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Luar de Acapulco

Marjorie Lewty

Bianca 373

Copyright: Marjorie Lewty


Título original: Acapulco Moonlight
Publicado originalmente em 1985 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra
Tradução: Helena Lai
Copyright para a língua portuguesa: 1987
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Av. Brigadeiro Faria Lima, 2000 — 3.° andar
CEP 01452 — São Paulo — SP — Brasil
Caixa Postal 2372
Esta obra foi composta na Artestilo Compositora Gráfica Ltda.
e impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.
Foto da capa: Keystone

Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos, de fãs para fãs.
Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida.
Cultura: um bem universal.

Digitalização:
Revisão: Crysty
Karen não conseguia mais resistir à sedução daquele homem
enigmático

Envolvida pelos braços fortes de Sean, Karen sentia-se flutuar ao som da


música lenta e sensual, embriagada pela estonteante masculinidade que
emanava daquele belo corpo bronzeado.
Não podia mais negar a enorme atração que a arrastava para aquele
homem que a princípio tanto desprezara. Fatalmente se entregaria a ele,
mesmo sabendo que seria apenas mais uma de suas conquistas.

2
CAPÍTULO I

Karen Lane bateu com força os pés no chão para tirar a neve das
botas pretas. Brrr! Àquela época do ano, Midlands, na região central da
Inglaterra, era quase inabitável. Com passos largos dirigiu-se à porta lateral
do escritório. Enquanto caminhava, olhava carinhosamente para a fachada do
pequeno edifício construído na área industrial, no subúrbio de Lessington.
Era incrível como havia se apegado àquele lugar. Durante os
últimos cinco anos de sua vida, dedicara-se a um ideal de trabalho, onde
todos convivessem bem, produzindo melhor. Sentia tanto orgulho daquela
modesta fabriqueta de produtos eletrônicos quanto o próprio Ben. A
eletrônica era o negócio do futuro, todo mundo sabia disso. A indústria da
comunicação estava transformando a vida de todos, e era inadmissível que
nesse vasto campo não houvesse lugar para um talento como o de Ben.
“Maldito gerente de banco!”, praguejou consigo mesma.
— Bom dia, Lucy — disse à jovem secretária, tirando o impermeável
para pendurar.
— Bom dia, srta. Lane. Que manhã horrível! E está começando a
nevar outra vez. É hoje o grande dia, não?
Karen assentiu, silenciosa. Uma revolta surda a impedia até de falar.
Não era justo que Ben estivesse na iminência de perder tudo. No fundo, só os
dois compreendiam o real significado de uma falência àquela altura. Nos
últimos cinco anos, aliada à genialidade e criatividade dele, tentara, como
supervisora, implantar naquela microempresa um sistema de trabalho mais
humano, mais compatível com as necessidades individuais de cada
funcionário. Partilhava com Ben as decisões relativas ao andamento da
fábrica e à direção da equipe, a ponto de sentir-se envolvida pessoalmente em
tudo que dissesse respeito à pequena empresa. Ben Clark era uma dessas
pessoas especiais, difíceis de encontrar: honesto, trabalhador, responsável.
Céus!
Tudo o que queriam era trabalhar em paz, sem a ameaça de ir à
falência a cada três meses.
— Afinal, o que existe de tão especial nessa pessoa que vem hoje
aqui, srta. Lane? Vai fazer alguma encomenda importante?
— Mais ou menos — respondeu com olhar vago.
Não havia nenhuma razão para esconder dos funcionários a
situação real da fábrica e a importância da visita do milionário Sean Marston.
Se ele se interessasse pela fábrica todos os seus problemas estariam
resolvidos. Caso contrário… De qualquer forma, até o final do mês Lucy e
todos os demais funcionários não teriam grandes dificuldades para arranjar
outro emprego.
Não gostava nem de pensar nessa possibilidade, mas não podia
fugir disso. Todos os seus sonhos e projetos estavam nas mãos de um único
homem, um ilustre desconhecido. Com gestos nervosos, alisou as pregas da
saia e deu uma olhada no espelho, ajeitando o cabelo escuro e brilhante.
Normalmente ela o trazia solto, caído sobre os ombros, acentuando ainda
mais seu ar jovial. Mas hoje decididamente não queria aparentar uma colegial
ou coisa parecida, por isso prendera-o na altura da nuca com uma fita.
Estudou com cuidado a imagem refletida no espelho, e pegou o blush para
retocar a maquilagem. Sorriu, satisfeita com o resultado. Ali estava o
estereótipo de uma mulher de negócios bem-sucedida.
— Lucy, faça um pouco de café, sim? Estamos precisando de uma
bebida bem forte.
— É pra já, srta. Lane.
A secretária era bem jovem, dona de uma espontaneidade
contagiante, e tinha por Karen verdadeira veneração; bastou que ela
manifestasse o desejo para que Lucy corresse em direção à copa.
— Ah! Lucy… Por favor faça um pouco mais para quando o sr.
Marston chegar.
Imediatamente o rosto corado da secretária apareceu no vão da
porta:
— A que horas ele chega?
— Às onze. Qualquer coisa estou na minha sala.
Quando abriu a porta, surpreendeu-se ao encontrar Ben sentado
atrás da escrivaninha. Eles dividiam a sala, e Karen pretendia ganhar tempo
dando uma ordem nos papéis e documentos da firma, certa de que ele ainda
não havia chegado. Ao dar com ela, Ben sorriu, constrangido.
— Olá!
— Oi! — respondeu com o melhor dos sorrisos, enquanto colocava a
elegante bolsa de verniz preto sobre a escrivaninha. — Não vi seu carro.
— Estou sem carro. A gasolina acabou ontem à noite. Vim de
ônibus.
— Ah, Ben! Se eu soubesse, teria passado pela sua casa. Por que não
avisou? Não custava nada dar uma carona!
Ele sorriu novamente e, com um movimento de cabeça, afastou o
cabelo para trás. Ben Clark tinha cerca de quarenta anos; era um homem alto,
robusto, de olhar bonachão acentuado pela displicência com que os cabelos
claros e lisos lhe caíam pela testa. Mas as adversidades de uma vida de lutas
estavam marcadas em sulcos profundos por todo o seu rosto. Estava muito
envelhecido para a sua idade.
— Foi até bom andar um pouco. Areja a cabeça. Já ensaiei tudo o
que vou dizer quando o “nosso” homem chegar.
— Não vejo a menor graça, sr. Clark. Aliás recuso-me a ficar
ouvindo essa conversa negativa, já tomou café?
— Sabe que nem me lembro?
— Bem que imaginei. — Abriu a bolsa e entregou-lhe um sanduíche
embrulhado em papel alumínio.
— Vamos, coma.
Ele fitou-a sem dizer nada, de um modo peculiar ao qual ela já vinha
se acostumando. Abanou a cabeça, estupefato.
— Karen, você é incrível!
Naquele instante, Lucy entrou com duas xícaras de café. Quando
“ele” chegar, farei mais — anunciou, cheia de boa vontade.
— O nome “dele” é Marston. Sr. Marston. E não se esqueça de
chamá-lo de senhor.
— Estou até ensaiando uma reverência. — Sorrindo, lançou a Karen
um olhar malicioso enquanto saía da sala.
— Estamos precisando é de um pouco de disciplina neste lugar.
— Este “lugar” é simplesmente perfeito. Para começar, aqui não se
ouve falar em greve. Dê uma olhada nelas.
Ele acompanhou a direção apontada. Separadas da sala da diretoria
por apenas um grande vidro, vinte operárias, todas de uniformes brancos,
montavam complicadas peças eletrônicas. Eram a última palavra em
tecnologia, saídas de sua prancheta e prontas para chegar ao mercado.
— Reconheço que formam uma equipe formidável.
Em seu olhar vago estava implícita a grande dor que sentia por uma
derrota, para ele iminente. Era tudo uma questão de horas e todas aquelas
mulheres que trabalhavam com tanto afinco estariam na rua.
Ben virou-se bruscamente e mordeu o sanduíche.
— Está uma delícia, Karen. Obrigado.
— Sean Marston vai ter uma ótima impressão da fábrica, tenho
certeza.
— Gostaria de ser assim otimista, mas você sabe muito bem que
nossos livros de contabilidade são catastróficos. Basta ele olhar os últimos
dois meses para desistir até da visita.
— Que azar! Se não fosse a aposentadoria do sr. Fellows…
— É… Fellows certamente teria nos ajudado… O problema todo é
que sou um fracasso como administrador. Isso ia acontecer mais cedo ou
mais tarde…
— Não faz sentido você dizer uma coisa dessas…
Ben só meneou a cabeça num gesto significativo, uma mecha de
cabelo caiu-lhe na fronte. Afastou-a, impaciente.
— É lógico que faz sentido, Karen. Não adianta esconder o sol com a
peneira. Não nasci para negociar, Tudo que me interessa e que sei fazer são
esses projetos…
Estava tão acabrunhado que parecia alguns anos mais velho.
— Devia ter refletido antes de abrir esta fábrica e estabelecer-me por
conta própria. Simplesmente não tenho a fibra de um homem de negócios…
Minha ex-mulher tinha toda a razão quando foi contra essa loucura. Mas eu
achei que podia tentar…
Karen preferiu não fazer nenhum comentário, pois sua opinião a
respeito de Christine era a pior possível e preferia guardar consigo mesma.
Não queria dizer algo de que depois se arrependesse. Em seu íntimo, ficou
furiosa só de se lembrar de Christine Clark, com seu lindo rosto, seus modos
petulantes e sedutores. Assim que as coisas começaram a ficar pretas, há mais
ou menos seis meses, ela fez suas malas deixando Ben completamente
desamparado tanto emocional como financeiramente.
Não foi sem certo asco que Karen relembrou o quanto a ex-mulher
do patrão fora calculista, arquitetando a separação em seus mínimos detalhes,
na surdina. Ben foi pego de surpresa e abriu mão de todos os seus direitos,
concedendo a ela tudo que foi solicitando. Encerrado o divórcio ela partiu
para Nova York com um executivo de uma firma importante.
— Ben, vamos considerar a situação com imparcialidade… Há
muitos projetos importantes que podem ser lucrativos.
Ele engoliu o último pedaço do sanduíche, dizendo em tom
melancólico:
— Pode ser que funcionem, mas para ele. Costuma encampar firmas
pequenas, que estão em dificuldades, acrescentando-as ao seu império. Foi
assim que conseguiu essa fortuna imensa. Claro que acontecerá a mesma
coisa conosco, se achar que nossos produtos têm alguma utilidade para o
negócio dele. Só espero que não vá despedir as operárias. Quanto a mim,
Karen, estou preparado para tudo. Minha firma será liquidada, e eu serei
despedido. Sinto muito, querida. — Ele cobriu a mão de Karen com a sua,
num gesto carinhoso. — Meu único consolo e que você não terá problemas
em achar outro emprego.
Ela sorriu. Gostava mesmo de Ben Clark. Durante os últimos anos
haviam passado por horas boas e más, especialmente nos últimos meses que
haviam sido as mais difíceis. Com suavidade, soltou a mão que ele segurava,
e começou a endireitar os papéis.
— Muito obrigada pelo elogio, Ben. Mas veja, para mim essa
hipótese está descartada. Se Sean Marston for mesmo tão genial, há de
reconhecer nosso potencial. Não acha que tenho razão?
— Pode ser… não sei, só o vi uma vez num congresso de executivos.
Ele era um dos principais conferencistas; tem idéias muito claras e precisas
sobre como administrar. Tudo com ilustrações a partir de suas experiências
bem-sucedidas.
— Pessoalmente, como é?
— Exatamente como você imagina. É daquelas pessoas que irradiam
sucesso e autoconfiança. Extremamente carismático.
— Qual a idade aproximada dele?
— Uns trinta e cinco anos. Alto, moreno, o típico milionário,
rodeado de tudo a que tem direito. Rolls Royce e derivados.
A descrição não a agradou muito, pelo contrário: o executivo
parecia-lhe abominável. O estereótipo era-lhe profundamente antipático: um
homem bem-sucedido, do alto de sua arrogância, ditando aos outros suas
regras e exceções.
— Parece insuportável.
— Não, não é. Ele diz que cada um deve escolher uma meta e
percorrê-la a qualquer custo.
— E quais seriam os requisitos básicos para se alcançar essa meta?
Ben olhou-a, sério; parecia convicto da eficiência da coisa.
— Os principais são motivação, energia, conhecimentos, coragem de
arriscar e uma grande dose de psicologia no trata com as pessoas.
— E um bom saldo no banco…
— Ou então um diretor de banco que confie em você — a voz dele
era seca. — Nesse caso, o céu é o limite.
— Entendo. — Karen levantou-se dando o assunto por encerrado.
Achava inútil e infrutífera qualquer tipo de discussão sobre aquelas teorias e
até sobre o desconhecido que as concebera. Tudo aquilo era-lhe repulsivo,
não estava gostando nada daquilo e muito menos da admiração de Ben por
um ser tão… tão… não sabia nem definir, o certo é que não gostava nada da
descrição de Sean Marston.
Quando levantou o rosto encontrou o olhar afável do chefe: parecia
o de um cão fiel. A comparação, embora instintiva, a contrariou ainda mais,
pois parecia diminuí-lo.
— Sabe, hoje está mais linda do que nunca. O vermelho fica muito
bem em você.
— Eu também gosto: é uma cor forte, combativa. Sinto-me
revigorada quando a uso, parece que irradia energia.
— Você está sensacional — ele desviou o olhar com esforço. — Da
equipe toda, acho que só eu sou capaz de pôr tudo a perder.
Aproximou-se do pequeno espelho ao lado do porta-chapéus.
— Olhe só minha aparência. Não pareço nem a sombra de um
executivo. Estou péssimo…
— Que tal uma camisa nova e uma gravata? Marston não vem antes
das onze…
— É… acho que dá até para dar um corte no cabelo…
— Vá com meu carro — Karen ofereceu.
Ele dirigiu-se para a porta, mas, antes de sair, parou um instante ao
lado dela.
— Karen… muito obrigado por tudo, sim?
Seus olhares se encontraram, os de Karen um pouco surpresos; os
dele, implorantes. Num impulso, agarrou o impermeável e saiu.
Ela continuou imóvel por alguns instantes. Com gestos lentos,
começou a arrumar a sala. Tinha vinte e três anos e não era a primeira vez
que via um olhar como aquele em um homem. Era uma garota muito bonita,
morena, de cabelos pretos e brilhantes ornamentando um rosto perfeito.
Nunca lhe faltaram parceiros para festas ou partidas de tênis.
Sem dúvida, Ben era diferente. Tinha mais idade, era mais maduro,
mais sofrido do que os outros rapazes que conhecera. Toda vez que refletia
sobre isso sentia-se confusa. “Seria possível que estivesse apaixonada? Essa
imensa ternura estaria se transformando em algo mais profundo?”,
questionou-se. Tinha certeza de que tudo dependia dela para que Ben se
declarasse. Aliás, ele só esperava um sinal. Tinha um caráter tão intros-
pectivo, agravado por uma humildade gritante, julgando-se um homem
fracassado na vida e que ainda por cima carregava o fardo de um casamento
desfeito. Não se achava no direito de dividir essa carga com ela, que além de
tudo era muito mais jovem. Não, decididamente não daria o primeiro passo.
Ao imaginá-lo desajeitado tentando expressar suas emoções, não pôde deixar
de comover-se. Na verdade também amava-o, mas de um modo diferente,
terno, quase protetor. Era uma emoção inteiramente nova, nunca em sua vida
experimentara emoções fortes ou românticas. Na verdade, era tão prática que
não acreditava possíveis tais sentimentalismos. Inclusive agora não era o
melhor momento para ticar sonhando acordada. O que realmente importava
era a sobrevivência da Clark's, e isso dependia de Sean Marston. Se ele fosse
exatamente como Ben o descrevera não tinha dúvidas de que se interessaria
pelo negócio. Evidentemente reconheceria de cara as inúmeras possibilidades
que a firma oferecia. Tudo o que era preciso era uma injeção de capital para
ser rentável novamente.
Com olhar crítico examinou cada detalhe do escritório. O relógio
marcava nove e quarenta e cinco. Havia tempo de sobra. Resolveu ir até a
oficina. Durante o pequeno percurso parou algumas vezes para conversar
com as operárias. A habilidade com que aquelas moças manejavam as peças
que montavam era realmente fascinante. Era capaz de ficar horas obser-
vando-as, maravilhada. Realmente formavam uma equipe excelente. Ben,
para mantê-las interessadas no trabalho, explicava-lhes a função de cada
peça, mantendo-as constantemente informadas, inclusive sobre novas
técnicas. Charlie Benson, o diretor da oficina, e Jean McBride eram de grande
valia nesse sentido.
Pela enésima vez, pôs-se a imaginar que impressão Marston ia ter da
fábrica. Naturalmente, seus escritórios deviam ser ultramodernos e luxuosos,
em franco contraste com aqueles, rigorosamente simples, quase espartanos.
Certa ocasião, Ben cogitara a modernização dos escritórios, mas logo
a sugestão caiu no vazio em virtude de outras necessidades mais urgentes.
Sempre comparava a fábrica a um grupo de teatro mambembe, que driblava
todas as adversidades, vivendo na corda bamba para realizar seu trabalho e
pondo o idealismo acima de tudo.
Mas nada disso havia funcionado na prática. Eles trabalhavam com
uma margem muito restrita de dinheiro, o tempo todo. As ordens chegavam,
mas os fornecedores queriam ser pagos imediatamente, não entregavam o
material, os clientes reclamavam pela demora, e aí por diante, numa corrente
cujos elos enfraqueciam-se cada vez mais. De repente, o elo mais importante
havia cedido, o novo diretor do banco recusara-se a fornecer mais crédito. O
dinheiro que tinham em caixa dava apenas para pagar as moças da oficina, e
depois disso… seria o que Deus quisesse. A palavra falência pesava sobre
eles como uma sombria ameaça.
A menos… a menos que uma boa fada madrinha se dispusesse a
salvá-los. E essa fada tinha um nome e um currículo que para Karen não
parecia invejável: Sean Marston. Era realmente lamentável que não pudessem
prosseguir seu trabalho, havia tanta coisa boa a ser explorada naquela fábrica,
e Ben… Ben era genial! Todos reconheciam isso.
A semana passada mesmo ele terminara uma nova invenção, um
componente elétrico, cuja concepção era absolutamente inédita e arrojada.
Ah! Como não tivera essa idéia antes! Remexeu o arquivo dele e
sorriu ao encontrar a pasta. Com cuidado, colocou-a estrategicamente em
cima da mesa; podia estar nesse projeto revolucionário a salvação da firma.
Só era preciso um pouco de sorte para os olhos do visitante pousassem sobre
ela. Cruzou os dedos, confiante; Sean Marston sem dúvida ficaria encantado
ao ver aquilo. Quando deu por si, Lucy estava a seu lado, gesticulando muito,
esbaforida.
— Srta. Lane, ele acabou de chegar, está aí fora.
Karen olhou horrorizada para o relógio. Faltavam três minutos para
as dez. Mas ele só devia estar ali às onze, tinha certeza, haviam combinado
tudo nos mínimos detalhes. Seu oração desandou a bater descompassada-
mente, mas sua personalidade forte e decidida falou mais alto. Como Ben não
estaria de volta antes das dez e pouco, tinha que agir em seu lugar. Praguejou
baixinho contra a insolência daquele milionário, que sabia-se dono da
situação e agia como tal. Mas no momento tudo o que tinha a fazer era
representar o chefe da melhor maneira possível. Com certeza podia fazer isso.
Respirou fundo.
— Faça o sr. Marston entrar, Lucy.
Ouviu-a perfeitamente dizer em tom solene, bem diverso do
habitual:
— Por favor, sr. Marston.
Sorriu ante o esforço da secretária; agora era a sua vez. Levantou-se,
dando a volta na escrivaninha. Sc tivesse noção da sua imagem naquele
momento, sentir-se-ia bem mais encorajada. Era uma garota linda: alta,
esguia, de cabelos brilhantes. A blusa branca imaculada e a saia vermelha,
pregueada, completavam o conjunto.
Nunca, em toda sua vida, esqueceria o efeito extraordinário que
aquele homem exercera sobre ela desde o primeiro momento. Assim que ele
pôs os pés no escritório, tudo subitamente tornou-se pequeno, pobre e
miserável. Olhou-o, incrédula. À sua volta tudo perdeu o foco e diante de si
só podia ver aquele homem alto, extremamente arrogante. Os olhos dele
atraíam os dela como um ímã; tinham uma espécie de brilho, um carisma fora
do normal, algo selvagem. Uma emoção absurda tomou conta de todo o seu
ser. Transcorreram-se alguns segundos, que pareceram uma eternidade.
Então sobreveio o medo. Sentia que estava em perigo. Ele se aproximou tanto
que teve que se virar de perfil.
Nesse instante o senso profissional sobrepôs-se aquelas
inexplicáveis sensações. Dominando-se por completo, encarou-o com a mão
estendida. Sua voz soou em tom grave, encobrindo toda e qualquer emoção.
Ele reteve a mão dela por um instante. Foi um aperto de mão seco e
breve. Deu dois passos e foi até a escrivaninha.
— Obrigado, não vou aceitar o café. E também não vou esperar pelo
sr. Clark. Tenho pouco tempo disponível.
Seu olhar pousou nos desenhos de Ben. Karen esboçou um sorriso,
estava dando certo.
— O que é isso?
Karen fitou-o, surpresa pelo modo brusco, quase rude de ele falar.
Abriu a boca para revidar à altura quando lembrou-se de que estava tudo em
jogo naquele momento. Qualquer passo em falso seria o fim. Reprimiu-se.
— Sinto não poder dar-lhe informações técnicas. Trata-se… de um
transformador, creio.
Ele não retribuiu o sorriso e continuou no mesmo tom ríspido:
— Isso estou vendo. Já está em produção?
“Que homem insuportável! Como vou conseguir continuar sendo
amável?”, controlou-se ao máximo para responder.
— Oh, não, não ainda. No momento, estamos ocupados com outros
pedidos.
Percebeu que sua voz falseava. Os olhos de Marston estreitaram-se,
fixando-a com mais atenção.
— O sr. Clark pode esclarecer todas as suas dúvidas, ele não vai
demorar.
— Talvez.
— Não quer sentar-se, sr. Marston? Se quiser olhar os livros de
contabilidade, tenho todo o material à disposição.
Ele sentou-se diante dela, e começou a folhear rapidamente os
livros. Suas mãos eram longas e bem tratadas. Estava impecavelmente
vestido, mas o que mais se destacava nele era a sensualidade, a virilidade
gritante. Mexeu-se, inquieta. Nunca sentira isso em relação a um homem.
Afastou-se em direção à janela, sentindo-se vulnerável. “Ben, por
que tanta demora?”, pensou.
A voz dele trouxe-a de volta à realidade, agora queria o balanço da
firma. “Agora é que as coisas vão ficar pretas”, pensou enquanto dirigia-se,
resoluta, ao fichário. Seus gestos decididos divergiam de todo seu conflito
interior. Não hesitou em nenhum momento, embora achasse que depois de
ver aquilo ele levantaria para ir embora para sempre.
Mas ele continuou sentado. Curvou-se para examinar os papeis,
enquanto ela, fascinada, observava um floco de neve que desmanchava-se em
seu cabelo. Era um cabelo espesso, rebelde, que não se adaptava facilmente
ao pente. “Onde estou com a cabeça, estarei enlouquecendo? Deve ser uma
espécie de fuga”, refletiu. Sem querer estava novamente analisando cada
ângulo da face máscula debruçada sobre a mesa: a pele bronzeada, a fronte
ampla, sulcada por algumas rugas que lhe davam uma aparência mais
autoritária.
Então, bruscamente, e para maior confusão de Karen, ele ergueu o
olhar e fitou-a. Ela estremeceu e vacilou ligeiramente, como se tivesse
recebido um golpe. Mas a voz, quando a interpelou, era calma.
— Estes livros estão péssimos. A senhorita tem alguma explicação?
Ela engoliu em seco.
— Não entendi, o senhor quer que justifique? Percebeu um brilho
divertido nos olhos dele. “Não, sr. Marston, o senhor não vai brincar comigo,
esteja certo disso”, pensou irritada.
— Eu acho que esses livros são bastante claros para um homem
como o senhor.
Ele permaneceu impassível, seu único movimento foi recostar-se
melhor na cadeira. Tinha o mesmo olhar de desdém.
— O banco não lhes dá mais crédito?
— N… não, não mais.
— Hum… bom, provavelmente sabem o que estão fazendo. —
Dizendo isso, levantou-se dando o assunto por encerrado.
Karen ergueu-se rapidamente, desesperada, e colocou-se entre Sean
Marston e a porta.
— Sr. Marston, espere, por favor. Não tome nenhuma decisão sem
falar com Ben, isto é, com o sr. Clark.
Estava jogando sua última cartada, falava num ímpeto, sem pausas.
No momento não se importava nem com o papel que estava fazendo — para
ele devia estar ridícula mas precisava fazer alguma coisa. Sentia as faces
ardendo, os olhos inflamados.
— É um excelente negócio, sr. Marston. Os clientes são muito bons,
a equipe é ótima.
Fez uma pausa, ofegando, olhando com ansiedade o rosto
impassível do adversário.
— O senhor não gostaria de ir até a oficina para dar uma olhada?
Novamente ele olhou-a, divertido.
— A senhorita daria uma advogada brilhante, srta. Lane. — Deu de
ombros, displicente. — Vamos até lá.
Ao abrir a porta da oficina, Karen deu um suspiro de alívio ao
deparar com Charlie Benson, o chefe das operárias. Chamou-o para
apresentá-lo.
— Sr. Marston, este é o sr. Benson, nosso chefe de seção. Charlie, por
favor, mostre ao sr. Marston tudo o que acontece aqui.
— Pois não, srta. Lane.
Charlie piscou para ela, um de seus maiores dons era a
extraordinária perspicácia. Raramente se enganava ao julgar as pessoas. Foi
falando, sem demora:
— Por aqui, senhor.
Os dois afastaram-se, conversando animadamente. Iam de mesa em
mesa, e Marston parecia interessar-se pelo trabalho das moças. “Bom, pelo
menos ele não foi embora, e está vendo alguma coisa”, pensou Karen. E aí, na
oficina, não vai achar nada de errado, como nos livros. Voltou ao escritório,
esperando encontrar Ben de volta, mas nem sombra dele.
— Então é isso, srta. Lane.
A voz de Marston, incisiva e profunda, pegou-a desprevenida.
Voltou-se, sobressaltada.
— O senhor não quer esperar mais um pouco? O sr. Clark já deve
estar chegando.
— Para dizer a verdade, já vi tudo o que pudesse me interessar. —
Deu outra olhada nos desenhos de Ben, estudou-os outra vez em silêncio,
tornou a colocá-los no lugar e dirigiu-se para a porta. — Agradeço sua ajuda,
srta. Lane. Foi um prazer conhecê-la.
Karen sentiu um nó na garganta, num misto de impotência e
derrota… Não havia mais nada a fazer, só esperar. E rezar.
— O que… o que o senhor achou da fábrica, sr. Marston?
Ele parou. Olhou lentamente em volta de si, para o escritório
simples e modesto, para a escrivaninha empilhada de livros de contabilidade.
Deu de ombros.
— Tudo isso é patético, miserável.
Sua vontade era avançar sobre ele e esbofeteá-lo. Mas claro que não
o fez. Imóvel, continuou a olhá-lo, odiava-o. Nunca, em sua vida, havia
sentido um desprezo tão violento por alguém.
— Como é a sua estenografia?
— Excelente.
— Foi o que pensei.
Olhou-a atentamente e continuou, medindo bem as palavras:
— O que uma moça inteligente como você está fazendo num lugar
desses? Se quiser trabalhar em Londres, entre em contato comigo. Posso
empregá-la em uma das minhas companhias.
Sujeito cínico! Tudo o que queria naquele momento era vê-lo pelas
costas. Respondeu com todo o desdém que sentia:
— Muito obrigada, sr. Marston.— É claro que não levarei sua
proposta em consideração.
— Não? Pois é uma pena. — E pela primeira vez ele sorriu, um
sorriso fascinante. Um arrepio percorreu-a dos pés à cabeça.
— Saudações ao sr. Clark.
E saiu, deixando atrás de si um perfume discreto e agradável. Em
seguida, ela ouviu o barulho do motor do Rolls Royce afastando-se.
Sentiu-se como que saindo de um redemoinho, de um labirinto sem
fim; não havia uma luz no fim do túnel.
Quando Lucy apareceu. Karen piscou estupidamente. Sentia-se num
pesadelo.
— Srta. Lane! Que homem sensacional!
— O quê? Que disse?
— Que nunca vi um homem tão sensacional em toda a minha vida.
Mas vou trazer-lhe um café. Acho que está precisando.
E estava mesmo. O café ajudou, e pouco a pouco ela recobrou-se.
Ben apareceu logo depois.
— Pensei que estava atrasado, mas vejo que temos tempo de sobra
— disse, olhando para o relógio.
Havia comprado uma camisa branca e uma gravata listada de
branco e azul-marinho. E aproveitou para cortar o cabelo.
— Que tal? Não estou o próprio homem de negócios?
“Oh, Deus, como dizer a ele?”, pensou. Estava tentando ser corajoso,
representando para animá-la.
— Ben… Oh, Ben…
Sentiu as lágrimas deslizarem pelas faces e mordeu os lábios. Mas
era tarde demais. Há anos não chorava; agora apenas cobriu o rosto com as
mãos e deixou o pranto fluir livremente.

