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Marjorie Lewty
Bianca 373
Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos, de fãs para fãs.
Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida.
Cultura: um bem universal.
Digitalização:
Revisão: Crysty
Karen não conseguia mais resistir à sedução daquele homem
enigmático
2
CAPÍTULO I
Karen Lane bateu com força os pés no chão para tirar a neve das
botas pretas. Brrr! Àquela época do ano, Midlands, na região central da
Inglaterra, era quase inabitável. Com passos largos dirigiu-se à porta lateral
do escritório. Enquanto caminhava, olhava carinhosamente para a fachada do
pequeno edifício construído na área industrial, no subúrbio de Lessington.
Era incrível como havia se apegado àquele lugar. Durante os
últimos cinco anos de sua vida, dedicara-se a um ideal de trabalho, onde
todos convivessem bem, produzindo melhor. Sentia tanto orgulho daquela
modesta fabriqueta de produtos eletrônicos quanto o próprio Ben. A
eletrônica era o negócio do futuro, todo mundo sabia disso. A indústria da
comunicação estava transformando a vida de todos, e era inadmissível que
nesse vasto campo não houvesse lugar para um talento como o de Ben.
“Maldito gerente de banco!”, praguejou consigo mesma.
— Bom dia, Lucy — disse à jovem secretária, tirando o impermeável
para pendurar.
— Bom dia, srta. Lane. Que manhã horrível! E está começando a
nevar outra vez. É hoje o grande dia, não?
Karen assentiu, silenciosa. Uma revolta surda a impedia até de falar.
Não era justo que Ben estivesse na iminência de perder tudo. No fundo, só os
dois compreendiam o real significado de uma falência àquela altura. Nos
últimos cinco anos, aliada à genialidade e criatividade dele, tentara, como
supervisora, implantar naquela microempresa um sistema de trabalho mais
humano, mais compatível com as necessidades individuais de cada
funcionário. Partilhava com Ben as decisões relativas ao andamento da
fábrica e à direção da equipe, a ponto de sentir-se envolvida pessoalmente em
tudo que dissesse respeito à pequena empresa. Ben Clark era uma dessas
pessoas especiais, difíceis de encontrar: honesto, trabalhador, responsável.
Céus!
Tudo o que queriam era trabalhar em paz, sem a ameaça de ir à
falência a cada três meses.
— Afinal, o que existe de tão especial nessa pessoa que vem hoje
aqui, srta. Lane? Vai fazer alguma encomenda importante?
— Mais ou menos — respondeu com olhar vago.
Não havia nenhuma razão para esconder dos funcionários a
situação real da fábrica e a importância da visita do milionário Sean Marston.
Se ele se interessasse pela fábrica todos os seus problemas estariam
resolvidos. Caso contrário… De qualquer forma, até o final do mês Lucy e
todos os demais funcionários não teriam grandes dificuldades para arranjar
outro emprego.
Não gostava nem de pensar nessa possibilidade, mas não podia
fugir disso. Todos os seus sonhos e projetos estavam nas mãos de um único
homem, um ilustre desconhecido. Com gestos nervosos, alisou as pregas da
saia e deu uma olhada no espelho, ajeitando o cabelo escuro e brilhante.
Normalmente ela o trazia solto, caído sobre os ombros, acentuando ainda
mais seu ar jovial. Mas hoje decididamente não queria aparentar uma colegial
ou coisa parecida, por isso prendera-o na altura da nuca com uma fita.
Estudou com cuidado a imagem refletida no espelho, e pegou o blush para
retocar a maquilagem. Sorriu, satisfeita com o resultado. Ali estava o
estereótipo de uma mulher de negócios bem-sucedida.
— Lucy, faça um pouco de café, sim? Estamos precisando de uma
bebida bem forte.
— É pra já, srta. Lane.
A secretária era bem jovem, dona de uma espontaneidade
contagiante, e tinha por Karen verdadeira veneração; bastou que ela
manifestasse o desejo para que Lucy corresse em direção à copa.
— Ah! Lucy… Por favor faça um pouco mais para quando o sr.
Marston chegar.
Imediatamente o rosto corado da secretária apareceu no vão da
porta:
— A que horas ele chega?
— Às onze. Qualquer coisa estou na minha sala.
Quando abriu a porta, surpreendeu-se ao encontrar Ben sentado
atrás da escrivaninha. Eles dividiam a sala, e Karen pretendia ganhar tempo
dando uma ordem nos papéis e documentos da firma, certa de que ele ainda
não havia chegado. Ao dar com ela, Ben sorriu, constrangido.
— Olá!
— Oi! — respondeu com o melhor dos sorrisos, enquanto colocava a
elegante bolsa de verniz preto sobre a escrivaninha. — Não vi seu carro.
— Estou sem carro. A gasolina acabou ontem à noite. Vim de
ônibus.
— Ah, Ben! Se eu soubesse, teria passado pela sua casa. Por que não
avisou? Não custava nada dar uma carona!
Ele sorriu novamente e, com um movimento de cabeça, afastou o
cabelo para trás. Ben Clark tinha cerca de quarenta anos; era um homem alto,
robusto, de olhar bonachão acentuado pela displicência com que os cabelos
claros e lisos lhe caíam pela testa. Mas as adversidades de uma vida de lutas
estavam marcadas em sulcos profundos por todo o seu rosto. Estava muito
envelhecido para a sua idade.
— Foi até bom andar um pouco. Areja a cabeça. Já ensaiei tudo o
que vou dizer quando o “nosso” homem chegar.
— Não vejo a menor graça, sr. Clark. Aliás recuso-me a ficar
ouvindo essa conversa negativa, já tomou café?
— Sabe que nem me lembro?
— Bem que imaginei. — Abriu a bolsa e entregou-lhe um sanduíche
embrulhado em papel alumínio.
— Vamos, coma.
Ele fitou-a sem dizer nada, de um modo peculiar ao qual ela já vinha
se acostumando. Abanou a cabeça, estupefato.
— Karen, você é incrível!
Naquele instante, Lucy entrou com duas xícaras de café. Quando
“ele” chegar, farei mais — anunciou, cheia de boa vontade.
— O nome “dele” é Marston. Sr. Marston. E não se esqueça de
chamá-lo de senhor.
— Estou até ensaiando uma reverência. — Sorrindo, lançou a Karen
um olhar malicioso enquanto saía da sala.
— Estamos precisando é de um pouco de disciplina neste lugar.
— Este “lugar” é simplesmente perfeito. Para começar, aqui não se
ouve falar em greve. Dê uma olhada nelas.
Ele acompanhou a direção apontada. Separadas da sala da diretoria
por apenas um grande vidro, vinte operárias, todas de uniformes brancos,
montavam complicadas peças eletrônicas. Eram a última palavra em
tecnologia, saídas de sua prancheta e prontas para chegar ao mercado.
— Reconheço que formam uma equipe formidável.
Em seu olhar vago estava implícita a grande dor que sentia por uma
derrota, para ele iminente. Era tudo uma questão de horas e todas aquelas
mulheres que trabalhavam com tanto afinco estariam na rua.
Ben virou-se bruscamente e mordeu o sanduíche.
— Está uma delícia, Karen. Obrigado.
— Sean Marston vai ter uma ótima impressão da fábrica, tenho
certeza.
— Gostaria de ser assim otimista, mas você sabe muito bem que
nossos livros de contabilidade são catastróficos. Basta ele olhar os últimos
dois meses para desistir até da visita.
— Que azar! Se não fosse a aposentadoria do sr. Fellows…
— É… Fellows certamente teria nos ajudado… O problema todo é
que sou um fracasso como administrador. Isso ia acontecer mais cedo ou
mais tarde…
— Não faz sentido você dizer uma coisa dessas…
Ben só meneou a cabeça num gesto significativo, uma mecha de
cabelo caiu-lhe na fronte. Afastou-a, impaciente.
