pacto dificulta o reconhecimento dos direitos
sociais nos países de regulação tardia.
As argumentações neoliberais partem da discussão sobre os gastos públicos e
dificuldades do Estado em controlar seus investimentos perante as receitas obtidas,
descredenciando sua capacidade administrativa. Entretanto, Laurell (2002) destaca que tal crise
nos Estados latino-americanos foi provocada pelos gastos com a dívida pública desencadeada
pelas relações econômicas nacionais e internacionais. Para garantir a redução do déficit público,
processou-se o corte dos gastos públicos, atingindo, principalmente, a esfera social. Reduzidos e
direcionados, os gastos sociais sustentam o atendimento às necessidades mínimas através de
políticas compensatórias, deslocadas da lógica de transformação social.
Referindo-se aos investimentos, Soares (2000) observa que os recursos ficam restritos aos
subsídios do capital, impostos sobre os rendimentos, contribuições sobre a folha de pagamento
dos trabalhadores e impostos diretos. Os gastos com investimento são anulados, produzindo a
redução dos serviços diante de uma enorme demanda que carece de atendimento. Também a
redução dos gastos com custeio compromete a qualidade dos serviços, pois, além da
desvalorização salarial dos funcionários, não existem condições físicas (infra-estrutura, material
de consumo, equipamentos) necessárias à realização dos atendimentos.
Diante dessas dificuldades de estruturação dos serviços sociais públicos, a
descentralização do atendimento acaba sendo justificada pela necessidade de “democratizar a
ação pública, mas principalmente, permitir a introdução de mecanismos gerenciais e incentivar os
processos de privatização”. (LAURELL, 2002, p . 174). Esse discurso encontra dificuldade para
materializar-se na prática, pois, mesmo que as decisões sobre o financiamento, a administração e
a produção dos serviços sociais ocorram em âmbito local, seu processamento não atende a tais
peculiaridades.
Tal impotência decorre por causa da transferência de responsabilidades às esferas
estaduais e municipais de governo sem descentralizar os recursos financeiros à operacionalização
das políticas sociais, o que, segundo Montaño (2003), “implica apenas uma de sconcentração
financeira e executiva, mantendo uma centralização normativa e política”(p.192). Dessa forma,
há descentralização somente de gerenciamento, pois “o que se transfere para a esfera
local/municipal são apenas os processos administrativos, gerenciais, não os políticos e decisórios,
dada a incapacidade de muitos municípios de autofinanciar sua ação social”. (p. 192).
Diante da limitação dos investimentos na área social, da descentralização de
responsabilidades e da não disposição de recursos para garantir os direitos sociais, tem-se como
resultado o aumento da focalização das políticas sociais. A concepção de garantia dos direitos
sociais a qualquer cidadão é deslocada para a lógica de que os gastos e os serviços sociais
públicos devem ser dirigidos exclusivamente aos segmentos populacionais comprovadamente
pobres. Essa forma de atuação das políticas sociais, “contra um princípio universalista”, corrói o
direito à cidadania, uma vez que são destinadas “hoje apenas a uma parcela da população caren te
de determinado serviço pontual”(MONTAÑO, 2003, p. 191), sendo percebidas como necessárias
para atender os excluídos do mercado. Funcionando como mecanismo discriminatório, tais
políticas são materializadas pela destinação de gastos sociais com programas de natureza seletiva,
centralizados na pobreza e determinados a promover os serviços sociais oferecidos pela esfera
privada, em virtude da limitação qualitativa e quantitativa do Estado.
Os serviços de natureza pública, então, devem somente contemplar as fatias populacionais
que não possuem acesso às políticas sociais ofertadas pelo mercado, visualizando-se, assim, a
privatização como estratégia articulada ao modelo econômico neoliberal. Esse processo de
destituição exclusiva do Estado enquanto provedor das políticas sociais acaba promovendo a
privatização de tais políticas, que acabam sendo “transferidas para o mercado e/ou alocadas na
sociedade civil”. ( MONTAÑO, 2003, p. 191).
Essas duas direções determinam as discussões das políticas sociais na atualidade, pois se,
anteriormente, tinha-se um Estado responsável pela garantia e efetivação dos direitos sociais,
hoje as responsabilidades públicas são divididas com o mercado econômico e com a sociedade
civil. Dessa mesma forma, o bem-estar social é financiado por fontes privadas, tendo como
“fontes naturais a família, a comunidade e os serviços privados”. (LAURELL, 2002, p. 161).
Nessa concepção, o Estado somente deverá interceder quando for necessário garantir as
necessidades mínimas dos indivíduos como forma de combater a pobreza.
Nessas condições, concorda-se com Montaño (2003) que a transferência das
responsabilidades estatais para o âmbito privado acaba delegando “ao próprio sujeito portador de
necessidades a responsabilidade pela satisfação dos seus carecimentos”. (p. 190). Tal satisfação é
buscada na aquisição de serviços e/ou produtos disponibilizados pelo mercado ou através da
ajuda mútua vinculada à concepção de solidariedade social.
Referindo-se particularmente à privatização dos serviços sociais como esfera
mercadológica, pode-se perceber que as políticas sociais, a partir da década de 1990,
despontaram como mercado promissor de investimentos e retornos financeiros. A determinação
de quais políticas sociais podem ser privatizadas69 ou que deverão permanecer sobre a
responsabilidade do Estado obedece à seletividade do mercado, que recorre àquelas que
representam possibilidades economicamente rentáveis. Porém, como explica Laurell (2002), esse
processo depende da interferência do Estado por meio de ações específicas voltadas “à geração
de um mercado estável e garantido, e à resolução das contradições políticas geradas pela
imposição dos postulados neoliberais”. (p. 167). Essa situação é possível com a articulação entre
privatização, focalização, descentralização e diminuição dos investimentos.
Nesse movimento, a relação entre oferta e demanda é provocada pela restrição da
abrangência dos serviços sociais oferecidos pelo Estado mediante o atendimento às necessidades
individuais. Assim, a demanda pelos serviços privados aumenta em razão da insuficiência de
cobertura e precarização dessas políticas, pois os segmentos populacionais com rendimentos
insuficientes buscarão no Estado a satisfação de suas necessidades sociais. Esse processo de
transferência de demanda pode ocorrer por meio de investimentos de fundos públicos, como
incentivos fiscais às empresas que oferecem esse atendimento aos seus funcionários, ou, até
mesmo, pela subcontratação de serviços privados pelo Estado. (MONTAÑO, 2003).
Conforme explica Laurell (2002, p. 170), para conseguir “formas estáveis de
financiamento para custear os benefícios ou serviços privados” dois mecanismos são ativados. O
primeiro refere-se à compra de serviços e/ou benefícios sociais do setor privado com fundos
públicos, a partir do credenciamento de tais serviços. Porém, para a autora, esse esquema acaba
sendo limitado em virtude dos altos custos dos serviços requeridos diante diminuição de
investimentos públicos na área social. O outro mecanismo consiste no incentivo à indústria de
seguros privados, visto que o financiamento desses é concebido como negócio administrado por
grandes grupos financeiros responsáveis pelo sistema de consórcio.
O fenômeno da privatização, para Montaño (2003), consagra o mercado como a esfera
privada responsável pela oferta de serviços e benefícios sociais, partindo de uma relação
comercial estabelecida entre os indivíduos, constituindo a lógica do cidadão – consumidor. A
remercantilização inaugura “uma nova forma de apropriação da m ais-valia para o trabalhador”
(p. 197), possibilitando o acesso aos benefícios conforme o poder de compra individual, logo
permitido àqueles dotados de recursos financeiros disponíveis para adquiri-los. Assim,
convertidas em processos econômicos rentáveis, as políticas sociais, quando não adquiridas como
mercadorias por seus usuários, são acessadas pelo viés da ajuda através de grupos ligados ao
terceiro setor, produzindo com a refilantropização um movimento contrário à cidadania. Esse
movimento acontece, segundo Montaño,

na medida em que amplos setores da população ficarão descobertos pela assistência


estatal (precária, focalizada e descentralizada, ou seja, ausente em certos municípios e
regiões e sem cobertura para significativos grupos populacionais) e também não terão

69
Para Laurell (2002), apesar de a privatização ser o objetivo principal desse processo, só interessa quando as
políticas sociais podem ser convertidas em atividades economicamente rentáveis.
condições de acesso aos serviços privados (caros), transfere-se para a órbita da
“sociedade civil” a iniciativa de assisti -la mediante práticas voluntárias, filantrópicas e
caritativas, de ajuda mútua ou auto-ajuda. É nesse espaço que surgirá o que é chamado
de “terceiro setor”, atendendo a população “excluída” ou parcialmente “integrada”,
um quase “não cidadão”. Isso cai como “uma luva” na mão do projeto neoliberal. (2003,
p. 197- grifo do autor).

Na verdade, o modelo econômico neoliberal dificulta “a noção de direito ao acesso a


respostas públicas como condição universal”(SPOSATI, 2002, p. 41), ou seja, dificultando a
própria consolidação do direito social enquanto responsabilidade pública. Assim, diante das
especificidades das políticas sociais, cabe indagar como esse processo neoliberal de negação dos
direitos sociais vem sendo operacionalizado. Entre as políticas sociais que sofreram esse ataque
neoliberal, cabe destacar que o processo de reestruturação do Estado impactou de maneira
particular na educação, pois, enquanto prática política, esta representa para o capitalismo muito
mais que um mercado econômico promissor: pode contribuir diretamente com seu projeto
político e ideológico na formação dos indivíduos à vida, ao trabalho e, logicamente, ao consumo.

2.1 As propostas neoliberais para a política social pública de educação

Sabe-se que, com a reestruturação do Estado, as políticas


sociais públicas atravessaram um processo de mutação provocado
pela necessidade de sua adequação às convicções neoliberais de
recuperação da economia mundial. Como o neoliberalismo fortalece
o mercado como instrumento regulador dos interesses e relações
sociais, a mercantilização das políticas sociais passa a ser
incentivada, sendo esse processo entendido como natural à própria
evolução do capitalismo. Como ideologia central, essa concepção
implica mais do que uma solução economicamente viável à
recuperação do Estado, pois produz efeitos maléficos à
subjetividade das políticas sociais, alterando, assim, sua estrutura e
funcionamento e dando-lhe outros sentidos que não o de direito
social.
A educação, como política social pública, também transita para
o processo de incorporação dos pressupostos neoliberais. Segundo
Azevedo (2004), a relevância da educação nesse processo é
justificada pelo seu potencial da educação em movimentar o
progresso científico e tecnológico, bem como por sua influência na
regulação do mercado. Nesses sentidos, a educação acaba sendo
fundamental ao neoliberalismo, visto que, como ação política
mobiliza valores necessários tanto à formação de trabalhadores
como à de cidadãos adeptos aos ideais mercadológicos.
Originárias da crise do Estado social, as discussões neoliberais sobre o sistema
educacional estão ancoradas na idéia de incompetência e incapacidade do sistema público para
gerenciar e financiar as políticas sociais. A política pública de educação, nesse sentido, não
consegue disponibilizar aos indivíduos práticas pedagógicas de qualidade, deixando muito a
desejar perante os emergentes desafios da mundialização. Juntamente com a ausência de
qualidade, também o Estado é acusado de não universalizar a educação, dificultando seu acesso,
sobretudo, às classes populares.
A crítica à qualidade do ensino público pelos neoliberais está estreitamente ligada à
necessidade de responder positivamente às demandas dos mercados flexíveis. Com a
mundialização econômica, financeira e produtiva, alteram-se também as exigências de formação,
pois os mercados são movidos pela competitividade, sendo necessário desenvolver tal cultura nos
indivíduos. Dessa maneira, é preciso internalizar a competitividade como condição essencial de
desenvolvimento e crescimento pessoal. Todavia, a educação pública, nesse sentido, apresenta
dificuldades para provocar tal mobilização, pois a mesma não funciona “como sistema em que os
melhores triunfam e os piores fracassam”.(GENTILI, 1998, p.96), destoando, assim, da dinâmica
mercadológica.
A concepção de qualidade70 requerida pelo neoliberalismo, de acordo com os objetivos
expostos acima, acaba se resumindo à capacidade de mobilizar os indivíduos para a
competitividade, ou melhor, para a competição entre si mesmos. Essa idéia está inculcada nos
valores do neoliberalismo, sendo desenvolvida segundo estratégias específicas norteadas pela
regulação do mercado, propondo uma educação voltada à qualificação e reorganizando-a com
base no movimento da qualidade total das organizações privadas.
Importado da realidade empresarial, o conceito de qualidade total procura inserir nos
espaços educacionais públicos o pressuposto da competição, partindo da idéia da livre-escolha
dos clientes à unidade educacional que ofereça educação de qualidade. Contudo, como se sabe, as
limitações dos setores públicos em adequar-se a tal idéia dificultaram a concorrência desses com
a esfera privada, sendo essa lacuna propícia para introduzir a gestão privada na política
educacional. Mesmo assim, cabe questionar como uma metodologia aplicável a produtos e
processos produtivos pode ser adotada com igual teor na melhoria dos processos de ensino. A
inadequada comparação entre o papel do professor e o operário assusta quando se imagina que o
resultado do trabalho de qualquer um deles possa ser o mesmo: um produto material e não a
emancipação do ser humano.
Seguindo as contribuições teóricas englobadas na obra Neoliberalismo, qualidade total e
educação, pode-se perceber que a qualidade total na educação é mais um conceito vinculado às
concepções políticas e sociais que aproximam às estratégias empresariais das práticas públicas.
Essa aproximação entende Silva (1996), acaba reduzindo o processo educacional a um conjunto
de deficiências que atingem sua maneira de gerenciar e administrar o ensino. Considerando tais
deficiências como problemas técnicos, o neoliberalismo propõe “soluções técnicas, ou melhor,
soluções políticas traduzidas como técnicas” (p. 19), controlando processos e contabilizando
indicadores econômicos para avaliar sua eficácia.
Segundo os neoliberais, esse dilema apresenta as dificuldades do Estado em promover a
articulação entre qualidade e universalização da política educacional. Nesse contexto, a
centralização e a burocracia do sistema educativo revelam sua incapacidade “de assegurar a
democratização mediante o acesso das massas às instituições educacionais e, ao mesmo tempo, a
eficiência produtiva que deve caracterizar as práticas pedagógicas nas escolas de qualidade”. (p.
17). Como demonstram as experiências dos países latino-americanos, para o neoliberalismo foi a
universalização, mediante a idéia de gratuidade, a grande responsável pela deteriorização da
qualidade e da produtividade do ensino. (GENTILI, 1998).
Para resolver tal crise em face dos ineficientes investimentos públicos, os neoliberais
entendem que a receita “não está em aumentar o orçamento educacional, mas em ‘gastar melhor’;
que não faltam mais trabalhadores na educação, mas ‘docentes mais bem formados e
capacitados’; que não faz falta construir mais escolas, ‘mas fazer um uso racional do espaço

70
Gentili (1996) realiza uma análise da qualidade enquanto propriedade, colocando que com base nessa concepção,
escolar”. (GENTILI, 1998, p. 19). Portanto, a política educacional precisa ser gerenciada com
base em parâmetros sérios, comprometidos com a qualidade de seus serviços, sendo necessário,
para isso, seguir os passos dos dirigentes da esfera privada de produção para alcançar o sucesso.
Essa perspectiva ressalta, novamente, que a eficiência e a eficácia de qualquer produto ou serviço
advêm da racionalidade econômica da esfera privada, ao passo que o público se torna sinônimo
de ineficiência.
Nessas condições, o discurso neoliberal, aqui não entendido como mera narrativa, mas
como instrumento efetivo de modificação de valores, afirma que a natureza pública e o
monopólio estatal da educação são os principais fatores que comprometem a qualidade e
universalização do ensino. Segundo esse argumento, o Estado, como detentor do monopólio da
educação, não demonstra capacidade e empenho para melhorar a qualidade de seus serviços
sociais, pois está pouco preocupado em atender às demandas emergentes dos processos de
mundialização. Não podendo acompanhar a lógica da flexibilização, deve-se “transferir a
educação da esfera pública para a esfera do mercado”, construindo novos sentidos para essa
política social, que começa a ser pensada como uma mercadoria de consumo individual.
(GENTILI, 1998, p. 19).
Cabe ressaltar que, mesmo diante da proposta de desmonopolização da educação, a
responsabilização do Estado pela educação básica não é desconsiderada totalmente pelo
neoliberalismo. Isso porque a educação é considerada como essencial para fomentar o
desenvolvimento econômico e, mesmo em níveis básicos, possibilita a transmissão de saberes,
conhecimentos e informações que facilitam a agilidade de pensamento e melhoram o
relacionamento interpessoal, condições essas indispensáveis na atual esfera produtiva. Cabe ao
Estado, então, continuar velando pela educação, mas somente daquelas massas populacionais
que ainda não conseguem acessá-la na esfera privada do mercado educativo.(AZEVEDO, 2004).
Percebe-se, portanto, que o papel social, ou melhor, econômico, da educação na
sociedade, como afirma Gentili (1998), corresponde às expectativas do neoliberalismo, alterando
não somente a concepção de formação, mas também seu provimento. Baseada nas grandes
dificuldades do Estado em sustentar a política educacional e na necessidade de resolver os
problemas de qualidade e acesso ao ensino, a falácia neoliberal introduz entre suas alternativas a
abertura de um novo mercado: o educativo.

não é algo universalizável.