CAPÍTULO II

— Não é possível! Ele não fez nenhum comentário sobre a fábrica?


Nada?
Karen balançou a cabeça a contragosto. Fazia mais de uma hora que
Sean Marston saíra da fábrica, e Ben continuava na mesma posição, sentado
atrás da escrivaninha completamente estupefato diante da, digamos,
“excentricidade” do milionário.
— Parece ser um homem de poucas palavras.
— É… de fato. Mas não sei o que fez que a aborreceu tanto, Karen.
Nunca a vi chorar antes.
— Bobagem. Acho que foi tensão acumulada.
— Não sei onde estava com a cabeça de ir à cidade, nunca deveria
ter feito isso.
— Mas como é que você podia imaginar? Ele marca uma hora e,
simplesmente, sem mais nem menos, aparece antes!
Na realidade, achava que aquele homem abominável, tinha feito
tudo de caso pensado. Provavelmente aparecera fora de hora para
surpreendê-los, para certificar-se do que acontecia habitualmente na firma.
“Que golpe bonito! Bem típico dele!”, Karen concluiu.
— Conte-me tudo outra vez.
Karen suspirou; já havia contado “tudo” pejo menos umas três
vezes, mas recomeçou pacientemente aquela narrativa monótona, só que
dando tons mais suaves. Por mais que prezasse a verdade, nada no mundo a
faria repetir as palavras frias e calculistas daquele homem. Passou a mão
pelos cabelos; era tudo tão patético! Miserável! A cada palavra dele, o chão
parecia abrir-se aos pés de Karen. Mas continuava impassível, com um ar de
superioridade. Sentia vontade de esbofeteá-lo só de lembrar daquela
expressão de desdém.
— …Então ele deu uma volta na oficina, falou com Jean e algumas
das moças. Parece que se entendeu com Charlie e mostrou interesse pelos
seus desenhos — parecia um computador enumerando dados, não queria que
lhe perguntasse nada.
— … E deu uma olhada na contabilidade…
— Bom, mas ele veio para isso… Não teria sentido a vinda de uma
pessoa desse tipo aqui se tudo andasse às mil maravilhas…
— É… Que tal almoçarmos juntos? Acho que precisamos respirar ar
puro.
Tudo que desejava naquele momento era estar a sós, pensar com
calma, mas não podia falhar com Ben. Nesse momento, obrigou-se a sorrir.
— Eu adoraria, Ben. Dê-me cinco minutos.
— Este risoto está espetacular, Karen. Experimente. Karen forçou
um sorriso.
— Depois vamos ter um filé malpassado com salada e sorvete com
chantilly. Acha que consegue comer tudo?
— Creio que sim.
Depois do almoço, caminharam lentamente de volta ao escritório e,
aos poucos, Karen conseguiu descontrair-se. Não era certo que fosse
justamente ele que a animasse numa hora dessas. Reagiu com todas as forças
contra os motivos, ou melhor, “o motivo” que a deprimia. Sentiu-se melhor.
Por volta das três da tarde o telefone tocou. Atarantada, Karen
pegou o aparelho.
— Clark Ltda., boa tarde. Uma voz impessoal respondeu:
— O sr. Marston deseja falar com o sr. Clark.
Todo o nervosismo que a muito custo conseguira dissipar voltou à
tona. Sentiu as mãos trêmulas.
— Um momento, por favor.
Com os músculos rígidos, dirigiu-se à oficina para chamar Ben.
Tinha chegado a hora. Ele olhou-a interrogadoramente, e Karen fez um gesto:
— Telefone para você.
Ele interrogou-a com o olhar; parecia ter compreendido de imediato
do que se tratava. Karen fez um gesto confirmando.
Endireitando os ombros, Ben entrou no escritório, fechando a porta.
Ela preferiu não segui-lo. Numa hora como essa, ele tinha o direito a
um mínimo de privacidade e liberdade para reagir ao que Marston lhe
dissesse. Se por acaso precisasse dela, chamaria, com certeza.
Pensou em ir até Jean e Charlie, que estavam do outro lado da
oficina. Não, melhor não. Nesse momento também gostaria de ficar a sós.
Enquanto andava como um animal acuado, de um lado para o outro
do corredor, percebeu o quão absurda era sua posição, o quanto estava
envolvida na situação da fábrica. Era inegável que aquilo tudo realmente
fazia parte de sua vida.
Olhou em volta de si, e pareceu-lhe que as moças hoje estavam mais
eficientes e bem-humoradas que de costume. Ouvia-se um tagarelar, e risos
alegres aqui e ali. A sra. Grayson, uma das melhores operárias que tinham,
sorriu para Karen quando ela se aproximou.
— Não se preocupe, srta. Lane. Estamos trabalhando firme.
Acontece que hoje é o aniversário de Doreen, e toda essa agitação é porque
ela também vai ganhar um anel de noivado. Estamos comemorando.
— Oh, que bom! Quero cumprimentá-la.
Enquanto falava com Doreen, Karen procurou participar da alegria
da moça e esqueceu um pouco suas preocupações. De repente, Doreen disse:
— Acho que o sr. Clark deseja vê-la, srta. Lane. Virando-se,
enxergou Ben acenando muito, do outro lado do vidro. Rapidamente, dirigiu-
se ao escritório, preparada para ouvir o pior. A princípio não conseguiu
acreditar no que estava vendo: os olhos dele brilhavam, e sua expressão era
radiante.
— Estamos salvos! Olhou-o, desconcertada.
Ben começou a andar pelo escritório, transbordando de energia.
— Marston foi formidável, encorajador. Nem se impressionou com
os livros de contabilidade. Para ele são detalhes de menor importância. Sabe
o que mais disse? Que é uma pena trabalharmos com tão pouco capital em
comparação com as excelentes mercadorias que produzimos. Ah! Elogiou
muito meu novo transformador. Perguntou até se possuímos área suficiente
para expansão. Vai mandar um de seus contadores para reorganizar toda a
parte administrativa da firma. Isso enquanto eu estiver fora.
— Fora?
O rosto dele irradiava um trunfo que Karen considerou exagerado.
— Ele quer que eu compareça a um simpósio de sua companhia, na
semana que vem, no México. Todas as despesas pagas, naturalmente.
Acredite se quiser, mas o lugar é Acapulco. Será uma ótima oportunidade
para conhecer os diretores das outras companhias do grupo.
Subitamente, seu olhar tornou-se vago e seus ombros curvaram-se.
— Acho que é muita coisa boa ao mesmo tempo, Karen. Não
consigo acreditar que esteja realmente acontecendo.
“Eu também não”, Karen pensou. Havia se preparado para ouvir o
pior, para consolar o seu chefe, ou pelo menos apoiá-lo, e eis que a situação é
totalmente inversa. Ora, talvez tivesse interpretado mal o enigmático Sean
Marston; de qualquer forma, a antipatia que nutria por ele não diminuíra.
Será que a havia enganado deliberadamente só para se divertir? Ou talvez
fosse o tipo de pessoa que costumava adotar ares de esfinge impenetrável, só
para fazer tipo? O fato é que aquele ser para ela era simplesmente odioso.
— Mas é maravilhoso! — tentou participar da animação. — Quando
é que você viaja?
— Terça-feira. As passagens estarão reservadas, e só terei que
apanhá-las no aeroporto de Heathrow, no balcão da companhia. Marston
estará nos esperando na Cidade do México, depois prosseguiremos juntos
para Acapulco.
— Será uma viagem muito excitante, Ben. Não imagina o quanto
fico feliz por você.
Na verdade, ela teria ficado mais feliz se o salvador da firma fosse
alguém mais tolerável. Mas não tinha importância, era pouco provável que se
encontrassem novamente. Talvez nunca mais. Certamente ele não visitaria a
Clark's, uma aquisição insignificante em todo o seu império.
— Ficarei firme enquanto você estiver fora, Ben. E procurarei dar
toda a assistência possível ao novo contador.
Ben levantou a cabeça:
— Mas… eu não lhe disse, Karen? Que cabeça a minha! Você
também vai para Acapulco.
“Ah! Essa era demais!”, concluiu espantada.
— Eu, Ben? Oh, não! Você deve ter entendido mal. Não há motivo.
Ele deu uma gargalhada:
— Eu não sou nada sem você!
Ante o olhar incrédulo dela, explicou-se melhor:
— Foi Marston mesmo quem sugeriu. Você será muito útil para
mim, preciso de alguém para tomar nota e supervisionar os relatórios.
Estava radiante com a idéia de levá-la junto.
— Seu passaporte está em ordem? Ótimo! Então, terça-feira
viajamos. Vamos aproveitar ao máximo. Areias brancas e o azul
deslumbrante do Pacífico. Janeiro lá é verão.
Levantou-se, pondo as mãos nos ombros dela.
— Não tem nada a dizer?
Ela fixou um ponto indeterminado à sua frente, procurando
palavras à altura do entusiasmo de Ben. Mas algo a inquietava, impedindo-a
de participar. Era como uma vaga ameaça, um pressentimento de perigo.
Personificado naquele homem alto, enigmático, impenetrável… Sean
Marston. Tinha certeza que ele havia arquitetado tudo aquilo já pela manhã,
antes de ir embora. Esse era o motivo pelo qual havia se informado sobre a
sua estenografia. E simplesmente decidiu. E, mesmo assim, a havia
deliberadamente desencorajado, desesperançado.
— Eu… eu não sei o que dizer, estou muito surpresa. Olhe, Ben, não
é que não queira ir a Acapulco, mas prefiro dar uma resposta definitiva
amanhã. Vou consultar meus pais. Amanhã de manhã falo com você.
Seguiu-se um silêncio que parecia interminável, era evidente que
ficara desolado.
— Não, claro que não. Você decide. Tirou as mãos dos ombros dela
e afastou-se.
— Seria pedir-lhe muito que não me deixe esperando até amanhã de
manhã? Hoje à noite, quando tiver decidido, ligue para mim, está bem? Não
importa se for muito tarde.
Karen assentiu, mas no fundo sabia que era uma questão de tempo.
Seus pais, com certeza, não se oporiam, e até se entusiasmariam com a idéia
da viagem. Precisava arrumar uma desculpa convincente. Não, não queria ir.
Não queria proximidade com Sean Marston. A idéia a incomodava muito.
Como havia previsto, consultar os pais foi apenas formalidade.
Ambos eram médicos, talvez por isso, por estarem constantemente em
contato com a tênue linha que separava a vida da morte, deram-lhe uma
educação essencialmente espiritualista. O dr. Lane, um homem simpático,
conservava o bom humor apesar do cansaço depois de uma operação
delicadíssima. Talvez por isso apenas esboçou um sorriso ao receber a
novidade.
Sua mãe chegou do hospital um pouco mais tarde. Era uma mulher
pequena e de aparência frágil, cabelos louros, rosto aberto. Era especialista
em psicologia infantil. Desde pequena sentia-se um pouco eclipsada pela
personalidade da mãe. Tudo nela denotava que era uma mulher plenamente
realizada, infatigável e cheia de energia.
Na verdade, relutava um pouco em aceitar a opção da filha para a
assistência social; preferia algo mais prático, mais eficiente. Enganara-se
redondamente e sorriu como qualquer mãe orgulhosa.
— Acho formidável. Vamos até a cozinha e lá você me conta
direitinho.
Enquanto preparavam o jantar, bombardeou Karen de perguntas.
Quem era esse Marston e até que ponto iria afetar a Clarks? A posição de
Karen na firma mudaria? Havia alguma chance de ela passar a trabalhar para
Marston diretamente?
— Oh, espero que não. Não gostei dele. É convencido, cheio de si e
faz muito gênero, tipo empresário bem-sucedido.
— Pois é disso mesmo que estamos precisando neste país. Será
muito bom também para o sr. Clark. Sempre duvidei da eficiência dele como
empresário. Não tem tarimba.
Karen ouviu em silêncio, não tinha a mínima vontade de discutir
sobre Ben com sua mãe. Sabia muito bem que as opiniões de ambas sobre seu
chefe divergiam.
— O sr. Marston pode ser muito eficiente, mas não deixa de ser
desagradável.
— Bom, você não é obrigada a achar o contrário. Mas também não
vai perder uma oportunidade dessas só porque ele não lhe agrada. Que tipo
de roupa pretende levar? Acho melhor fazer umas compras, as suas andam
meio fora de moda.
— Mamãe, por favor. Será uma viagem de negócios.
— Mesmo assim. Sábado iremos à cidade fazer compras. Agora,
avise a seu pai que o jantar está pronto.
Karen surpreendeu-se com o rumo que as coisas tomavam;
inadvertidamente ou até inconscientemente comunicava aos pais um fato
consumado, fazia planos quando pretendera agir de forma diversa, não
estava segura quanto à viagem e muito menos à vontade. Por quê? Por que
estava fazendo planos quando sua sensatez lhe dizia que devia ficar o mais
longe possível de Sean Marston? Pedira um tempo a Ben para arranjar uma
boa desculpa para não ir, em vez disso… Será que no fundo queria ir? Lógico
que gostaria de conhecer Acapulco, de sair um pouco. Além disso, Ben
precisava de sua ajuda, de seu apoio e amizade, mas algo a inquietava
imensamente.
Às dez da noite comunicou ao chefe que iria para o México.
Dois dias depois, Ben convocou todos os funcionários da fábrica
para uma reunião extraordinária. A palavra “desemprego” pairava no ar,
gerando tensão. Logo às primeiras palavras do chefe esse clima dissipou-se.
As fisionomias antes preocupadas abriram-se ante a nova perspectiva de
trabalho.
— Estou pensando numa expansão para a empresa, por isso firmei
um acordo com o sr. Marston. As mudanças não os afetarão sob hipótese
alguma. E nada foi resolvido de forma definitiva. Vamos acertar tudo depois
de um congresso das firmas Marston no México.
Depois de detalhar bem o assunto e responder a algumas perguntas,
Ben deu a reunião por encerrada.
Os empregados retiraram-se de volta à oficina conversando
animadamente.
— Charlie, preciso dar uma palavra com você e Jean.
A moça sentou-se na cadeira que Ben lhe indicava, dando as costas
para Karen.
— Tenho certeza de que você saberá resolver qualquer problema,
Jean.
A moça enrubesceu. Indiferente, ele a instruiu sobre como proceder
naqueles dias de sua ausência, ao passo que Jean o devorava com os olhos.
— Está tudo certo, então? — Ben levantou-se. Dando o assunto por
encerrado, agradeceu a lealdade e o apoio de ambos com um aperto de mão.
Quando saíram, ele pareceu subitamente muito cansado. Karen
correu a acudi-lo, estava muito pálido e suado.
— Você está bem?
Ele tirou o lenço do bolso, enxugando o suor. Não pôde nem
disfarçar o tremor das mãos.
— Estou ótimo — respondeu, sem muita convicção. Na verdade,
parecia estar passando mal. Mas ainda tentou sorrir: — Essas emoções
deixaram-me muito tenso.
Em seguida, mergulhou num pesado silêncio. O olhar perdido,
quase desamparado, piorou o quadro; quando acordou do torpor falou com
voz inaudível, como se fosse consigo mesmo. Karen observava-o,
extremamente preocupada.
— Tomara que não tenha sido muito otimista. Afinal de contas, não
há nada definitivo. Não sei como encarar esse pessoal se der tudo errado.
— Isso não vai acontecer.
Ele cobriu a mão dela com a sua. Espero que tenha razão, Karen.
Ficou devorando-a com os olhos, sem dizer nada.
— Karen…
— Sim?
— Acho que não é a hora, mas tenho que dizer… Ela olhou-o,
surpresa com a intensidade de sua voz.
— Suponho que, a essa altura, já deve saber o que sinto por você. É a
coisa mais maravilhosa que jamais aconteceu em minha vida.
Era estúpido sentir-se tão embaraçada, e até certo ponto esse
desconforto era muito estranho. Talvez porque nunca tivessem falado tão
abertamente antes. Lógico que tinham um relacionamento íntimo, mas a nível
de uma grande amizade. Sabia que esse dia não ia tardar, até esperava a hora
que ele iria se declarar. Só não contava com uma reação como aquela. Julgava
até que também estivesse apaixonada por ele…
Ele fez um gesto com a mão.
— Deixe-me acabar. Você sabe como tem sido a minha vida. Eu não
tinha nada para oferecer. Mas agora… Se der tudo certo… quem sabe? Talvez
Acapulco signifique algo realmente bom, para nós dois.
Num impulso, agarrou as mãos dela.
— Você acha que estou sendo precipitado?
Seu rosto estava bem perto do dela, Karen viu nitidamente a
expressão de um homem que via a luz do dia depois de ter atravessado um
túnel longo e escuro. Desejava abraçá-lo e dizer que tudo ia dar certo, mas ele
afastou-se:
— Sei que não é hora para isso, mas você não é obrigada a
responder. — Assumiu uma expressão brincalhona: — Agora, vá correndo
para casa terminar de fazer as malas, sim? Amanhã às nove estarei lá. —
Karen hesitou, mas ele já estava de volta à escrivaninha, debruçado sobre os
livros.
— Boa noite, Ben — disse, esperando que tudo voltasse a ser como
antes.
Como antes… Agora tudo entre eles havia mudado.
O vôo para a Cidade do México pareceu-lhe interminável. Por sorte,
Sean Marston reservara lugares na classe executiva, um meio-termo entre a
turística e a luxuosa e exclusiva primeira classe. Apesar dos assentos
confortáveis e espaçosos, Karen sentia-se tensa, tomada por uma angústia
incontrolável. O pior de tudo é que, por mais que procurasse, não conseguia
encontrar uma justificativa, algo plausível para esse tipo de comportamento.
No início do vôo, Ben mostrou-se animado e otimista, expondo-lhe uma série
de planos para a reorganização da fábrica. Como não encontrou eco, desviou
a atenção para o filme e acabou cochilando. Quando o jantar foi servido, nem
tocou na comida.
“Que comportamento estranho!”, pensou, ainda mais aflita. Só então
reparou no quanto ele estava pálido, definitivamente não estava passando
bem.
A aeromoça aproximou-se, preocupada.
— Ele não está se sentindo bem?
— Não sei — balbuciou, olhando para ele, que, nesse exato
momento, tinha um movimento convulsivo. Inclinando-se para a frente,
colocou a mão no estômago.
— Ben, o que é que está sentindo? — Já estava apavorada. Ele abriu
os olhos, gemendo:
— Deus, estou sentindo uma dor horrível… — Sua aparência não
deixava dúvidas: o rosto contorcia-se numa máscara de dor regada a suor.
A aeromoça chamou o comissário de bordo, que tomou conta de
tudo. Primeiro observou Ben com atenção, procurando avaliar a situação.
— Será que é um enfarte? — Karen, no desespero, tinha os piores
pensamentos.
Sem tirar os olhos do doente, o comissário esclareceu-lhe que era
pouco provável que fosse algo tão grave; em sua opinião devia ser uma
apendicite.
— O que podemos fazer — insistiu Karen. Ele deu uma olhada no
relógio.
— Vamos chegar daqui a meia hora. Acho melhor eu ir consultar o
comandante. Não demoro.
Ela voltou para anunciar que já haviam contatado um hospital na
Cidade do México e que uma ambulância estaria à espera deles logo que
aterrissassem.
A meia hora seguinte pareceu um pesadelo. A aeromoça foi gentil e
serena, tranqüilizando Karen.
Ao ouvir a voz de Ben, sentiu-se aliviada.
— Quero que você me prometa uma coisa.
— É só pedir.
— Continue sem mim, vá ver Marston, e toque o barco adiante.
— Prometo, Ben. Farei tudo o que estiver ao meu alcance. Agora,
por favor, não pense mais nisso, procure relaxar.
Depois que o avião aterrissou, tudo foi tão rápido que quando deu
por si os enfermeiros já haviam partido com ele na ambulância. Graças a
Deus optara pelo espanhol na faculdade, senão estaria perdida num país
estranho, sem poder comunicar-se.
Uma enfermeira muito amável trouxe-lhe uma xícara de café,
enquanto aguardava nervosa as notícias.
— Como está ele? — Apesar do espanhol nítido com que a pergunta
foi formulada, a moça olhou-a interrogativamente; era óbvio que não sabia de
nada. Sacudiu a cabeça, dizendo que logo o médico viria vê-la.
Seguiu-se uma hora interminável. À medida que o tempo passava,
Karen sentia-se mais fraca e atordoada. O movimento contínuo de pacientes,
enfermeiras e médicos foi saindo fora de foco. Sentiu-se desfalecer, quando
uma mão amparou-a. Só pôde distinguir um vulto branco.
— Sra. Clark?
Levantou-se, tentando parecer melhor.
— Não, sou Karen Lane, assistente do sr. Clark. Estamos viajando
juntos a negócios. Pode me dizer como ele está?
O médico conduziu-a a uma pequena sala, no fim do corredor, e
começou a interrogá-la, perguntando qual o endereço permanente do sr.
Clark, seu parente mais próximo, se ele havia procurado um médico
recentemente e se estava sendo tratado de úlcera.
Estupefata, Karen procurou responder da melhor maneira possível,
mas, quando o médico levantou-se e deu a entrevista por encerrada, não se
conteve:
— Por favor, doutor, diga-me o que ele tem.
— A senhorita é a assistente do sr. Clark, não?
Karen percebeu a frieza e o significado implícito naquelas palavras,
mas no momento não importava o que pensassem dela e sim a saúde e o bem
estar do amigo.
— Por favor — disse, agarrando a manga do avental branco e
sacudindo-o. — Posso vê-lo?
Ele fez uma pausa irritante, sorrindo de sua insistência, como se ela
fosse uma criança teimosa.
— Só dois minutos. — Voltou para o corredor, e chamou a
enfermeira. — A srta. Lane pode ver o sr. Clark durante dois minutos.
Ben estava na UTI, tendo uma enfermeira de plantão a seu lado. Seu
aspecto era horrível, mas pelo menos não se contorcia de dor. Com certeza
haviam lhe dado algum sedativo.
— Ben… Ben… é Karen. — Ele abriu os olhos e tentou sorrir.
— Eu… eu vou ficar bom.
Estava tão fraco que Karen teve que inclinar-se ainda mais para
ouvi-lo.
— Claro que vai. Mais cedo do que pensa.
— Karen…
— Sim, Ben?
Fez uma pausa, como se estivesse juntando as forças.
— Eu… eu amo você.
As palavras saíam lentas, pronunciadas com dificuldades. Karen
beijou-o na testa, e os olhos dele encheram-se de lágrimas.
— Eu também o quero muito, Ben. Fique bom logo.
A enfermeira fez sinal de que o tempo já havia se esgotado, e Karen
saiu da sala.
Quando alcançou o corredor, ficou imóvel, tentando raciocinar com
clareza para poder agir melhor. Sua vontade era ficar ali, junto dele. Mas isso
não iria ajudá-lo em nada. Tudo que tinha a fazer era entrar em contato com
Sean Marston e seguir as instruções de seu chefe. Foi andando lentamente
pelo corredor e, seguindo as indicações, chegou à recepção. Ligou
imediatamente para Marston.
Uma voz de mulher respondeu. Sim, ele estava, iria chamá-lo.
Agarrou o telefone com força, como se fosse uma tábua de salvação, o
coração batendo desenfreado. Se pelo menos fosse alguém diferente daquele
homem! Alguém mais compreensivo, mais humano…
— Sim? — Só uma sílaba foi o suficiente para reconhecer aquela voz
altiva.
Ela esforçou-se para conter a ansiedade.
— Sr. Marston? Aqui fala Karen Lane. — Tentou firmar a voz. Não
queria demonstrar seu pânico, não queria parecer fraca e vulnerável. — Sinto
dizer-lhe que tivemos um problema.
— Sim? — Podia quase vê-lo, parado, o rosto impassível.
— Chegamos há duas horas, e infelizmente o sr. Clark teve que ser
internado em um hospital. Sentiu-se mal no avião, e os médicos ainda não me
disseram o que ele tem. Portanto, não poderá entrar em contato com o senhor
esta noite, conforme o combinado.
Seguiu-se uma pausa, e depois ele disse:
— De onde você está falando? Do hospital? Qual? Informou-o com
poucas palavras.
— Muito bem. Já, já estarei aí, Karen.
Ela olhou para o telefone, estarrecida, antes de desligar. Ele vinha…
ia se dar ao trabalho de vir. E a havia chamado de Karen. Algo no modo
como ele pronunciara o seu nome provocou-lhe uma sensação estranha.
Lentamente, dirigiu-se para a recepção e sentou-se perto da porta de entrada.
Não esperou muito. Viu-o bem antes que ele desse por ela. Alto e
dinâmico, de jeans preto e um casaco bege, parecia ter controle absoluto de si
mesmo e de tudo que o circundava. Levantou-se, ele aproximou-se sorrindo.
Seus joelhos tremeram, e quase tornou a sentar-se, mas ele já estava
segurando suas mãos.
— Sinto muito. Karen. Foi muito azar, não é? Diga-me, o que
aconteceu?
Sentou-se, aliviada, era bem melhor assim. Apesar de que a última
coisa que esperava era alguma demonstração de simpatia da parte dele.
Sentaram-se lado a lado e, depois de alguns instantes, relatara toda a
situação.
Ele interrogou-a atentamente, acenando com a cabeça de vez em
quando.
— Muito bem, agora vamos ouvir o que esses médicos têm a dizer.
Venha comigo.
Nos instantes que se seguiram, Karen entendeu porquê Marston
chegara ao auge do sucesso tão cedo na vida. Era um homem que conseguia o
que queria, e aparentemente sem nenhum esforço. Observou-o enquanto
abria caminho entre a hierarquia do imenso hospital, e finalmente acabou
falando com o cirurgião encarregado do caso de Ben. Falavam em espanhol.
Finalmente, agradeceu ao médico, que fez um gesto de despedida,
afastando-se imediatamente.
Sem pensar no que estava fazendo, Karen agarrou o braço de
Marston, implorando:
— Por favor, o que está acontecendo com Ben? Ele olhou-a
pensativamente.
— Vamos esclarecer isso de uma vez, sim? O que existe exatamente
entre você e Ben Clark?
Karen arregalou os olhos. “Como era insolente!”, pensou.
— Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Além do mais, não é
da sua conta.
Impassível, com a maior cara de pau do mundo, ele respondeu
calmamente:
— Pois saiba que faz muita diferença, vai influir muito no nosso
relacionamento daqui por diante.
“Incrível! Ou não estava ouvindo bem, ou Sean Marston a estava
“cantando” abertamente em pleno hospital!”, concluiu consigo mesma.
— Temos um relacionamento profissional e somos bons amigos, é
só.
— Vou procurar me lembrar disso.
Karen olhou-o numa atitude de desafio. Como era insolente! Tinha
vontade de esbofeteá-lo. Desceram uma longa escadaria e, ao chegarem à
recepção, não agüentou mais aquela guerra de nervos; parou bruscamente,
exigindo uma explicação sobre o estado do chefe.
— Antes de mais nada, o mais importante. Vamos por etapas. Onde
estão suas malas?
— Ah, Deus! Esqueci-me completamente delas. Larguei tudo no
aeroporto!
— O negócio, então, é ir buscá-las agora mesmo. No caminho
explico o que o médico disse.
Assim que sentou-se no táxi, Karen voltou à carga:
— Agora, por favor, me diga. É alguma coisa de grave?
— Infelizmente, sim. Parece que é uma úlcera gástrica. Agora está
com fortes hemorragias, é possível que tenham que operá-lo imediatamente.
Tudo que pôde fazer, depois do veredicto, foi recostar-se no banco.
Estava visivelmente preocupada e abatida. Marston observou cada um de
seus movimentos, mas não disse mais nada até chegarem ao aeroporto.
Assim que estacionaram, virou-se para ela, decidido:
— Espere aqui que já volto.
— Mas… tentou pensar, não gostava que decidissem por ela. Além
do mais, era responsabilidade sua.
— Não complique as coisas e… não perca a oportunidade de ser
servida por um machão chauvinista.
Ainda bem que podia reconhecer isso. Era exatamente o que havia
pensado dele desde a primeira vez que o vira.
Exausta, e no momento incapaz de armar uma briga com um
inimigo tão perigoso, Karen recostou-se no assento e fechou os olhos.
Não devia entrar em antagonismo com Sean Marston, pois só estaria
prejudicando a Clark's e os interesses de Ben.