— É lógico que faz sentido, Karen. Não adianta esconder o sol com a
peneira. Não nasci para negociar, Tudo que me interessa e que sei fazer são
esses projetos…
Estava tão acabrunhado que parecia alguns anos mais velho.
— Devia ter refletido antes de abrir esta fábrica e estabelecer-me por
conta própria. Simplesmente não tenho a fibra de um homem de negócios…
Minha ex-mulher tinha toda a razão quando foi contra essa loucura. Mas eu
achei que podia tentar…
Karen preferiu não fazer nenhum comentário, pois sua opinião a
respeito de Christine era a pior possível e preferia guardar consigo mesma.
Não queria dizer algo de que depois se arrependesse. Em seu íntimo, ficou
furiosa só de se lembrar de Christine Clark, com seu lindo rosto, seus modos
petulantes e sedutores. Assim que as coisas começaram a ficar pretas, há mais
ou menos seis meses, ela fez suas malas deixando Ben completamente
desamparado tanto emocional como financeiramente.
Não foi sem certo asco que Karen relembrou o quanto a ex-mulher
do patrão fora calculista, arquitetando a separação em seus mínimos detalhes,
na surdina. Ben foi pego de surpresa e abriu mão de todos os seus direitos,
concedendo a ela tudo que foi solicitando. Encerrado o divórcio ela partiu
para Nova York com um executivo de uma firma importante.
— Ben, vamos considerar a situação com imparcialidade… Há
muitos projetos importantes que podem ser lucrativos.
Ele engoliu o último pedaço do sanduíche, dizendo em tom
melancólico:
— Pode ser que funcionem, mas para ele. Costuma encampar firmas
pequenas, que estão em dificuldades, acrescentando-as ao seu império. Foi
assim que conseguiu essa fortuna imensa. Claro que acontecerá a mesma
coisa conosco, se achar que nossos produtos têm alguma utilidade para o
negócio dele. Só espero que não vá despedir as operárias. Quanto a mim,
Karen, estou preparado para tudo. Minha firma será liquidada, e eu serei
despedido. Sinto muito, querida. — Ele cobriu a mão de Karen com a sua,
num gesto carinhoso. — Meu único consolo e que você não terá problemas
em achar outro emprego.
Ela sorriu. Gostava mesmo de Ben Clark. Durante os últimos anos
haviam passado por horas boas e más, especialmente nos últimos meses que
haviam sido as mais difíceis. Com suavidade, soltou a mão que ele segurava,
e começou a endireitar os papéis.
— Muito obrigada pelo elogio, Ben. Mas veja, para mim essa
hipótese está descartada. Se Sean Marston for mesmo tão genial, há de
reconhecer nosso potencial. Não acha que tenho razão?
— Pode ser… não sei, só o vi uma vez num congresso de executivos.
Ele era um dos principais conferencistas; tem idéias muito claras e precisas
sobre como administrar. Tudo com ilustrações a partir de suas experiências
bem-sucedidas.
— Pessoalmente, como é?
— Exatamente como você imagina. É daquelas pessoas que irradiam
sucesso e autoconfiança. Extremamente carismático.
— Qual a idade aproximada dele?
— Uns trinta e cinco anos. Alto, moreno, o típico milionário,
rodeado de tudo a que tem direito. Rolls Royce e derivados.
A descrição não a agradou muito, pelo contrário: o executivo
parecia-lhe abominável. O estereótipo era-lhe profundamente antipático: um
homem bem-sucedido, do alto de sua arrogância, ditando aos outros suas
regras e exceções.
— Parece insuportável.
— Não, não é. Ele diz que cada um deve escolher uma meta e
percorrê-la a qualquer custo.
— E quais seriam os requisitos básicos para se alcançar essa meta?
Ben olhou-a, sério; parecia convicto da eficiência da coisa.
— Os principais são motivação, energia, conhecimentos, coragem de
arriscar e uma grande dose de psicologia no trata com as pessoas.
— E um bom saldo no banco…
— Ou então um diretor de banco que confie em você — a voz dele
era seca. — Nesse caso, o céu é o limite.
— Entendo. — Karen levantou-se dando o assunto por encerrado.
Achava inútil e infrutífera qualquer tipo de discussão sobre aquelas teorias e
até sobre o desconhecido que as concebera. Tudo aquilo era-lhe repulsivo,
não estava gostando nada daquilo e muito menos da admiração de Ben por
um ser tão… tão… não sabia nem definir, o certo é que não gostava nada da
descrição de Sean Marston.
Quando levantou o rosto encontrou o olhar afável do chefe: parecia
o de um cão fiel. A comparação, embora instintiva, a contrariou ainda mais,
pois parecia diminuí-lo.
— Sabe, hoje está mais linda do que nunca. O vermelho fica muito
bem em você.
— Eu também gosto: é uma cor forte, combativa. Sinto-me
revigorada quando a uso, parece que irradia energia.
— Você está sensacional — ele desviou o olhar com esforço. — Da
equipe toda, acho que só eu sou capaz de pôr tudo a perder.
Aproximou-se do pequeno espelho ao lado do porta-chapéus.
— Olhe só minha aparência. Não pareço nem a sombra de um
executivo. Estou péssimo…
— Que tal uma camisa nova e uma gravata? Marston não vem antes
das onze…
— É… acho que dá até para dar um corte no cabelo…
— Vá com meu carro — Karen ofereceu.
Ele dirigiu-se para a porta, mas, antes de sair, parou um instante ao
lado dela.
— Karen… muito obrigado por tudo, sim?
Seus olhares se encontraram, os de Karen um pouco surpresos; os
dele, implorantes. Num impulso, agarrou o impermeável e saiu.
Ela continuou imóvel por alguns instantes. Com gestos lentos,
começou a arrumar a sala. Tinha vinte e três anos e não era a primeira vez
que via um olhar como aquele em um homem. Era uma garota muito bonita,
morena, de cabelos pretos e brilhantes ornamentando um rosto perfeito.
Nunca lhe faltaram parceiros para festas ou partidas de tênis.
Sem dúvida, Ben era diferente. Tinha mais idade, era mais maduro,
mais sofrido do que os outros rapazes que conhecera. Toda vez que refletia
sobre isso sentia-se confusa. “Seria possível que estivesse apaixonada? Essa
imensa ternura estaria se transformando em algo mais profundo?”,
questionou-se. Tinha certeza de que tudo dependia dela para que Ben se
declarasse. Aliás, ele só esperava um sinal. Tinha um caráter tão intros-
pectivo, agravado por uma humildade gritante, julgando-se um homem
fracassado na vida e que ainda por cima carregava o fardo de um casamento
desfeito. Não se achava no direito de dividir essa carga com ela, que além de
tudo era muito mais jovem. Não, decididamente não daria o primeiro passo.
Ao imaginá-lo desajeitado tentando expressar suas emoções, não pôde deixar
de comover-se. Na verdade também amava-o, mas de um modo diferente,
terno, quase protetor. Era uma emoção inteiramente nova, nunca em sua vida
experimentara emoções fortes ou românticas. Na verdade, era tão prática que
não acreditava possíveis tais sentimentalismos. Inclusive agora não era o
melhor momento para ticar sonhando acordada. O que realmente importava
era a sobrevivência da Clark's, e isso dependia de Sean Marston. Se ele fosse
exatamente como Ben o descrevera não tinha dúvidas de que se interessaria
pelo negócio. Evidentemente reconheceria de cara as inúmeras possibilidades
que a firma oferecia. Tudo o que era preciso era uma injeção de capital para
ser rentável novamente.
Com olhar crítico examinou cada detalhe do escritório. O relógio
marcava nove e quarenta e cinco. Havia tempo de sobra. Resolveu ir até a
oficina. Durante o pequeno percurso parou algumas vezes para conversar
com as operárias. A habilidade com que aquelas moças manejavam as peças
que montavam era realmente fascinante. Era capaz de ficar horas obser-
vando-as, maravilhada. Realmente formavam uma equipe excelente. Ben,
para mantê-las interessadas no trabalho, explicava-lhes a função de cada
peça, mantendo-as constantemente informadas, inclusive sobre novas
técnicas. Charlie Benson, o diretor da oficina, e Jean McBride eram de grande
valia nesse sentido.