Essa estratégia propõe o combate aos problemas do ensino, tanto na redução dos gastos
públicos com os serviços sociais como na melhoria da qualidade do ensino, possibilitando, ainda,
o livre-acesso e escolha dos indivíduos à educação pública ou privada. A reforma educacional
consiste na idéia de que o provimento da educação não seja assumido exclusivamente pelo
Estado, impulsionando um movimento de despublicização do ensino, que o transfere também à
esfera privada.
Especificamente nos países da América Latina, as reformas educacionais ocorreram pela
imposição de regras externas dirimidas pelo próprio Consenso de Washington, que processam as
transformações requeridas pelo neoliberalismo. Como ressaltam Rosar e Krawczyk (2001), os
organismos internacionais procuram demonstrar, por meio de pesquisas, a necessidade de
reformar a política educacional pública, ilustrada pelas deficiências dos regimes públicos de
provimento da educação.
Como nos demais países, os latino-americanos também apresentam problemas quanto à
qualidade do ensino e dificuldades para responder às necessidades do capitalismo nessa fase de
reordenamento econômico, necessitando de reformas que reorganizem esse serviço. Tais espaços
educativos são reformulados pelas orientações proferidas pelos organismos internacionais de
financiamento e assistência técnica, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial,
entre outros. Essa interferência provoca a construção de representações amparadas nas alterações
das relações sociais, que passam a reproduzir valores como a competição e o individualismo,
sendo práticas essencialmente mercadológicas.
Dessa maneira, diante do fenômeno da mundialização, o imperativo é aderir aos
mecanismos de mercado para conseguir atender às demandas emergentes, principalmente do
mundo do trabalho e do consumismo. Retornam com novos visuais os princípios da teoria do
capital humano, que responsabilizam individualmente cada sujeito por suas condições
competitivas. A necessidade de educação e treinamento é indicador importante para aumentar a
produtividade, porém com o neoliberalismo esses objetivos devem ser providos pelos próprios
indivíduos. A adequação da política pública de educação à demanda mercadológica é essencial
para consolidar esse processo, devendo, para isso, utilizar mecanismos de controle que garantam
a melhoria da qualidade no ensino.
Entende-se, entretanto, que o movimento de transferência das responsabilidades estatais
para a esfera privada, bem como suas implicações à política pública de educação, está articulado
à dinâmica dos sistemas de privatização, uma vez que esta se constitui na principal orientação
neoliberal para operar a despublicização das políticas sociais.

2.2 Os sentidos da privatização na política educacional

Sabe-se que a imposição progressiva do processo de privatização como uma das


principais características do neoliberalismo altera a concepção, a estrutura e o funcionamento das
políticas sociais. Apesar das particularidades da política educacional, esse processo ocorre de
maneira semelhante à privatização dos outros serviços públicos essenciais como a saúde, a
telefonia, a previdência social, entre outros. Todavia, como explica Gentili (1998), a
privatização da educação pública não pode ser considerada somente “como uma questão
meramente econômica, vinculada à diminuição do investimento governamental na área
educacional”(p. 72), pois implica práticas subjetivas que constroem outros sentidos à educação.
Partindo desse mesmo entendimento, Moraes (2002) reforça que “as reformas neoliberais
não visam apenas acertar balanços e cortar custos – garantindo o sagrado superávit primário,
imprescindível à remuneração dos juros da dívida (interna e externa). Trata-se de mudar a agenda
de um país”. (p. 20 - grifo do autor). Isso explica o aumento dos gastos públicos apesar da onda de
privatizações em praticamente todas as economias avançadas após o período de reestruturação
do Estado.71
Para Moraes (2002), a privatização manifesta-se de diferentes formas. Num sentido estrito
significa “transferir a agentes privados (empresas) a propriedade e gestão de entes públicos ”. (p.
20). Entretanto, a privatização vem ocorrendo de maneiras diferentes. Pode-se identificar que ela
se manifesta pelo provimento da educação pelo setor público, porém financiada com recursos
privados, ou seja, com recursos econômicos das próprias famílias e empresas, assumindo como
responsabilidade o patrocínio de sua educação. Vale registrar que essa concepção vem
sendo reforçada pela vertente neoliberal, pois a educação, como um bem capitalizado,

71
Para maiores detalhes, consultar estudo de Dupas (1999 p. 89-94).
proporciona rendimentos futuros, sendo, portanto, responsabilidade de cada indivíduo investir em
seu desenvolvimento pessoal.72
Além disso, a educação também pode ser disponibilizada por organizações privadas,
porém financiadas com recursos públicos, sendo delegada a responsabilidade de atendimento às
necessidades educacionais a empresas privadas ou ONGs conveniadas que atuam na área da
educação. Conforme explica Gentili (1998), esse financiamento público engloba subsídios
financeiros, isenções fiscais, cedência de infra-estrutura e recursos humanos. Outra modalidade
observada é o fornecimento da educação por organizações privadas que são financiadas pela
esfera privada, sendo cada indivíduo responsável por sua formação, devendo realizar sua escolha
dentre as opções disponíveis no mercado educacional.
Ainda segundo Moraes (2002), a privatização possibilita “manter na esfera estatal a gestão
e a propriedade, mas providenciando reformas que façam funcionar os agentes públicos ‘como
se’ estivessem no mercado, modelando o espaço público pelos padrões do privado”. (p. 20).
Dessa forma, além de transferir a educação pública à esfera privada, visando diminuir as despesas
do Estado na área social, também há disseminação de formas de gestão direcionadas pela lógica
do mercado. Especialmente vinculadas a essa última modalidade estão as perspectivas que
orientaram o movimento de qualidade total na educação, aderindo aos princípios utilizados na
esfera produtiva como indicadores de modelo para qualificar os processos educacionais, como se
expôs anteriormente.
Entre as modalidades de privatização da política educacional apresentadas, Gentili (1998)
reforça que a mais visível legitimação discursiva de privatização é a delegação de
responsabilidades do financiamento estatal para entidades privadas. Nessa ótica, o Estado delega
o financiamento da educação às famílias, aos indivíduos e às empresas que são consideradas
como fonte econômica de recursos.
Essa articulação dos organismos de educação pública com a família e indivíduos que
freqüentam o sistema formal de ensino desencadeia uma intensificação das responsabilidades
destes no financiamento da educação, sobretudo em decorrência da privatização indireta ou direta
dessa política social. (GENTILI, 1998). Esse posicionamento pode ser comprovado pelo pacote
de reformas prescrito pelo Banco Mundial aos países em desenvolvimento, disseminado a partir
da década de 1990. Entre outras medidas, sobre a convocação dos pais e da comunidade no

72
Essa noção de que tal investimento é necessário mobiliza o interesse pela formação pessoal e profissional, gerando
sistema de ensino formal, destaca-se que a categoria participação está fundamentada,
especialmente, na contribuição econômica para a manutenção da infra-estrutura escolar73, não nas
decisões gerenciais e curriculares da escola.
Outro movimento que reforça a responsabilização sobre o financiamento da educação dos
indivíduos é a mobilização do ramo empresarial, que destina significativa parcela financeira à
educação escolar e à qualificação profissional. Como relembra Frigotto (2003, p. 26), para as
classes dominantes, historicamente, a educação “dos trabalhadores deve dar -se a fim de habilitá-
los técnica, social e ideologicamente para o trabalho. Trata-se de subordinar a função social da
educação de forma controlada para responder às demandas do capital”. Com relação aos
trabalhadores, o autor cita que

[...] a educação é, antes de mais nada, desenvolvimento de potencialidades e a


apropriação do “saber social”(conjunto de conhecimentos e habilidades, atitudes e
valores que são produzidos pelas classes, em uma situação história dada de relações para
dar conta de seus interesses e necessidades). (GRYZYBOWSKI apud FRIGOTTO,
2003, p. 26)

Dessa forma, “o embate que se efetiva em torno dos processos educativos e de


qualificação humana” para atender as necessidades de reprodução capitalista e as necessidades
humanas, constitui-se em um processo conflitante e antagônico. (FRIGOTTO, 2003, p. 26).
Percebe-se, nesse sentido, a educação escolar como potencializadora da educação profissional,
voltada à qualificação de trabalhadores flexíveis74. Ainda com a intensificação da exploração do
trabalho75 durante o fordismo, potencializada pela tecnificação da força do trabalho, surgem
inúmeras especializações e funções, anteriormente inexistentes, que “alteram as condições de

condições de empregabilidade aos trabalhadores.


73
Conforme estudo apresentado por Torres (1996) sobre as estratégias do Banco Mundial para melhorar a qualidade
da educação básica.
74
Essa inserção da flexibilidade no gerenciamento da força de trabalho, para Castel (1998), constitui-se em “uma
maneira de nomear essa necessidade do ajustamento do trabalhador moderno à sua tarefa”. (1998, p. 517). Nessa
mesma direção, Harvey afirma a emergência de “um novo trabalhador, e conseqüe ntemente, de um “novo homem”,
disposto a aceitar as condições de trabalho determinadas pelo ritmo disciplinado das empresas.
75
“O processo de produção de tipo taylorista, por meio dos team work, supõe portanto uma intensificação da
exploração do trabalho, quer pelo fato dos operários trabalharem, simultaneamente, com várias máquinas
diversificadas, quer pelo ritmo e a velocidade da cadeia produtiva dada pelo sistema de luzes. Ou seja, presencia-se
articulação” entre forças produtivas e o trabalho intelectual e manual, para atende r as demandas
produtivas emergentes (IANNI, 1996, p. 21). A base que sustenta a qualificação profissional é
constituída pelo desenvolvimento de competências técnicas, culturais e sociais compatíveis com
os objetivos e metas estabelecidas pela empresa.
Na perspectiva dos atributos técnicos à organização e desenvolvimento dos processos
produtivos, prima-se por trabalhadores polivalentes, com formação geral, capacitados para
exercer funções diversificadas no ambiente laboral, visando garantir a continuidade dos
processos. Muitas empresas exigem o domínio das tecnologias de ponta, destreza no manuseio de
máquinas sofisticadas e de equipamentos importados, entre outros.
Além do esforço intelectual para apreender os processos de produção e gerenciamento das
programações importadas, o trabalhador precisa compreender as técnicas desenvolvidas pelos
programas de qualidade e melhoramento dos processos. Nesse sentido, a educação escolar não se
responsabiliza pela formação de trabalhadores “instruídos e competentes” , porém a elevação da
escolaridade ainda se constitui em objetivo social. (CASTEL, 1998).
Somadas à capacitação técnica, as competências culturais e sociais são consideradas
indispensáveis à adequação do trabalhador às demandas empresariais, sendo imprescindíveis a
capacidade de trabalhar em equipe, a pró-atividade, o comprometimento com os resultados
financeiros da empresa, o relacionamento interpessoal, a participação ativa na proposição de
melhorias organizacionais, entre outras.
No entanto, esse conjunto de qualificações e competências está relacionado diretamente
com a concepção de empregabilidade, ou seja, a capacidade de cada trabalhador manter-se
empregado ou ser empregável no mercado de trabalho. Essa tendência impõe tanto às empresas
como aos trabalhadores a responsabilidade de cada trabalhador em financiar sua formação, caso
deseje ingressar ou manter-se inserido profissionalmente. Porém, é nesse universo competitivo e
exigente das empresas que “a corrida da eficácia e a competitividade acarreta a desqualificação
dos menos aptos”. (CASTEL, 1998, p.519). Nessa luta pela inserção profissional imperam o
individualismo e a disputa entre os trabalhadores, determinada pela competitividade.
A respeito concorda-se com a afirmação de Castel de que a empresa, quando procura
adaptar as “qualificações dos trabalhadores às transformações tecnológicas, a formação

uma intensificação do ritmo produtivo dentro do mesmo tempo de trabalho ou até mesmo quando este se reduz”. (
ANTUNES, 1999, p. 56 – grifo do autor)
permanente pode funcionar como uma seleção permanente” 76. (1998, p. 519). Quando adotada
como princípio para a inserção profissional, tal concepção, por um lado, mobiliza os indivíduos
para o autodesenvolvimento, mas, por outro, reafirma o desemprego como fenômeno proveniente
da incapacidade de adequação individual às exigências do mercado de trabalho.
Sabe-se, portanto, que a qualificação, mesmo entendida como possibilidade de “precaver -
se contra a ‘não-empregabilidade’”, não reverte as tendências do desemprego. Assim, mesmo que
a correlação entre qualificação e emprego77 não seja necessária e direta, como destaca Castel
(1998), num universo onde há probabilidades da “não -empregabilidade dos qualificados”, e a
“desestabilização dos estáveis”, a ausência de preparação ainda é justificativa para a exclusão de
muitos trabalhadores do mercado formal de trabalho.78
Nesse contexto, a educação escolar é entendida como fundamental para articular saberes e
conhecimentos em prol do desenvolvimento econômico, através da esfera produtiva, tanto às
empresas como aos indivíduos que perseguem a sonhada estabilidade profissional. Mesmo que a
concepção de educação tenha essa vinculação com o progresso econômico, pode-se destacar que
os investimentos empresariais nessa política, tanto no ensino escolar quanto na qualificação
profissional, não raramente estão ligados às premissas da responsabilidade social.
A responsabilidade social, como tema atual nas narrativas empresariais, é permeada pelo
instinto de “solidariedade” individual, entendendo que aqueles dotados de melhores condições
econômicas, culturais e sociais precisam abrir seus corações e seus bolsos para auxiliar a
formação dos desafortunados. Diante dos problemas sociais, impera a convicção de que, se “os
homens de negócio não investem em educação, eles terão que pagar as conseqüências do descaso
governamental”. (GENTILI, 1998, p. 85).
O ato solidário revela-se extremamente útil para o desencargo de consciência de muitos,
ou então, para auxiliar como estratégia de marketing social na melhoria da imagem da empresa
na sociedade. Cabe salientar que a reflexão sobre essa particularidade emergente nos espaços
empresariais e sua disseminação elevada carece de uma reflexão mais aprofundada sobre o tema,