CAPÍTULO III

— Iremos direto para o hotel — anunciou, quando acabou de jogar a


última mala no táxi. Em seguida, bateu no ombro do motorista.
— Leve-me ao Hotel Fiesta Palace.
Já havia escurecido, e as luzes dos faróis dos veículos brilhavam na
leve neblina que pairava sobre a cidade. O ranger dos breques e a contínua
aceleração dos motores tinham um efeito pavoroso em sua cabeça dolorida.
— Tenho certeza de que não é esse o nome do hotel em que íamos
ficar hospedados.
— Tem razão. Foi minha secretária quem fez a reserva, mas eu a
cancelei. Além disso, precisamos esclarecer alguns pontos antes do início das
reuniões.
— Sim, claro.
A voz de Karen soou como a de uma eficiente executiva, mas na
realidade estava longe de sentir-se assim. Desejou que aquele zumbido
terrível em sua cabeça desaparecesse.
— Não vou lhe pedir nenhum detalhe técnico, pode ficar tranqüila.
Está se sentindo bem? — perguntou, olhando-a com preocupação.
— Sim, está tudo bem.
— Não é o que parece. Assim que chegarmos ao hotel, pedirei o
jantar, você deve estar com fome.
— Obrigada, mas tenho que voltar ao hospital. Ben pode estar
precisando…
— Ora, deixe disso. Ele está em boas mãos, e provavelmente você
nem poderá vê-lo. Sabe como é, os preparativos para a operação… Muita
gente só atrapalha.
— É … pela primeira vez estavam de acordo. Não adiantava nada
ficar pelos corredores. Além disso precisava refazer-se e manter a cabeça fria.
Toda a responsabilidade quanto ao futuro da Clark's estava sobre seus
ombros. Tinha que ter tato suficiente para desempenhar esse novo papel da
melhor maneira possível.
Nisso, o sinal ficou verde e, quando deu por si, estava literalmente
jogada nos braços de Marston. Dois braços fortes a receberam, fechando-se
em torno dele com força.
O táxi moveu-se rapidamente, misturando-se aos outros carros.
— Que trânsito horrível! — disfarçou, tentando desvencilhar-se
daqueles braços, daquele cheiro másculo e perturbador, daquele homem tão
perigoso…
Ao invés de soltá-la, ele apertou-a ainda mais. Impotente diante de
uma situação tão inusitada, por incrível que pudesse parecer, deixou-se ficar.
Não havia como resistir, e de todo jeito não ia adiantar mesmo.
Além disso, exausta como estava, sentiu-se reconfortada com o apoio daquele
corpo viril, sentindo o calor que emanava dele. Ou seria de si mesma? Era
tudo nebuloso, algo muito vago, sentia seu rosto roçando no dele, um
perfume suave. Mas estava cansada demais para reagir, tudo o que desejava
era deitar e dormir.
Finalmente chegaram ao hotel. Era luxuosíssimo, o hall de entrada
do tamanho de duas quadras de tênis, um batalhão de empregados
sorridentes e atarefadíssimos. Sean tomou conta de tudo, e desta vez ela não
reclamou. Era uma sensação nova, e até engraçada, que um homem tomasse
conta dela, como se fosse uma criança indefesa.
Um rapaz levou as malas de Karen até o elevador, e Sean abriu a
porta de um quarto com a própria chave.
— Sente-se — disse, indicando um sofá de vime, com almofadas
fofas e coloridas. — O que vai tomar?
Karen recusou polidamente, mas ele despejou algo em um copo,
colocando-o nas mãos dela.
— Isso vai mantê-la viva até trazerem o jantar.
Ela tomou um gole do brandy, enquanto ele tomava as providências
pedindo o jantar. Olhou em torno de si, e percebeu que estavam em uma sala
de estar. À sua esquerda havia uma porta entreaberta, e ela pôde ver, no
interior do quarto, os pés de uma cama. Evidentemente era uma suíte. Claro,
por que não? Ele era riquíssimo e fazia questão de tudo que lhe era de direito.
Quando ele acabou de falar ao telefone, aproximou-se, sentando-se
ao lado dela.
— O jantar não vai demorar. Pedi bifes com legumes. Está bem
assim?
— Sim, obrigada.
— Talvez fosse melhor eu ir até meu quarto antes de jantarmos.
— São quatro andares acima. Mais tarde eu a levarei até lá.
Enquanto isso, use o meu banheiro.
Falava com tanta naturalidade que pareceria infantil se insistisse em
ir ao outro quarto. E sua inexperiência era algo que não gostaria de
demonstrar.
— Obrigada.
Tentando aparentar a maior naturalidade possível, pegou a bolsa e
dirigiu-se para o banheiro. Era uma peça imensa, toda em mármore verde,
extremamente luxuosa. Olhou para a banheira com água na boca; um bom
banho era tudo de que precisava nesse momento, mas sua autocensura foi
mais forte, não queria intimidades com aquele homem. Contentou-se em
lavar as mãos e o rosto. Assentou melhor a roupa e olhou-se no espelho. Era
uma jovem linda; o que mais sobressaía em seu rosto alvíssimo eram os
enormes olhos amendoados, complementos perfeitos para a boca, muito
vermelha, e o nariz afilado. Escovou várias vezes o cabelo preto e sedoso. Um
lampejo de tristeza passou visível por seus olhos ao pensar na sorte de Ben.
Não conseguiria ficar tranqüila se não se mantivesse constantemente
informada sobre o estado de saúde dele. Quando voltou à sala, um garçom
dava os retoques finais na mesa de jantar; um aroma delicioso tomava conta
da sala. Só então percebeu que estava faminta. Sobre um carrinho, estavam
dispostas várias travessas de prata, e Sean provava o vinho. Hesitou por um
instante, no vão da porta. Aquela intimidade toda chocou-a, preferia jantar
num restaurante qualquer. Por outro lado, queria passar a imagem da mulher
liberada, segura de si, decidida. O pior era que aquele homem tinha o dom de
tirá-la do sério só com a simples presença. Não sabia por que, sentia-se
inibida, pouco à vontade… Mas não devia mostrar-se desconfiada, seria pior.
De mais a mais, Marston não tinha nenhum interesse dissimulado para trazê-
la à sua suíte. Claro que não. Tinham negócios a tratar.
Ao vê-la parada, ele sorriu. Novamente sentiu-se desconcertada, até
mesmo tímida, devia estar ficando louca. Que sensação estranha! Mas não
havia dúvida, era um sorriso cativante. — Chegou bem na hora, Karen.
O garçom puxou a cadeira e em seguida serviu o jantar, retirando-
se.
Karen saboreou os bifes suculentos, as batatas, cenouras e ervilhas
só com os olhos. Ele não perdeu esse detalhe e sorriu, encorajando-a. Não foi
preciso que falasse duas vezes. Comeu com apetite. Sean limitava-se a manter
seu copo cheio o tempo todo. Quando terminaram, ele empilhou os pratos no
carrinho, servindo-a de queijos e doces. Era um perfeito anfitrião. Karen
suspirou, ao saborear um doce.
— O jantar estava delicioso. Confesso que estava morta de fome.
Sean levou a bandeja do café para uma mesinha baixa, perto do sofá,
e Karen serviu-o.
— Gosto de pessoas sinceras. Fico irritado quando peço um jantar e
observo minha convidada comendo com falsos requintes, como um
passarinho esquelético.
Karen riu nervosamente.
— Eu gostaria de ser um pouco mais esquelética, mas infelizmente
sou muito gulosa.
— Eu diria que você é perfeita — disse, olhando-a, insolente, dos
pés à cabeça, detendo o olhar nas pernas longas e esbeltas.
— Suponho que você seja um expert. — Céus, onde estava com a
cabeça ao aceitar aquela provocação? Devia era pô-lo em seu lugar.
Educadamente, é claro, mas para que incitá-lo ainda mais com uma frase
provocante? Levantou-se apressadamente e dirigiu-se para onde estavam as
malas, pegando uma delas.
— Acho que tudo de que precisamos está aqui, sr. Marston — disse,
decidida a falar de negócios e espalhando o conteúdo sobre a mesa em frente
ao sofá.
— Você é uma moça eficiente, não é mesmo? — foi a resposta dele,
após um breve silêncio. — E, por favor, não me chame de sr. Marston. Meu
orgulho fica ferido quando uma moça encantadora como você me chama de
senhor. Meu nome é Sean.
Colocou a xícara de café sobre a bandeja de prata e chegou-se para
mais perto de Karen, ao mesmo tempo em que pegava um bloco de notas.
Durante alguns segundos pareceu estudar seu conteúdo, virando as páginas,
depois deixou-o de lado.
— Acho que não vou conseguir me concentrar. No momento, existe
algo mais agradável a ser feito.
Era óbvio que ia beijá-la, e mais óbvio ainda que ela devia evitar a
todo custo que aquilo acontecesse. Não podia ser uma presa fácil, pois isso
poderia conduzi-la a uma série de complicações.
Mas sentia-se envolvida por uma deliciosa sensação de torpor, seus
membros pareciam não reagir, sua vontade menos ainda. Sean cobriu sua
boca com a dele, despertando-a de modo tão intenso que ela deixou-se
embalar totalmente pelo efeito quase hipnótico daquele homem. Ele movia
sua boca lentamente contra a dela, provocando-a com perícia, até ela
abandonar-se completamente. Sua mão acariciou-lhe a face, a nuca, os braços,
com movimentos ritmados, lentos. Uma languidez sem fim invadiu-a,
enquanto cedia, passiva, incapaz de resistir a qualquer exigência dele.
O que aconteceu em seguida foi muito estranho. Karen delirava,
como que num sonho feito de prazeres sensuais, os olhos fechados, a cabeça
abandonada no sofá. Mas de repente ela sentiu que perdia a consciência, e
uma escuridão macia e aveludada deslizou sobre a sala.
Voltou a si relutante, tentando voltar ao juízo normal, mas não
conseguia, estava tudo muito estranho. Aos poucos foi distinguindo a
iluminação de um abajur, percebeu que estava deitada num sofá, cercada de
almofadas. Sentiu a maciez do cobertor muito nitidamente porque…
porque… estava nua! Aos poucos rememorou a viagem, Ben, o hospital e…
Sean Marston. Sim, estava prestes a ser seduzida por ele, e sem a menor
resistência. Mas tudo isso era irrelevante diante do fato de que Ben pudesse
estar… Oh! Deus, pensou ela, apavorada. Tinha que saber como Ben estava.
Agarrou o cobertor, olhando em volta à procura de suas roupas.
Com certeza ele as tirara depois que ela desmaiara, não podia sequer
recriminá-lo por isso. Mas também não podia deixar de sentir-se perturbada
ao saber que ele penetrara daquela forma em sua intimidade. Uma espécie de
sexto sentido a avisara de que nunca conseguiria ter uma relação meramente
formal com esse homem desde a primeira vez em que o vira. E quem ia sair
perdendo? Logicamente ela, a idiota que planejara casar-se com um homem
pacato e viver a vida toda só para seus ideais. “Ah! A vida nos prega cada
peça!”, pensou. Mas não ia assistir impassível às coisas, tinha um objetivo na
vida e não deixaria que tudo fosse destruído sem fazer nada. A primeira
providência a ser tomada era manter Marston a distância. A partir de agora
teria com ele uma relação formal, estritamente profissional. Colocou a roupa
apressadamente e endireitou a saia como pôde, dirigindo-se para o quarto
dele; precisava saber notícias sobre Ben. A porta estava escancarada. Avistou
a longa forma de seu corpo sob os lençóis e deu-se conta de que nunca, antes,
havia visto um homem na cama. E ela tinha certeza de que aquele homem
estava nu. Segurando a respiração, deu mais uns passos à frente, e estendeu a
mão, pretendendo acordá-lo.
Então seu coração teve um sobressalto. Percebeu, na luz opaca
filtrada pela janela, que os olhos de Marston a fitavam. Que canalha… não
estava dormindo, sabia o tempo todo que ela estava lá, observando-o. Ficou
paralisada, quando ele, num gesto felino, a puxou para a cama, seu braço
sobre o corpo dela, a outra mão sobre o seio, impedindo que fizesse qualquer
movimento. Karen olhou-o, sentindo-se tal como um animalzinho diante da
fera prestes a dar o bote.
— O que pensa que está fazendo? — balbuciou ela.
— Terminando o que comecei ontem à noite, antes de você apagar…
— Não… pare com isso. Está ficando louco? — abriu a boca para
protestar, mas ele aproveitou-se disso para beijá-la. Karen esboçou uma tênue
e ineficaz resistência. Era inútil tentar resistir a um beijo desses; um beijo
dosado, nem selvagem, nem suave. Era puro êxtase. Quando ele acariciou-lhe
o seio, Karen entregou-se ainda mais ao beijo. Sentiu que era levantada e
pressionada contra o corpo forte, viril. Perdeu-se no prazer que ele lhe
proporcionava. Era simplesmente loucura, mas só desejava que ele
continuasse, não lhe negaria nada.
Mas de repente ele a soltou e rolou para o outro lado da cama,
dando-lhe as costas. Respirava com dificuldade, e Karen entendeu que ele
tinha ido mais longe do que havia planejado, e que agora lutava para se
dominar. Virou-se novamente para ela e sentou-se.
Ela saiu da cama e foi sentar-se em uma cadeira próxima. Ficaram se
olhando, em silêncio.
— Bem, parece que fomos um pouco longe demais, não é mesmo?
Karen suspirou, aliviada. Graças a Deus, estava dando pouca
importância à coisa, precisava entrar nesse jogo. Endireitou-se na cadeira.
Sua sensibilidade a advertia de que os momentos seguintes seriam
críticos. Agora ela deveria dizer a coisa certa, para estabelecer uma relação
cordial, e dar a entender que um beijo… nada mais era do que um beijo. Um
instinto criado pela proximidade. Aliás, era isso, realmente, o que um beijo
significava para Marston. E quanto a ela? Reconheceu que nunca em sua vida
havia sentido algo igual, que nunca havia tomado tanta consciência de seu
próprio corpo. Mas logo afastou esse pensamento.
— Entrei em seu quarto porque queria saber as horas, meu relógio
parou. Preciso telefonar para o hospital, estou muito preocupada com Ben.
Agora que estava voltando ao seu estado normal, Karen começou a
sentir remorsos por ter se comportado daquele jeito, esquecendo-se
inteiramente de Ben. Sentiu-se um monstro de insensibilidade.
— Relaxe — disse ele, acalmando-a. Eu telefonei para o hospital
ontem à noite. A operação foi bem-sucedida, e ele está passando muito bem.
Podemos visitá-lo a partir das dez horas. E agora são… — ele deu uma
olhada no relógio de cabeceira — são só sete.
— Oh, que alívio! Muito obrigada.
— Mas é claro que depois de uma operação dessas ele deverá ficar
alguns dias no hospital. Não existe a mínima possibilidade de Ben assistir ao
simpósio.
— Não, suponho que não. Isso quer dizer… que o negócio não será
mais realizado?
Ele recostou-se nos travesseiros, observando-a.
— Isso significa tanto assim para você?
— Sim. Ben tem passado por uma fase muito difícil ultimamente, as
coisas não têm sido nada fáceis. Mas é claro que você sabe disso tudo. Aliás,
foi por isso mesmo que ele o procurou. Estava tão esperançoso, achando que
agora não ia ser preciso fechar a fábrica… com a sua ajuda….
— Sim. Mas quero saber a importância que você dá a isso. Ele a
estava interrogando novamente. Querendo saber o papel de Ben em sua vida.
Pois não ia satisfazer essa curiosidade.
— Eu perderia um bom emprego. Isso é sempre muito importante.
— Muito bem. Você não é obrigada a responder. Posso descobrir por
minha própria conta.
O homem era realmente impossível, insuportável, daria tudo para
poder dizer-lhe isso com todas as letras, sem rodeios. Mas limitou-se a
levantar-se, assumindo uma atitude muito rígida.
— E agora, se me der licença, vou até o meu quarto. Gostaria de
tomar um banho e mudar de roupa.
— Acho que não vale a pena ir até lá. Escolha a roupa que vai usar,
enquanto tomo uma ducha, e depois o banheiro é todo seu. Depois vamos
descer para tomar café, enquanto falamos de negócios. E, dessa vez, sem
desviar de conversa — acrescentou, com um olhar zombeteiro.
Por pouco não avançou sobre ele, sua vontade era socá-lo, arranhá-
lo, agredi-lo de qualquer forma, só não distinguia bem porquê. Se por causa
do cinismo, do deboche ou do pouco significado que tudo aquilo tinha para
ele. O fato é que não podia fazer nada e não adiantaria ficar se lamentando.
Tinha que tocar a bola para frente.
— Tudo bem. — E como ele já ameaçava jogar os lençóis para o
lado, bateu em retirada, apressada. Ele observava-a divertido. Devia
considerá-la uma caipira, e talvez tivesse razão; não era nenhuma ignorante,
mas não estava acostumada a viver no meio dele. Era idealista, sincera, leal
e… até agora muito prática. Não estava acostumada a lidar com um homem
desses. Mundano, rico, sofisticado, completamente diferente de todos os que
conhecera. Ou talvez a diferença estivesse no fato de que, com os outros, ela
sempre dera as costas, ao passo que… Nunca, com nenhum outro homem
permitira que um encontro se tornasse mais íntimo, alguns beijos e só. Nunca
permitira que pedissem mais do que estava disposta a dar. E agora, o que
acontecia? Vinha esse desconhecido, não pedia nada, e ela cedia. Mas, na
verdade, nunca se interessara de fato por alguém antes, e até por Ben não
sentia algo parecido.
Seu senso prático não falhara uma única vez durante toda a vida,
era uma criatura até certo ponto fria, que achava que nunca seria atingida por
uma paixão devastadora. Não acreditava nisso. Idealizava um casamento
como o dos pais, cheio de companheirismo, de interesses em comum. E só.
Tinha certeza de que com Ben conseguiria isso. Mas Ben estava tão longe do
que sentira há pouco, nos braços de Sean Marston… Um sentimento louco,
puro, genuíno… O banheiro é todo seu. A voz de Sean ressoou pela sala. Ela
virou-se e deparou com ele de pé, com uma toalha enrolada em volta da
cintura, o cabelo úmido e brilhante. Não adiantava querer se convencer do
contrário, ele era mesmo um homem estonteante. Tão… tão viril, tão
másculo, com aquele corpo sólido, os músculos firmes, alto, um pouco
inclinado para a frente, numa atitude cortês e zombeteira ao mesmo tempo.
Karen percebeu que o estava olhando descaradamente, e sentiu um
súbito calor subir-lhe às faces.
— Ah, sim, obrigada — agradeceu mais que depressa e passou por
ele rapidamente, entrando no banheiro.
Meia hora depois, estava pronta. A ducha fez com que se sentisse
outra, devolvendo-lhe a imagem da secretária eficiente. Olhou-se no espelho
antes de pegar a bolsa. Vestia um conjunto de linho rosa, elegante e discreto,
e o fio de pérolas minúsculas dava um toque todo especial à roupa. Sean
estava o protótipo do homem de negócios: terno cinza e camisa branca.
Estava no sofá, examinando uns papéis. Levantou-se, olhando-a de cima a
baixo assim que ela entrou na sala.
— Maravilhosa…
— Muito obrigada — respondeu, distante.
Ele veio na direção dela, e, pondo o braço em volta de seus ombros,
encaminhou-se para a porta.
Passaram frente a um espelho, e Sean deteve-se, observando a
imagem refletida.
— Parecemos feitos um para o outro. Poderíamos realizar grandes
coisas juntos — disse, sorrindo e inclinando a cabeça um pouco para o lado.
Karen estremeceu ligeiramente ao olhar para o espelho. Via um
homem alto, atraente, magnífico. Uma moça morena, esbelta e insinuante ao
lado dele. E que parecia infinitamente mais equilibrada e sofisticada do que
na verdade se sentia.
E era esse seu principal objetivo: não deixar transparecer nada do
que sentia, pois seria muito mais perigoso. Enquanto caminhavam para o
elevador, disse friamente.
— Estou disposta a fazer qualquer coisa para ajudar Ben. Ele deu
um sorriso significativo:
— Está bem, Karen. Quando chegar a hora veremos.
Novamente, ela sentiu-se pouco à vontade, a descoberto. “O que ele
queria dizer… o que pretendia dela?”, questionou-se aflita.
Ele tinha o dom de dizer palavras ambíguas só para importuná-la,
deixá-la insegura e nervosa.
O restaurante era enorme e, àquela hora, poucas mesas estavam
ocupadas. Pediram o café, e, enquanto saboreavam deliciosos brioches e
compotas, Sean finalmente começou a falar de negócios.
— Vi os livros de contabilidade — disse ele. — Mas agora necessito
de detalhes mais específicos. — E começou a metralhá-la de perguntas.
Prosseguiu, inexorável, até a cabeça de Karen parecer que ia estourar.
Mas ela respondia às perguntas da maneira mais simples e breve
possível, e de vez em quando ele assentia com a cabeça.
— Acredito que há mercado para a Clark's em diversas firmas de
meu grupo. Vários diretores e representantes estarão em Acapulco, e gostaria
que você os conhecesse.
— Eu? — a voz de Karen subiu um tom. — Mas eu não poderia ir a
Acapulco agora que Ben está no hospital!
— Oh, eu acho que você deve ir. É necessário que um representante
da Clark's esteja lá. Eu sempre faço questão de manter meus diretores
informados e pretendo ter o apoio deles antes de concluir o negócio.
— E se eles não aprovarem?
— Nesse caso, sou obrigado a reconsiderar tudo… Bem, agora
vamos até o hospital. Você parece ansiosa pelas notícias, não é?
No hospital, Sean procurou pelo médico com quem Karen havia
falado na noite anterior. Este mostrou-se cortês e prestativo, sem qualquer
vestígio da maneira maliciosa com que a tratara na véspera. Com certeza
sabia quem era Sean Marston. Qualquer que fosse o motivo, logo a
conduziram ao quarto onde Ben se encontrava.
Ficou horrorizada quando o viu, imóvel, sob os lençóis, o rosto de
uma palidez mortal, cercado de tubos e aparelhos. Mas estava acordado e
reconheceu-a, esboçando um fraco sorriso.
— Ben, como está se sentindo?
— Agora… agora bem melhor. Eles me recortaram inteirinho.
— Logo você vai melhorar. E, quando sair daqui, começará uma
vida nova. Pode ter certeza.
— Você está se referindo… à Clark's? — E seus olhos iluminaram-se.
— Sim. Escute, Ben. Sean Marston quer que eu vá a Acapulco. Ele
diz que é preciso que a Clark's tenha um representante lá. O que você acha?
— Ben parecia tão cansado que sentia remorsos em expor-lhe esses
problemas.
— Diga sim ou não, Ben. Farei o que você achar melhor. Ele olhou-a
silenciosamente, e depois murmurou:
— Por favor, vá, Karen. E… cuide-se.
Karen teve a sensação de que a frase havia ficado inacabada, que ele
desejava acrescentar algo mais.
— Pode ficar tranqüilo, Ben. Tomara que possa lhe trazer boas
notícias.
— É… — A voz dele estava muito fraca, e Karen inclinou-se e
beijou-o na testa. Foi então que percebeu que a porta do quarto estava
entreaberta, e Marston lá, parado, olhando para dentro do quarto. Que
insolência! Naturalmente tinha feito questão de espionar seu encontro com
Ben.
Foram embora juntos, em silêncio. Ao chegarem ao táxi que os
esperava, Marston perguntou: — Então, o que foi que resolveu?
— Ele parece tão doente… Espero que se recupere.
— Ele é um homem feliz por ter alguém que se preocupa tanto com
seu bem-estar.
— Claro que me preocupo.
Um silêncio pesado caiu sobre eles até que chegassem ao hotel.
Havia mais papéis a serem estudados. Sean de repente transformou-
se num verdadeiro homem de negócios, exigente, prático e ativo. Juntos
examinaram todos os detalhes dos relatórios da Clark's. Ele aprofundava-se
nos mínimos detalhes. Karen não pôde deixar de reconhecer que respondia a
algumas perguntas com mais eficiência que o próprio Ben.
Finalmente ele fechou as pastas.
— Acho que podemos parar por aqui. Agora vamos tomar café.
Karen hesitou, e depois disse.
— Antes disso, será que poderia me comunicar com o escritório da
Clark's? Ficaria mais tranqüila se informasse ao pessoal o que está
acontecendo.
— Boa idéia — disse ele, olhando para o relógio. — Talvez ainda
estejam no escritório.
Imediatamente ela sentou-se na cama e discou para a telefonista.
Dentro de poucos instantes, estava falando com Jean,
Depois de tudo acertado, Karen serviu o café nas delicadas xícaras
de porcelana.
— São bonitas — disse, admirando-as, distraída, e ainda pensando
em Jean. — Creme, Sean?
Ele fez que não com a cabeça.
— Preto, por favor.
Recostou-se no sofá e ergueu a xícara para examiná-la.
— É verdade, os mexicanos são muito habilidosos nesse tipo de
porcelana. Se a produzissem em larga escala, melhorariam considerável-
mente seu padrão de vida. Mas a nível de artesanato não se torna
economicamente viável.
Acapulco era mais do que Karen ouvira falar: um lugar eleito pelos
ricos e famosos. O sol maravilhoso, areias douradas, corpos bronzeados
esquiando sobre as águas azuis do oceano. Barcos a vela e luxuosos iates. O
hotel onde Sean havia feito reservas erguia-se sobre a baía, branco e imenso,
contra o verde das florestas e o azul do céu.
O quarto de Karen era no sexto andar, dava para a baía e possuía
todo conforto e luxo. A cama e os móveis eram de vime branco, e as cortinas e
acolchoados, amarelos. Perto da enorme janela panorâmica havia uma
cadeira de balanço. Na parede de frente à cama, um móvel que ia de uma
extremidade à outra do aposento, com um aparelho de televisão, uma
penteadeira e uma pequena geladeira embutidos. Uma Porta dava para um
closet.
— Este quarto é do seu agrado? — perguntou Sean, entrando, muito
à vontade, sem pedir licença. — Foi o melhor que pude conseguir, de última
hora. Não existem muitos quartos de solteiro.
— É esplêndido!
Karen foi até a janela, e olhou para baixo; além da floresta tropical,
avistou, na praia, uma porção de cabanas, circundadas por enormes
palmeiras.
— Este não é o quarto que me haviam destinado, não é mesmo?
— Não. Você e Ben tinham reservas em outro andar. Mas agora que
você está sob minha responsabilidade, quero que fique perto de mim.
Aproximou-se dela e pousou ambas as mãos no parapeito da janela.
Apesar de não tocá-la, Karen sentiu que seus braços a circundavam. Prendeu
a respiração.
— Você não precisa cuidar de mim — disse ela, mantendo os olhos
fixos no cenário da baía. — Estou acostumada a me cuidar. Tenho vinte e três
anos, e falo espanhol o suficiente para fazer-me entender.
Decidido, caminhou na direção dela. Karen deu um passo atrás, mas
desta vez não havia como fugir, pois não podia ir além da porta do closet. Ele
alcançou-a e apoiou as mãos contra a parede, encurralando-a.
Karen fitou-o, eletrizada. Ele sorriu, e pequenas rugas apareceram
no canto dos olhos escuros e brilhantes. Ela observava as maçãs de seu rosto,
salientes, a boca firme e sensual. A boca aproximava-se cada vez mais, e em
seu íntimo ela agitou-se, sentindo quase como uma dor.
“Não posso lutar contra isso”, pensou, desesperada. “Não posso
resistir a esse homem.” Todas as artimanhas que ela costumava usar para
evitar que as coisas fossem longe demais pareciam não estar funcionando. A
emoção que sentia era algo inédito, primitivo e esmagador.
“Oh, Deus”, pensou ela, “talvez eu esteja enlouquecendo, mas acima
de qualquer coisa, quero que este homem me beije.”