Pela enésima vez, pôs-se a imaginar que impressão Marston ia ter da
fábrica. Naturalmente, seus escritórios deviam ser ultramodernos e luxuosos,
em franco contraste com aqueles, rigorosamente simples, quase espartanos.
Certa ocasião, Ben cogitara a modernização dos escritórios, mas logo
a sugestão caiu no vazio em virtude de outras necessidades mais urgentes.
Sempre comparava a fábrica a um grupo de teatro mambembe, que driblava
todas as adversidades, vivendo na corda bamba para realizar seu trabalho e
pondo o idealismo acima de tudo.
Mas nada disso havia funcionado na prática. Eles trabalhavam com
uma margem muito restrita de dinheiro, o tempo todo. As ordens chegavam,
mas os fornecedores queriam ser pagos imediatamente, não entregavam o
material, os clientes reclamavam pela demora, e aí por diante, numa corrente
cujos elos enfraqueciam-se cada vez mais. De repente, o elo mais importante
havia cedido, o novo diretor do banco recusara-se a fornecer mais crédito. O
dinheiro que tinham em caixa dava apenas para pagar as moças da oficina, e
depois disso… seria o que Deus quisesse. A palavra falência pesava sobre
eles como uma sombria ameaça.
A menos… a menos que uma boa fada madrinha se dispusesse a
salvá-los. E essa fada tinha um nome e um currículo que para Karen não
parecia invejável: Sean Marston. Era realmente lamentável que não pudessem
prosseguir seu trabalho, havia tanta coisa boa a ser explorada naquela fábrica,
e Ben… Ben era genial! Todos reconheciam isso.
A semana passada mesmo ele terminara uma nova invenção, um
componente elétrico, cuja concepção era absolutamente inédita e arrojada.
Ah! Como não tivera essa idéia antes! Remexeu o arquivo dele e
sorriu ao encontrar a pasta. Com cuidado, colocou-a estrategicamente em
cima da mesa; podia estar nesse projeto revolucionário a salvação da firma.
Só era preciso um pouco de sorte para os olhos do visitante pousassem sobre
ela. Cruzou os dedos, confiante; Sean Marston sem dúvida ficaria encantado
ao ver aquilo. Quando deu por si, Lucy estava a seu lado, gesticulando muito,
esbaforida.
— Srta. Lane, ele acabou de chegar, está aí fora.
Karen olhou horrorizada para o relógio. Faltavam três minutos para
as dez. Mas ele só devia estar ali às onze, tinha certeza, haviam combinado
tudo nos mínimos detalhes. Seu oração desandou a bater descompassada-
mente, mas sua personalidade forte e decidida falou mais alto. Como Ben não
estaria de volta antes das dez e pouco, tinha que agir em seu lugar. Praguejou
baixinho contra a insolência daquele milionário, que sabia-se dono da
situação e agia como tal. Mas no momento tudo o que tinha a fazer era
representar o chefe da melhor maneira possível. Com certeza podia fazer isso.
Respirou fundo.
— Faça o sr. Marston entrar, Lucy.
Ouviu-a perfeitamente dizer em tom solene, bem diverso do
habitual:
— Por favor, sr. Marston.
Sorriu ante o esforço da secretária; agora era a sua vez. Levantou-se,
dando a volta na escrivaninha. Sc tivesse noção da sua imagem naquele
momento, sentir-se-ia bem mais encorajada. Era uma garota linda: alta,
esguia, de cabelos brilhantes. A blusa branca imaculada e a saia vermelha,
pregueada, completavam o conjunto.
Nunca, em toda sua vida, esqueceria o efeito extraordinário que
aquele homem exercera sobre ela desde o primeiro momento. Assim que ele
pôs os pés no escritório, tudo subitamente tornou-se pequeno, pobre e
miserável. Olhou-o, incrédula. À sua volta tudo perdeu o foco e diante de si
só podia ver aquele homem alto, extremamente arrogante. Os olhos dele
atraíam os dela como um ímã; tinham uma espécie de brilho, um carisma fora
do normal, algo selvagem. Uma emoção absurda tomou conta de todo o seu
ser. Transcorreram-se alguns segundos, que pareceram uma eternidade.
Então sobreveio o medo. Sentia que estava em perigo. Ele se aproximou tanto
que teve que se virar de perfil.
Nesse instante o senso profissional sobrepôs-se aquelas
inexplicáveis sensações. Dominando-se por completo, encarou-o com a mão
estendida. Sua voz soou em tom grave, encobrindo toda e qualquer emoção.
Ele reteve a mão dela por um instante. Foi um aperto de mão seco e
breve. Deu dois passos e foi até a escrivaninha.
— Obrigado, não vou aceitar o café. E também não vou esperar pelo
sr. Clark. Tenho pouco tempo disponível.
Seu olhar pousou nos desenhos de Ben. Karen esboçou um sorriso,
estava dando certo.
— O que é isso?
Karen fitou-o, surpresa pelo modo brusco, quase rude de ele falar.
Abriu a boca para revidar à altura quando lembrou-se de que estava tudo em
jogo naquele momento. Qualquer passo em falso seria o fim. Reprimiu-se.
— Sinto não poder dar-lhe informações técnicas. Trata-se… de um
transformador, creio.
Ele não retribuiu o sorriso e continuou no mesmo tom ríspido:
— Isso estou vendo. Já está em produção?
“Que homem insuportável! Como vou conseguir continuar sendo
amável?”, controlou-se ao máximo para responder.
— Oh, não, não ainda. No momento, estamos ocupados com outros
pedidos.
Percebeu que sua voz falseava. Os olhos de Marston estreitaram-se,
fixando-a com mais atenção.
— O sr. Clark pode esclarecer todas as suas dúvidas, ele não vai
demorar.
— Talvez.
— Não quer sentar-se, sr. Marston? Se quiser olhar os livros de
contabilidade, tenho todo o material à disposição.
Ele sentou-se diante dela, e começou a folhear rapidamente os
livros. Suas mãos eram longas e bem tratadas. Estava impecavelmente
vestido, mas o que mais se destacava nele era a sensualidade, a virilidade
gritante. Mexeu-se, inquieta. Nunca sentira isso em relação a um homem.
Afastou-se em direção à janela, sentindo-se vulnerável. “Ben, por
que tanta demora?”, pensou.
A voz dele trouxe-a de volta à realidade, agora queria o balanço da
firma. “Agora é que as coisas vão ficar pretas”, pensou enquanto dirigia-se,
resoluta, ao fichário. Seus gestos decididos divergiam de todo seu conflito
interior. Não hesitou em nenhum momento, embora achasse que depois de
ver aquilo ele levantaria para ir embora para sempre.
Mas ele continuou sentado. Curvou-se para examinar os papeis,
enquanto ela, fascinada, observava um floco de neve que desmanchava-se em
seu cabelo. Era um cabelo espesso, rebelde, que não se adaptava facilmente
ao pente. “Onde estou com a cabeça, estarei enlouquecendo? Deve ser uma
espécie de fuga”, refletiu. Sem querer estava novamente analisando cada
ângulo da face máscula debruçada sobre a mesa: a pele bronzeada, a fronte
ampla, sulcada por algumas rugas que lhe davam uma aparência mais
autoritária.
Então, bruscamente, e para maior confusão de Karen, ele ergueu o
olhar e fitou-a. Ela estremeceu e vacilou ligeiramente, como se tivesse
recebido um golpe. Mas a voz, quando a interpelou, era calma.
— Estes livros estão péssimos. A senhorita tem alguma explicação?
Ela engoliu em seco.