76
Isso porque “as empresas mais competitivas são também, amiúde, as mas seletivas e portanto, sob certos aspectos,
as mais excludentes” (Castel, 1998, p.522).
77
Para Castel, “é legítimo e até mesmo necessário, do ponto de vista da democracia, atacar o problema das ‘baixas
qualificações’(isto é, numa linguagem menos tecnocrática, acabar com o subdesenvolvimento cultural de uma parte
da população). Mas é ilusório deduzir daí que os não-empregados possam encontrar um emprego simplesmente pelo
fato de uma elevação do nível de escolaridade. (1998, p. 521).
cabendo, nesse momento, apenas apontar que tais ações sociais, ligadas à filantropia empresarial,
começam a apropriar-se de espaços na política educacional, sendo extremamente contrárias à
concepção de direitos sociais.
Para atender as expectativas de formação, sobretudo às que remetem a função social da
educação à preparação para o trabalho, as instituições privadas de ensino funcionam como
verdadeiras empresas do ramo educativo, entendendo o usuário da política educacional como
cidadão-consumidor, como um cliente que adquire financeiramente um bem essencial dotado de
valor econômico e social.
Entender a educação somente como qualificação profissional é desconsiderar sua
importância para a emancipação dos sujeitos, pelo acesso a conhecimentos elaborados e
construídos historicamente pela humanidade que permitem compreender o mundo, a sociedade e
a si mesmos. Sabe-se, porém, que a educação pensada segundo os pressupostos neoliberais de
reforma do Estado, além de preparar os sujeitos para o trabalho, precisa prepará-los para o
consumo. Para tanto, torna-se ela mesma potencial mercado lucrativo, desencadeando novas
articulações entre educação e desenvolvimento econômico.
Essa articulação79, durante o período fordista, tinha como alicerce os princípios da teoria
do capital humano, a qual, ao considerar o trabalho como categoria central, acreditava que a
elevação dos níveis de educação, treinamento e instrução aumentariam proporcionalmente à
produtividade. Nesse sentido, a proporção entre produtividade e qualificação, como esclarece
Frigotto (2003), é fundamentada na idéia de quantidade, “tomando como indicativo um
determinado volume de conhecimento, habilidades e atitudes adquiridas, que funcionam como
potencializadores da capacidade de trabalho”. (p. 41).
Com base nesse raciocínio, a qualificação obtida pelo sistema de formação ou pelas
experiências profissionais representa um dos investimentos mais rentáveis, tanto para os
indivíduos como para o progresso geral da nação. Assim, as discussões fomentadas sobre a
educação como capital humano movimentam-se entre seus impactos sobre o desenvolvimento
nacional e sua agilidade em produzir capacidade de trabalho e, conseqüentemente, rendimentos.

78
Castel (1998) realiza discussão aprofundada sobre os trabalhadores com maiores chances de exclusão do mercado
de trabalho, como os jovens e os idosos, principalmente se não possuírem as qualificações requeridas pelas empresas,
sendo que a elevação de qualificação como exigência de inserção desmonetariza a força de trabalho.
79
Frigotto (2003) ressalta que a relação entre a educação e o processo econômico-social estava presente ainda na
escola clássica liberal, mas que a educação como fator de produção se explicita somente nas teorias do
desenvolvimento, especialmente após a Segunda Guerra Mundial.
Nos países latino-americanos, a disseminação dessa concepção foi amparada na receita
milagrosa para solucionar as desigualdades entre países subdesenvolvidos e desenvolvidos, sendo
a educação considerada como instrumento essencial à aproximação do progresso. Essa
disseminação, agilizada pela influência dos mecanismos internacionais, especialmente aqueles de
80
financiamento, despertou interesses por representar um investimento produtivo e de
rendimento individual (FRIGOTO, 2003). Como investimento individual e social, a educação
deveria ser desenvolvida com base em rígidos planejamentos, os quais visavam corresponder às
demandas oriundas da sociedade, visto que, pelo crescimento econômico, seria possível
multiplicar as ofertas de emprego à população, promessa clássica das políticas do pleno emprego.
Com o Estado social a inserção de crianças e jovens no sistema escolar de ensino deveria ser
fortemente impulsionada, cabendo à instituição estatal regular os conflitos sociais e financiar uma
educação voltada ao desenvolvimento econômico. Dessa forma, a teoria do capital humano
procura justificar as despesas educativas como investimentos necessários à promoção do
desenvolvimento em todas as nações.
Entretanto, no contexto recessivo do findar da década de 1970 e mediante a reformulação
dos papéis e espaços do Estado, também os investimentos nos sistemas educacionais começaram
a ser questionados pelos setores reformistas. Como a esfera produtiva dessa época enfrentava a
superação do taylorismo/fordismo81, em razão das suas deficiências metodológicas perante as
demandas da mundialização, era preciso repensar a formação, a qual deveria atender às novas
expectativas do mercado produtivo.
Com a articulação entre o padrão de acumulação flexível82 e o modelo japonês, foram
processadas inovações na organização do processo produtivo, como a implantação de tecnologia
avançada que facilitava o controle e gerenciamento da força de trabalho. Com a introdução de

80
As instituições citadas pelo autor são BID, FMI, Bird, OIT, Unesco, Usaid e Unicef.
81
Embora amparada nas idéias tayloristas, Ford percebe que para melhorá-las e concretizar esse raciocínio faz-se
necessário modificar os processos, o controle e a gerência produtiva, bem como repensar alguns aspectos advindos
das relações presentes no conflito histórico entre capital e trabalho. Esta última implicação revela a preocupação do
fordismo com o trabalhador, o qual, nesse contexto, é percebido como essencial para atender ao elevado ritmo de
produção, precisando-se para efetivar tal subordinação ao trabalho, garantir-lhes alguns benefícios sociais
possibilitados pelas políticas keynesianas. Nessa direção, pode-se dizer que o fordismo adapta as idéias tayloristas ao
contexto produtivo do início do século e também, posteriormente, aos problemas oriundos das guerras mundiais.
82
Denominada por Harvey (1994) como “acumulação flexível”, esta consiste na “flexibilização dos processos de
trabalho, dos padrões e produtos”. Tal modalidade caracteriza-se pela emergência de novos setores produtivos,
diferenciadas maneiras de oferta de serviços financeiros e a expansão dos mercados, propondo inovações
“comercial, tecnológica e organizacional”, tendo destaque o ‘toyotismo’ ou o modelo japonê s” 82. ( 1994, p. 47).
recursos computadorizados na linha de produção industrial, obteve-se maior agilidade produtiva
e qualidade dos produtos, reduzindo custos com desperdícios na produção e circulação de
mercadorias.
Assim, da acumulação flexível também emergem novos perfis de trabalhadores, que se
diferenciam do distanciamento fordista entre execução e concepção pela separação do trabalho
manual, desenvolvido pelo emprego da força braçal do trabalhador, do trabalho intelectual
reservado aos supervisores e chefias, responsáveis pelo cumprimento das normas e pela
operacionalização dos processos. Prevalece a valorização dos conhecimentos adquiridos e
acumulados pelos trabalhadores em experiências profissionais anteriores, agregando novos
conhecimentos imprescindíveis para perseguir a competitividade empresarial.
O trabalhador deve capacitar-se mediante a “especialização flexível” para exercer
diversos processos, caso tal mobilidade seja necessária à empresa. Como as condições sociais e
técnicas dessa nova organização do trabalho “torna o trabalhador polivalente, abre perspectivas
de mobilidade social vertical e horizontal, acima e abaixo”, apesar de intensificar sua
tecnificação. É pela educação que os anseios dos trabalhadores e dos empregadores são
resgatados.
Como afirma Gentili (1998), uma grande operação política do neoliberalismo é essa
consideração do mercado de trabalho como “o principal referencial empírico para orientar as
opções públicas e privadas de investimento educacional”. (p. 108). Para o autor, a função social
(ou econômica) da educação sofre uma reacomodação dirigida pelos setores dominantes da
sociedade. O descarte da centralidade do Estado nas políticas sociais “implicou transferir para a
esfera de mercado as decisões de investimento e os conflitos vinculados a essas últimas”. Essa
transferência acaba afirmando como estratégia neoliberal que “a educação somente se justifica
em termos econômicos, mas a decisão do investimento em educação é uma opção individual que
se dirime ao mercado”. (p. 108).
Nesse sentido, as orientações neoliberais para a educação, segundo o autor, são
fundamentadas na reformulação dos aspectos economicistas da teoria do capital humano,
mantendo princípios importantes que a sustentavam, porém agregando novos elementos,
oriundos das próprias modificações no mundo do trabalho e das estratégias capitalistas. Portanto,
[...] a educação serve para o desempenho no mercado e sua expansão potencializa o
crescimento econômico. Nesse sentido, ela se define como atividade de transmissão do
estoque de conhecimentos e saberes que qualificam para a ação individual competitiva
na esfera econômica, basicamente no mercado de trabalho. (GENTILI, 1998, p. 104).

Mesmo utilizando os preceitos do capital humano como base material, o neoliberalismo


altera as condições de movimentação da educação enquanto política de formação, visto que nos
campos do investimento e planejamento educacional, impera a descentralização das
responsabilidades de financiamento para a sociedade. Conforme Gentili (1998), o neoliberalismo
segue essa lógica economicista ao entender a educação como instrumento de potencialização do
crescimento econômico. Então, a educação se “define como a atividade de transmissão do
estoque de conhecimentos e saberes que qualificam para a ação individual competitiva na esfera
econômica, basicamente, no mercado de trabalho”. (p. 104).
Pode-se perceber que essa concepção auxilia o movimento de incentivo e disseminação
das instituições de ensino privadas, que, diante das dificuldades da esfera pública para atender
aos pressupostos reformulados da teoria do capital humano, acabam disponibilizando estrutura,
condições e recursos de aprendizagens mais satisfatórios às necessidades do capital. Para Barroso
(2005),

esse “encorajamento do mercado” traduz -se, sobretudo, na subordinação das políticas de


educação a uma lógica estritamente econômica (“globalização”); na importação de
valores (competição, concorrência, excelência etc.) e modelos de gestão empresarial,
como referentes para a “modernização” do serviço público de educação; na promoção de
medidas tendentes à sua privatização ( p. 741).

2.3 – A mercantilização da educação

Operando com naturalidade, o neoliberalismo considera a educação como um serviço


social que pode ser assimilado pelo mercado competitivo, onde se encontram, de um lado, as
empresas especializadas na oferta desse bem econômico e, de outro, o cliente interessado em
satisfazer as suas necessidades individuais quanto à formação cultural e profissional. Como
aponta Laval (2004), “nesse novo modelo, a educação é considerada como um bem capit al”,
devendo ser percebida como uma demanda social provocada pelas famílias que procuram as
melhores escolas para “dotar seus filhos de competências julgadas indispensáveis”. (p. 89).
Sabe-se, portanto, que, ao ser considerada como mercadoria, a educação possui grande
valor, tanto para a sociedade no que se refere à movimentação do progresso científico,
tecnológico e econômico, quanto para os indivíduos na preparação para o trabalho. Essa
representação da educação como mercadoria alimenta o processo de mercantilização da política
educacional, esse baseada em relações de compra e venda do ensino. Tal mercantilização,
segundo Laval (2004), representa muito mais que o consumo de saberes, conhecimentos e
técnicas, pois a educação, quando considerada investimento fundamental para o sucesso e
ascensão profissional, provoca o crescimento da demanda. A procura por uma educação de
qualidade e que contemple os requisitos do mundo atual aumenta a cada dia, movimentando
também sua comercialização, pois como o ensino público é considerado incapaz de fornecer essa
competência, as instituições privadas se especializam em oferecer tal mercadoria.
Analisando as particularidades do processo de mercantilização, pode-se identificar a
incidência cada vez maior de redes privadas de instituições educacionais, que se movimentam
conquistando espaços significativos no campo educativo. Essas instituições se caracterizam pela
adoção de posturas empresariais fundamentadas em princípios administrativos que entendem a
educação como um negócio lucrativo, inserido na dimensão do quase-mercado. Essa concepção
considera aspectos diferenciados da instituição do mercado, pois, como afirmam os neoliberais,
nenhuma escola está sendo vendida ou comprada.
Nesse sentido, a diferença fundamental provocada pelo “quase -mercado” encontra -se na
oferta e na procura. Com relação à oferta, mesmo competindo com outras instituições similares,
não procuram maximizar seus lucros e, por vezes, não entendem a educação como propriedade
privada, porém sua lógica vem sendo implantada no setor público sob a justificativa de melhorar
o sistema de ensino. No que se refere à procura, o poder aquisitivo do cliente não está expresso,
sendo que o consumidor imediato não determina sua escolha, pois ela é realizada por outros
interessados.
Essas “quase -empresas ou empresas educativas”, como também refere Laval (2004),
procuram oferecer uma ampla estrutura física, recursos materiais e humanos, voltados para
desenvolver o potencial de aprendizagem de seus clientes, competindo cada vez mais entre si
para conquistar o mercado educativo. Essas instituições caracterizam-se por utilizar os preceitos
da administração empresarial, operando com rendimentos, despesas operacionais, investimentos e
lucratividade; tratando a educação como uma mercadoria consumida por clientes, entendendo-a
como um negócio adaptando-a às mudanças do mercado, buscando satisfazer às necessidades de
seus clientes, desenvolvendo diferenciais competitivos no campo educativo, utilizando estratégias
de marketing para vender o bem educação e posicionando-se no mercado.
Pode-se perceber, nesse sentido, que o efeito da dominação ideológica que movimenta a
proliferação das “quase -empresas, ou empresas educativas”, está ancorada na concepção de
deslegitimação da ação estatal e no questionamento da limitação da articulação de interesses
privados. (LAVAL, 2004). Com isso, não somente a desmonopolização da educação, mas,
especialmente, a inexistente interferência do Estado na expansão dessas instituições acabam
sendo fatores suficientes para consolidar a expansão e naturalização da educação mercantilizada.
Nesse sentido Laval (2004) aponta que o sucesso político do neoliberalismo, a partir da
ideologia do livre-mercado, constituiu-se num dos principais fatores de contribuição a essa
naturalização mercadológica. Isso porque, durante o período de reestruturação das políticas
estatais, as medidas apresentadas pelo neoliberalismo apontam soluções concretas para resolver a
crise educacional e das demais políticas públicas.
A partir da década de 1980, o processo de mercantilização da educação ocorre,
primeiramente, nos EUA e, em seguida, na Inglaterra, expandindo-se posteriormente como
alternativa perante o monopólio da educação no mundo ocidental. Relembra o autor que
Friedman, desde meados da década de 1950, apontava que a escolha e o financiamento da
educação dos indivíduos em sua fase inicial de formação, em razão da imaturidade das crianças,
deveriam ser de inteira responsabilidade familiar. Isso implicava também o financiamento da
educação pelos pais, desconsiderando a criação ou defesa de “um sistema educativo diretamente
administrado pelo Estado”. (LAVAL, 2994, p. 95).
Entendida como prática saudável, a concorrência no campo educacional propunha
oferecer um ensino de qualidade e possibilitar a cada família ou indivíduo liberdade para escolher
entre as diversas opções de educação escolar, ou seja, aquela que melhor atenda aos seus anseios
individuais. Como opções, além da esfera pública, totalmente descredenciada pelo discurso
neoliberal, a esfera privada conquista espaços por corresponder às lógicas do mercado, ampliando
ainda mais as formas de comercialização dos espaços educativos.
Segundo explica Laval (2004), a comercialização do ensino voltada à preparação de
trabalhadores adaptados às necessidades econômicas não se constitui como forma exclusiva de
mercantilização da educação. A formação do cidadão-consumidor é identificada como outra
atribuição da educação proposta pelo neoliberalismo. Assim, mesmo que a pressão do mercado
interfira nas propostas curriculares e na validação dos diplomas escolares, nas diversas
manifestações da mercantilização escolar os patrocínios de grandes redes de empresas. Além de
financiarem as atividades pedagógicas, utilizando seus mascotes ou produtos, participam da
formação profissional específica de jovens para seus ramos de atividade, realizam vendas
exclusivas de produtos educativos ou outros no interior das escolas e utilizam presença
publicitária, propagando a comercialização dos espaços escolares.83
Nessa perspectiva, percebe-se que a representação da educação, a partir do processo de
adequação neoliberal à lógica do mercado, opera a formação para o consumo e a preparação
profissional, de maneira a responder às exigências produtivas. Sabe-se, porém, que essa
concepção de educação produz graves efeitos, operando uma verdadeira reforma cultural que
redefine o papel social da educação.