CAPÍTULO IV

Seus olhares se cruzaram, e um silêncio estranho pairou no ar, cheio


de significados. O coração dela batia tão forte que parecia ecoar no quarto
inteiro. Sean tinha os olhos fixos nela, olhando-a de um jeito estranho. Sem
saber o que fazer, Karen encolheu-se um pouco, tremendo. Era impossível
ignorar aquele clima mágico que os envolvia. Fechou os olhos, achando que
sonhava. Ele começou a acariciar-lhe o rosto, depois encostou os lábios em
sua face. Aqueles beijos a queimavam, a faziam perder o fôlego. Movida por
um impulso selvagem, abraçou-o, mergulhando os dedos nos cabelos negros.
As bocas se uniram, famintas, urgentes, cheias de paixão. Devagar, ele
acariciou-lhe os seios. O desejo que explodiu nela foi tamanho que seu corpo
todo estremeceu. Ele continuava a beijá-la, descendo os lábios pelo pescoço
delgado até os seios, brincando com os mamilos intumescidos, arrancando-
lhe gemidos de prazer.
Mais um minuto e ela diria “sim” àquele desconhecido sem
pestanejar. Nem nas fantasias mais loucas chegara a imaginar um prazer tão
grande. Sean… Queria abraçá-lo, sentir seu corpo todo, acariciar aquela pele
morena. Queria entregar-se, estava louca de paixão. Nem mesmo o medo das
conseqüências do que iria fazer seria capaz de impedi-la.
De repente, sem mais nem menos, ele soltou-a, afastando-se:
— Estamos começando bem…
— Decerto estava prestes a rir de sua expressão estupefata e
confusa.
— Os diretores já devem estar aí. Daqui a cinco minutos venho
apanhá-la. Ah! O meu quarto é bem aí ao lado.
“Que insolente! O que estava pensando? Também, o que mais
poderia pensar? Estava manipulando-a como bem entendia, e ela não
esboçava a mínima reação. Não passava de um joguete nas mãos dele. Ou
reagia agora, ou ele iria dominá-la para sempre”, concluiu para si mesma.
Virou-lhe as costas e foi desfazer as malas.
— Preciso de pelo menos quinze minutos e pretendo ir à floricultura
do hotel antes de qualquer reunião.
— Está bem, quinze minutos — abriu a porta e saiu.
Ah! Meu Deus! Tudo estava sendo tão difícil, tão problemático!
Conforme o tempo passava, Marston mostrava-se cada vez mais disposto a
complicar sua vida. Bem que ele podia ser um homem de meia-idade,
barrigudo, casado e com vários filhos. Como seria mais fácil! Poderia
trabalhar tranqüila, sem estar à mercê de um sentimento que a atordoava e
que ele fazia questão de incitar.
Terminou de abrir a mala e pôs-se a pendurar as roupas no closet;
olhou seus vestidos, incerta. Os de algodão não pareciam muito adequados
para o que já havia visto de Acapulco. Mas, afinal de contas, raciocinou,
estava ali a negócios. Escolheu um vestido de seda tomara-que-caia,
estampado em tons de azul-marinho e roxo, e colocou uma faixa roxa na
cintura. Ao sentar-se para pentear o cabelo e retocar a maquilagem, inclinou-
se para o espelho e reparou que o batom estava borrado. “Por causa dos
beijos de Marston”, observou, enquanto passava um lenço sobre a boca com
as mãos trêmulas. Será que ele havia suspeitado que estava disposta a dar-lhe
mais do que um beijo? Devia ser mais cautelosa, isso não podia acontecer
novamente.
Foi até o banheiro e jogou água fria no rosto; depois procurou
concentrar-se na maquilagem. Quando Sean bateu à porta, recebeu-o
formalmente, munida de um sorriso à executiva. Ele havia trocado o terno,
que usara desde o vôo da Cidade do México, por calça e camisa esportes. O
tecido leve da camisa delineava o contorno de seus ombros e os braços
firmes. A contragosto, Karen admitiu que era um homem estonteante,
extremamente atraente. Apoiava-se na porta entreaberta de modo displicente,
sem o menor constrangimento de devorá-la com os olhos enquanto ela
caminhava para pegar a bolsa. “Insolente! Arrogante!”, pensou irada. O que
mais a revoltava era que, no fundo, no fundo, sentia-se perturbada pela
sensualidade quase selvagem que emanava dele. Já sabia bem onde morava o
perigo, e o que tinha a fazer era resisti-lo. Tinha que tomar muito cuidado e
agir com muito tato.
— Eficiente como sempre, com excelentes resultados, devo dizer.
Vamos?
Karen teve a impressão de que sozinha poderia perder-se na
imensidão daquele hotel. Era uma pequena cidade, com galerias,
restaurantes, lojas e bares. Por todos os lados havia gente conversando,
bebendo, rindo. Algumas pessoas já estavam vestidas para a noite, outras
ainda circulavam em roupas de praia. A fragrância de perfumes e de charutos
caros pairava no ar. Garçons em casacas vermelhas e calças brancas moviam-
se compassadamente por entre as mesas dos bares, sobre tapetes felpudos e
macios. De algum lugar chegavam os acordes monótonos de uma guitarra.
Sean, sabendo bem aonde ia, conduziu-a a uma galeria cheia de
lojas, cujas vitrines expunham jóias e roupas deslumbrantes.
— Você deve vir dar uma olhada aqui antes de ir embora. É o lugar
ideal para comprar alguma lembrança.
— Parece tudo muito além das minhas possibilidades.
Ele deu uma risadinha e apertou com força o braço dela.
Felizmente, naquele momento exato, avistou uma floricultura,
dirigindo-se imediatamente para lá, sem esperar por ele. Sabia que ele a
observava enquanto escolhia as flores, mas não tentou interferir, ou mesmo
sugerir que seu nome fosse acrescentado ao dela no cartão onde Karen
escreveu algumas linhas. “Querido Ben. Espero que sare logo. Com afeto,
Karen.”
Conseguiu fazer-se entender muito bem pela vendedora e, enquanto
contava os pesos no balcão, sorriu satisfeita consigo mesma pela desenvoltura
com que deu cabo da pequena transação.
Sorriu com frieza para Marston ao ir ao seu encontro.
— Dever cumprido? Está satisfeita agora? — perguntou, no tom
irônico que costumava usar sempre que se referia à Ben.
Ela não podia deixar isso ficar assim…
— Não foi absolutamente um dever — retrucou secamente.
— Digamos então que foi um prazer, e que Ben Clark é um homem
de sorte!
Karen reparou que ele dizia aquilo com um brilho divertido no
olhar, e quase o agrediu. Mas reprimiu-se a tempo. Pa que a Clark's
sobrevivesse, nos próximos dias ela teria que exercer um domínio quase
absoluto sobre si própria.
Ao chegarem ao andar térreo. Sean conduziu-a a uma imensa sala
decorada em tons de vermelho e preto, lambris e espelhos brilhantes. No
fundo, havia um bar.
— Chegamos. Meus diretores já chegaram, como imaginei. —
Acenou para dois homens que estavam sentados no bar, que imediatamente
se levantaram dirigindo-se a eles. Sean cuidou das apresentações.
— Karen, Harry Walker e Max Friend. Karen está representando a
Clark's Ltda., de Lessington, e tomará parte nas reuniões.
— Tenho certeza de que todos vão simpatizar com ela — disse Max
Friend com um olhar significativo, segurando-lhe a mão mais do que o
devido.
Era um homem atraente, apesar da aparência vulgar. Vestia calça
branca e camisa rosa. Seu cabelo era louro e ondulado, e tinha os olhos azuis
injetados de sangue. O outro homem era bem diferente: gordo, de queixo
quadrado, sobrancelhas grossas e olhos de um cinza metálico. Encarnava o
clássico homem de negócios. Apertou a mão de Karen com força, fitando-a
com curiosidade. Em seguida observou o chefe atentamente e novamente
voltou-se para ela. Karen pensou que talvez sua intuição estivesse aguçada
demais, mas teve certeza de que Harry Walker estava fazendo conjeturas
sobre a verdadeira natureza de sua relação com Sean Marston. Pareceu
concluir que eles eram íntimos. Se Sean percebeu alguma coisa, obviamente
fez o jogo do outro, deixando que pensasse o que quisesse.
Sentaram-se a uma mesa afastada; depois de pedirem os drinques a
conversa transcorreu sobre coisas rotineiras. Max Friend estava chegando da
Flórida, e Harry Walker, do Canadá.
— Sua mulher veio com você, Harry? — perguntou Sean de sopetão.
Harry Walker retesou-se, parecia atingido por algo.
— Ela virá mais tarde, está com amigos em Nova York.
— Ah, olhem só quem está aqui! — exclamou Max Friend, num tom
meio desdenhoso. Abaixou a voz e aproximou-se mais de Karen. — Agora
você irá conhecer uma das sete maravilhas do mundo moderno.
— O que quer dizer com isso?
— Um casal feliz, o que já é uma exceção, vocês não acham? E, como
se isso não bastasse, parecem dois pombinhos.
Sean levantou-se para receber várias pessoas que também estavam
chegando. Todos pareciam conhecer-se. Harry Walker puxou sua cadeira
para perto de Karen.
— Então é de Lessington, srta. Lane? É um lugar muito agradável, já
estive lá algumas vezes, de passagem para o norte. Clark's Ltda., deixe-me
ver… — ele pareceu consultar sua memória. — Não, nunca ouvi falar.
— Por enquanto somos ainda uma firma muito pequena. Tinha que
ser comedida no que dizia, até pisar em terreno mais seguro.
— Mas querem se expandir, não é mesmo? — Ele riu, desagradável.
— É isso, srta. Lane, estivemos todos na mesma situação, necessitando uma
operação de salvamento, e ninguém mais indicado que Sean Marston. A
firma é sua?
— Oh, não. Estou representando Ben Clark, meu chefe. Ele teve
problemas e está hospitalizado na Cidade do México.
— Ah, que azar! Conhece Sean há muito tempo?
— Conheço o sr. Marston muito superficialmente, só há alguns dias.
Ela devia deixar bem claro, desde o início, que o relacionamento
deles era muito formal, e devia ganhar terreno antes que ele começasse a
fazer insinuações.
— Ah, sim — assentiu Harry, num tom irritante de quem sabia
como realmente eram as coisas. Será possível que Sean já dera a entender que
ele e Karen eram… que estavam tendo um caso?
— Karen! Venha aqui, querida. Quero apresentá-la à Annie e Bill
Goodball.
O som da voz profunda e aveludada pronunciando o seu nome
provocou-lhe um arrepio. Mas… querida! Como ele ousava? Podia sentir o
olhar inquiridor de Harry Walker sobre si. Ferveu de raiva, mas não havia
absolutamente nada que pudesse fazer agora, com toda essa gente em volta.
Era espantoso o modo como ele lhe dava ordens em público, achando natural
que ela as cumprisse.
Por outro lado, iria causar má impressão, na frente de toda aquela
gente, se se comportasse como uma esposa ou namorada rabugenta. Era dar
muita importância à coisa.
Levantou-se sem pressa, dando a volta em torno da mesa. Nem
esperou pela apresentação dele, foi logo dizendo, muito amável:
— Que prazer em conhecê-los! — disse como se fossem as duas
únicas pessoas no mundo que podiam fazer com que ela obedecesse a um
chamado de Sean.
Ele fez com que se sentasse a seu lado, bem perto da sra. Goodball,
uma mulher baixinha e rechonchuda, de enormes olhos azuis e cabelo
cortado bem curto, com uma franja.
Annie Goodball cobriu a mão de Karen com a sua, e apertou-a.
— Que maravilha ter a companhia de outra moça aqui!
Geralmente sou largada às traças enquanto os homens falam de
negócios.
— Sinto muito, Annie. Karen está aqui para assistir às reuniões.
A sra. Goodball fez uma expressão amuada.
— Verdade?
— Não se preocupe, Annie. Nas horas vagas vamos sair todos
juntos: você, Bill, Karen e eu. Que tal?
— Acho formidável, Sean! Será maravilhoso. Você está ouvindo,
Bill? Faremos programas com Sean e Karen, quando vocês não estiverem
trabalhando.
Bill interrompeu sua conversa com outra pessoa, e deu uma
pancadinha afetuosa na mão da esposa.
— Ótimo, querida, ótimo.
Karen estava boquiaberta. Como ele ousava responder por ela, fazer
planos, sem ao menos consultá-la!? Ele estava indo longe demais, precisava
arrumar uma maneira de pô-lo em seu devido lugar sem entrar em atrito
direto. Felizmente, ele distraiu-se numa discussão com seus diretores e ela
pôde finalmente falar por si própria. Mesmo que quisesse ficar em silêncio,
seria impossível; Annie Goodball começou um interrogatório cerrado, queria
saber tudo de sua vida.
— Sean é um sonho de homem, não acha? — comentou Annie. — Se
eu não tivesse me casado com Bill, tenho certeza de que me apaixonaria por
ele. Não que fosse olhar para mim — suspirou. — Ele prefere mulheres
glamourosas. Oh, a mulher de Harry está chegando! Ela não é sensacional?
Karen virou-se, interessada, e logo entendeu o que Annie queria
dizer. Liz Walker não era apenas bonita. Era mesmo sensacional. Alta, esguia,
um corpo perfeito, vestia uma roupa preta com um decote que ia quase até a
cintura. O cabelo ruivo brilhava como seda, sob um enorme chapéu de palha
preta que lhe cobria metade do rosto. Mesmo assim, entrevia-se enormes
olhos verdes, muito maquilados. Sem saber explicar porquê, ocorreu-lhe que
ela possuía o mesmo magnetismo animal de Sean. Os homens todos
levantaram-se quando ela se aproximou da mesa. Mas Liz foi direto para o
marido e beijou-o na face. O rosto severo de Harry Walker iluminou-se como
o de uma criança recompensada pelo bom comportamento. Puxou uma
cadeira para que ela sentasse, e Liz deixou-se cair nela com elegância
estudada.
— Peguei o vôo diurno — disse, num tom de voz rouco e sensual.
Seu olhar fixou-se em Sean.
— Boa noite. Como vai o grande homem?
De relance, seu olhar caiu sobre Karen, sentada ao lado de Sean, mas
não se deteve mais do que um segundo, decerto por achá-la insignificante
demais. O alvo de sua atenção era mesmo Marston.
— Bem, obrigado. E você? — A voz dele era distante e polida.
— Exausta. O ritmo de Nova York é esmagador. Virou-se para o
marido, acariciando-lhe a face de maneira afetada. — Mas não precisa se
preocupar, amor. Nova York é estimulante e correu tudo bem nos meus
negócios…
— Como eu previa, querida. — Harry sorriu, beijando a mão da
esposa.
Karen não sabia porquê, mas tudo naquele casal soava falso, dava a
impressão de que estavam representando. A única coisa que não deixava
dúvida era a paixão de Harry por sua deslumbrante esposa.
— Liz começou a trabalhar há pouco tempo como desenhista de
jóias — esclareceu, orgulhoso.
Todos demonstraram interesse e felicitaram Liz pela sua nova
atividade, e logo a conversa generalizou-se outra vez.
— Karen, quero que você e Liz Walker se conheçam. — Sean
aproximou-se e dirigiu-a até a outra extremidade da sala onde o casal Walker
estava sentado.
— Liz Walker, Karen Lane.
Languidamente, Liz estendeu-lhe a mão, tentando disfarçar o
interesse com que observava a outra. Karen teve certeza de que ia além de
um interesse casual.
— Como vai, Karen? Seja bem-vinda. Harry me disse que tomará
parte nas reuniões. É uma pena que tenha que trabalhar. Acapulco é um
lugar maravilhoso, ideal para passear.
— Eu cuidarei disso — Sean adiantou-se, segurando-a possessiva-
mente pelos ombros. — Estou decidido a organizar o tempo livre de Karen.
— Verdade? Nesse caso, acho melhor você se cuidar, Karen, pois o
homem é perigoso — apesar de dissimular bem, sorriu cheia de desdém.
Sem saber explicar a razão, Karen sentiu-se pouco à vontade diante
daquela mulher; não saberia dizer se pelo tom que ela usava, se pelo sorriso
falso, se pelo cuidado excessivo com que o marido a observava. De uma coisa
não havia dúvida: Sean conhecia muito bem os Walker. Ou talvez… apenas
Liz Walker. Outra certeza que tinha era de que aquele ambiente sofisticado e
cheio de artimanhas não lhe agradava, não fazia parte de seu mundo.
— Vocês vão jantar aqui? — perguntou Harry a Sean.
— Não esta noite. Vou levar Karen para jantar fora. Além disso, ela
deve se distrair um pouco, já teve muitos problemas desde que chegou ao
México. Bom, nos vemos mais tarde.
Fez um cumprimento amável para ambos, e afastou-se abraçada a
Karen.
— Conheço um bom restaurante aqui perto, e podemos ir a pé até lá.
Você vai gostar, a comida é ótima.
Karen já estava com muita fome, mas não ia concordar que ele
decidisse tudo por ela sem ao menos consultá-la. Tinha que ter voz ativa.
— Deixe para outro dia, Sean. Estou muito cansada.
— Não é de admirar. Mas faça uma coisa: deite-se um pouco e logo
estará refeita. Só vamos jantar lá pelas nove horas mesmo. Combinado?
Não adiantava mesmo contrariar Sean Marston. Tinha um modo
especial de contornar as situações e fazer com que as pessoas cedessem aos
seus desejos.
— Combinado — respondeu a contragosto, fechando a porta.
Tirou o vestido e deitou-se na cama, tentando relaxar os músculos
tensos. As lembranças que a perseguiam, atormentando-a desde o dia
anterior, pareciam palpáveis: o cheiro de Sean, seus beijos abrasadores, o
calor de sua pele. Gemeu, excitada: seu corpo todo latejava. Desejava-o, é
verdade, mas aquilo não devia passar de uma forte atração física. Sim, com
certeza era isso. E isso era muito mais fácil de contornar… Uma química
qualquer devia funcionar entre eles, excitando-a como nunca acontecera com
outro homem. Além do mais ele era um expert nisso, sabia como levar uma
mulher à loucura. Para Marston, tudo não passaria de uma aventura. Depois
de muito refletir, concluíra que Sean sentia-se atraído por ela, mas não a
ponto de manter um relacionamento mais profundo. Ele desejava conquistá-
la, era evidente. Mas, depois de alguns momentos de paixão, o que
aconteceria? Ele, provavelmente satisfeito, partiria em busca de novas
emoções, enquanto ela teria que juntar os cacos e amargar em silêncio a dor
de perdê-lo. Não, era um preço alto demais. Queria-o, sim, por toda a vida,
admitiu finalmente. Não podia entregar-se a ele se estavam em posições tão
desiguais. Era o mínimo que podia fazer por si mesma. Ele vivia num mundo
diferente do seu, um mundo sofisticado, repleto de subterfúgios e interesses,
ao qual ela não estava absolutamente acostumada.
O quarto estava gélido por causa do ar condicionado. Levantou-se
para pôr um abrigo. O sol estava se pondo, tingindo de vários tons a baía e as
montanhas. Respirou fundo diante daquela beleza extraordinária; todos os
seus problemas pareceram minúsculos diante da grandeza daquele
espetáculo. Olhava como que enfeitiçada aquela explosão de cores.
Se Ben pudesse estar ali, do seu lado, e participar daquele momento
mágico… Talvez até se apaixonasse por ele e, nesse caso, Sean Marston não
significaria mais nada, Tudo seria tão simples, tão diferente!
O pior é que nem podia agir livremente em relação a Marston
porque o futuro da Clark's estava em suas mãos. Não podia entrar em
conflito direto com ele nem mostrar-se claramente contrariada. Tinha que
encontrar um ponto de equilíbrio para poder conviver pelo menos
socialmente com ele. Ela, só ela, trazia informações preciosas que eram
também do interesse dele. Não podia de maneira alguma entrar em guerra
declarada. Lógico que se quisesse encampar a Clark's o faria, acima de seus
interesses pessoais, mas para isso precisaria de alguns dados que só ela
tinha…
Estava numa roda-viva, num círculo vicioso do qual não podia
escapar. Riu, histérica, ao pensar no que Ben pensaria daquilo tudo; será que
seria capaz de trocar o que sentia por ela pela sobrevivência da companhia?
Tudo aquilo parecia um melodrama antigo.
Acendeu a luz, decidida. Não ia adiantar nada ficar fazendo
conjecturas, tinha que ir à luta e enfrentar o que o destino lhe reservara.
Abriu o armário para escolher um vestido. Optou por um bem exótico, que
adorava de modo especial: era um modelo indiano, todo transparente,
abotoado na frente e com pequeninos botões. O tecido era leve e flutuava ao
menor movimento, contrastando com a seriedade de seu rosto. Observou-se
melhor: era essa a imagem que gostaria de passar.
Puxou o cabelo para trás, amarrando-o com uma fita em cetim, da
mesma cor do vestido, e passou algum tempo fazendo uma maquilagem leve
e discreta. Sombra verde-acinzentada, um batom muito claro, um pouco de
base para suavizar o rubor das faces e para dar um ar mais austero. Um
brilho traiçoeiro em seus olhos denunciou a excitação que queria disfarçar.
Observou-se melhor: não, nada mais era do que nervosismo pela batalha que
se prenunciava. Teria que fazer frente a um terrível adversário.
Deu uma olhada no relógio. Nove horas, ele havia dito, e não eram
ainda oito e meia. Mas estava muito impaciente para ficar esperando no
quarto. Pegou um xale sobre os ombros e encaminhou-se para o elevador.
No andar térreo, constatou que os salões estavam vazios e
silenciosos, depois de toda aquela animação da hora do aperitivo. Sean estava
certo, ninguém saía para jantar antes das nove.