— Não entendi, o senhor quer que justifique? Percebeu um brilho
divertido nos olhos dele. “Não, sr. Marston, o senhor não vai brincar comigo,
esteja certo disso”, pensou irritada.
— Eu acho que esses livros são bastante claros para um homem
como o senhor.
Ele permaneceu impassível, seu único movimento foi recostar-se
melhor na cadeira. Tinha o mesmo olhar de desdém.
— O banco não lhes dá mais crédito?
— N… não, não mais.
— Hum… bom, provavelmente sabem o que estão fazendo. —
Dizendo isso, levantou-se dando o assunto por encerrado.
Karen ergueu-se rapidamente, desesperada, e colocou-se entre Sean
Marston e a porta.
— Sr. Marston, espere, por favor. Não tome nenhuma decisão sem
falar com Ben, isto é, com o sr. Clark.
Estava jogando sua última cartada, falava num ímpeto, sem pausas.
No momento não se importava nem com o papel que estava fazendo — para
ele devia estar ridícula mas precisava fazer alguma coisa. Sentia as faces
ardendo, os olhos inflamados.
— É um excelente negócio, sr. Marston. Os clientes são muito bons,
a equipe é ótima.
Fez uma pausa, ofegando, olhando com ansiedade o rosto
impassível do adversário.
— O senhor não gostaria de ir até a oficina para dar uma olhada?
Novamente ele olhou-a, divertido.
— A senhorita daria uma advogada brilhante, srta. Lane. — Deu de
ombros, displicente. — Vamos até lá.
Ao abrir a porta da oficina, Karen deu um suspiro de alívio ao
deparar com Charlie Benson, o chefe das operárias. Chamou-o para
apresentá-lo.
— Sr. Marston, este é o sr. Benson, nosso chefe de seção. Charlie, por
favor, mostre ao sr. Marston tudo o que acontece aqui.
— Pois não, srta. Lane.
Charlie piscou para ela, um de seus maiores dons era a
extraordinária perspicácia. Raramente se enganava ao julgar as pessoas. Foi
falando, sem demora:
— Por aqui, senhor.
Os dois afastaram-se, conversando animadamente. Iam de mesa em
mesa, e Marston parecia interessar-se pelo trabalho das moças. “Bom, pelo
menos ele não foi embora, e está vendo alguma coisa”, pensou Karen. E aí, na
oficina, não vai achar nada de errado, como nos livros. Voltou ao escritório,
esperando encontrar Ben de volta, mas nem sombra dele.
— Então é isso, srta. Lane.
A voz de Marston, incisiva e profunda, pegou-a desprevenida.
Voltou-se, sobressaltada.
— O senhor não quer esperar mais um pouco? O sr. Clark já deve
estar chegando.
— Para dizer a verdade, já vi tudo o que pudesse me interessar. —
Deu outra olhada nos desenhos de Ben, estudou-os outra vez em silêncio,
tornou a colocá-los no lugar e dirigiu-se para a porta. — Agradeço sua ajuda,
srta. Lane. Foi um prazer conhecê-la.
Karen sentiu um nó na garganta, num misto de impotência e
derrota… Não havia mais nada a fazer, só esperar. E rezar.
— O que… o que o senhor achou da fábrica, sr. Marston?
Ele parou. Olhou lentamente em volta de si, para o escritório
simples e modesto, para a escrivaninha empilhada de livros de contabilidade.
Deu de ombros.
— Tudo isso é patético, miserável.
Sua vontade era avançar sobre ele e esbofeteá-lo. Mas claro que não
o fez. Imóvel, continuou a olhá-lo, odiava-o. Nunca, em sua vida, havia
sentido um desprezo tão violento por alguém.
— Como é a sua estenografia?
— Excelente.
— Foi o que pensei.
Olhou-a atentamente e continuou, medindo bem as palavras:
— O que uma moça inteligente como você está fazendo num lugar
desses? Se quiser trabalhar em Londres, entre em contato comigo. Posso
empregá-la em uma das minhas companhias.
Sujeito cínico! Tudo o que queria naquele momento era vê-lo pelas
costas. Respondeu com todo o desdém que sentia:
— Muito obrigada, sr. Marston.— É claro que não levarei sua
proposta em consideração.
— Não? Pois é uma pena. — E pela primeira vez ele sorriu, um
sorriso fascinante. Um arrepio percorreu-a dos pés à cabeça.
— Saudações ao sr. Clark.
E saiu, deixando atrás de si um perfume discreto e agradável. Em
seguida, ela ouviu o barulho do motor do Rolls Royce afastando-se.
Sentiu-se como que saindo de um redemoinho, de um labirinto sem
fim; não havia uma luz no fim do túnel.
Quando Lucy apareceu. Karen piscou estupidamente. Sentia-se num
pesadelo.
— Srta. Lane! Que homem sensacional!
— O quê? Que disse?
— Que nunca vi um homem tão sensacional em toda a minha vida.
Mas vou trazer-lhe um café. Acho que está precisando.
E estava mesmo. O café ajudou, e pouco a pouco ela recobrou-se.
Ben apareceu logo depois.
— Pensei que estava atrasado, mas vejo que temos tempo de sobra
— disse, olhando para o relógio.
Havia comprado uma camisa branca e uma gravata listada de
branco e azul-marinho. E aproveitou para cortar o cabelo.
— Que tal? Não estou o próprio homem de negócios?
“Oh, Deus, como dizer a ele?”, pensou. Estava tentando ser corajoso,
representando para animá-la.
— Ben… Oh, Ben…
Sentiu as lágrimas deslizarem pelas faces e mordeu os lábios. Mas
era tarde demais. Há anos não chorava; agora apenas cobriu o rosto com as
mãos e deixou o pranto fluir livremente.
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
Após umas duas horas, Karen acordou sentindo-se leve e feliz, sem
saber direito a que atribuir isso. Talvez fosse apenas o fato de estar em
Acapulco, sob o efeito que aquele lugar paradisíaco exercia sobre as pessoas.
Abriu a janela do terraço e foi colhida por uma brisa quente e perfumada
vinda do oceano. Sentia-se revigorada com aquele céu de azul intenso, a
brancura estonteante da areia, a limpidez daquele mar. Nem a melhor
campanha publicitária poderia descrever com exatidão tanta beleza. Era algo
mágico, principalmente para uma pessoa acostumada ao fog e ao cinza
predominante em Londres. Aquela explosão de cores era fascinante, mexia
com a química do corpo despertando sensações abrasadoras. Observando as
pessoas que passavam em trajes sumários, desconhecidas, entre as palmeiras,
certificou-se de que suas suposições estavam corretas; toda a sensualidade
que sentia latejar à flor da pele era proveniente daquele lugar.
A piscina do hotel era toda de mármore, construída em dois planos
unidos por uma cascata artificial. Espalhadas estrategicamente, cadeiras de
praia recobertas com almofadas de lona listrada azul e turqueza eram
simplesmente irresistível. Para completar o ambiente, pequenos e
acolhedores quiosques cobertos de sapé. Um deles funcionava como bar,
tendo como adorno as mais diversas, perfumadas e coloridas frutas tropicais.
“Pareço uma velha aqui parada enquanto tudo acontece lá
embaixo”, pensou. Correu então para o armário para pegar um biquíni.
Enquanto arrumava as alças, olhou-se no espelho. Era imperdoável, mas
estava esquecendo por completo o motivo real de sua vinda a Acapulco.
Mordeu os lábios, recriminando-se. Imediatamente sentou na cama pegando
o telefone. Não precisou esperar para que a ligação fosse completada.
Concentrando-se no seu espanhol elementar, perguntou à enfermeira sobre o
estado de Ben.
— El senor Clark? Si, si, está se recuperando bem.
— Por favor, diga-lhe que Karen ligou, e que hoje mesmo segue uma
carta contando tudo o que está acontecendo.