83
Nesse sentido, Laval identifica e distingue dois fenômenos: o primeiro, a entrada de empresas no domínio escolar,
tanto por razões publicitárias como de venda de produtos; o segundo, a transformação das escolas em empresas
produtoras de mercadorias específicas, que determinam seu conteúdo para determinada colocação profissional. É
questionada “a autonomia, tanto do espaço como da atividade educativa, autonomia que se torna difícil de defender
em um mundo inteiramente regido não somente pelo comércio real, mas pelo imaginário do comércio generalizado”.
(2004, p. 113).
3 AS PERSPECTIVAS NEOLIBERAIS PARA A POLÍTICA EDUCACIONAL

O que precisa ser confrontado e


alterado fundamentalmente é todo
o sistema de internalização, com todas
as suas dimensões, visíveis e ocultas.
István Mészáros

Compreender a educação como política social pública, como propõe a abordagem deste
trabalho, implica percebê-la no contexto das transformações históricas do processo de produção e
acumulação capitalista, o qual coloca novas exigências para tal política enquanto prática social.
Considerando-se, então, os pressupostos neoliberais, pode-se perceber um verdadeiro “ata que” à
política educacional, assim como às demais políticas sociais públicas no que tange a sua
despolitização e não-efetivação como direito social “garantido” universalmente.
A ofensiva neoliberal à política educacional está fundamentada, como se pode perceber
pelo estudo bibliográfico realizado no capítulo anterior, nas teses que apontam as lacunas da
intervenção do Estado na garantia da universalização e da qualidade do sistema educacional
público. Diante de um Estado “fragilizado”, ou seja, mínimo, par a proporcionar uma educação
voltada às demandas emergentes da mundialização econômica, financeira e produtiva, para o
neoliberalismo, o monopólio educacional público revela-se como um dos principais entraves do
acesso e desenvolvimento do setor. Para resolver tal situação, propaga a necessidade de
democratizar o ensino pela da transferência de parcelas da responsabilidade pública para
instituições educacionais privadas.
Esse movimento de transferência fomenta inúmeras discussões sobre as novas relações
sociais entre o Estado, o mercado e a sociedade civil, tanto no planejamento como na execução e
avaliação da educação como política social. O aumento significativo do mercado educacional
privado demonstra que a educação, para além de uma política social pública que garanta um
direito social a todos os cidadãos, vem sendo tratada como mercadoria disponível àqueles que
têm condições de pagá-la. Sabe-se também que a responsabilidade recai sobre o cidadão-
consumidor, disseminando a lógica de que a garantia do direito à educação deve ser financiada
pelo sujeito, seja por meio de sua família, seja de suas condições pessoais e, até, das empresas
interessadas em sua formação como trabalhador.
Cabe ressaltar também que, para completar o processo de universalização da educação, a
esfera pública movimenta-se para alinhar suas práticas educacionais aos valores neoliberais,
desenvolvendo a política social de educação conforme os interesses hegemônicos. Como o
mercado não consegue atender a todos os segmentos populacionais, principalmente aqueles que
não dispõem de condições financeiras para custear os estudos, é interessante manter sua
legitimidade como direito constitucionalmente garantido pelo Estado. Assim,

[...] em algumas áreas concede-se ao Estado um papel permanente pois, por sua
natureza, a educação é considerada como um bem semi-público. Como este é um dos
casos em que o mercado não pode dar respostas adequadas, o modelo admite a
intervenção estatal na educação, pressupondo que para garantir a eficiência do sistema o
setor público deva concorrer abertamente com o setor privado e que os mecanismos de
alocação pública de recursos se assemelhem aos do mercado ideal [...] (CORAGGIO,
1996, p. 104).

Além disso, deve-se considerar que a educação é entendida como estratégia para reduzir
os níveis de pobreza mundial e aumentar o desenvolvimento humano das classes menos
favorecidas, melhorando índices de saúde, qualificação profissional, aumento da produtividade,
entre outros. Nesse sentido, como política social pública sob a primazia estatal, começa a ser
adequada conforme os pressupostos neoliberais84 pela imposição de soluções para melhorar a
educação oferecida à população.
As propostas de reforma educacional carregam em seu bojo promessas de democratização
e direcionamento do ensino, as quais visam atender com qualidade às emergentes demandas da
sociedade produtiva. Essas intenções podem ser visualizadas nas orientações de organismos
internacionais e nacionais de planejamento, execução e avaliação de políticas educacionais, que
sustentam promessas contraditórias à prática operada nos sistemas de ensino formal,
demonstrando uma enorme incoerência entre o discurso e sua materialização. Essa contradição
pode ser observada pela análise das propostas formuladas para a educação orientadas pelos
argumentos neoliberais, os quais reforçam a incompetência do Estado para planejar e executar as
políticas sociais. Desses argumentos emergem as mobilizações para garantir a universalização e
a qualidade do ensino público, que se apresentam descoladas das concepções que fundamentam
tais categorias. Dessa forma, essas categorias são utilizadas como retórica, desconsiderando-se
sua essência, sua real significação às políticas sociais.

84
Como se tratará em seguida, os pressupostos neoliberais vêm sendo trabalhados por organismos multilaterais,
como Banco Mundial, ONU, FMI, entre outros.
Cabe ressaltar que essas categorias aparecem em documentos e planos construídos a partir
dos critérios das agências internacionais, sendo entendidas como essenciais para melhorar a
qualidade de vida da população, bem como para permitir e impulsionar o desenvolvimento em
todos os sentidos. Nesse sentido, observa-se a centralidade da educação nos discursos
governamentais e nas mobilizações coletivas em âmbito nacional e internacional, uma vez que
essa política é considerada essencial para o desenvolvimento humano.
Nessa direção, dos conceitos de universalização e qualidade do ensino derivam as ações
para garantir a eficiência e eficácia no ensino, a empregabilidade e o desenvolvimento social.
Esses elementos também conduzem à reforma educacional brasileira85, desencadeada a partir da
década de 1990, influenciada pela preocupação mundial dos organismos multilaterais, os quais
realizam diagnósticos e emitem relatórios propositivos aos países da América Latina oferecendo
receitas para melhorar os indicadores educacionais.
A reforma educacional brasileira, então, também é orientada pelos princípios
estabelecidos para a educação mundial, conforme assessoram as agências multilaterais86. Cabe
ressaltar que essa influência, além de determinar os novos rumos da política educacional da
década de 1990, continua muito presente na organização das políticas sociais na atualidade,
revelando o grande poder desses organismos nas decisões nacionais. No entanto, cabe identificar
essas orientações para compreender suas determinações à política educacional brasileira.
Primeiramente é preciso destacar que a atividade de cooperação internacional mantida
pelo governo brasileiro objetiva, além da cooperação financeira e técnica, a melhoria da educação
e dos recursos humanos envolvidos nos processos educativos. No âmbito multilateral, esse
relacionamento envolve os seguintes organismos internacionais: Banco Mundial (Bird),
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Organização
dos Estados Americanos (OEA), Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação,
Ciência e Cultura (OEI), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), entre outros. 87
Como observam Shiroma, Moraes e Evangelista (2004), as orientações internacionais à
educação são explícitas nas construções teóricas de inúmeros intelectuais e foram materializadas

85
Cabe lembrar que não somente a reforma educacional brasileira sofreu influências desses elementos, mas também
os demais países latino-americanos.
86
Trata-se aqui do Banco Mundial (Bird), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a
Infância) e do PNUD( Programa Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento ).
87
Os acordos de cooperação estão disponibilizados no endereço eletrônico <http://www.mec.gov.br>.
em legislações, programas governamentais e ações não governamentais. Nesse ideário reformista,
as práticas neoliberais procuram redirecionar a educação para o atendimento aos pressupostos e
às exigências do mercado, desenvolvendo conhecimentos e competências necessários ao
movimento dos processos de mundialização.
Importa considerar que o contexto brasileiro durante esse período da reforma educacional
foi marcado pelo conjunto de orientações econômicas inspiradas no receituário neoliberal. O país
estava envolto pelas propostas restritivas operadas pelo governo Collor, as quais deflagraram o
processo de ajustes da economia do país aos ditames da mundialização da economia. Segundo
Couto (2004, p.146-147), como resumo do quadro nacional tinha-se: “a) alavancagem do
processo de privatização das empresas nacionais; b)abertura econômica para capitais
estrangeiros; c)retomada do processo inflacionário; d)minimização dos gastos públicos
governamentais na área social, entre outras características [...].”
Subseqüentemente ao impeachement do presidente Collor, os demais governos da década
de 1990 continuaram a operar a reforma do Estado, redirecionando as políticas sociais através de
práticas focalistas e assistencialistas que não contemplam a dimensão dos direitos sociais.
Conforme Shiroma, Moraes e Evangelista (2004, p. 55), faz-se necessário ressaltar “a sintonia e a
conexão entre a exaltação às forças de mercado – com
as correspondentes políticas de liberalização, desregulamentação e outras – e a hegemonia
conservadora sobre as formas de consciência social e suas ressonâncias nas práticas
educativas”.
Cabe ressaltar ainda que as recomendações da Declaração Mundial sobre Educação para
Todos e seus posteriores planos, entre outros documentos, constituíram-se em subsídios à
construção do Plano Nacional de Educação (PNE). Como documento de grande relevância à
política educacional brasileira, fundamenta as ações públicas nas três esferas de governo
fornecendo o direcionamento político-administrativo da educação nacional. Além de estar
ancorado nas determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (lei n. 9.394/96), pode-se
dizer que esse plano de periodicidade decenal carrega em seu conteúdo diversos elementos
discutidos nos encontros promovidos pelas agências internacionais, que não apenas a Conferência
de Educação para Todos, para reformular a educação mundial. 88

88
Expresso na introdução do Plano Nacional de Educação, ressaltando o Plano Decenal proposto pelos documentos
formulados com a contribuição das convenções da Unesco.
O Plano Nacional de Educação, com periodicidade decenal, define as diretrizes para a
gestão e o financiamento da educação, as diretrizes e metas para cada nível e modalidade de
ensino, para a formação e valorização do magistério e demais profissionais de educação. Como
objetivos e prioridades de atendimento à política educacional, apresenta a necessidade de elevar a
escolaridade da população, melhorar a qualidade do ensino em todos os níveis, reduzir as
desigualdades sociais e regionais que dificultam o acesso, a permanência e sucesso na educação
pública e democratizar a gestão do ensino público, incentivando a participação da comunidade
escolar e local.
Pode-se perceber nesse resumido comentário sobre o Plano Nacional de Educação a
presença de algumas categorias fundamentais do discurso das agências multilaterais para
educação mundial, como a preocupação com a qualidade, a acessibilidade, a democratização, o
ensino público, a participação. Mesmo identificando alguns desses elementos, sabe-se que, para
contemplar uma análise aprofundada a respeito dessas determinações e a observância por parte da
política educacional brasileira, seria necessário estender a pesquisa, o que não é o propósito para
o momento. Todavia, propõe-se como parte deste trabalho realizar alguns apontamentos sobre a
concepção dos elementos imprescindíveis para a educação mundial segundo os organismos
multilaterais: a universalização e qualidade do ensino.
Para tanto, é fundamental identificar como o discurso neoliberal, fundamentado nessas
categorias, materializa suas estratégias para o desenvolvimento dos países mais atrasados através
da Conferência Mundial sobre Educação para Todos. Realizada em 1990 em Jomtien (Tailândia),
foi convocada pelo Banco Mundial, pela Unesco, pelo Unicef e pelo PNUD89 e determina a
cooperação mundial das nações para melhorar os índices educacionais mundiais.