CAPÍTULO V

O restaurante ficava num lugar retirado. Chegava-se até lá por uma


estradinha que saía da rodovia principal. Aos olhos de Karen, a casa pintada
de branco, situada no alto de uma elevação, mais parecia um castelo
encantado, com as montanhas azuladas ao fundo. Sentiu um arrepio de
satisfação quando transpuseram os portões de ferro e chegaram ao pátio,
protegido por enormes muros de pedra. Jarros imensos de cerâmica estavam
colocados em nichos nas paredes, cheios de brincos-de-princesa.
— Prefere ficar fora ou dentro?
Karen pensou rápido. Fora o clima seria menos romântico. O maitre
aproximou-se sorridente:
— Senhor Marston! Que prazer!
— O prazer é meu, Carlos. Tem uma mesa para dois?
— Claro que sim — conduziu-os envaidecido a uma mesa colocada
sob uma árvore enorme. Puxou a cadeira para Karen, curvando-se
polidamente.
— Está bem aqui, Karen? — Seus olhos cinzentos brilhavam
intensamente, e os lábios se abriram num sorriso deslumbrante, revelando
dentes muito brancos e regulares.
Um garçom serviu o vinho, que ela achou oportunamente bem-
vindo. Assim pelo menos tinha alguma coisa em que concentrar sua atenção,
porque só aquele sorriso já a tinha desnorteado pela intensa magia que
transmitia. Como sempre, Sean estava elegantíssimo, num terno claro de
corte impecável, que punha em evidência os ombros largos e o corpo atlético.
O pior é que dirigia a ela um olhar brilhante, como se Karen fosse quem ele
mais desejava ver. Mas ela não se deixou enganar: aquilo não passava de uma
pose sedutora que ele usaria com qualquer outra mulher.
O ar estava impregnado com o perfume das flores espalhadas por
toda parte, em trepadeiras que subiam pelas paredes no jardim bem-cuidado.
O som romântico de um piano chegava até eles, dominando o ambiente. Ela
até conseguiu relaxar. Era um caminho muito perigoso, mas no momento só
desejava uma coisa: aproveitar ao máximo aquela noite.
A comida estava uma delícia, e Karen sentiu-se nas nuvens por ser o
alvo de tantas atenções. Dava-lhe uma certa sensação de poder.
Ela olhou para o colarinho aberto, por onde apareciam alguns pêlos,
e teve vontade de tocá-los. Mas limitou-se a afastar uma mecha do próprio
cabelo, que insistia em cair-lhe na testa.
Sean olhava-a como se estivesse hipnotizado, enquanto ela analisava
abertamente cada detalhe de suas feições.
— Gostou do jantar? — ele falou sem desviar o olhar. Ela respondeu
com um gesto de cabeça; não conseguia falar.
— Quer sobremesa?
Aquela forte atração, o magnetismo crescente e excitante dispersava-
lhe a atenção.
— Não, obrigada.
Karen encarou-o, ainda hesitante, e subitamente algo estranho
aconteceu. As pessoas que os cercavam, o cenário cinematográfico em que se
encontravam, tudo pareceu cessar de existir, e diante dela havia apenas Sean
Marston, recostado em sua cadeira, observando-a com aquele seu olhar
insolente, penetrante. Ouvia apenas o som remoto, distante, das ondas
batendo na praia, o sussurro das árvores, trazido pelo ar quente e úmido da
noite, o exótico perfume da vegetação tropical… Enquanto tomavam um café
revigorante, Karen procurou se acalmar. Não era hábito seu se envolver com
o primeiro homem que aparecesse em sua frente, mas tinha certeza de que
havia algo diferente na maneira com que Sean a olhava, isto desde a primeira
vez em que tinham se encontrado. “Será que estava apaixonada por ele?”,
pensou.
Animado, ele falava do México; era um anfitrião perfeito: contou-lhe
fascinantes trechos de sua história, sua cultura, falou-lhe de suas montanhas,
suas florestas, seus vulcões, das civilizações que ao longo dos séculos haviam
construído uma das mais fascinantes histórias da humanidade.
— Como é que você conhece o México tão bem?
— Meu avô tinha sangue de índio. Ele casou-se com uma americana,
e meu pai conheceu mamãe na Inglaterra. Como vê, sou meio mestiço e tenho
muito orgulho das minhas origens.
Um grupo de músicos chegou com seus instrumentos, e logo o som
persistente das guitarras ressoou pelo ambiente. Dançarinos ocuparam o
centro da pista: duas moças e dois rapazes, vestidos com roupas típicas
mexicanas. Eles rodopiavam, sapateavam, batiam palmas, e o ritmo da
música era frenético e contagiante. Karen deixou-se envolver, penetrar por
ele, e, quando a dança finalmente terminou, ela suspirou, quase aliviada,
antes de aplaudir.
— Eles têm muita força — sussurrou Sean, bem próximo dela.
— Sim, foi assombroso — disse Karen, eletrizada, e sem dar-se conta
do brilho de seu olhar, do fascínio que emanava dela própria.
Sean a fitava com insistência, e ela achou-se absolutamente incapaz
de desviar o olhar do dele. Com voz suave, ele convidou:
— Vamos dançar?
Ela levantou-se e, quando chegaram à pista de dança, pareceu-lhe
muito natural deixar-se enlaçar por seus braços. A música era lenta,
arrastada, e eles abandonaram-se ao seu embalo. Sean atraiu-a para mais
junto dele, e permaneceram unidos, formando um único corpo. Era assim que
devia ser, pensou Karen, nas nuvens. Sentia-se vulnerável, frágil, como se
aquele homem pudesse esmagá-la com uma só mão. Acariciou-lhe a nuca,
pressionando, comunicando-lhe o seu desejo, e esperando que aquele
momento não tivesse mais fim.
Mas a música terminou e, ao retornarem à mesa, Sean propôs, com
uma voz rouca:
— Vamos embora para o hotel?
Percorreram o caminho de volta abraçados, silenciosos, o ar
perfumado da noite circundando-os como um véu protetor.
Ao chegarem perto do hotel, Karen tinha parado de se preocupar
com o que ia acontecer. Era uma noite encantada, e devia continuar assim.
Nada era muito real, e até o homem que estava ao seu lado parecia envolto
em uma tênue magia. Como uma divindade, uma força da natureza. Ou um
antigo deus asteca. Sabia que tinha bebido muito vinho, mas isso também não
importava.
Sean puxou-a para um lugar afastado, pressionando-a contra ele.
Então beijou-a, lentamente, e ela, ao retribuir o beijo, acariciou-lhe a nuca, o
cabelo, e depois procurou conhecer seu corpo. Ele respirou fundo e disse
baixinho:
— Não aqui. Vamos para o meu quarto.
Já no hotel, dirigiram-se para o elevador, ela ainda absorta em seu
sonho, mal percebendo o que se passava ao redor. Uma voz de homem
chamou:
— Sean, finalmente o encontro! Estava procurando por você.
Ela estremeceu e viu a figura corpulenta de Harry Walker
caminhando na direção deles. Também ouviu Sean conter uma exclamação
de raiva, mas Harry já explicava:
— É Ferguson. Eu sabia que você ia querer ser informado, pois a
companhia a que ele pertence estará na reunião de amanhã.
— O que há com Ferguson desta vez? — perguntou Sean
bruscamente.
Harry alisou o colarinho da camisa. Era o único homem no hall do
hotel que estava de colarinho e gravata.
— Houve um chamado telefônico para você mas, como não o
encontravam, eu peguei a ligação. Parece que Ferguson se meteu em uma
encrenca e agora está na cadeia.
— Aqui em Acapulco? Harry confirmou.
— Ele está pedindo que você vá até lá e pague a fiança, suponho.
— Que inferno! — explodiu Sean. — Estou com vontade de deixá-lo
cozinhando por lá uma noite. — Ficou silencioso, o rosto sombrio e contraído,
depois deu de ombros. — Muito bem. Vamos até lá ver o que está
acontecendo. — E, virando-se para Karen: — Sinto muito, querida, vou ter
que abandoná-la um pouco.
O encanto havia se rompido e a magia, se desfeito.
— Claro — disse ela, passando por Harry Walker. e entrando no
elevador.
Sean hesitou.
— Karen, eu… — Por um segundo pareceu incerto entre ir ou não,
mas logo deu de ombros e, a passos largos, atravessou o hall, com Harry
atrás, ofegante.
Ao chegar em seu quarto, Karen sentou-se na cama, o coração
disparado. Era como se tivesse atravessado uma crise e saído dela sã e salva.
Oh, mas não por sua própria vontade! Se não houvessem procurado Sean,
provavelmente agora estaria no seu quarto, nos seus braços, na sua cama.
Foi até a porta e trancou-a. Era-lhe dada uma segunda chance, e
sabia qual a decisão a ser tomada. Quando o perigo é iminente, ou uma
pessoa luta com todas as suas forças, ou bate em retirada. Mas tinha provas
de que lutar com Sean Marston seria uma partida desigual. Permitir-lhe que
fizesse amor com ela significaria deixar-se possuir por um amor desvairado,
louco, que duraria… quanto tempo? Alguns dias, justo o período que
permanecesse em Acapulco. E depois disso… nada, cada um seguiria o seu
caminho.
Enquanto tirava a roupa e entrava na cama, obrigou-se a pensar em
Ben. Aquela sensualidade que havia provado junto de Sean pouco a pouco
deu lugar a um sentimento de paz e ternura. Começou a fazer planos para a
vida em comum que teriam. Venderiam a casa onde ele havia morado com
Christine e comprariam um chalé nos arredores da cidade. Trabalhariam
juntos até terem filhos. Podia fazer dele um homem realizado, compensá-lo
por toda a solidão e infelicidade do passado. E, mesmo se Sean não
incorporasse a Clark's ao seu grupo, devia haver outro jeito de Ben sair de
sua situação atual. Ela o ajudaria. Podia estimulá-lo, infundir-lhe confiança
em si próprio para que ele recomeçasse tudo outra vez.
Sua mente começou a ficar meio entorpecida, vagueando entre o
sono e o estado de vigília. Devia dormir bem aquela noite, para acordar
disposta na manhã seguinte, pronta para resolver qualquer problema.
Devia… pensar… em Ben. De repente, seus olhos arregalaram-se, ao ouvir
um barulho leve, como se estivessem mexendo na maçaneta da porta.
— Karen, sou eu. Você está acordada? — A voz de Sean soou
baixinho do outro lado da porta.
Como Karen não respondesse, após uns segundos ele chamou outra
vez.
Imóvel, rígida, com os nervos à flor da pele, ela esperou. Depois do
que lhe pareceu uma eternidade, ouviu uma porta fechar-se no corredor.
Ele havia desistido. Karen deixou-se cair sobre os travesseiros, rindo
e chorando ao mesmo tempo. Talvez tivesse marcado um tento contra Sean
Marston… e contra seus próprios instintos. Mas sentia-se tal qual uma
perdedora.
Demorou para adormecer, mas finalmente caiu num sono pesado.
Acordou com uma batida na porta, desta vez bem forte.
— Quem é? — murmurou, sonolenta.
— Sou eu, Sean. Espero que já esteja pronta, pois a reunião começa
às dez.
— Céus! — Saiu correndo da cama, vestindo um robe de náilon. Foi
até a porta e entreabriu-a.
— Eu dormi demais — desculpou-se. — Que horas são?
Ele empurrou a porta e entrou no quarto. Vestia calça escura e
camisa de linho branco, o cabelo bem penteado, toda sua aparência era
impecável. Na verdade, exatamente o que devia ser a dela… e não era!
— Serei bem rápida. Diga-me onde será a reunião, e dentro de dez
minutos estarei lá.
— Vou esperar por você pois não quero que se perca. Dizendo isso,
apoiou-se negligentemente contra o parapeito da janela, cruzando os braços,
enquanto ela se agitava, abrindo e fechando gavetas.
— Foi uma pena o incidente de ontem à noite. Mas infelizmente
aquele idiota do Ferguson não sabe que no México os homens não gostam
que molestem suas namoradas. Acabou armando uma briga e foi parar na
cadeia. Quando voltei, esperava encontrá-la acordada, mas quando bati em
sua porta não houve resposta.
— Eu estava exausta.
Apanhou um vestido de algodão branco e amarelo, e foi direto para
o banheiro, esperando não ter esquecido nada. Se ele pensava que ia ficar
parado lá, observando-a enquanto se vestia, ia ter que pensar duas vezes:
Saiu cinco minutos depois, já vestida, e sentou-se na frente do
espelho para se maquilar e pentear o cabelo. Sean continuou parado perto da
janela.
— Isso foi um tempo recorde — disse ele. — Você é uma moça
extremamente eficiente, srta. Lane.
— Obrigada. — Habilmente, ela passou uma leve sombra e
delineador sobre os olhos e um pouco de batom nos lábios. Escovou
rapidamente o cabelo longo e sedoso, prendendo-o atrás.
Sean deu uns passos à frente e ficou observando-a pelo espelho.
— É uma pena você não deixar seu cabelo solto. Mas suponho que,
se o fizesse, certamente não combinaria com a imagem de profissional
competente que se preocupa tanto em projetar, não é verdade? — Ao dizer
isso, inclinou-se e beijou-a na nuca, com naturalidade, num gesto rotineiro,
como se fossem amantes ou casados.
— Podemos ir? — perguntou.
— Sim.
Aquele beijo, tão casual, fez com que suas melhores resoluções da
véspera começassem a desmoronar. Tentou achar qualquer coisa bem
corriqueira para dizer.
— Será que daria para comer um sanduíche no caminho?
— perguntou.
— Dei ordens para que servissem café e brioches na sala de
reuniões. Você não vai ser a única que perdeu a hora do café. — Pegou-a
gentilmente pelo braço, apressando-a — Vamos, senão chegaremos tarde.
A sala de reuniões fazia parte de um apartamento grande e arejado
no primeiro andar, e estava muito bem equipada: uma longa mesa
envernizada, com cadeiras ao redor, blocos de notas, canetas, copos e garrafas
de água. Os lugares estavam marcados. Havia cerca de dez homens na sala,
todos reunidos em torno do bufê do café, na outra extremidade. Sean levou
Karen direto para lá, servindo-a de sanduíches e café.
Bom apetite — desejou, sorrindo, e virou-se para falar com um
homem próximo a ele.
— Está se sentindo melhor, Ferguson? — O tom era irônico.
Era o homem que Sean havia tirado da cadeia a noite passada. Devia
ter aproximadamente uns quarenta e cinco anos, era meio careca e sua pele,
amarelada. “Se não fosse por você”, pensou Karen, “eu provavelmente não
estaria aqui hoje de manhã tão satisfeita comigo mesma, simplesmente não
teria resistido a Sean Marston.” O luar em Acapulco enfraquecia sua
capacidade de defesa.
Observou os homens que iam tomar parte na reunião. Alguns deles
já conhecia de vista desde a noite anterior, outros lhe eram completamente
estranhos. Seu olhar cruzou com o de Max Friend, e ele logo veio
cumprimentá-la.
— Bom dia, criatura adorável. Hoje está mais linda do que nunca.
— Bom dia, Max. — Sorriu-lhe, contente por encontrar um
conhecido.
Ela estava começando a simpatizar com o seu modo brincalhão.
Talvez Max fosse meio libertino, mas pelo menos não representava uma
ameaça.
— Como foi seu jantar ontem à noite? — informou-se ele, lançando-
lhe um olhar malicioso, enquanto se servia de café. — Parece que o Grande
Chefe arrancou você de mim antes que eu pudesse terminar de lhe contar o
romance da minha vida. Talvez eu possa dar seqüência ao segundo capítulo,
quando isto aqui terminar — disse ele, apontando para a mesa de reuniões.
— Talvez. Não sei quais são os planos. — Ela estava lá a pedido de
Sean Marston, para cuidar dos interesses de Ben. Não devia esquecer-se
disso.
Max fez uma careta na direção de Sean, o qual agora achava-se
cercado por diversas pessoas.
— Entendi. Muito bem, em todo caso, vou ficar esperando por você
na piscina, no fim da tarde. Acho que é o único lugar freqüentável e
razoavelmente fresco.
Bill Goodball acercou-se de Karen, irradiando bom humor.
— Bom dia, srta. Lane. Tenho um recado de minha mulher. Estamos
organizando um grupo para assistir os mergulhadores em La Quebrada, e
esperamos que seja nossa convidada. Dizem que é um espetáculo fascinante.
Posso dizer a Ann que aceita?
— Oh, com muito prazer — respondeu Karen, animada. Era mesmo
o que ela estava precisando: uma noite sem a perigosa proximidade de Sean.
— Formidável. Ann vai ficar muito contente.
E foi-se embora, procurando seu lugar na mesa. A sala agora estava
ficando repleta, e Karen notou que, decididamente, havia poucas mulheres.
Duas além dela. Uma mulher de meia-idade, muito elegante num vestido
preto sem mangas, o cabelo grisalho puxado para trás. A outra era jovem,
morena e parecia insegura no meio de toda aquela gente.
Sean virou-se, procurando por Karen.
— Venha — disse, pegando-a pelo braço e levando-a até uma
cadeira ao lado da sua, que ficava na cabeceira de mesa.
— O que deseja que eu faça? — perguntou ela. — Ben me disse que
você me queria para tomar notas.
Ele pareceu meio desconcertado.
— Oh, sim. Não será preciso. Temos a srta. Valero para isso.
Acenou para a moça morena e disse:
— Por favor, Isabel, pegue uma cadeira e sente-se atrás de mim.
E virando-se para Karen:
— Sua função aqui é de executiva, minha querida. Não de secretária.
Além disso, aquilo foi um simples pretexto para atraí-la ao México.
Ela prendeu a respiração. Naturalmente, ele estava brincando. Esse
homem era um demônio, sempre querendo confundi-la, desorientá-la,
mesmo agora que estava procurando usar de toda sua lógica e autocontrole.
— Podemos começar? — perguntou ele. Sua voz erguera-se de
apenas um tom, mas imediatamente o murmúrio das conversas e o farfalhar
de papéis cessou, e todos os olhares voltaram-se para o presidente da mesa.
Com natural autoridade, ele assumiu o andamento da reunião, e
Karen não pôde evitar sua admiração. Era um líder nato, quanto a isso não
havia dúvidas. Sua personalidade, sua voz, a fluência com que se exprimia,
tudo nele irradiava vitalidade e carisma.
Após o breve discurso de boas vindas, ele fez uma pausa e
prosseguiu:
— Antes de iniciarmos, gostaria de fazer uma comunicação. Como
todos sabem, nossa companhia tem tido dificuldades em obter certos
componentes de outras firmas. Nesse sentido, eu estive procurando uma ou
duas companhias que pudessem encampar ao grupo, a fim de cessar
dificuldades com preços, datas de entrega etc. Uma dessas firmas é a Clark's
Ltda., de Lessington. Infelizmente seu proprietário, o sr. Clark, não pôde
comparecer a esta reunião, mas enviou uma representante, a srta. Lane, a
qual terá prazer em responder a qualquer pergunta sobre a Clark's.
Sorrindo para Karen, apresentou-a formalmente.
— Srta. Karen Lane.
Todos a encararam com um certo interesse, e houve mesmo alguns
aplausos. Ela sorriu, esperando que ninguém reparasse no seu
desapontamento. Parecia que havia concorrência de outras firmas, e a Clark's
era apenas uma delas a ser considerada.
A reunião seguiu seu curso, e Karen procurou interessar-se pelo que
estava sendo discutido, porém mantinha-se desatenta, apenas observando as
reações de Sean. “Ele possuía a mente de um esgrimista”, pensou ela com um
assomo de medo. Penetrava em idéias ainda imprecisas, dando forma às
sugestões esparsas, investindo no que lhe parecia promissor. Como se
estivesse lidando com cartas de baralho, controlava e subjugava aqueles
homens experientes e tarimbados, jogando-os uns contra os outros.
Estranhamente, eles não se rebelavam, e até pareciam apreciar a situação. Oh,
sim. Indiscutivelmente Sean Marston era um vencedor. Sempre obteria o que
desejasse, sem que ninguém se opusesse à sua decisão final.
Quando terminou a reunião, todos dirigiram-se ao bar, separando-
se em pequenos grupos para discutir o que havia sido dito.
Com naturalidade, Sean enlaçou-a pela cintura.
— Então, sua impressão foi favorável? Acha que valemos uma
recomendação a Ben?
— Que tal eu inverter a sua pergunta? Cabe à Clark's ser
recomendada, não é mesmo?
— Eu diria que você tem razão. Mas agora venha comigo e diga-me
o que vai beber.
Karen suspirou e seguiu-o até o bar. Era óbvio que mesmo se ele já
houvesse tomado uma decisão, não iria informá-la.
Uma hora depois, Karen estava em seu quarto. Sean tinha sugerido
que almoçassem juntos, mas ela alegara uma enxaqueca (verdadeira, aliás), e
ele parecera realmente preocupado, insistindo para que subissem juntos e
fazendo questão em dar-lhe alguns comprimidos.
— Tome dois destes e logo estará bem — disse, enquanto despejava
água mineral em um copo. — Agora descanse um pouco e, quando se sentir
melhor, desça para reunir-se a nós.
Ela sentou-se na cama e tirou as sandálias.
— É melhor você tirar o vestido também. Está muito quente, mesmo
com o ar-condicionado ligado.
— É o que vou fazer — murmurou ela. “Mas não com você aí
parado me observando”, pensou, erguendo levemente as sobrancelhas.
Ele riu, divertido.
— Muito bem. fá entendi. Estou de saída. Mais tarde vamos
combinar o programa da noite.
— Os Goodball me convidaram para assistir aos mergulhadores de
La Quebrada. Acho que também é para jantar, não tenho bem certeza.
— E você aceitou?
— Oh, sim, claro. Achei que ia ser interessante — disse ela num tom
inocente, mas percebeu que ele não gostou.
— Muito bem, nesse caso não há mais nada a fazer. Me reunirei ao
grupo também — disse ele, parecendo resignado.
Continuou lá parado, observando-a. Seus olhos tinham uma
expressão suave, terna. Parecia compreensivo e estranhamente acessível, e
Karen foi tomada por um impulso de estender-lhe os braços, de fazê-lo
sentar-se ao lado dela, na cama.
Mas deu um suspiro entrecortado:
— Muito obrigada, você foi muito amável.
Ele inclinou-se, beijando-a levemente na testa, e Karen reparou que
assumira novamente a expressão enigmática, zombeteira.
— Até mais tarde — dizendo isso, saiu do quarto.
Karen tirou o vestido e espreguiçou-se sobre os lençóis macios.
Pensou que, de maneira fugidia, havia conhecido uma nova faceta de Sean
Marston. Talvez ele não fosse de todo um homem duro, desumano, que
tomava o que queria e usava seu carisma sem nenhum tipo de escrúpulo.
Os comprimidos estavam começando a surtir efeito. Provavelmente
aquela expressão terna e suave que imaginara entrever fora devida a algum
efeito de luz. Não devia ser indulgente para com ele, pois podia se apaixonar,
e isso a conduziria a um desastre total. O que sentia por Sean Marston nada
tinha a ver com seu conceito sobre o amor. Para ela, sexo por si era algo
desprezível. Queria amar um homem antes de fazer amor com ele. Se se
deixasse seduzir por uma aventura puramente sexual, iria contra todos os
princípios que formulara até então. Mas o que tinha compartilhado com Sean
Marston, quando ele a tomara em seus braços sob o luar de Acapulco, era
algo inédito, que ela até então desconhecera. Sentira um desejo dissoluto,
devasso, que agora a chocava e desorientava ao mesmo tempo. Tinha a
sensação de estar escorregando para um abismo, que ninguém poderia
impedir sua queda, ninguém haveria de salvá-la.
Exausta de tanto lutar com todas essas emoções contraditórias,
finalmente adormeceu.