De fato, escrevera uma longa carta que relera várias vezes porque
não contava “tudo” o que havia se passado desde a sua chegada. Não queria
que Ben sequer desconfiasse, por isso cuidou de todos os detalhes para que
nada escapasse à sua censura. Talvez por um sentimento de culpa oculto, deu
ênfase exagerado à reunião daquela manhã, tomando o cuidado de omitir
que a Clark's era apenas uma das várias firmas que Sean pretendia incorporar
ao seu grupo. Ben precisava recuperar-se o quanto antes e não queria que
nada o perturbasse. Porém não deixou de mencionar que os diretores
pareciam bem interessados na companhia, fazendo muitas perguntas.
“Acho que até agora consegui estar à altura da situação. Hoje à noite
vou jantar com um casal de amigos e amanhã temos mais reunião. Sábado
estará tudo encerrado. Pretendo ir imediatamente para a Cidade do México.
Espero poder levar-lhe ótimas notícias. Agora vou até a piscina, mas gostaria
muito que você estivesse aqui comigo. Foi chato as coisas terem dado errado
para você desde que chegamos. Acabei de falar com o hospital, e disseram-
me que está quase curado. Bom, vou parando por aqui, não quero cansá-lo.
Cuide-se bem. Karen.”
P.S. Sean Marston é realmente o “Chefão”, e o pior é que sabe disso.
Mas tem sido…
Onde estava com a cabeça? Enlouquecera? Parou, atônita,
mordendo a tampa da caneta. Tem sido… o quê? O que podia dizer de Sean?
Que exercia uma marcação cerrada sobre ela a fim de seduzi-la, para depois
largá-la como algo que não se usa mais? Como podia ser tão ingênua, tão
idiota a ponto de pensar nele vinte e quatro horas por dia? Parecia que toda a
sua vida não tinha mais sentido sem a presença dele. Onde estava seu
dinamismo, seu senso prático? Tinha deitado as coisas irem longe demais e
sentia-se culpada. Então escreveu:
“Ele tem sido muito amável, e me ajudou nas reuniões apresen-
tando-me a todos.”
Fechou a carta, pensativa, sentindo-se a última das mulheres.
Odiava mentir. Abominava a própria conduta. E tudo por causa dele…
Desceu para a piscina. Precisava relaxar.
O hall estava repleto mas nem parou para observar nada, dirigindo-
se à piscina e deixando-se envolver pela água fria e cristalina. Nadou
bastante, era seu esporte favorito desde pequena. A natação para ela era algo
transcendente, ainda mais num lugar como aquele. Sentia-se como que
envolta em uma nuvem, levitando, sem aborrecimentos, preocupações e
exigências. O sol ardia numa profusão de cores; de olhos fechados, o mundo
parecia cor-de-rosa, numa paz sem fim.
— Karen!
Ao ouvir a voz de homem seu coração bateu descompassado. Seria
Sean? Rapidamente mergulhou e, quando veio à tona, mal disfarçou a
decepção ao ver Max Friend todo sorridente.
— Oi, Max.
— Karen… mas você está linda!
Tirou os óculos, olhando-a descaradamente.
— De onde você tirou esse bronzeado maravilhoso?
— Ora, de vez em quando tomo banho de ultra-violeta no clube.
— Ultra-violeta? Por acaso esse clube onde toma banhos de ultra-
violeta é misto? Adoraria ir com você.
“Sujeito inconveniente!”. Detestava essa espécie de cantada barata e
não escondeu o aborrecimento.
Encarou-o com seriedade. Não gostava desses tipos de liberdades e
recriminou-se por ter saído tão precipitada da piscina, pensando que fosse
Sean.
Indiferente, ele puxou duas cadeiras. “Cara de pau”, ela pensou.
— Relaxe, vou buscar algo para bebermos.
Voltou na mesma hora com uma bebida de cor verde-clara.
— Sua bebida preferida. Vê como me lembro? Agradeceu, polida, e
recostou-se na cadeira, concentrando-se na sensação maravilhosa que os raios
de sol provocavam. Saboreou o suco de lima, olhando a piscina ao redor.
— Procurando pelo Chefão? Estava aqui agora mesmo, com Liz.
Com certeza relembrando os velhos tempos.
— Não entendi — falou sem pensar, recriminando-se de imediato
por reagir às maledicências gratuitas dele.
— Vai dizer que não sabe? Sean e Liz tinham um caso há muito
tempo. Quando o negócio ficou mais sério, sem mais nem menos ela casou
com Harry Walker.
Sorriu, cínico.
— Sean não é o tipo que gosta de compromisso, então Liz foi mais
prática casando-se com Harry. É a primeira vez que se encontram depois do
rompimento, e acho que ela não gostou nada de encontrar você.
— Não estou interessada em Liz Walker e, francamente, detesto
fofoca. E tem mais: não estou junto com Sean, temos um relacionamento
estritamente profissional.
Falou tudo de uma só vez, tamanha era a revolta com o
procedimento dele.
— Eh… vamos com calma, tudo bem. Não está mais aqui quem
falou. Não foi por mal. De mais a mais ele seria um imbecil se olhasse para
Liz Walker com você por perto. É lógico que ela devia estar esperando outra
coisa, mas tenho certeza de que tudo deve ter acabado entre os dois… Ou
não?
Fez-se um pesado silêncio, ele pareceu entreter-se com alguma outra
coisa. Ela seguiu seu olhar e percebeu o objeto de sua atenção.
Sean e Liz andavam lentamente, completamente entretidos um com
o outro. Formavam um casal muito bonito. Sean alto, bronzeado e musculoso,
e Liz usando um sumário biquíni, deixando à mostra um corpo escultural,
esbanjando charme. Apoiava-se no braço dele, inclinando-se de modo
sedutor. Indiscutivelmente, pertencia à mesma estirpe que ele, a dos
vencedores, daqueles seres que possuem fascínio, que irradiam magnetismo
pessoal. Sentiu-se pequena, diminuída, insignificante, a última das pessoas. A
contragosto teve que admitir que estava com ciúmes. Ciúmes infundados,
porque não tinha nada a ver com a vida de Sean Marston. A única coisa que
havia entre eles era uma forte atração física. Só.
Não fazia parte do mesmo meio que eles, não freqüentava altas
rodas, nem estava acostumada a relacionamentos superficiais, jogos de
interesses, era extremamente leal e idealista e lutara a vida toda para não
corromper-se. Ao contrário daquela mulher que tinha à frente.
Provavelmente na roda deles era normal ela estar casada com outro homem e
relacionar-se com Sean.
Censurou-se diante da amargura reprimida naquele pensamento.
Não queria julgar ninguém; afinal não tinha nada com isso.
Sean desvencilhou-se de Liz, dirigindo-se a Karen.
— Estava nadando? Bem que queria estar no seu lugar, mas tenho
muito trabalho. Max, estava à sua procura. Robert quer falar com você sobre
aquele negócio na Alemanha que está para ser fechado. Vamos subir?
Max levantou-se a contragosto.
— Certo, chefe.
Lançando um olhar significativo para Karen, concluiu:
— É incrível como esse sujeito aparece na hora mais imprópria, mas
nosso dia vai chegar.
Karen sentiu vontade de esbofeteá-lo. A muito custo conseguiu
conter-se. Sean virou as costas caminhando para a entrada do hotel, enquanto
Liz deixava-se cair languidamente na cadeira a seu lado. Só faltava essa!
Além de agüentar aquele sujeito insuportável, agora vinha Liz Walker!
Recostou-se na cadeira e fechou os olhos, a última coisa que queria era uma
conversa com aquela mulher.
— Como está o seu amigo? Sean disse que não passou muito bem.
Aquele terreno parecia seguro; para não ser ríspida, topou a
conversa.
— Está melhor, obrigada.
— Que bom! — Pôs a mão em sua bolsa de praia e tirou uns
enormes óculos escuros. — Você deve estar aliviada.
— Bastante.