3.1 A proposta de Educação para Todos

O contexto mundial apresentado como estudo preliminar à Declaração Mundial sobre


Educação para Todos ressaltou a existência de mais de cem milhões de crianças sem acesso ao
ensino primário, mais de 960 milhões de adultos analfabetos e mais de cem milhões de pessoas
que não conseguem concluir o ensino básico. Mesmo diante dos esforços para o cumprimento da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, da constituição federal em cada país e suas
legislações específicas, os dados revelam que a educação mundial precisa ser melhorada.
Cabe destacar a relevante preocupação dos promotores da Conferência Mundial sobre
Educação para Todos com essa realidade. Entre eles se destaca o Banco Mundial, reconhecida
instituição multilateral internacional de financiamento para o desenvolvimento econômico e
social; destaca-se também como pesquisador de assuntos econômicos para o desenvolvimento
dos países pobres. Sua contribuição à educação vem sendo materializada com a mobilização de
recursos financeiros e com sua assessoria técnica aos governos para planejar políticas educativas,
demonstrando grande interesse pela área educacional.
Conforme explica Corragio (1996), não é recente essa cooperação técnica e financeira ao
Brasil, mas, diante desse apoio, faz-se necessário ficar alerta quanto às orientações nas reformas
educacionais, uma vez que, no contexto do neoliberalismo, as políticas sociais em países em
desenvolvimento sofrem os ajustes provocados pelo movimento de reforma do Estado,
observando a priorização, os cortes e a racionalização de gastos.
Outra grande parceira, a Unesco, organização da ONU para a educação, ciência e
tecnologia, também interfere diretamente na educação brasileira. Fundada em 1945, vem
trabalhando em 188 países para a melhoria da educação pelo seu apoio técnico na elaboração de
90
modelos e projetos e na articulação da rede com diversos parceiros. Contribuindo para o
desenvolvimento de políticas públicas e visando assegurar o direito à educação, a Unesco tem
como estratégias91 “promover a educação como um direito humano fundamental; proporcionar
avanços na qualidade da educação e estimular a experimentação, a inovação e o diálogo no
campo de políticas educacionais”. 92
A Unesco acredita que a educação pode promover o potencial do ser humano,
contribuindo para o pleno desenvolvimento econômico, cultural e social: “A educação é uma
maneira efetiva de lutar contra a pobreza, de construir democracias eficientes e sociedades
voltadas para uma cultura de paz” . Todavia, admite que, mesmo a educação tendo avançado

89
Em virtude da amplitude do tema, as propostas individuais da Unicef e do PNUD para a educação não serão
discutidas, sendo necessário uma pesquisa específica para abordar tais proposições.
90
A Unesco cita como parceiros os governos e comissões nacionais, a família das Nações Unidas, organizações da
sociedade civil, as escolas e as instituições acadêmicas.
91
Informações obtidas através do site <http://www.unesdoc.unesco.org>.
92
Missão do Setor da Educação disponível no site da organização.
muito nos países desenvolvidos, existem ainda cerca de 862 bilhões de adultos que ainda não
exerceram seu direito à educação. O exercício desse direito deve extrapolar a garantia de vagas
nas escolas, uma vez que isso não é suficiente. “ Currículos obsoletos e mal adaptados, a escassez
de recursos, o excesso de crianças por sala de aula e a falta de formação adequada dos
professores têm como resultado um ensino de qualidade crítica”.
Essa organização vem coordenando o movimento de Educação para Todos, buscando
fazer com que a educação seja prioridade nas agendas internacionais e que sejam cumpridas as
metas estabelecidas para sua universalização. A Unesco “apóia o movimento por um ensino
fundamental universal de qualidade. Adicionalmente, se esforça para melhorar a capacidade dos
países no âmbito do planejamento e da gestão educativa por meio de iniciativas de assistência e
capacitação técnica”.
Na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, os 155 governos presentes,
principalmente os países com maiores índices de analfabetismo, entre eles o Brasil, assumiram o
compromisso de cumprir a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, que tem como
principais objetivos e requisitos: a) satisfazer às necessidades básicas de aprendizagem; b)
expandir o enfoque; c) universalizar o acesso à educação e promover a eqüidade; d) concentrar
atenção na aprendizagem; e) ampliar os meios e o raio da educação básica; f) propiciar um
ambiente adequado à aprendizagem; g) fortalecer alianças; h) desenvolver uma política
contextualizada de apoio; i) mobilizar recursos; j) fortalecer a solidariedade internacional.
Refletindo sobre os objetivos proclamados na Declaração Mundial sobre Educação para
Todos, pode-se encontrar em seu primeiro artigo a importância de “satisfazer as necessidades
básicas de aprendizagem”, as quais compreendem “os instrumentos essenciais para a
aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas),
quanto aos conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e
atitudes)”. Nesse sentido, propõe a educação básica como fundamento para a aprendizagem e
desenvolvimento humano para crianças, jovens ou adultos, que devem “estar em condições de
aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de
aprendizagem”. Para que isso aconteça, o segundo artigo da declaração afirma como necessidade
“expandir o enfoque, entendendo que a educação deve ser capaz de ir além dos níveis atuais de
recursos, as estruturas institucionais: dos currículos e dos sistemas convencionais de ensino, para
construir sobre a base do que há de melhor nas práticas correntes”. Compreende como elementos
essenciais para tanto a universalização e eqüidade no acesso à educação, bem como um ambiente
propício à aprendizagem, os quais ganham status de artigos específicos.
“Universalizar o acesso à educação e promover a eqüidade” são os pressupostos seguintes,
afirmando que a “educação básica deve ser proporcionada a todas as cria nças, jovens e adultos”.
Além da universalização, também há grande preocupação em melhorar a qualidade da educação
para que ela seja realmente eqüitativa. Para tanto, propõe o alcance e manutenção de “um padrão
mínimo de qualidade da aprendizagem”, porém n ão detalha como a proposta será materializada.
Cabe questionar: qual é o significado da categoria qualidade no ensino para os organismos
multilaterais?
Nesse sentido, como esclarece Torres (1996, p. 134) em seus estudos, para o Banco
Mundial “a qualidade educativa [...] seria o resultado da presença de determinados ‘insumos’ que
intervêm na escolaridade”. Dessa forma, a qualidade localiza -se nos resultados dos investimentos
em educação, verificados no rendimento escolar de cada estudante. Ainda para alcançar a
qualidade, o Banco Mundial recomenda investir nos “insumos” importantes também para
universalizar a educação, quais sejam, aumento do tempo de instrução, livros didáticos e
capacitação em serviço para os professores. 93
Com relação à Unesco, a organização destaca a

[...] importância em focalizar a qualidade na educação, enfatizando a necessidade de se


contar com conteúdos e métodos diversificados que promovem a aquisição de valores
éticos, as atitudes e habilidades necessárias para enfrentar os desafios impostos pela
sociedade contemporânea, o desenvolvimento sustentável e a globalização.

Como componentes principais para melhorar a qualidade na educação, o Banco Mundial


enfatiza o monitoramento dos resultados, a melhoria do currículo, dos livros de texto e do
ambiente escolar. O monitoramento da aprendizagem fundamenta-se na necessidade de avaliar a
efetividade e eficiência da escola, devendo-se medir o que aprendem os estudantes e quais são as
condições desse aprendizado. Procura, ainda, auxiliar na melhoria dos programas de estudos e

93
Argumenta Torres (1996) que a formação em serviço dos professores refere-se somente à formação inicial,
estimulando a formação a distância.
livros a partir das demandas de aprendizagem, incluindo temas contemporâneos de discussão
nesses materiais.
A universalização do acesso à educação e promoção da eqüidade, conforme cita a
declaração, deve ser garantida também às pessoas portadoras de qualquer tipo de deficiência.
Contudo, sabe-se das inúmeras dificuldades de acesso e permanência dessas no sistema público
de ensino, revelando, assim, obstáculos que as impedem de acessar seu direito à educação. Os
processos de inclusão das pessoas portadoras de deficiências são dificultados por fatores que vão
desde a inacessibilidade às dependências escolares até a preparação de professores para o
atendimento às diferentes limitações, sejam físicas, auditivas, visuais ou mentais.
Entretanto, segundo o Banco Mundial, a infra-estrutura não é considerada insumo
importante no processo de garantia do acesso e da qualidade da educação. Como registra Torres
(1996), o Banco Mundial orienta os governos a minimizar custos com instalações, compartilhar
as despesas de manutenção com familiares e comunidade, utilizar os locais escolares de múltiplas
formas, incluindo variedade de turnos etc. Assim, mesmo com a promulgação em 1994 da
Declaração de Salamanca, que estabelece os princípios, políticas e práticas em educação especial
a partir da reafirmação do compromisso das nações para com a Educação Mundial para Todos,
ainda restam muitos desafios para atender às “necessidades educacionais especiais dentro do
sistema regular de ensino [...]”, sendo a melhoria de infra -estrutura um deles.
Nesse sentido, pode-se perceber que, antes da inclusão dos sujeitos portadores de
deficiência, a proposta de Educação Mundial para Todos focalizou sua preocupação nos demais
sujeitos excluídos do ensino formal. No entanto, particularmente a Unesco demonstra grande
preocupação com o trabalho de inclusão no sistema formal de ensino não somente dos grupos de
meninos e meninas trabalhadores, crianças que vivem nas ruas, as vítimas de conflitos e as
minorias étnico-raciais, mas também com aquelas portadoras de deficiências. Afirma a
importância de iniciativas advindas da educação não formal e do apoio das organizações da
sociedade civil para a inserção de tais grupos no sistema formal de ensino.
Cabe registrar, entretanto, conforme analisa Torres (1996), que, mesmo diante da
preocupação com a universalização da educação, o Banco Mundial, a partir da década de 1990,
apesar da maior atenção à educação das crianças pequenas, dos indígenas e das minorias étnicas,
não considera prioridade a educação de adultos e a educação não formal. Cabe minimamente
questionar, novamente, qual é o entendimento dessa “educação para todos” disseminado pelos
principais parceiros da Carta de Jomtien. Nessa dimensão, a educação básica proposta pela
Declaração Mundial de Educação para Todos, mesmo ressaltando aos países a importância da
real efetivação da aprendizagem, da instrumentalização e domínio de conhecimentos úteis,
habilidades lógicas, valores e aptidões, continua não esclarecendo o modelo de qualidade e
universalização do ensino.
Posteriormente, a declaração ressaltaria a importância de “concentrar a atenção na
aprendizagem”, colocando a centralização da educação básica na obtenção de resultados de
aprendizagem, ou seja, aquisição de conhecimentos úteis, habilidade, valores e aptidões. Dessa
forma, entende que as políticas educacionais não devem estar atreladas somente aos índices de
matrícula, freqüência e atendimento aos requisitos mínimos para obtenção do diploma. Porém,
entende-se, como Laval (2004)94, que, quando a educação está atrelada à competitividade,
mesmo que exista uma degradação do vínculo entre diploma e emprego, o conceito de
empregabilidade não deixa de considerar os níveis de formação fundamental.
Como afirma Coraggio (1996, p. 112), a educação pode aumentar a produtividade dos
trabalhadores, porém não se pode “deduzir que o investimento massivo na educação básica irá
melhorar as oportunidades dos setores populares em seu conjunto”. Isso porque a concorrên cia no
mercado de trabalho, agora mundializado, aumenta a cada dia, fazendo com que as relações de
emprego também sejam precarizadas. Essa realidade experienciada e conhecida por muitos
parece desaparecer diante das inúmeras apelações que ressaltam que as melhores oportunidades
de trabalho estarão disponíveis somente àqueles com melhor educação.
A iniciativa de priorizar investimentos no ensino básico vem sendo concebida como
estratégia associada à eficiência econômica do setor educativo na sociedade e ao alívio da
pobreza. Nesse sentido, é possível perceber as dificuldades das propostas neoliberais em
considerar as contradições sociais e trabalhar para o atendimento das diversas expressões da
questão social. Desconsidera que o contexto social, muitas vezes marcado pela marginalização,
influencia sobre o rendimento escolar, não compreendendo como o acesso ao ensino básico não
consegue garantir os níveis de extensão e qualidade prometida. (CORAGGIO, 1996).
Tomando como referencial as contribuições de Corragio (1996) expressas no texto
Propostas do Banco Mundial para a educação: sentido oculto ou problemas de concepção?,
percebe-se que o marco teórico-metodológico da política educacional do Banco Mundial

94
Consultar o primeiro capítulo, nominado “Capitalismo e educação”, p. 17.
inscreve-se na teoria econômica neoclássica.95 Isso significa que o banco, em suas análises,
entende que o estabelecimento de prioridades e o planejamento de estratégias, para atingirem os
objetivos da educação, devem ser considerados com base numa análise econômica. Isso significa
que se torna imprescindível conhecer os índices das taxas de retorno dos investimentos nessa
política. Para o autor, o grande problema é que a análise econômica transformou-se no principal
método para definir as políticas educacionais.
Com base nessa concepção, a política educacional é, então, justificada pelo Banco
Mundial com as seguintes constatações: a) que o investimento na educação complementa outros
investimentos, proporcionando um grande investimento como um todo; b) que os rendimentos
econômicos resultantes do investimento em educação, quando medidas sua produtividade e
receita, são maiores que aqueles realizados em capital físico, como infra-estrutura; c) que a
educação oferece oportunidades às pessoas de serem mais produtivas, superar a situação de
96
pobreza e melhorar sua qualidade de vida. Diante da distância educacional entre os países
industrializados e os em desenvolvimento, o Banco Mundial decide “trabalhar para reduzi -la,
enfrentando três desafios principais: melhorar o acesso à aprendizagem, melhorar a eficiência dos
sistemas de educação e treinamento e mobilizar recursos para tais fins”. (CORAGGIO, 1999, p.
58).
Considerando esse referencial, podem-se identificar, resumidamente, algumas propostas
do Banco Mundial para a educação, quais sejam: ampliação do acesso à educação aos grupos
tradicionalmente em desvantagens, como negros, mulheres, pobres etc., justificada na eqüidade;
ênfase na escolarização primária e alfabetização, as disciplinas que desenvolvem a lógica e o
raciocínio para formar trabalhadores flexíveis; melhoria da qualidade do processo
ensino/aprendizagem; gestão eficiente do sistema educacional, aperfeiçoamento dos meios de
educação, entre outras.
Para tanto, seguindo as orientações da Declaração Mundial sobre Educação para Todos,
faz-se necessária à ampliação dos “meios e o raio de ação da educação básica”, justificando tal
necessidade a partir da “diversidade, complexidade e caráter mutável das necessidades básicas de

95
Para o autor, isso ocorre não porque o banco “realize a análise necessária dos aspectos econômicos do sistema
educativo, nem porque enfatize a urgente necessidade de investigar as demandas de recursos humanos requeridos
pelo novo modelo de desenvolvimento. É, em primeiro lugar, porque uma série de questões próprias, do âmbito da
cultura e da política, foram formuladas e respondidas usando-se a mesma teorias e metodologia com as quais se
tenta dar contar de uma economia de mercado”. (p. 102).
96
Conforme aponta Corragio (1999) sobre documento oficial do Banco Mundial.
aprendizagem das crianças, jovens e adultos”. O desenvolvimento dessa ampliação implic a
reconhecer que a escolaridade formal não se constitui na única modalidade de educação,
ressaltando a importância da família, da comunidade e dos meios de comunicação no processo
educativo desde os primeiros anos de vida. Nesse sentido, a carta reconhece o núcleo familiar
como instituição principal, seguido da escola como sistema de promoção da educação básica.
Reconhece também programas complementares de formação, desde que observem os padrões de
aprendizagem trabalhados na escola.
Considerando a necessidade de ampliação da educação básica não somente entre as
crianças, os programas de alfabetização de adultos aparecem como indispensáveis, pois saber ler
e escrever é fundamental para o desenvolvimento de outras habilidades. Também a Unesco
demonstra sua preocupação com a alfabetização de adultos, pois reconhece a existência de um
universo mundial de 862 milhões de pessoas que não aprenderam a ler e escrever. Como forma
de priorizar a alfabetização na agenda internacional, a organização lidera a Década da
Alfabetização das Nações Unidas, que compreende o período de 2003 a 2012.
Outra estratégia explícita na declaração é a importância de propiciar um ambiente
adequado à aprendizagem. Esse ambiente, de responsabilidade de sociedade, deveria
proporcionar “a garantia a todos os educandos de nutrição, cuidados médicos e apoio físico e
emocional essencial para que participem ativamente de sua própria educação e dela se
beneficiem”.
Deduz-se que, para trabalhar e promover um ambiente de ensino propício, nesse caso, seja
necessário integrar ao corpo de docentes e demais trabalhadores da educação profissionais
qualificados, como nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais, médicos e enfermeiros, que
possam contribuir com as condições de aprendizagem dos alunos. Reforça a Unesco que “a
aprendizagem de qualidade só é possível quando as crianças e os jovens se sentem bem acolhidos
97
em suas escolas e quando gozam de boa saúde”.
Amparado na idéia de interação comunitária e familiar para ampliar as condições de
aprendizagem, o documento não possui propriedade para esclarecer a construção desse ambiente,
porém deixa como indicativos, ao ressaltar que tal interação beneficiaria o processo de
aprendizagem a todos os educandos por causa do “calor humano e vibração”, que somente com