CAPÍTULO VI

Após umas duas horas, Karen acordou sentindo-se leve e feliz, sem
saber direito a que atribuir isso. Talvez fosse apenas o fato de estar em
Acapulco, sob o efeito que aquele lugar paradisíaco exercia sobre as pessoas.
Abriu a janela do terraço e foi colhida por uma brisa quente e perfumada
vinda do oceano. Sentia-se revigorada com aquele céu de azul intenso, a
brancura estonteante da areia, a limpidez daquele mar. Nem a melhor
campanha publicitária poderia descrever com exatidão tanta beleza. Era algo
mágico, principalmente para uma pessoa acostumada ao fog e ao cinza
predominante em Londres. Aquela explosão de cores era fascinante, mexia
com a química do corpo despertando sensações abrasadoras. Observando as
pessoas que passavam em trajes sumários, desconhecidas, entre as palmeiras,
certificou-se de que suas suposições estavam corretas; toda a sensualidade
que sentia latejar à flor da pele era proveniente daquele lugar.
A piscina do hotel era toda de mármore, construída em dois planos
unidos por uma cascata artificial. Espalhadas estrategicamente, cadeiras de
praia recobertas com almofadas de lona listrada azul e turqueza eram
simplesmente irresistível. Para completar o ambiente, pequenos e
acolhedores quiosques cobertos de sapé. Um deles funcionava como bar,
tendo como adorno as mais diversas, perfumadas e coloridas frutas tropicais.
“Pareço uma velha aqui parada enquanto tudo acontece lá
embaixo”, pensou. Correu então para o armário para pegar um biquíni.
Enquanto arrumava as alças, olhou-se no espelho. Era imperdoável, mas
estava esquecendo por completo o motivo real de sua vinda a Acapulco.
Mordeu os lábios, recriminando-se. Imediatamente sentou na cama pegando
o telefone. Não precisou esperar para que a ligação fosse completada.
Concentrando-se no seu espanhol elementar, perguntou à enfermeira sobre o
estado de Ben.
— El senor Clark? Si, si, está se recuperando bem.
— Por favor, diga-lhe que Karen ligou, e que hoje mesmo segue uma
carta contando tudo o que está acontecendo.
De fato, escrevera uma longa carta que relera várias vezes porque
não contava “tudo” o que havia se passado desde a sua chegada. Não queria
que Ben sequer desconfiasse, por isso cuidou de todos os detalhes para que
nada escapasse à sua censura. Talvez por um sentimento de culpa oculto, deu
ênfase exagerado à reunião daquela manhã, tomando o cuidado de omitir
que a Clark's era apenas uma das várias firmas que Sean pretendia incorporar
ao seu grupo. Ben precisava recuperar-se o quanto antes e não queria que
nada o perturbasse. Porém não deixou de mencionar que os diretores
pareciam bem interessados na companhia, fazendo muitas perguntas.
“Acho que até agora consegui estar à altura da situação. Hoje à noite
vou jantar com um casal de amigos e amanhã temos mais reunião. Sábado
estará tudo encerrado. Pretendo ir imediatamente para a Cidade do México.
Espero poder levar-lhe ótimas notícias. Agora vou até a piscina, mas gostaria
muito que você estivesse aqui comigo. Foi chato as coisas terem dado errado
para você desde que chegamos. Acabei de falar com o hospital, e disseram-
me que está quase curado. Bom, vou parando por aqui, não quero cansá-lo.
Cuide-se bem. Karen.”
P.S. Sean Marston é realmente o “Chefão”, e o pior é que sabe disso.
Mas tem sido…
Onde estava com a cabeça? Enlouquecera? Parou, atônita,
mordendo a tampa da caneta. Tem sido… o quê? O que podia dizer de Sean?
Que exercia uma marcação cerrada sobre ela a fim de seduzi-la, para depois
largá-la como algo que não se usa mais? Como podia ser tão ingênua, tão
idiota a ponto de pensar nele vinte e quatro horas por dia? Parecia que toda a
sua vida não tinha mais sentido sem a presença dele. Onde estava seu
dinamismo, seu senso prático? Tinha deitado as coisas irem longe demais e
sentia-se culpada. Então escreveu:
“Ele tem sido muito amável, e me ajudou nas reuniões apresen-
tando-me a todos.”
Fechou a carta, pensativa, sentindo-se a última das mulheres.
Odiava mentir. Abominava a própria conduta. E tudo por causa dele…
Desceu para a piscina. Precisava relaxar.
O hall estava repleto mas nem parou para observar nada, dirigindo-
se à piscina e deixando-se envolver pela água fria e cristalina. Nadou
bastante, era seu esporte favorito desde pequena. A natação para ela era algo
transcendente, ainda mais num lugar como aquele. Sentia-se como que
envolta em uma nuvem, levitando, sem aborrecimentos, preocupações e
exigências. O sol ardia numa profusão de cores; de olhos fechados, o mundo
parecia cor-de-rosa, numa paz sem fim.
— Karen!
Ao ouvir a voz de homem seu coração bateu descompassado. Seria
Sean? Rapidamente mergulhou e, quando veio à tona, mal disfarçou a
decepção ao ver Max Friend todo sorridente.
— Oi, Max.
— Karen… mas você está linda!
Tirou os óculos, olhando-a descaradamente.
— De onde você tirou esse bronzeado maravilhoso?
— Ora, de vez em quando tomo banho de ultra-violeta no clube.
— Ultra-violeta? Por acaso esse clube onde toma banhos de ultra-
violeta é misto? Adoraria ir com você.
“Sujeito inconveniente!”. Detestava essa espécie de cantada barata e
não escondeu o aborrecimento.
Encarou-o com seriedade. Não gostava desses tipos de liberdades e
recriminou-se por ter saído tão precipitada da piscina, pensando que fosse
Sean.
Indiferente, ele puxou duas cadeiras. “Cara de pau”, ela pensou.
— Relaxe, vou buscar algo para bebermos.
Voltou na mesma hora com uma bebida de cor verde-clara.
— Sua bebida preferida. Vê como me lembro? Agradeceu, polida, e
recostou-se na cadeira, concentrando-se na sensação maravilhosa que os raios
de sol provocavam. Saboreou o suco de lima, olhando a piscina ao redor.
— Procurando pelo Chefão? Estava aqui agora mesmo, com Liz.
Com certeza relembrando os velhos tempos.
— Não entendi — falou sem pensar, recriminando-se de imediato
por reagir às maledicências gratuitas dele.
— Vai dizer que não sabe? Sean e Liz tinham um caso há muito
tempo. Quando o negócio ficou mais sério, sem mais nem menos ela casou
com Harry Walker.
Sorriu, cínico.
— Sean não é o tipo que gosta de compromisso, então Liz foi mais
prática casando-se com Harry. É a primeira vez que se encontram depois do
rompimento, e acho que ela não gostou nada de encontrar você.
— Não estou interessada em Liz Walker e, francamente, detesto
fofoca. E tem mais: não estou junto com Sean, temos um relacionamento
estritamente profissional.
Falou tudo de uma só vez, tamanha era a revolta com o
procedimento dele.
— Eh… vamos com calma, tudo bem. Não está mais aqui quem
falou. Não foi por mal. De mais a mais ele seria um imbecil se olhasse para
Liz Walker com você por perto. É lógico que ela devia estar esperando outra
coisa, mas tenho certeza de que tudo deve ter acabado entre os dois… Ou
não?
Fez-se um pesado silêncio, ele pareceu entreter-se com alguma outra
coisa. Ela seguiu seu olhar e percebeu o objeto de sua atenção.
Sean e Liz andavam lentamente, completamente entretidos um com
o outro. Formavam um casal muito bonito. Sean alto, bronzeado e musculoso,
e Liz usando um sumário biquíni, deixando à mostra um corpo escultural,
esbanjando charme. Apoiava-se no braço dele, inclinando-se de modo
sedutor. Indiscutivelmente, pertencia à mesma estirpe que ele, a dos
vencedores, daqueles seres que possuem fascínio, que irradiam magnetismo
pessoal. Sentiu-se pequena, diminuída, insignificante, a última das pessoas. A
contragosto teve que admitir que estava com ciúmes. Ciúmes infundados,
porque não tinha nada a ver com a vida de Sean Marston. A única coisa que
havia entre eles era uma forte atração física. Só.
Não fazia parte do mesmo meio que eles, não freqüentava altas
rodas, nem estava acostumada a relacionamentos superficiais, jogos de
interesses, era extremamente leal e idealista e lutara a vida toda para não
corromper-se. Ao contrário daquela mulher que tinha à frente.
Provavelmente na roda deles era normal ela estar casada com outro homem e
relacionar-se com Sean.
Censurou-se diante da amargura reprimida naquele pensamento.
Não queria julgar ninguém; afinal não tinha nada com isso.
Sean desvencilhou-se de Liz, dirigindo-se a Karen.
— Estava nadando? Bem que queria estar no seu lugar, mas tenho
muito trabalho. Max, estava à sua procura. Robert quer falar com você sobre
aquele negócio na Alemanha que está para ser fechado. Vamos subir?
Max levantou-se a contragosto.
— Certo, chefe.
Lançando um olhar significativo para Karen, concluiu:
— É incrível como esse sujeito aparece na hora mais imprópria, mas
nosso dia vai chegar.
Karen sentiu vontade de esbofeteá-lo. A muito custo conseguiu
conter-se. Sean virou as costas caminhando para a entrada do hotel, enquanto
Liz deixava-se cair languidamente na cadeira a seu lado. Só faltava essa!
Além de agüentar aquele sujeito insuportável, agora vinha Liz Walker!
Recostou-se na cadeira e fechou os olhos, a última coisa que queria era uma
conversa com aquela mulher.
— Como está o seu amigo? Sean disse que não passou muito bem.
Aquele terreno parecia seguro; para não ser ríspida, topou a
conversa.
— Está melhor, obrigada.
— Que bom! — Pôs a mão em sua bolsa de praia e tirou uns
enormes óculos escuros. — Você deve estar aliviada.
— Bastante.
Karen sentiu um olhar inquiridor sobre si, causando uma sensação
desconfortável. Estava na mira de duas lentes espelhadas, mas a sensação que
tinha era a de serem dois holofotes.
— Foi uma pena ele não participar das reuniões… — O tom de voz
estudado dava sentido totalmente oposto às palavra. Não estava gostando
nada daquilo, e não queria levar aquele combate verbal adiante, por isso ficou
em silêncio. Mas a outra voltou à carga.
— Imagino que deve ter ficado muito chateada. Ignorando a malícia
implícita nas palavras, mas sentindo o sangue ferver, ainda respondeu:
— Ben Clark é que foi mais atingido.
— Ah! Entendo. De qualquer jeito, você teve muita sorte, caindo nas
graças de Sean esses dias, já que seu amigo não está aqui.
Karen olhou em torno, procurando alguém para conversar, mas não
viu ninguém.
— Sean tem sido muito amável.
— Amável! — sorriu, irônica. — Sean possui muitas qualidades,
mas eu não diria que amabilidade seja uma delas. Amabilidade pressupõe a
existência de um coração, e não acredito que Sean Marston tenha um.
Karen levantou-se da cadeira de praia. Deitada, sentia-se como um
alvo para essa mulher que estava ficando cada vez mais ferina. Ela emitia
veneno por todos os poros.
— Para dizer a verdade, não estou interessada no coração do sr.
Marston. Tenho mais o que pensar, e meu relacionamento com Sean Marston
é apenas profissional.
— É mesmo? Pois, para o seu próprio bem, faço votos que continue
assim.
— Obrigada, sra. Walker. É sempre útil receber conselhos de uma
mulher com a sua experiência. Espero que no futuro faça melhor proveito
dela.
Num gesto decidido virou-lhe as costas e mergulhou outra vez na
piscina. A água fria envolveu-lhe o corpo e, depois daquele combate cheio de
subterfúgios, Karen sentiu-se purificada.
Depois foi até o vestiário retirar suas roupas, e subiu correndo para
o hotel. Ao entrar no elevador, deu de cara com Annie Goodball.
— Alô, Karen? Estava nadando? Como está bronzeada! Ah, antes
que me esqueça, estou muito contente por ter aceitado meu convite para esta
noite. Sean disse que irão juntos. É uma moça de sorte.
— Acha mesmo, Annie? — Para cortar o assunto, continuou
andando enquanto acenava em despedida.
Ao chegar em seu quarto, arrancou o biquíni e correu para tomar
uma ducha. Deixou a água forte escorrer por todo o corpo levando junto com
ela todas as tensões acumuladas. Ficou um bom tempo relaxando. Estendeu a
mão e alcançou a toalha macia, enrolando-a em volta do corpo. Sem querer,
pensou nas insinuações maldosas de Liz Walker. Não levava a nada pensar
nisso, mas era muito sensível, ainda mais quando agredida tão frontalmente.
Precisava aprender a conviver com esse tipo de situação, mas jamais
conseguiria, nem teria êxito no mundo dos negócios.
Sentou-se e começou a escovar o cabelo. Lembrou-se dos momentos
que havia passado com Sean, no início da tarde, dos cuidados que tivera com
ela. Nada mudara desde então, mas agora estava se sentindo ligeiramente
deprimida. Ele bem que podia comunicar-lhe logo o que havia decidido sobre
a Clark's! De repente desejou estar com Ben, trabalhando juntos de novo, sem
o fantasma dos problemas financeiros. Deu um suspiro, levantando-se
bruscamente. Com o movimento, a toalha escorregou e caiu ao chão. Naquele
momento exato bateram à porta; mal articulou a primeira palavra para pedir
que esperassem um pouco mais e viu Sean parado, encostado no batente,
devorando-a com os olhos.
Num movimento rápido e ágil agarrou a toalha, protegendo-se
como pôde. Graças a Deus nessa hora o sangue-frio não lhe faltou e falou
imponente:
— O mínimo que você podia fazer, antes de invadir o meu quarto
desse jeito, era bater na porta e esperar.
Seguro de si, Sean tranqüilamente atravessou o quarto, pegou a
escova do chão, colocando-a em cima da mesa.
— Ah, pense só no espetáculo que teria perdido se tivesse dado uma
de cavalheiro.
Karen odiou aquela imponência, aquela frieza estudada.
— Procurei você na piscina mas, como não estava lá, resolvi vir
aqui.
— Vá embora. Saia do meu quarto.
Ele continuou impassível, e, o que é pior, foi até o terraço. Não
adiantava negar, era um homem extremamente sensual, de uma virilidade
perturbadora. Vestia somente um short, deixando à mostra os músculos
bronzeados. Havia uma espécie de eletricidade no ar.
Karen sentiu-se impelida a acariciá-lo, a deixar seus dedos
deslizarem exploradores por aquela pele sadia e forte. Ele parecia entender
seus mais íntimos pensamentos, observando-a com olhar divertido.
— Não precisa ficar tão perturbada. Só vim aqui convidá-la para
uma volta de carro. E só colocar qualquer coisa nesse corpo maravilhoso e
podemos ir.
Quando recuperou a razão, estava sentada ao lado dele num carro
esporte, o pior é que estava muito próxima, aconchegada a ele. Podia sentir o
calor da pele dele, seu cheiro perturbava-a imensamente.
Estava perdida, era melhor reconhecer logo. Todas as suas
resoluções, tão convictas, foram por água abaixo.
— Aonde vamos?
Perguntou por perguntar, porque na realidade não se importava,
bastava-lhe estar ali, viver aquele momento ao lado dele, naquela atmosfera
irreal. Deixou-se levar sem opor resistência nem pensar nas conseqüências.
— Não iremos muito longe. Vou levá-la a um lugar maravilhoso,
longe de todos.
Tudo aconteceu em um clima de encanto. A praia de Puerto
Marques era a menor e mais isolada de Acapulco. O mar parecia um lago, e