Karen sentiu um olhar inquiridor sobre si, causando uma sensação
desconfortável. Estava na mira de duas lentes espelhadas, mas a sensação que
tinha era a de serem dois holofotes.
— Foi uma pena ele não participar das reuniões… — O tom de voz
estudado dava sentido totalmente oposto às palavra. Não estava gostando
nada daquilo, e não queria levar aquele combate verbal adiante, por isso ficou
em silêncio. Mas a outra voltou à carga.
— Imagino que deve ter ficado muito chateada. Ignorando a malícia
implícita nas palavras, mas sentindo o sangue ferver, ainda respondeu:
— Ben Clark é que foi mais atingido.
— Ah! Entendo. De qualquer jeito, você teve muita sorte, caindo nas
graças de Sean esses dias, já que seu amigo não está aqui.
Karen olhou em torno, procurando alguém para conversar, mas não
viu ninguém.
— Sean tem sido muito amável.
— Amável! — sorriu, irônica. — Sean possui muitas qualidades,
mas eu não diria que amabilidade seja uma delas. Amabilidade pressupõe a
existência de um coração, e não acredito que Sean Marston tenha um.
Karen levantou-se da cadeira de praia. Deitada, sentia-se como um
alvo para essa mulher que estava ficando cada vez mais ferina. Ela emitia
veneno por todos os poros.
— Para dizer a verdade, não estou interessada no coração do sr.
Marston. Tenho mais o que pensar, e meu relacionamento com Sean Marston
é apenas profissional.
— É mesmo? Pois, para o seu próprio bem, faço votos que continue
assim.
— Obrigada, sra. Walker. É sempre útil receber conselhos de uma
mulher com a sua experiência. Espero que no futuro faça melhor proveito
dela.
Num gesto decidido virou-lhe as costas e mergulhou outra vez na
piscina. A água fria envolveu-lhe o corpo e, depois daquele combate cheio de
subterfúgios, Karen sentiu-se purificada.
Depois foi até o vestiário retirar suas roupas, e subiu correndo para
o hotel. Ao entrar no elevador, deu de cara com Annie Goodball.
— Alô, Karen? Estava nadando? Como está bronzeada! Ah, antes
que me esqueça, estou muito contente por ter aceitado meu convite para esta
noite. Sean disse que irão juntos. É uma moça de sorte.
— Acha mesmo, Annie? — Para cortar o assunto, continuou
andando enquanto acenava em despedida.
Ao chegar em seu quarto, arrancou o biquíni e correu para tomar
uma ducha. Deixou a água forte escorrer por todo o corpo levando junto com
ela todas as tensões acumuladas. Ficou um bom tempo relaxando. Estendeu a
mão e alcançou a toalha macia, enrolando-a em volta do corpo. Sem querer,
pensou nas insinuações maldosas de Liz Walker. Não levava a nada pensar
nisso, mas era muito sensível, ainda mais quando agredida tão frontalmente.
Precisava aprender a conviver com esse tipo de situação, mas jamais
conseguiria, nem teria êxito no mundo dos negócios.
Sentou-se e começou a escovar o cabelo. Lembrou-se dos momentos
que havia passado com Sean, no início da tarde, dos cuidados que tivera com
ela. Nada mudara desde então, mas agora estava se sentindo ligeiramente
deprimida. Ele bem que podia comunicar-lhe logo o que havia decidido sobre
a Clark's! De repente desejou estar com Ben, trabalhando juntos de novo, sem
o fantasma dos problemas financeiros. Deu um suspiro, levantando-se
bruscamente. Com o movimento, a toalha escorregou e caiu ao chão. Naquele
momento exato bateram à porta; mal articulou a primeira palavra para pedir
que esperassem um pouco mais e viu Sean parado, encostado no batente,
devorando-a com os olhos.
Num movimento rápido e ágil agarrou a toalha, protegendo-se
como pôde. Graças a Deus nessa hora o sangue-frio não lhe faltou e falou
imponente:
— O mínimo que você podia fazer, antes de invadir o meu quarto
desse jeito, era bater na porta e esperar.
Seguro de si, Sean tranqüilamente atravessou o quarto, pegou a
escova do chão, colocando-a em cima da mesa.
— Ah, pense só no espetáculo que teria perdido se tivesse dado uma
de cavalheiro.
Karen odiou aquela imponência, aquela frieza estudada.
— Procurei você na piscina mas, como não estava lá, resolvi vir
aqui.
— Vá embora. Saia do meu quarto.
Ele continuou impassível, e, o que é pior, foi até o terraço. Não
adiantava negar, era um homem extremamente sensual, de uma virilidade
perturbadora. Vestia somente um short, deixando à mostra os músculos
bronzeados. Havia uma espécie de eletricidade no ar.
Karen sentiu-se impelida a acariciá-lo, a deixar seus dedos
deslizarem exploradores por aquela pele sadia e forte. Ele parecia entender
seus mais íntimos pensamentos, observando-a com olhar divertido.
— Não precisa ficar tão perturbada. Só vim aqui convidá-la para
uma volta de carro. E só colocar qualquer coisa nesse corpo maravilhoso e
podemos ir.
Quando recuperou a razão, estava sentada ao lado dele num carro
esporte, o pior é que estava muito próxima, aconchegada a ele. Podia sentir o
calor da pele dele, seu cheiro perturbava-a imensamente.
Estava perdida, era melhor reconhecer logo. Todas as suas
resoluções, tão convictas, foram por água abaixo.
— Aonde vamos?
Perguntou por perguntar, porque na realidade não se importava,
bastava-lhe estar ali, viver aquele momento ao lado dele, naquela atmosfera
irreal. Deixou-se levar sem opor resistência nem pensar nas conseqüências.
— Não iremos muito longe. Vou levá-la a um lugar maravilhoso,
longe de todos.
Tudo aconteceu em um clima de encanto. A praia de Puerto
Marques era a menor e mais isolada de Acapulco. O mar parecia um lago, e
uma brisa suave pairava na atmosfera balançando preguiçosamente as folhas
das palmeiras.
Karen colocara um sarongue sobre o biquíni e tirou-o para entrar no
mar com Sean. De mãos dadas, correram até a beira da água; foi maravilhoso
ir ao encontro das ondas sem ranger os dentes, como na Inglaterra, porque a
temperatura era deliciosa, envolvente como seda. Como nadava bem,
acompanhou-o com facilidade e logo distanciaram-se da praia.
Quando pararam para tomar fôlego, ele aproximou-se segurando-a
pela cintura. A água, num vaivém contínuo, acabava por uni-los, impelindo
um contra o outro suavemente.
A vida realmente é feita de pequenos detalhes. Karen nunca havia
sentido tanta paz, tanta leveza como nesse momento único. Uma sensação de
amplitude, algo muito profundo tomou conta de seu ser.
Como se fossem um só, em total sincronia voltaram para a praia,
deixando-se cair na areia quente, completamente imóveis. Durante um tempo
que ela não conseguiria precisar, permaneceram assim.
Ao abrir os olhos ela sentiu o olhar, podia até dizer apaixonado,
dele. Devia estar observando-a há muito tempo. Um calor abrasador
envolveu-a por completo, sentia o corpo todo latejar. Como que hipnotizada
esperou o momento em que suas bocas se uniriam. Sean aproximou-se
devagar, saboreando cada momento. A princípio, tocou seus lábios
delicadamente, como um explorador, um bandeirante cuidadoso. À medida
que ia conhecendo melhor, tornava-se mais exigente, buscava algo e sabia
bem o quê. Seria só por causa da experiência dele aquele efeito devastador
que sentia? Tinha a cabeça literalmente nas nuvens, e ele tinha apenas
começado… Gemeu baixinho quando as mãos másculas desceram do rosto,
pelo pescoço até chegarem aos seios, enquanto ele continuava beijando-a no
pescoço, nos lábios, nos olhos.