97
O interessante para a Unesco no que tange à efetiva saúde dos estudantes, é oferecer educação física e o esporte na
escola.
solidariedade é possível construir um ambiente ideal, desconsiderando o contexto social e as
contradições presentes.
Essa proposição pode ser mais bem entendida pela importância de “fortalecer as alianças”
entre as autoridades responsáveis pela educação nos três níveis de governo. Mesmo que seja
obrigatória a garantia da educação por esses órgãos, a declaração afirma que não se pode esperar
que esses “supram a totalidade dos requisitos humanos, financeiros e organizacionais necessários
a essa tarefa”. O detalhamento dessas parcerias não está revelado nesse tópico do documento,
mas como requisito para efetivar a educação para todos. Portanto, complementa sua retórica
fazendo um chamamento para articulações entre todos os subsetores da educação, órgãos
governamentais, setores sociais, famílias, comunidade, organizações privadas e não
governamentais.
Diante dessa miscelânea de parcerias possíveis, reconhece, de maneira singela, a
importância dos trabalhadores da educação, em especial dos professores. Afirma que “as
condições de trabalho e a situação social do pessoal docente, elementos decisivos no sentido de
se implementar a educação para todos, devem ser urgentemente melhoradas [...]”. A escassez de
professores, segundo a Unesco, constitui-se num dos grandes desafios para o cumprimento dos
objetivos do movimento de Educação para Todos.
A organização estima que, além dos sessenta milhões de professores no mundo, ainda
seriam necessários entre 15 e 35 milhões de docentes. Essa carência é resultado dos baixos
salários da categoria, da queda de prestígio social, das precárias condições de trabalho e da pouca
perspectiva de alteração dessa situação. Preocupada, a Unesco “vem estabelecendo vínculos com
especialistas internacionais e elaborando diretrizes para cooperar com países para expandir
substancialmente a capacitação docente por meio do uso de métodos adequados de aprendizagem
aberta e a distância”.
Para o Banco Mundial, como revelam os estudos de Torres (1996), discutir a situação dos
docentes é desconfortável, podendo-se entender a singela referência aos professores na
Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Na visão desse parceiro da conferência, os
docentes lembram organização sindical, corporativismo, reivindicações salariais, greves, ou seja,
mais problema do que insumos necessários ao processo educativo.
Nesse sentido, mesmo reconhecendo que o saber docente é fator determinante no processo
educativo, sua formação/capacitação não se constitui em estratégias e prioridades dos
investimentos recomendados pelo Banco Mundial aos países em desenvolvimento sob seu
assessoramento. Para tanto, “desaconselha a formação inicial dos docentes e recomenda priorizar
a capacitação em serviço, considerada mais efetiva em termos de custo”, recomendando ainda
que, em termos de custos presenciais, ambas as modalidades, quando realizadas a distância, são
consideradas mais efetivas. (TORRES, 1996, p. 162).
Pode-se perceber pelo exposto por Torres (1996), que a modalidade de ensino mais
efetiva para a formação docente, segundo o Banco Mundial, é aquela que apresenta os menores
custos. Assim, não é interessante refletir sobre a confiabilidade da educação a distância, os
benefícios, as possibilidades de aprendizagem e, sim sobre quanto será economizado com esse
modelo de formação docente paliativo.98
Com relação ao reconhecimento salarial, o Banco Mundial propõe que o salário dos
professores estejam vinculados a indicadores de desempenho, medidos com base no rendimento
do aluno. Dessa forma, entende que a competência do docente pode ser medida pelo rendimento
escolar do aluno, desconsiderando a influência de quaisquer outros fatores do processo educativo
e do próprio contexto social. Para Torres (1996, p. 167), esse discurso não se sustenta, pois “não
é possível continuar afirmando, em definitivo, que se pode melhorar a qualidade da educação sem
melhorar substancialmente a qualidade dos docentes, o que por sua vez leva a reconhecer o
quanto é inseparável a qualidade profissional da qualidade de vida”.
Para operacionalizar os objetos expostos, “desenvolver uma política contextualizada de
apoio, mobilizar recursos e fortalecer a solidariedade internacional” são requisitos reconhecidos
pela Declaração Mundial sobre Educação para Todos como imprescindíveis no processo de
garantia da Educação para Todos. Com relação ao primeiro requisito, afirma a necessidade de
políticas de apoio nos setores social, econômico e cultural, reforçando o compromisso e vontade
política para que a Educação para Todos seja possível e ressaltando a importância de medidas
como a reforma na política educacional.
Percebe-se que as preocupações com a educação básica, expostas até o momento pela
declaração, tratavam somente dos primeiros níveis de escolaridade e da alfabetização de adultos.
Posteriormente, entende que a garantia de um ambiente intelectual e científico à aprendizagem
básica está estreitamente vinculada à melhoria do ensino superior e ao desenvolvimento de

98
Torres (1996, p. 163) ainda alerta, que “a fascinação com a tecnologia conduz muitas vezes a esq uecer que
também a tecnologia de ponta pode ser mal utilizada e mal aproveitada, que também a educação a distância pode
reproduzir um modelo de ensino tradicional e transmissor do qual se pretende fugir.
pesquisas científicas. Porém, o Banco Mundial quando da formulação de suas propostas
individuais, “entende que a formulação de políticas como um eterno partir do zero, sem visão
retrospectiva, sem recuperar a experiência e a pesquisa disponíveis, inclusive sem dar atenção às
condições reais e específicas (políticas, sociais, culturais, organizativas) de implementação”.
(TORRES, 1996, p. 179).
Tratando-se dos recursos como requisito fundamental para atingir as metas da Educação
para Todos, a declaração propõe a mobilização de recursos financeiros e humanos não apenas
públicos, mas também privados e voluntários. Para satisfazer às necessidades básicas de
aprendizagem, faz-se necessário transferir à educação recursos oriundos de outros fundos
públicos, citando como mero exemplo os investimentos em gastos militares. Atenção especial
também devem receber os países que se encontram em processo de ajustes estruturais –
certamente os países da América Latina que precisam seguir o Consenso de Washington – e
sofrem com a dívida externa.
Afirma ainda a necessidade de melhorar a utilização dos recursos disponibilizados à
educação, com vistas a aumentar o rendimento educacional e a atender mais pessoas com
menores custos. Como lembra Laval (2004), esse é o discurso neoliberal sobre a escola eficaz:
“Ela deve ser gerida com mais rigor porque coloca e m jogo uma despesa pública importante, que
não deve ser desperdiçada sob pena de prejudicar outros domínios da ação pública”(p. 211).
Mesmo considerando o compromisso de todos os atores envolvidos na otimização dos recursos, a
declaração justifica que “tod os os membros da sociedade têm uma contribuição a dar, lembrando
sempre que o tempo, a energia e os recursos dirigidos à educação básica constituem, certamente,
o investimento mais importante que se pode fazer no povo e no futuro de um país”.
Entende-se que a relação entre o incentivo de recursos financeiros e humanos, proferidos
pela declaração, demonstra a responsabilização da família e da sociedade na manutenção da
educação. Com relação ao primeiro aspecto, é possível encontrar implícito nas próprias
declarações do Banco Mundial99 o requerimento da participação familiar nos estabelecimentos
de ensino. No âmbito da redefinição do papel tradicional do Estado, além de priorizar despesas
públicas, incentiva maior contribuição das famílias nos custos da educação, tratando a instituição
escolar como uma empresa e o aluno, como consumidor de seus serviços. 100

99
Conforme os estudos de Torres (1996).
100
A discussão sobre a relação construída a partir da privatização mercantil do ensino foi abordada no capítulo
anterior.
Tratando-se da responsabilização da sociedade pelos recursos financeiros e humanos,
enquanto “contribuição a dar”, cabe questionar em que dimensões as açõ es voluntárias podem
garantir a “educação para todos” enquanto um direito social. Sabe -se, como destaca Pereira
(2003, p.88), que “a alternativa mais viável para neutralizar as deficiências do Estado social e o
elitismo do mercado, seria o fortalecimento do “setor voluntário””. Dessa forma, o Estado pode
usufruir, a partir da descentralização de suas responsabilidades, de apoios espontâneos e a
prestação de serviços com transparência, desonerando os cofres públicos.
Aplicando essa fórmula à política educacional, ou seja, requerendo a contribuição
espontânea de todos com recursos financeiros, ou, então, com o tempo disponível que resta na
semana, o incentivo neoliberal quer eliminar a condição de direito das políticas sociais. O espírito
caritativo encobre qualquer perspectiva de reconhecimento de direitos sociais universais e
incentiva ações paliativas no trato da questão social.
Assim, quando a educação é tratada a partir das ações voluntárias, como as demais
políticas sociais, ela enfrenta os problemas decorrentes do crescimento de atuação desse setor.
Segundo Pereira (2003, p. 95), “a desigual cobertura das suas ações, tanto geograficamente
quanto demográfica e socialmente; falta de eficaz coordenação e de estabelecimento de linhas
mestras que evitem duplicações de iniciativas; ausência de poderes para garantir direitos [...]” 101
Nesse sentido, a garantia da educação como direito social está ameaçada, pois fica restrita a
alguns grupos populacionais, conforme as áreas de interesses das organizações voluntárias e
durante o tempo determinado pela boa vontade e espírito caritativo dos doadores de recursos
financeiros e humanos.
Além da mobilização de recursos da família e da sociedade para garantir a Educação para
Todos, como último requisito a declaração destaca como ponto relevante
“fortalecer a solidariedade internacional”. Imbuídos do espírito solidário, os países devem
manter relações econômicas eqüitativas e honestas, contribuir na atenuação das limitações - como
recursos - que impossibilitam as nações, principalmente as mais pobres, de proporcionar a
Educação para Todos. Nesse sentido, as nações devem atingir as metas da Educação Mundial
para Todos com a colaboração dos esforços internacionais.

101
Cabe ressaltar ainda, como resultado da proliferação das práticas voluntárias, a precarização e estreitamento das
relações de trabalho, sendo o trabalho profissional substituído pela ação do voluntário, muitas vezes sem
conhecimento da área de atuação.
De modo geral, as orientações da declaração fazem referência à educação básica como
modalidade de ensino, porém, como analisam Shiroma, Moraes e Evangelista (2004), há
dificuldades para entender o conceito de educação básica, porque há divergências entre os
próprios organismos promotores do evento sobre esse entendimento. No caso brasileiro, a
universalização do ensino primário corresponde ao ensino fundamental.
Cabe destacar ainda o reconhecimento das dificuldades provocadas com a redução das
responsabilidades do Estado sobre as políticas sociais públicas e o comprometimento da garantia
dos direitos sociais. Porém, mesmo diante dessa realidade, o documento afirma como fatores
essenciais à melhoria da qualidade de vida102 das pessoas a importância do progresso, a maior
cooperação entre as nações, o volume de informações disponíveis no mundo e os avanços na
capacidade de comunicação entre as pessoas. O reconhecimento das dificuldades emanadas com
a reforma do Estado não implica a proposição de ações capazes de reverter o enfraquecimento
das políticas públicas.
Para materializar os compromissos constantes na Declaração Mundial sobre a Educação
para Todos, os países presentes também aprovaram o Plano de Ação para Satisfazer as
Necessidades Básicas de Aprendizagem. Esse plano desdobra as diretrizes apontadas pela
declaração, devendo ser desenvolvido coletivamente em três níveis: ações individuais de cada
país, respeitando suas particularidades culturais, econômicas e sociais; a cooperação entre países
e a cooperação bilateral e multilateral.
Conforme consta no plano, esta última cooperação deve ser entendida como verdadeira
parceira, não como o transplante de idéias e modelos rotineiros. Além de estabelecer as parcerias,
as ações em escala mundial, regional e local, o plano “pode” oferecer aos países subsídios pa ra a
formulação de planos mais específicos e programas que melhorem o acesso e a qualidade da
educação. Entretanto, fica explícito no documento que a coerência das ações planejadas
localmente com o Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem

102
A expressão “qualidade de vida” é utilizada para referenciar “as condições das populações e subgrupos de
populações, e estão refletidos em estatísticas que procuram indexá-las diretamente em vez de inferi-las da atividade
econômica. Tais estatísticas sociais são tipicamente obtidas por investigação direta através de pesquisas de porta em
porta e de censos. Convencionalmente, interessam-se por questões como renda familiar, condições de moradia (por
exemplo, se existe acesso a um banheiro e, no caso afirmativo, se este se localiza dentro ou fora de casa), posses
materiais (como a propriedade de equipamentos domésticos) e práticas de consumo (incluindo os alimentos que estão
sendo consumidos). [...] não tem faltado as tentativas de desenvolver conjunto de indicadores que englobem aspectos
mais amplos das condições de vida – como o acesso à educação e aos serviços de saúde, a expectativa de vida, a
mobilidade e até as oportunidades culturais. Entretanto, o mais comum é que a ‘qualidade de vida’ se restrinja ao
convergirão para a facilidade de cooperação internacional com o país proponente. A implantação
do Plano de Ação obedece a um calendário geral que orienta suas fases indicativas,
compreendendo o período de 1990 a 2001.
Após a Conferência de Educação para Todos, iniciaram as mobilizações dos países para o
cumprimento dos compromissos no campo educacional. Cabe ressaltar que a campanha de
Educação para Todos movimenta as políticas educacionais dos países latino-americanos até hoje,
os quais apresentam dificuldades para o cumprimento das metas estabelecidas. Outros fóruns
promovidos pelos organismos multilaterais, sua assessoria coletiva e/ou individual, bem como os
inúmeros relatórios, pareceres e diagnósticos, continuam fortemente influenciando a política
educacional e propondo novas metas e estratégias de ação.
Apenas para ilustrar, a preocupação com a educação também está expressa na Declaração
do Milênio das Nações Unidas de 2000103 na qual os dirigentes mundiais definiram alvos
concretos para reafirmar a ONU e sua carta como bases indispensáveis de um mundo mais
pacífico, mais próspero e mais justo. Como decisão dessa reunião, até o ano de 2015, todas as
crianças e jovens devem acessar o ensino primário.
Partindo dos apontamentos realizados sobre as intenções das agências multilaterais em
proporcionar a Educação para Todos, da sua determinação aos países sobre seus compromissos
para tornar essa meta possível, faz-se necessário, sem intenção de esgotar o tema, refletir sobre
alguns dos elementos que demonstram a insustentabilidade do discurso neoliberal e seu ataque à
política pública de educação.