uma brisa suave pairava na atmosfera balançando preguiçosamente as folhas
das palmeiras.
Karen colocara um sarongue sobre o biquíni e tirou-o para entrar no
mar com Sean. De mãos dadas, correram até a beira da água; foi maravilhoso
ir ao encontro das ondas sem ranger os dentes, como na Inglaterra, porque a
temperatura era deliciosa, envolvente como seda. Como nadava bem,
acompanhou-o com facilidade e logo distanciaram-se da praia.
Quando pararam para tomar fôlego, ele aproximou-se segurando-a
pela cintura. A água, num vaivém contínuo, acabava por uni-los, impelindo
um contra o outro suavemente.
A vida realmente é feita de pequenos detalhes. Karen nunca havia
sentido tanta paz, tanta leveza como nesse momento único. Uma sensação de
amplitude, algo muito profundo tomou conta de seu ser.
Como se fossem um só, em total sincronia voltaram para a praia,
deixando-se cair na areia quente, completamente imóveis. Durante um tempo
que ela não conseguiria precisar, permaneceram assim.
Ao abrir os olhos ela sentiu o olhar, podia até dizer apaixonado,
dele. Devia estar observando-a há muito tempo. Um calor abrasador
envolveu-a por completo, sentia o corpo todo latejar. Como que hipnotizada
esperou o momento em que suas bocas se uniriam. Sean aproximou-se
devagar, saboreando cada momento. A princípio, tocou seus lábios
delicadamente, como um explorador, um bandeirante cuidadoso. À medida
que ia conhecendo melhor, tornava-se mais exigente, buscava algo e sabia
bem o quê. Seria só por causa da experiência dele aquele efeito devastador
que sentia? Tinha a cabeça literalmente nas nuvens, e ele tinha apenas
começado… Gemeu baixinho quando as mãos másculas desceram do rosto,
pelo pescoço até chegarem aos seios, enquanto ele continuava beijando-a no
pescoço, nos lábios, nos olhos.
Quando a boca experiente começou a ficar mais afoita, devorando
seu seio nu, sentiu-se desfalecer. Os mamilos enrijeceram-se, e ela sentiu que
já não podia controlar-se, entraram um caminho sem volta. Puxou a cabeça
dele para que continuasse, mas arrependeu-se imediatamente, esquivando-se
à custa de todas as suas forças. Ele queria apenas divertir-se numa aventura
sem conseqüências, ao passo que para ela aquilo significava mais do que
esperava por toda vida.
Sean apoiou-se no tronco de uma palmeira e ficou postado,
observando-a. Para quebrar o silêncio, convidou-a para comer frutos do mar.
Ela aceitou de imediato, tentando disfarçar uma inexplicável timidez que a
abatia. Pediu mexilhões e uma batida simplesmente divina, curtida dentro de
um abacaxi. Aos poucos conseguiu descontrair-se.
— Sabe, agora você não parece nada com uma executiva. Acho que
Acapulco está lhe fazendo bem.
— Ou mal. Agora, por exemplo, gostaria de saber o que decidiu
sobre a Clark's.
Precisava manter distância dele.
— Está muito preocupada com esse assunto, Karen.
— Você sabe que sim. Já lhe disse isso muitas vezes.
— É verdade. Sei de sua lealdade para com Ben. Mas já imaginou o
que aconteceria se eu incorporasse a Clark's ao meu grupo?
— Eu… eu suponho que… bem, tudo continuaria como antes, só
que com mais capital e possibilidades de expansão.
Ele sacudiu a cabeça.
— Oh, não, não seria assim tão simples. A administração da fábrica
seria transferida para meu escritório de Londres, e isso a deixaria
desempregada. O que acha disso?
Karen estava surpresa.
— Não… você não poderia, não faria uma coisa dessas.
— Oh, sim. Eu faria. Não reparou como costumo fazer tudo em meu
próprio interesse?
— Ben não poderia ficar sem mim.
— Não mesmo? Pois olhe, se Ben tivesse que escolher entre você e a
companhia, não teria dúvidas. Mas tudo isso é hipotético, nem resolvi nada
ainda. Só amanhã terei uma resposta, espero uma pessoa que vai me
esclarecer alguns pontos.
Karen olhou para o mar, calmo, majestoso, salpicado de velas
coloridas, e observou, pensativa:
— Gostaria de saber o que torna os homens tão frios quando o
sucesso está em jogo. Vocês todos parecem considerar o sucesso como
primordial, põem-no na frente de qualquer coisa.
Arrependeu-se de sua franqueza. Não era provável que Sean
Marston se abrisse e analisasse com ela suas motivações.
Mas enganou-se.
— Não posso falar pelos outros, mas sei muito bem por que desejei
ter sucesso. — Olhou para ela fixamente, e prosseguiu: — Perdi meus pais
quando tinha três anos. Como não havia nenhum parente que pudesse me
acolher, fui direto para um orfanato. Era um lugar decente mas, se você não
possui uma família e cresce no que é chamado uma comunidade, aprende a
sobreviver. Ou acaba por desenvolver um espírito combativo e oportunista,
ou então se torna uma pessoa desprovida de vontade e acostuma-se a
obedecer. Penso que não foi bem esse o meu caso. Devo ter sido uma criança
terrível.
Olhou para o mar e continuou a falar, como que consigo mesmo.
— Quando completei onze anos, fui adotado por um casal de meia-
idade, a quem chamo até hoje de tio John e tia Brenda. Eles deram-me algo
com que nunca havia sonhado: um lar e amor. Fizeram tudo por mim e,
apesar de não serem ricos, mandaram-me para a melhor universidade.
Quando saí, tio John deu-me umas ações de uma pequena firma de
eletrodomésticos. Comecei com muito pouco, mas sentia-me possuído por
uma vontade incrível de chegar lá em cima. Talvez em parte para retribuir a
meus tios o que haviam feito por mim. Depois disso, trabalhei duramente,
mas favorecido por um instinto que me levava a fazer as coisas certas, no
momento exato.
Ele deu de ombros.
— Era isso o que você queria saber?
— E seus tios? Devem ter muito orgulho de você.
— Talvez sim. Mas o engraçado é que não aceitam nada do que
quero lhes proporcionar. Tentei persuadi-los a se mudarem para uma casa
melhor, mas não querem sair de onde estão, uma casinha em Cheltenham. —
Ele riu. — Ah, o ano passado convenci-os a fazerem um cruzeiro pelas ilhas
gregas, por sinal adoraram.
— Devem ser pessoas maravilhosas.
— São.
Ficou silencioso, lembrando-se de coisas que o faziam sorrir. Em
seguida levantou-se e estendeu a mão para Karen.
— Olhe, existe ainda algo que desejo mostrar-lhe, e que não consta
nos guias turísticos. É um lugar diferente, tenho certeza que vai adorar.
Com naturalidade, Karen pôs sua mão na dele, parecia que seu
lugar sempre fora ali, sabia que iria com Sean até o fim do mundo.
O que aconteceu depois foi puro encanto.
— Vamos a Revolcadero. Poderíamos ir de carro, mas vou levá-la de
barco, por um rio que atravessa a floresta virgem.
Em contraste com a claridade luminosa da praia, a floresta e o rio
pareciam misteriosos e sobrenaturais. O barco pertencia a um pescador do
lugar, e navegava no meio de uma folhagem densa, espessa e brilhante.
Cercava-os um clima onde abundava a vida animal. Papagaios coloridos
pairavam nos ramos das árvores, macaquinhos pulavam de um galho paia
outro.
De repente, Karen estremeceu e agarrou-se a Sean.
— O que é aquilo?
Um animal cheio de escamas, de cor verde, uma imensa papada e
com uma crista nas costas, olhava-os com cara de poucos amigos, meio
escondido pelas folhas.
— Estamos com sorte, é uma iguana. — E gritou para que o
barqueiro fosse mais devagar. Nisso, o bicho deu um impulso com sua
imensa cauda e desapareceu no solo, enfiando-se na terra.
— Por essa não esperava! Que animal horrível!
— São inofensivos e têm pavor dos seres humanos.
Karen fez um movimento para afastar-se, mas Sean não deixou,
mantendo-a bem junto dele. Imediatamente sentiu a mesma leveza e agitação
que tomavam conta dela toda vez que se tocavam. Abandonou-se. Seus
braços a apertaram ainda mais, mas a viagem já estava chegando ao fim.
Quando pularam para fora do barco, Sean ajudou-a a descer em
uma espécie de pontão muito primitivo.
Karen sorriu com meiguice.
— Muito obrigada, Sean, por ter me trazido aqui.
— Existem mais coisas a serem vistas. — E apontou para uma praia
simplesmente maravilhosa.
Imensas ondas vinham estourar na areia, espalhando espuma por
todo lado. Eles andaram pela beira da água, correndo como crianças quando
a água ameaçava molhá-los. Parecia natural que ficassem entrelaçados, como
namorados.
Karen jogou a cabeça para trás, rindo de felicidade. Olhou para
Sean, que estava com o cabelo preto todo desmanchado, o rosto molhado, e
estremeceu. “Oh, Deus”, pensou, “será possível que estou me apaixonando
por esse homem? Não, não pode ser, conheço-o há apenas dois dias”.
Foi como se ele tivesse adivinhado seus pensamentos, pois inclinou-
se e beijou-a ligeiramente.
Quando regressaram ao barco, ela teve a sensação estranha de que
estava voltando para a selva da civilização. Que a verdadeira selva era lá, em
Acapulco.
Ao chegarem no hotel, já era noite. Tomaram um drinque no bar,
com as pessoas do grupo, e depois Karen subiu para se trocar. Quando ia
saindo, ele chamou-a:
— Tem uma hora exata para se vestir.
— Tudo bem. — Sentia-se estranhamente excitada, tal qual uma
adolescente que ia ao encontro de seu primeiro namorado.
A proximidade dele, no quarto ao lado, provocava-lhe um desejo
irresistível de ir até ele e jogar-se em seus braços. Começou a andar pelo
quarto, respirando profundamente num esforço para se controlar. Foi um
alívio quando chegou a hora de vestir-se e maquilar-se.
Escolheu um vestido de seda, cor de marfim. O tecido aderente
deslizou pelos quadris, modelando o corpo jovem e perfeito. Os dias
passados em Acapulco haviam escurecido sua pele, e o vestido… bem, se não
era escandaloso, pelo menos deixava muito a ver, tanto pelo decote da frente
como pelo das costas.
Maquilou-se com extremo cuidado, observando cada detalhe.
Perdeu mais tempo nos olhos, que pareciam misteriosos e
profundos. Prendeu o cabelo longo e sedoso de um lado com uma flor nativa
e deixou o resto solto. Sorriu satisfeita ao olhar o resultado no espelho,
admitindo com franqueza que tinha o intuito de agradar Sean.
Às oito horas em ponto, ele bateu na porta, e desta vez esperou que
Karen o mandasse entrar.
— Aprendo rápido — disse, sorrindo, e olhando-a com admiração.
— Você está… linda!
— Muito obrigada. Você também.
Ele vestia jeans preto e camisa esporte branca, com as mangas
arregaçadas e aberta na frente. A sensualidade que dele emanava era algo
selvagem, agressivo. Parecia um felino, decidido, leve, extremamente
perigoso.
Aproximando-se lentamente tomou-a com cuidado pela cintura
como se fosse a coisa mais preciosa do mundo e beijou-a de leve. Então deu
um passo para trás.
— Vamos?
Meio atordoada, Karen pegou a bolsa e uma echarpe.
Tranqüilamente, Sean colocou as mãos em seus ombros nus, provocando-lhe
arrepios. Definitivamente a noite prometia muitos perigos, seria uma
verdadeira provocação a seu sangue frio e autocontrole, mas esperava
escapar ilesa. De mais a mais não estariam sozinhos, o que ajudaria muito.
Como se lesse seus pensamentos, ele observou que preferia que
estivessem a sós, aí a noite seria muito melhor.
No restaurante, os convidados já estavam sentados numa mesa
estrategicamente distante das outras. Annie veio ao encontro dela,
estendendo as mãos, radiante.
— Oh, que bom, vocês chegaram! Sean, sente-se ao meu lado, sim?
Karen entre Bill e Raymond.
Muito simpático e querendo ser agradável, Raymond bombardeou-a
de perguntas. Com certeza, era o acompanhante da sra. Bradley, a única
executiva que vira nas reuniões.
Annie tinha uma elegância natural, sóbria e discreta, era uma
mulher realizada e indiscutivelmente muito feliz. Seu rosto estava iluminado.
— Karen, você está maravilhosa! Bill… Bill… Ela não está linda?
— Tem razão, está muito bonita.
O jantar consistiu de diversos pratos da mais genuína cozinha
mexicana. Apesar de deliciosos, Karen só experimentou cada um deles; a
conversa com Raymond arrastava-se pesada, e Bill contava piadinhas
insossas que a irritavam. De vez em quando, seu olhar cruzava com o de
Sean, que a observava significativamente.
Estava tão contrariada com aquela situação que recebeu com alívio o
anúncio de que o show dos mergulhadores ia começar. Não que se
interessasse por esse tipo de diversão, pelo contrário, até achava de péssimo
gosto ver alguém arriscando a vida para deleite de alguns, mas precisava
urgentemente de ar.
Todos levantaram-se, dirigindo-se para o palco em busca G um bom
lugar. Sean aproximou-se dela, que se mantinha um pouco afastada;
definitivamente não estava interessada naquilo. Olhou atentamente para as
rochas escarpadas, com estreitas fissuras entre si. Sob o brilho intenso da lua,
tinham uma aparência sinistra, ameaçadora. Sentiu-se mal. Como alguém
podia mergulhar naquele abismo estreito e profundo?
Annie Goodball dirigiu-se a ela:
— Não é emocionante? Ê preciso muita coragem para mergulhar
cento e trinta metros entre essas rochas. Se calculam mal ou pegam a maré
baixa… — abaixou a voz, numa espécie de prazer mórbido — … é morte
instantânea.
Karen ficou gelada. Podia ver que lá em cima, nos penhascos, umas
figuras se moviam. Uma delas parecia segurar uma tocha iluminada. Então,
seu olhar foi descendo… descendo… para a escuridão do abismo, e sentiu
que ia realmente desmaiar.
A voz de Annie ergueu-se, histérica:
— Olhem, ele vai mergulhar segurando uma tocha!
O corpo precipitou-se do penhasco, com os braços estendidos,
caindo na escuridão abaixo. Outro, depois outro. Karen virou-se e escondeu o
rosto contra o peito de Sean, como uma criança amedrontada.
— Eu.. eu não posso olhar mais. Estou me sentindo mal… —
murmurou, tremendo convulsivamente.
Ouviu a voz de Sean, baixa e infinitamente reconfortante.
— Calma, Karen, vamos sair daqui.
Esgotada, atordoada por aquele espetáculo mórbido, deixou-se
levar. Quando deu por si estava no carro. Literalmente caiu no assento, já não
podia mais controlar as lágrimas.
— Desculpe, Sean… Sinto muito…
— Não se preocupe… Não fale — e abraçou-a com carinho,
enxugando suas lágrimas com a palma das mãos. — Já passou.
Aos poucos conseguiu acalmar-se; sentia-se bem melhor agora.
— Fiz um papel ridículo, não é?
Ele fez que não com a cabeça, e sua expressão naquele momento era
tão terna que a surpreendeu.
— Deve ter sido uma vertigem. Pode acontecer a qualquer um,
principalmente se for muito sensível.
— Sensível, eu?
— Talvez não se conheça direito. Talvez você seja uma mulher que
ainda não conseguiu definir-se. Precisa de alguém que a ajude a conhecer-se
melhor.
Enquanto falava, ele acariciava-lhe o rosto.
— Está tudo bem?
— Sim, já passou.
Uma mulher sensível, ele havia dito. Talvez estivesse certo. Acima
de tudo, agora sentia-se confusa, via-se envolvida num redemoinho de
sensações desconhecidas. Nunca havia se sentido tão perturbada.