Quando a boca experiente começou a ficar mais afoita, devorando
seu seio nu, sentiu-se desfalecer. Os mamilos enrijeceram-se, e ela sentiu que
já não podia controlar-se, entraram um caminho sem volta. Puxou a cabeça
dele para que continuasse, mas arrependeu-se imediatamente, esquivando-se
à custa de todas as suas forças. Ele queria apenas divertir-se numa aventura
sem conseqüências, ao passo que para ela aquilo significava mais do que
esperava por toda vida.
Sean apoiou-se no tronco de uma palmeira e ficou postado,
observando-a. Para quebrar o silêncio, convidou-a para comer frutos do mar.
Ela aceitou de imediato, tentando disfarçar uma inexplicável timidez que a
abatia. Pediu mexilhões e uma batida simplesmente divina, curtida dentro de
um abacaxi. Aos poucos conseguiu descontrair-se.
— Sabe, agora você não parece nada com uma executiva. Acho que
Acapulco está lhe fazendo bem.
— Ou mal. Agora, por exemplo, gostaria de saber o que decidiu
sobre a Clark's.
Precisava manter distância dele.
— Está muito preocupada com esse assunto, Karen.
— Você sabe que sim. Já lhe disse isso muitas vezes.
— É verdade. Sei de sua lealdade para com Ben. Mas já imaginou o
que aconteceria se eu incorporasse a Clark's ao meu grupo?
— Eu… eu suponho que… bem, tudo continuaria como antes, só
que com mais capital e possibilidades de expansão.
Ele sacudiu a cabeça.
— Oh, não, não seria assim tão simples. A administração da fábrica
seria transferida para meu escritório de Londres, e isso a deixaria
desempregada. O que acha disso?
Karen estava surpresa.
— Não… você não poderia, não faria uma coisa dessas.
— Oh, sim. Eu faria. Não reparou como costumo fazer tudo em meu
próprio interesse?
— Ben não poderia ficar sem mim.
— Não mesmo? Pois olhe, se Ben tivesse que escolher entre você e a
companhia, não teria dúvidas. Mas tudo isso é hipotético, nem resolvi nada
ainda. Só amanhã terei uma resposta, espero uma pessoa que vai me
esclarecer alguns pontos.
Karen olhou para o mar, calmo, majestoso, salpicado de velas
coloridas, e observou, pensativa:
— Gostaria de saber o que torna os homens tão frios quando o
sucesso está em jogo. Vocês todos parecem considerar o sucesso como
primordial, põem-no na frente de qualquer coisa.
Arrependeu-se de sua franqueza. Não era provável que Sean
Marston se abrisse e analisasse com ela suas motivações.
Mas enganou-se.
— Não posso falar pelos outros, mas sei muito bem por que desejei
ter sucesso. — Olhou para ela fixamente, e prosseguiu: — Perdi meus pais
quando tinha três anos. Como não havia nenhum parente que pudesse me
acolher, fui direto para um orfanato. Era um lugar decente mas, se você não
possui uma família e cresce no que é chamado uma comunidade, aprende a
sobreviver. Ou acaba por desenvolver um espírito combativo e oportunista,
ou então se torna uma pessoa desprovida de vontade e acostuma-se a
obedecer. Penso que não foi bem esse o meu caso. Devo ter sido uma criança
terrível.
Olhou para o mar e continuou a falar, como que consigo mesmo.
— Quando completei onze anos, fui adotado por um casal de meia-
idade, a quem chamo até hoje de tio John e tia Brenda. Eles deram-me algo
com que nunca havia sonhado: um lar e amor. Fizeram tudo por mim e,
apesar de não serem ricos, mandaram-me para a melhor universidade.
Quando saí, tio John deu-me umas ações de uma pequena firma de
eletrodomésticos. Comecei com muito pouco, mas sentia-me possuído por
uma vontade incrível de chegar lá em cima. Talvez em parte para retribuir a
meus tios o que haviam feito por mim. Depois disso, trabalhei duramente,
mas favorecido por um instinto que me levava a fazer as coisas certas, no
momento exato.
Ele deu de ombros.
— Era isso o que você queria saber?
— E seus tios? Devem ter muito orgulho de você.
— Talvez sim. Mas o engraçado é que não aceitam nada do que
quero lhes proporcionar. Tentei persuadi-los a se mudarem para uma casa
melhor, mas não querem sair de onde estão, uma casinha em Cheltenham. —
Ele riu. — Ah, o ano passado convenci-os a fazerem um cruzeiro pelas ilhas
gregas, por sinal adoraram.
— Devem ser pessoas maravilhosas.
— São.
Ficou silencioso, lembrando-se de coisas que o faziam sorrir. Em
seguida levantou-se e estendeu a mão para Karen.
— Olhe, existe ainda algo que desejo mostrar-lhe, e que não consta
nos guias turísticos. É um lugar diferente, tenho certeza que vai adorar.
Com naturalidade, Karen pôs sua mão na dele, parecia que seu
lugar sempre fora ali, sabia que iria com Sean até o fim do mundo.
O que aconteceu depois foi puro encanto.
— Vamos a Revolcadero. Poderíamos ir de carro, mas vou levá-la de
barco, por um rio que atravessa a floresta virgem.
Em contraste com a claridade luminosa da praia, a floresta e o rio
pareciam misteriosos e sobrenaturais. O barco pertencia a um pescador do
lugar, e navegava no meio de uma folhagem densa, espessa e brilhante.
Cercava-os um clima onde abundava a vida animal. Papagaios coloridos
pairavam nos ramos das árvores, macaquinhos pulavam de um galho paia
outro.
De repente, Karen estremeceu e agarrou-se a Sean.
— O que é aquilo?
Um animal cheio de escamas, de cor verde, uma imensa papada e
com uma crista nas costas, olhava-os com cara de poucos amigos, meio
escondido pelas folhas.
— Estamos com sorte, é uma iguana. — E gritou para que o
barqueiro fosse mais devagar. Nisso, o bicho deu um impulso com sua
imensa cauda e desapareceu no solo, enfiando-se na terra.
— Por essa não esperava! Que animal horrível!
— São inofensivos e têm pavor dos seres humanos.
Karen fez um movimento para afastar-se, mas Sean não deixou,
mantendo-a bem junto dele. Imediatamente sentiu a mesma leveza e agitação
que tomavam conta dela toda vez que se tocavam. Abandonou-se. Seus
braços a apertaram ainda mais, mas a viagem já estava chegando ao fim.
Quando pularam para fora do barco, Sean ajudou-a a descer em
uma espécie de pontão muito primitivo.
Karen sorriu com meiguice.
— Muito obrigada, Sean, por ter me trazido aqui.
— Existem mais coisas a serem vistas. — E apontou para uma praia
simplesmente maravilhosa.
Imensas ondas vinham estourar na areia, espalhando espuma por
todo lado. Eles andaram pela beira da água, correndo como crianças quando
a água ameaçava molhá-los. Parecia natural que ficassem entrelaçados, como
namorados.
Karen jogou a cabeça para trás, rindo de felicidade. Olhou para
Sean, que estava com o cabelo preto todo desmanchado, o rosto molhado, e
estremeceu. “Oh, Deus”, pensou, “será possível que estou me apaixonando
por esse homem? Não, não pode ser, conheço-o há apenas dois dias”.
Foi como se ele tivesse adivinhado seus pensamentos, pois inclinou-
se e beijou-a ligeiramente.
Quando regressaram ao barco, ela teve a sensação estranha de que
estava voltando para a selva da civilização. Que a verdadeira selva era lá, em
Acapulco.
Ao chegarem no hotel, já era noite. Tomaram um drinque no bar,
com as pessoas do grupo, e depois Karen subiu para se trocar. Quando ia
saindo, ele chamou-a:
— Tem uma hora exata para se vestir.
— Tudo bem. — Sentia-se estranhamente excitada, tal qual uma
adolescente que ia ao encontro de seu primeiro namorado.