3.2 O ataque neoliberal à política social pública de educação

padrão de bem-estar material e seja indexada em termos de posse de bens e acesso a confortos básicos”.
(OUTHWAITE, BOTTOMORE, 1996, p. 635)
103
Fruto das preocupações de 147 chefes de estado e do governo de 191 países com a agenda global do século XXI,
tal declaração foi aprovada em 2000 e estabelece como objetivos: a) erradicar a extrema pobreza e a fome; b) atingir
o ensino básico universal; c) promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; d) reduzir a
mortalidade infantil; e) melhorar a saúde materna; f) combater o HIV/aids, a malária e outras doenças; g) garantir a
sustentabilidade ambiental; h) estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento
.
Referenciando os apontamentos bibliográficos e os documentos pesquisados até o
momento, apesar de a retórica neoliberal defender melhorias no ensino público, pode-se perceber
que o ataque neoliberal à política educacional é materializado por suas propostas no campo
educacional. Isso quer dizer que os elementos advindos de sua política determinista, expressos
em medidas racionalizadoras, revelam-se em propostas descoladas, mostrando o esgotamento do
discurso neoliberal. É essa incoerência de discursos, proposições e práticas que acaba revelando
as verdadeiras intenções neoliberais sobre as políticas educacionais, ou seja, sua utilização como
meio para perpetuar a lógica excludente e fragilizar sua dimensão de direito social.
Nesse sentido, entende-se que as determinações do neoliberalismo à política social
pública de educação estão fundamentadas num discurso fragilizado e contraditório, que tem como
eixo central a universalização e qualidade do ensino. Primeiramente, cabe esclarecer que o
neoliberalismo apresenta-se à sociedade, como observa Laval (2004, p. XVI), “como solução
ideal e universal a todas as contradições e disfunções, enquanto na verdade esse remédio alimenta
o mal que ele supostamente cura”.
Levando essa visão para a política educacional, concorda-se com a observação do autor,
uma vez que o neoliberalismo impõe a privatização do campo educativo, a mercantilização da
educação, o enfraquecimento do ensino público e, conseqüentemente, a não-garantia da educação
como direito social. Nesse sentido, a educação é “pensada e organizada, prioritariamente, em uma
lógica de econômica e como preparação para o trabalho. Ela é acumulação de um capital humano,
pensada em termos de custo/benefício, dependendo, portanto, como qualquer outra mercadoria,
de um mercado”. (CHARLOT, 2005, p. 142).
Quando idealizada por essa lógica, a educação não pode ser concebida como um projeto
ancorado numa dimensão universal e cidadã. Utilizar como pressuposto a universalização da
educação supõe compreendê-la como direito social a ser usufruído por toda a sociedade,
considerando as condições desse exercício, não apenas sua acessibilidade. Como observa Couto
(2004, p. 37), apesar das tentativas do estabelecimento de princípios universalizantes dos direitos
em nível mundial, “é possível identificar realidades muito diversas quando se trata do
estabelecimento e da garantia dos direitos, indicando que, embora constitutivo do mesmo
processo”, o reconhecimento de sua existência por vias legais não garante seu exercício efetivo.
O caráter universal da política educacional, então, deve ser usufruído por todos os cidadãos,
independentemente da idade, situação social ou econômica.
As políticas neoliberais não questionam esse caráter universal, do “para todos” ao
contrário, utilizam essa prerrogativa para disseminar suas propostas de expansão do ensino
privado. Como alerta Charlot (2005, p. 145), é preciso “tomar cuidado com a armadilha das
palavras”, pois para o neoliberalismo a universalização da educação é concebida em outros
parâmetros. Entendida como mola propulsora de acesso, a urgência da universalizar significa
desmonopolizar o ensino público, transferindo parte das responsabilidades da esfera pública à
privada. Nessa direção, a universalização significa somente acesso à educação, seja na rede
privada, seja na pública, não necessariamente representando um direito social de todos.
A contradição presente nesse discurso é confirmada pelo incentivo à mercantilização da
educação, pois sua representação como atividade “é assimilável a um mercado competitivo no
qual as empresas, ou quase-empresas, especializadas na produção de serviços educativos,
submetidas a imperativos de rendimento, pretendem satisfazer os desejos de indivíduos livres nas
suas escolhas”. (LAVAL, 004, p. 89). Contudo, essa escolha se encontra estreitamente vinculada
às condições econômicas das pessoas, pois, como parafraseia Sader (2005, p. 16), “no reino do
capital, a educação é, ela mesma, uma mercadoria”.
Apesar de a educação ser direito fundamental de todos, assim como orienta a Declaração
Mundial sobre Educação para Todos e outros tratados e legislações, os cidadãos-consumidores,
através de escolas privadas, têm suas necessidades de aprendizagem atendidas por
estabelecimentos de ensino privado, ao passo que para os “outros”, ou seja, aqueles que não
podem consumir a educação privada, restam as escolas públicas. Dessa forma, Coraggio (1996)
reforça que os serviços públicos acabam tendo uma qualidade diferente dos oferecidos pela rede
privada.

[...] todos tem acesso à escola primária, mas têm escolas primárias de qualidade muito
diferente, diferença essa que se oculta sob a aparência de um mesmo certificado nacional
de aprovação. Nesse caso, a aparência do “para todos” esvai -se, e torna-se evidente a
dualização do modelo, em que um direito pretendidamente universal é exercido de modo
por um cidadão de primeira (se obtido via renda) e de outro por um cidadão de Segunda
(se alçada via ação pública) (p. 90).

Cabe observar, então, que as políticas sociais propostas pelo neoliberalismo “se
caracterizam pela expressão ‘para todos’: saúde, água, sa neamento e educação para todos. Mas
não incluem empregos nem, portanto, renda para todos”. Essa observação de Coraggio (1996, p.
87) revela que a intervenção do Estado encontra-se direcionada àqueles sujeitos que não podem
obter tais serviços pelo mercado, recebendo os serviços públicos.
Como esclarece o autor, tal proposta “supõe uma mudança de sentido nem sempre
evidente: o ‘para todos’ significa degradar o conceito intrínseco de saúde, educação ou
saneamento, refletido na utilização do adjetivo “básico” . (CORAGGIO, 1996, p. 88). No entanto,
mesmo que os setores públicos devam assegurar a formação inicial, Laval (2004) destaca como
tendência a apelação “para financiamentos privados, provenientes das famílias e empresas,
especialmente em um período marcado pela intensificação das restrições orçamentárias”. (p. 28).
Com a diminuição do espaço público, o sentido da democratização da educação pública
também enfraquece. Como justificativa desse discurso, a Unesco afirma que a democratização do
acesso à educação básica foi prioridade e que a qualidade foi deixada em segundo plano. Nesse
sentido, entende que a discussão sobre a qualidade deve ser retomada, uma vez que, apesar do
aumento numérico de crianças nas escolas, os índices de repetência e evasão escolar apontam a
necessidade de formular estratégias para a melhoria do ensino.
A qualidade do ensino público, entendida como característica ou propriedade de algo104
passa a ser questionada pelo neoliberalismo. O discurso da qualidade no campo educacional,
segundo Gentili (1996, p. 115), emerge no final da década de 1980 em contraface ao discurso da
democratização, “assumindo a fisionomia de uma retórica conservadora funcional e coerente com
o feroz ataque que hoje sofrem os espaços públicos[...]”.
Seguindo esse raciocínio, o autor explica que o discurso conservador da qualidade na
educação é marcado por duas dimensões. A primeira apresenta a substituição do problema da
democratização pela qualidade, em que se podem perceber as condições favoráveis ao abandono
dos discursos democráticos emergentes na década de 1980 na área da educação. Argumenta que
“democratizar a educação deixou de ser o eixo que deveria nortear as políticas públicas do setor
para constituir um tema ausente, esquecido ou – se
pretendemos ser mais precisos – silenciado, no cenário político latino-americano”(GENTILI,
1996, p. 121). Entre outras razões105 que explicam esse processo, o autor referencia a utilização

104
Conforme sentido genérico apresentado no Dicionário básico de filosofia, de Japiassú e Marcondes.
105
Ainda segundo o autor, situações como o abandono das demandas pela democratização por parte da sociedade
civil, a renúncia do luta pela democratização da educação pública por parte dos intelectuais críticos, o discurso vazio
do mundo acadêmico contribuíram, entre outros aspectos complexos que mereceriam pesquisas, para esse processo
de dissipação da euforia pela democratização. Para elucidar suas argumentações, apresenta como seqüência
do termo “democratização” como simples retórica eleitoral, bem como um conjunto de promessas
não cumpridas.
A democratização, como reforçam Raichelis e Wanderley (2004, p. 12), “remete à
ampliação dos fóruns de decisão política que, ampliando os condutos tradicionais de
representação, permitem incorporar novos sujeitos sociais como portadores de direitos
legítimos”. A transposição do discurso neoliberal sobre essas dimensões compromete as relações
entre o Estado e a sociedade civil na participação das políticas educacionais. Os espaços de
participação da população nas decisões são ocupados pela retórica da qualidade, que promete
garantir uma educação melhorada a partir de técnicas racionalizadoras.
A segunda dimensão do processo, seguindo os apontamentos de Gentilli (1996), é a
transferência para o campo educacional dos conteúdos da qualidade desenvolvidos no campo
produtivo-empresarial. A noção de qualidade, nesse sentido, constitui-se num conceito emergente
do mundo empresarial, sendo reconhecida como estratégia competitiva no mercado
mundializado106.
Partindo dessa concepção, a qualidade está ligada à garantia de produtividade e
rentabilidade, pois procura organizar o processo produtivo de maneira a racionalizar o uso de
recursos materiais, tempo e mão-de-obra. Essa organização acaba gerando maiores rendimentos
ao empresário uma vez que possibilita a produção com custos reduzidos, evitando também o
desperdício de qualquer recurso. Dessa forma, a qualidade possui relevância às empresas por
apresentar resultados financeiros positivos, sendo, portanto, necessário mensurá-la e quantificá-
la. 107
Dotada dessa dimensão produtivo-empresarial, a concepção de qualidade é transposta para
o campo educacional, passando a orientar as políticas educacionais e os processos pedagógicos
nos países latino-americanos. A materialização da qualidade na educação no Brasil, segundo
Gentilli (1996), foi pensada segundo modelos que abordavam a aplicação dos princípios da

cronológica de preocupações acadêmicas com a educação na América Latina os seguintes aspectos: a análise dos
modelos teórico, a democratização da educação e do conhecimento, a democratização com qualidade, qualidade com
eficiência e produtividade e eficiência e produtividade em um quadro de “concertación”.
106
Explica Gentili (1996, p. 131) que “uma das principais motivações que explica a ênfase empresarial nesta questão
advém da necessidade de traçar estratégias de maior e melhor adaptabilidade ao mercado, reconhecendo as mudanças
profundas em que este tem operado ultimamente”.
107
Para maiores detalhes, consultar Gentilli (1996, p. 139- 141).
qualidade empresarial na escola através dos pactos pela qualidade, tendo como exemplo o
programa “Escola de Qualidade Total” 108 .
Como aponta Silva (2003), a formação de um consenso sobre a possibilidade de se
compatibilizar cidadania e competitividade por meio da educação é vislumbrada pelos
neoliberais. Isso porque pela educação os problemas de qualificação e inserção no mercado de
trabalho podem ser resolvidos. “Nesse caso, a educação é convocada como única alternativa para
resolver os problemas de desemprego e as exigências de competitividade da economia” (p. 65),
ocultando as desigualdades sociais protagonizadas pelas políticas neoliberais. 109 Para tanto,

as “reformas orientadas pela competitividade” tiveram, inicialmente, a finalidade de


melhorar a produtividade econômica melhorando a “qualidade do trabalho. A
padronização dos objetivos e dos controles, a descentralização, a mutação do
“gerenci amento educativo”, a formação dos docentes são, essencialmente, reformas
“centradas na produtividade”. (LAVAL, 2004, p. 12).

Segundo Laval (2004, p. 90) “no plano social, mais do que um consumo, a ‘boa educação’
aparece como um investimento: ir para uma boa escola, um bom curso, uma boa classe, se tornou
mais do que nunca o fator essencial do sucesso escolar e da ascensão social”. Para recuperar os
110
investimentos, como nas empresas privadas, é preciso o desenvolvimento de um modelo
educativo rigoroso.
Esse modelo, conforme observa Torres (1996, p. 125-126), é defendido pelo Banco
Mundial, uma das principais organizações internacionais que interferem na direção das políticas
sociais. Segundo a autora, esse “transformou -se, nos últimos anos, no organismo com maior
visibilidade no panorama educativo global”, ocupando espaços tradicionalmente liderados pela

108
O sentido desse programa é atuar na dimensão micro-institucional através estratégias “participativas” que
trabalham os fundamentos da filosofia da qualidade, transformando a partir do envolvimento de todos a educação.
Gentili (1996, p. 144) coloca que essa proposta está fundamentada nos pontos de Deming: “filoso fia da qualidade,
constância de propósitos, avaliação do processo, transações a longo prazo, melhoria constante, treinamento em
serviço, liderança, distanciamento do medo, eliminação de barreiras, comunicação produtiva, abandono das cotas
numéricas, orgulho na execução, educação e aperfeiçoamento e ação para a transformação”.
109
Percebe-se também inclinações para a retomada na literatura internacional, de aspectos da teoria do capital
humano, demonstrando que a educação constitui-se num “dos principias deter minantes da competitividade entre os
países. Alegava-se que o novo paradigma produtivo demandava requisitos diferenciados de educação geral e
qualificação profissional do trabalhadores” (SHIROMA, MORAES e EVANGELISTA , 2004, p. 55 -56).
Unesco. O Banco Mundial defende a redução da política educacional à política escolar; suas
políticas são imediatistas e de curto prazo; acredita em ações verticais e autoritárias; privilegia a
quantidade sobre a qualidade, os resultados sobre os processos; subordina o pedagógico ao
administrativo; não prioriza o investimento nas pessoas; desenha políticas homogêneas; não
concebe a educação como processo de construção e apropriação; entende que a participação das
famílias e comunidade deve ser somente com relação aos aspectos financeiros, entre outros
aspectos.
Nessa direção, “as prioridades ditadas pela lógica econômica parecem não coincidir com
as prioridades propostas pela construção de um modelo educativo legitimamente centralizado na
qualidade e na equidade, autenticamente comprometido com a aprendizagem e com sua
melhoria”. (TORRES, 1996, p. 185). Tem -se um arcabouço de estratégias desdobradas em
programas, planos e projetos voltados a melhorar a universalização e qualidade do ensino nos
países em desenvolvimento esgotados em si mesmos, revelando práticas contraditórias e a
reprodução de processos educativos convencionais.

O direito à educação não é simplesmente o direito de ir à escola; mas o direito à


apropriação efetiva dos saberes, dos saberes que fazem sentido – e não de simples
informações dadas pelo professor ou encontradas na Internet -, de saberes que
esclareçam o mundo- e não de simples competências rentáveis a curto prazo; o direito à
atividade intelectual, à expressão, ao imaginário e à arte, ao domínio de seu corpo, à
compreensão de seu meio natural e social; o direito às referências que permitem
construir suas relações com o mundo, com o outro e consigo mesmo”. (CHARLOT,
2004, p. 148).

Pensar uma educação essencialmente de qualidade, entendida como direito universal, está
condicionado a uma profunda transformação social, abarcando “a totalidade das práticas
educacionais da sociedade estabelecida”, como afirma Mészáros (2005, p. 45). Para tanto, sem
pensar os “processos de educação abrangentes como a nossa própria vida”, a educação formal
não pode realizar suas necessárias aspirações emancipadoras. (2005, p. 59). Acreditar nos limites
impostos pelo ataque neoliberal à política pública de educação “significa abandonar de uma só
vez, conscientemente ou não, o objetivo de uma transformação social qualitativa”. (2005, p. 27).

110
Afirma Laval (2004, p. 114) que, enquanto “ ‘bem superior de consumo’ para o economista, a educação é objeto
de despesas que crescem mais rápido que o nível de vida nos países ricos. “Bem investimento, ela é e será causa de
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo aqui apresentado, ao analisar o reconhecimento e garantia dos direitos sociais


pelo Estado, evidencia a construção desse processo, que, posteriormente, seria enfraquecido pela
reestruturação operada pelo neoliberalismo. Os direitos sociais, dentro de sua contraditoriedade
histórica, para além de instrumentos de manutenção do desenvolvimento produtivo capitalista,
também foram conquistados pelo movimento coletivo dos trabalhadores. O movimento de

despesas crescentes das empresas, dos casais, dos Estados, com vistas a um aumento de rendimento futuro”.
fortalecimento, por meio das lutas e resistências, contribui para a ampliação dos espaços de
universalização da cidadania, possibilitando a expansão dos direitos sociais a todos os cidadãos.
Os espaços de universalização dos direitos sociais garantidos a todos os cidadãos, nos
países europeus e norte-americanos, desenvolveram-se durante o período de vigência do Estado
social. Caracterizado pelas políticas keynesianas emergentes durante a década de 1930, o Estado
é exaltado como estratégia liberal para superar as dificuldades provenientes das guerras mundiais
e a urgência de financiamento do desenvolvimento econômico. Caracterizado pelo poder
financiador, regulador e promotor, interfere diretamente no desenvolvimento econômico e da
atividade produtiva. O suporte às medidas adotadas para impulsionar o desenvolvimento
incidiram diretamente no reconhecimento dos direitos sociais, primeiramente dos trabalhadores,
legitimando um sistema de proteção social fundamentado em relações sociais desmercantilizadas.
A desmercantilização das relações sociais, como resultado do pacto entre Estado, capital e
trabalhadores, possibilitava a garantia de elevados níveis de proteção social pelo Estado
vinculados à concepção de cidadania. Dessa forma, os direitos sociais são materializados a partir
das políticas sociais públicas, possibilitando o acesso aos serviços sociais básicos que devem ser
garantidos pelo Estado para todos os cidadãos.
Com a tentativa de garantir direitos sociais atrelada ao desenvolvimento econômico, com
a recessão desencadeada na década de 1970, esse modelo de Estado protetor foi acusado como
principal responsável pela derrocada econômica. As dificuldades para continuar financiando a
economia capitalista, seja através do investimento direto no desenvolvimento produtivo, seja
pelo sistema de proteção social, fundamentam os questionamentos liberais sobre o papel e a
competência do Estado social na sociedade. A crise do Estado, tanto fiscal como de legitimidade,
mobiliza os capitalistas à adoção da proposta neoliberal, a qual reafirma os princípios liberais,
incorporando novas configurações para retomar o desenvolvimento econômico. Para tanto, a
reforma do Estado aparece como imprescindível para atender às expectativas capitalistas da
mundialização do capital, e esse processo não ocorre de maneira estanque, mas incorporado à
própria dinâmica construtiva do modelo de desenvolvimento emergente.
É a partir de reestruturação que o Estado assume novas atribuições com relação ao
desenvolvimento econômico, político e social. Visualizado como um Estado mínimo, a
intervenção na economia passa da esfera estatal para o mercado, que determina novas regras,
fundamentadas nos princípios da concorrência. A concepção de “mínimo” também
prevalece quanto às respostas às diversas expressões da questão social, sendo que a orientação
neoliberal dissemina a desresponsabilização do Estado na garantia dos direitos sociais,
comprometendo a materialização das políticas sociais públicas. Cabe ressaltar que o processo de
reestruturação determinado pelo neoliberalismo, ao mesmo tempo em que demonstra ruptura de
algumas concepções, continua mantendo os elementos principais do papel do Estado à
manutenção capitalista.
Dessa forma, a pesquisa aqui desenvolvida procurou analisar quais são as determinações
neoliberais para a política social pública de educação, entendida como direito social universal de
todos os cidadãos. Ao refletir sobre esse processo, o estudo evidencia, primeiramente, que as
reformas operadas pelo capitalismo liberal ao longo de sua trajetória constituem-se em estratégias
de manutenção hegemônica e de superação das dificuldades decorrentes de sua própria estrutura e
essência de funcionamento.
Nesse sentido, como estratégia, o próprio sistema capitalista desenvolve como proposta
não somente a reestruturação das atribuições e do espaço do Estado, mas também novas relações
sociais por parte do mercado e da sociedade civil. Essas relações sociais são marcadas por
determinações que transformam as relações não mercantis em interações mercantis, num
movimento de retração do Estado e de avanço do mercado. Nessa direção, o mercado
desenvolve-se ancorado na racionalidade econômica, mostrando-se totalmente criativo ao
mercantilizar os serviços sociais. As relações sociais passam a ser mediadas por determinantes
comerciais, alterando a garantia dos direitos sociais universais pelo Estado para sua aquisição no
mercado consumidor.
Quanto ao Estado, o sistema de proteção social, percebido pelo neoliberalismo como
maléfico à nação e aos indivíduos, deve ser acessado somente por aqueles destituídos de
condições financeiras para adquiri-los no mercado. As políticas sociais de educação, saúde e
seguridade social são caracterizadas por políticas compensatórias, que visem à eliminação da
extrema pobreza, geradas pelo funcionamento do mercado, focalizadas em grupos específicos que
podem comprometer o desenvolvimento social. Cabe ressaltar que os recursos disponibilizados
não atendem à demanda quantitativa de pessoas que precisam acessar tais políticas, ficando
comprometida também a qualidade do atendimento prestado.
Como estratégia de atendimento à demanda descoberta pelos setores públicos, pode-se
perceber a responsabilização da sociedade civil no atendimento à parcela populacional descoberta
pelo serviço público. Nesse sentido, além propagar que o exercício dos direitos sociais deve ser
garantido pelos próprios indivíduos, por suas famílias e, até mesmo, por empresas interessadas
em sua qualificação e desenvolvimento, também ganha visibilidade a emergência de
organizações do “terceiro setor”. Paralelo ao mercado e ao Estado, o terceiro setor organiza-se
para interceder na garantia do acesso aos direitos sociais dos cidadãos, impossibilitados pelos
aspectos econômicos determinados pelo mercado ou pela incapacidade pública de atendimento à
demanda.
Com essa reconfiguração, percebe-se a modificação da natureza, do público-alvo de
intervenção e do gerenciamento das políticas sociais, que passam a ser visualizadas pelo mercado
como possibilidades mercantis, sendo os serviços sociais oferecidos pela iniciativa privada.
Concomitantemente a essa “universalização do acesso” possibilitada pela desmonopolização das
políticas sociais, como defendem os neoliberais, o setor público, diante dos parcos recursos,
continua marcado pela precariedade do atendimento estatal aos cidadãos.
As políticas sociais, como demonstrou a pesquisa, assumem diferentes configurações,
podendo-se perceber que os países que haviam adotado o sistema de proteção social
fundamentado nas propostas keynesianas do Estado social, com o neoliberalismo, enfrentaram
um processo de “desregulamentação” dos direitos sociais. Isso porque a visão neoliberal
determina a mercantilização dos serviços sociais, enfraquecendo a concepção de direito social
enquanto garantia universal do Estado para com os cidadãos. Com relação aos países latino-
americanos, por exemplo, esse processo é carregado de particularidades, porque não
experienciaram o pacto keynesiano, sendo os direitos sociais reconhecidos somente ao findar do
século XX, vinculados à cidadania e democracia, não como no modelo de Estado social,
vinculados à garantia de trabalho aos cidadãos.
Dessa forma, nos países latino-americanos, principalmente no Brasil, o processo de ajuste
às determinações neoliberais, entre outros fatores, também emerge centralizado na minimização
do Estado. As políticas de ajuste, recomendadas pelo Consenso de Washington, reforçam a
privatização dos serviços sociais e a desresponsabilização do Estado na formulação de políticas
sociais universais. Esse processo de ajustamento, como se sabe, encontra-se condicionado a
regras mediadoras que, ao determinarem as condições para futuros empréstimos, conduzem a
política econômica da América Latina conforme seus interesses hegemônicos. Comprometendo a
autonomia latino-americana, as recomendações proferidas agravam ainda mais os problemas
sociais, pois suas políticas de estabilização econômica foram muito contraditórias, não
conseguindo proporcionar estabilidade financeira e inserção no mercado internacional. Como
resultado, observa-se o crescimento da miséria, a elevação do desemprego, o aumento das
desigualdades sociais e a precarização das políticas sociais públicas.
Partindo desse entendimento macro sobre o processo de enfraquecimento das políticas
sociais públicas pelo neoliberalismo, o estudo destacou algumas particularidades da política
educacional nesse processo. Primeiramente, é importante destacar que a educação, apesar de
legitimada como direito social, nessa reconfiguração é fortalecida por alguns aspectos
disseminados pela teoria do capital humano, ou seja, entendida como imprescindível para o
desenvolvimento econômico e social. Essa particularidade possibilita ao Estado continuar
assumindo majoritariamente o gerenciamento do ensino formal à maioria da população, mesmo
que desloque essa responsabilidade à esfera privada. Assim, para assegurar o processo de
desenvolvimento, mesmo que os indivíduos não tenham disponibilidades financeiras para arcar
com sua formação, o Estado capitalista precisa garantir padrões mínimos de formação. Nesse
sentido, cabe-lhe garantir a educação às massas populacionais excluídas do mercado educativo
privado.
Com a imposição progressiva do processo de privatização das políticas sociais, as quais
passam a constituir mercado potencial, na política educacional esse movimento ocorre de
diversas maneiras: com o financiamento privado do ensino público, com o financiamento público
do ensino privado e o financiamento direto do indivíduo no ensino privado. A mercantilização da
educação é operada com naturalidade, sendo assimilada como mais um serviço ofertado pelo
mercado competitivo. Entretanto, sabe-se que essa concepção de educação desconsidera-a como
direito social, pois restringe seu acesso aos grupos chamados “cidadãos -consumidores”. Têm -se,
então, verdadeiras empresas educacionais conquistando espaços significativos no campo
educacional, caracterizadas pela adoção de posturas fundamentadas em princípios administrativos
que compreendem a educação como negócio lucrativo.
Com a exaltação da política educacional como mercado competitivo e lucrativo, percebe-
se o enfraquecimento do ensino público, passando por processos de desmoralização e
inferiorização de sua proposta educacional. Propaga-se que o ensino público tem qualidade
inferior e não consegue possibilitar uma aprendizagem adequada às novas exigências da
atualidade, principalmente às do mercado produtivo. Com a competitividade, os serviços
educativos são proclamados como garantia das melhores colocações profissionais, quando se
sabe que essa equalização de oportunidades creditada pelos neoliberais, na prática, não é
efetivada.
Partindo dessa justificativa, a educação também é entendida como possibilidade do
exercício da responsabilidade social das empresas. Movida pelo instinto de “solidariedade”
individual, propaga o investimento privado na educação como forma de compensação
econômica, cultural e social dos desfavorecidos. Novamente, a visão que impera nessa concepção
é da educação como qualificação profissional, de preparação para o trabalho, sem expandir a
noção de educação como empoderamento dos indivíduos. A idéia que perpassa é de que a
solução para os problemas sociais está a cargo, exclusivamente, da educação, quando se sabe que
precisa estar vinculada às demais políticas sociais, principalmente de acesso ao trabalho e renda.
Diante dessas estratégias para a educação, ou seja, da privatização do ensino, do
enfraquecimento do ensino público, da concepção de educação voltada somente ao trabalho e do
crescente processo de mercantilização da política educacional, é possível afirmar que a educação
como política social pública, assim como as demais, vem experienciando um processo de ataque
neoliberal. Esse ataque não está explícito, apesar das evidências de destituição da política
educacional como direito social, visto que as propostas neoliberais que visam à melhoria do
ensino, entre outros fatores, destacam como solução melhorar sua universalização e qualidade.
Entretanto, pode-se perceber que as propostas que permeiam tais categorias, ao serem analisadas
cuidadosamente, demostram o descolamento entre o discurso e a prática efetivada pelos
neoliberais.
Dessa forma, mesmo que os neoliberais argumentem em prol do ensino público, as
práticas demonstram-se contraditórias. Assim, a universalização é entendida estritamente como
ampliação do acesso ao ensino privado, possibilitado pela desmonopolização da educação
pública. Também a qualidade do ensino demonstra a necessidade de competição entre público e
privado como forma de impulsionar o mercado educacional. A defesa do ensino público, nesse
sentido, remonta à diminuição dos investimentos na formação dos professores, na valorização
desse profissional e na melhoria das estruturas e condições físicas das escolas para receber os
alunos. A possibilidade de desenvolvimento de uma educação crítica, voltada para a
emancipação do cidadão como sujeito de sua história, fica comprometida. Tem-se, então, uma
política social pública de educação fragilizada, utilizada como meio para perpetuar a lógica
excludente do neoliberalismo.
Cabe destacar ainda que, enquanto trabalho acadêmico, este apresenta limitações. Nesse
sentido, destaca-se a amplitude do universo pesquisado, visto que ao realizar uma abordagem
mais abrangente da problemática, as questões específicas do ataque neoliberal à política social
pública de educação, tanto nos países da América Latina, como do Brasil, foram pouco
exploradas. Contudo, entende-se que a construção de uma análise mais ampla foi imprescindível
para a compreensão das alterações ocorridas no sistema capitalista que visam à sua manutenção.
Nesse sentido, indicam-se como possibilidades de investigação:
- estudar como a política social pública de educação nos países da América Latina vem
sendo materializada diante das implicações e determinações do Consenso de
Washington, identificando as principais particularidades desse processo;
- investigar a trajetória da educação como política social pública no Brasil a fim de
verificar as propostas construídas pelos governos e sua materialização. Dessa forma,
poder-se-ia compreender o modelo de ensino público defendido pelo Estado e como,
por meio de programas e projetos, esse modelo vem se consolidando;
- desenvolver um estudo que investigue, efetivamente, se a educação é percebida pelos
cidadãos como direito social universal;
- investigar como os movimentos sociais, as ONGs e a sociedade civil em geral se
colocam diante das estratégias neoliberais de fragilização da educação como direito
social;
- perceber quais são as expectativas dos cidadãos, estudantes ou não, com relação à
educação diante dos desafios impostos pelas determinações neoliberais,
principalmente no que tange ao mundo do trabalho.
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