A proximidade dele, no quarto ao lado, provocava-lhe um desejo
irresistível de ir até ele e jogar-se em seus braços. Começou a andar pelo
quarto, respirando profundamente num esforço para se controlar. Foi um
alívio quando chegou a hora de vestir-se e maquilar-se.
Escolheu um vestido de seda, cor de marfim. O tecido aderente
deslizou pelos quadris, modelando o corpo jovem e perfeito. Os dias
passados em Acapulco haviam escurecido sua pele, e o vestido… bem, se não
era escandaloso, pelo menos deixava muito a ver, tanto pelo decote da frente
como pelo das costas.
Maquilou-se com extremo cuidado, observando cada detalhe.
Perdeu mais tempo nos olhos, que pareciam misteriosos e
profundos. Prendeu o cabelo longo e sedoso de um lado com uma flor nativa
e deixou o resto solto. Sorriu satisfeita ao olhar o resultado no espelho,
admitindo com franqueza que tinha o intuito de agradar Sean.
Às oito horas em ponto, ele bateu na porta, e desta vez esperou que
Karen o mandasse entrar.
— Aprendo rápido — disse, sorrindo, e olhando-a com admiração.
— Você está… linda!
— Muito obrigada. Você também.
Ele vestia jeans preto e camisa esporte branca, com as mangas
arregaçadas e aberta na frente. A sensualidade que dele emanava era algo
selvagem, agressivo. Parecia um felino, decidido, leve, extremamente
perigoso.
Aproximando-se lentamente tomou-a com cuidado pela cintura
como se fosse a coisa mais preciosa do mundo e beijou-a de leve. Então deu
um passo para trás.
— Vamos?
Meio atordoada, Karen pegou a bolsa e uma echarpe.
Tranqüilamente, Sean colocou as mãos em seus ombros nus, provocando-lhe
arrepios. Definitivamente a noite prometia muitos perigos, seria uma
verdadeira provocação a seu sangue frio e autocontrole, mas esperava
escapar ilesa. De mais a mais não estariam sozinhos, o que ajudaria muito.
Como se lesse seus pensamentos, ele observou que preferia que
estivessem a sós, aí a noite seria muito melhor.
No restaurante, os convidados já estavam sentados numa mesa
estrategicamente distante das outras. Annie veio ao encontro dela,
estendendo as mãos, radiante.
— Oh, que bom, vocês chegaram! Sean, sente-se ao meu lado, sim?
Karen entre Bill e Raymond.
Muito simpático e querendo ser agradável, Raymond bombardeou-a
de perguntas. Com certeza, era o acompanhante da sra. Bradley, a única
executiva que vira nas reuniões.
Annie tinha uma elegância natural, sóbria e discreta, era uma
mulher realizada e indiscutivelmente muito feliz. Seu rosto estava iluminado.
— Karen, você está maravilhosa! Bill… Bill… Ela não está linda?
— Tem razão, está muito bonita.
O jantar consistiu de diversos pratos da mais genuína cozinha
mexicana. Apesar de deliciosos, Karen só experimentou cada um deles; a
conversa com Raymond arrastava-se pesada, e Bill contava piadinhas
insossas que a irritavam. De vez em quando, seu olhar cruzava com o de
Sean, que a observava significativamente.
Estava tão contrariada com aquela situação que recebeu com alívio o
anúncio de que o show dos mergulhadores ia começar. Não que se
interessasse por esse tipo de diversão, pelo contrário, até achava de péssimo
gosto ver alguém arriscando a vida para deleite de alguns, mas precisava
urgentemente de ar.
Todos levantaram-se, dirigindo-se para o palco em busca G um bom
lugar. Sean aproximou-se dela, que se mantinha um pouco afastada;
definitivamente não estava interessada naquilo. Olhou atentamente para as
rochas escarpadas, com estreitas fissuras entre si. Sob o brilho intenso da lua,
tinham uma aparência sinistra, ameaçadora. Sentiu-se mal. Como alguém
podia mergulhar naquele abismo estreito e profundo?
Annie Goodball dirigiu-se a ela:
— Não é emocionante? Ê preciso muita coragem para mergulhar
cento e trinta metros entre essas rochas. Se calculam mal ou pegam a maré
baixa… — abaixou a voz, numa espécie de prazer mórbido — … é morte
instantânea.
Karen ficou gelada. Podia ver que lá em cima, nos penhascos, umas
figuras se moviam. Uma delas parecia segurar uma tocha iluminada. Então,
seu olhar foi descendo… descendo… para a escuridão do abismo, e sentiu
que ia realmente desmaiar.
A voz de Annie ergueu-se, histérica:
— Olhem, ele vai mergulhar segurando uma tocha!
O corpo precipitou-se do penhasco, com os braços estendidos,
caindo na escuridão abaixo. Outro, depois outro. Karen virou-se e escondeu o
rosto contra o peito de Sean, como uma criança amedrontada.
— Eu.. eu não posso olhar mais. Estou me sentindo mal… —
murmurou, tremendo convulsivamente.
Ouviu a voz de Sean, baixa e infinitamente reconfortante.
— Calma, Karen, vamos sair daqui.
Esgotada, atordoada por aquele espetáculo mórbido, deixou-se
levar. Quando deu por si estava no carro. Literalmente caiu no assento, já não
podia mais controlar as lágrimas.
— Desculpe, Sean… Sinto muito…
— Não se preocupe… Não fale — e abraçou-a com carinho,
enxugando suas lágrimas com a palma das mãos. — Já passou.
Aos poucos conseguiu acalmar-se; sentia-se bem melhor agora.
— Fiz um papel ridículo, não é?
Ele fez que não com a cabeça, e sua expressão naquele momento era
tão terna que a surpreendeu.
— Deve ter sido uma vertigem. Pode acontecer a qualquer um,
principalmente se for muito sensível.
— Sensível, eu?
— Talvez não se conheça direito. Talvez você seja uma mulher que
ainda não conseguiu definir-se. Precisa de alguém que a ajude a conhecer-se
melhor.
Enquanto falava, ele acariciava-lhe o rosto.
— Está tudo bem?
— Sim, já passou.
Uma mulher sensível, ele havia dito. Talvez estivesse certo. Acima
de tudo, agora sentia-se confusa, via-se envolvida num redemoinho de
sensações desconhecidas. Nunca havia se sentido tão perturbada.
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
Edição 374
Carol relutava em admitir por que ficava tão perturbada na presença de Condor.
Sentia-se como uma presa diante de um predador implacável sempre que ele a
encarava com seus olhos penetrantes.
Estava apaixonada! Mas jamais poderia permitir que ele soubesse disso. Condor era o
señor de todo o Vale do Ouro, um homem poderoso que a desprezava por considerá-la
uma mulher fria e calculista.
Edição 375
UM IRREPARÁVEL ENGANO
Stacy Absalom
Quando Fred a olhou, sem disfarçar o desejo, Elizabeth teve a sensação de recuar dez
anos no tempo. Viu-se no jardim de Marrifields, correndo feliz para encontrá-lo.
Quantos beijos apaixonados, quantas carícias loucas… Mas então tudo desmoronara
como um castelo de areia e aquela noite havia se transformado num pesadelo.
Não, nunca mais cairia na armadilha, ela pensou, afastando as lembranças. Não
tivera forças para esquecê-lo, mas nem por isso deixaria que mais uma vez Fred
Laurie lhe destruísse a vida!
SUPEROMANCE
AMANTES MASCARADOS
Irma Walker
“Que bandida mais atraente!”, exclamou para si mesmo o tenente de polícia Chris
Coilins, quando viu Tracy.
Ambos queriam agarrar uma dupla de marginais que usavam anúncios classificados
do jornal para conquistar suas vítimas, seduzi-las e roubá-las.
Tracy pôs um anúncio e Chris respondeu. A isca funcionou, os dois pensaram. E
fingiram se apaixonar um pelo outro. Foram dias maravilhosos, noites gloriosas…
Até que o imprevisível aconteceu!