CAPÍTULO VII

O bar do hotel ainda estava aberto, e eles rumaram diretamente para


lá.
— Vamos tomar um drinque. Vai lhe fazer bem. Ela reteve-se no
meio do caminho.
— Agora não posso. Devo estar com um aspecto horrível. Olhando-
a atentamente sob a luz forte do hall do hotel, ele sorriu:
— Horrível? Onde? Mesmo que você queira nunca conseguirá isso.
Vamos fazer uma coisa, podemos tomar alguma coisa em meu quarto.
Já no elevador, Karen recriminava-se. Nunca deveria ter concordado
com um disparate desses. Seria pura loucura; além do mais, deprimida como
estava, só aumentava sua vulnerabilidade, que já era grande.
Mas não havia tempo: Sean já estava com a chave na fechadura e
abriu a porta dando lugar para que passasse com ar zombeteiro.
Numa atitude de desafio, Karen levantou a cabeça altivamente e
entrou. Com certeza percebera sua hesitação e seu embaraço. Era
inexperiente, mas não tola, e queria deixar isso bem claro. Não era uma
adolescente que se deixa levar na primeira investida e disso não queria
mostrar indecisão.
— Venha. Não estou pensando em violentá-la, pode ficar tranqüila.
Dou-lhe minha palavra que não a forçarei a nada contra sua vontade. Isso
basta?
— Suponho que sim.
Era um quarto igual ao seu, só que maior. Havia um sofá e uma
cama de casal. Imediatamente desviou os olhos, indo sentar-se em um canto
do sofá. Sean serviu-a de brandy e sentou-se também, olhando-a.
Ela tossiu, nervosa.
— Sinto muito ter estragado a sua noite.
— Sabe, já vi aqueles mergulhadores diversas vezes. Além disso,
prefiro estar aqui, com você.
Dizendo isso, olhou-a com ternura, enlaçando-a. O mundo todo
pareceu rodar, só havia ele, seu cheiro, seu calor, sua masculinidade e um
louco, um desatinado amor.
— Sean… — sussurrou ela, acariciando-o. — Sean… por favor…
— Você tem certeza? — a voz dele era inaudível. Karen aproximou-
se ainda mais, ansiando pela boca dele.
— Sim… — disse, ofegante.
Ele levantou-se e, estendendo-lhe as mãos, puxou-a para si. Quando
seus corpos se uniram, ele a beijou. Foi um beijo selvagem, sensual, daqueles
que chegam às raias da loucura.
— Onde é o zíper desse lindo vestido? — perguntou. Suas mãos,
impacientes, puxavam as alças do vestido para baixo, descobrindo-lhe os
seios.
— Encantadora… maravilhosa… — murmurava ele.
Excitada, desvairada, ela procurou, tenteando, pelo zíper e abriu-o.
O vestido de seda caiu suavemente sobre o tapete. Seguiu-o a calcinha de
renda. Ela ouviu Sean arfar, enquanto a fitava extasiado, o rosto iluminado
pelo prazer e o desejo. Logo a tomou em seus braços e a levou para a cama.
Karen alongou-se sobre os lençóis macios, esperando-o. Perdera qualquer
resquício de timidez ou hesitação. Estava apaixonada por aquele homem,
perdidamente apaixonada, e se propunha a fazer a única coisa possível: dar e
receber prazer.
Ele apagou todas as luzes, deixando acesa só a do abajur da mesa de
cabeceira. Na quase total escuridão em que o quarto se encontrava, Karen
observou-o tirar a camisa e jogá-la sobre uma cadeira. Rapidamente, ele
desvencilhou-se da calça e deixou-a cair na cama ao lado dela, com a boca
sobre a sua, as mãos acariciando-lhe o corpo todo, despertando-lhe sensações
que iam e vinham, como se fossem ondas do mar, carregando o corpo dela
junto com o seu. As mãos de Karen percorriam o corpo viril, procurando
conhecer cada mínimo detalhe: em volta dos quadris, nos ombros, no peito,
comunicando-lhe a intensidade do seu desejo.
Ele era experiente, e percebeu que não era preciso muito para
despertá-la; Karen estava tão sedenta quanto ele próprio. Quando a penetrou,
ela sentiu uma dor aguda, profunda, e gritou. Mas logo sobreveio o prazer,
denso, avassalador, quase insuportável.
Karen ouviu um soluço inarticulado, que era o seu, juntar-se ao dele,
de prazer e satisfação.
Permaneceram imóveis, entrelaçados, seus corpos exaustos e
saciados.
— Eu amo você, Karen. Eu a amo muito — disse ele num tom de
voz rouco.
— Eu também amo você, Sean — murmurou ela, aninhando-se
ainda mais entre os braços que a circundavam, e adormecendo
instantaneamente.
Ao acordar, o sol já havia invadido o quarto, e Sean estava de pé,
vestido, ao lado da cama. Inclinou-se e beijou-a suavemente.
— Levante-se, minha bela adormecida. Já é tempo de voltar ao frio e
cruel mundo dos negócios. Temos uma reunião marcada para às dez horas, e
o café está esperando por você — disse ele, apontando para a mesinha do
lado da cama.
Karen ergueu-se, tonta de sono.
— Obrigada. Acho que nunca dormi tanto em minha vida — disse,
bocejando.
— Você dormiu dez horas. Isso finalmente deveria compensar o
cansaço da viagem de avião.
Ela saboreou o café quente, e sentiu um aperto no coração ao
lembrar-se da noite anterior. Sean parecia não se lembrar de nada. Estava
animado e bem-disposto, e era claro que sua cabeça não estava tão virada
quanto a dela. Devia ter legiões de mulheres, muito mais experientes do que
ela.
Sem se virar, ele disse.
— Hoje, na reunião, tenho boas notícias para você.
Ela pulou para fora da cama, sem acreditar no que ouvia.
— Quer dizer… que você já tomou uma decisão a respeito da
Clark's?
— Isso mesmo.
— Oh, mas é a melhor notícia que poderia dar.
Estava tão contente que não encontrava palavras para expressar
toda a alegria, por Ben, por ela e por Sean.
Era óbvio que a decisão dele nada tinha a ver com a noite anterior.
Não era homem cujas decisões pudessem ser influenciadas por noites de
amor. Não mesmo. A Clark's havia conseguido isso devido aos seus próprios
méritos, e isso daria lugar à perspectivas maravilhosas. Não via a hora de
poder contar tudo a Ben.
Sentia-se tão bem que parecia flutuar. Essa novidade só aumentou a
sensação de leveza e de felicidade que vivia desde a noite anterior. A própria
reunião transcorreu em clima de irrealidade. Todos pareciam diferentes,
envoltos numa espécie de aura encantada, ou será que seriam seus olhos?
Sean, à sua direita, estava completamente descontraído.
Observou-o. Deleitava-se só de estar a seu lado. Sem perceber,
desligou-se de tudo, só imaginando o que fariam depois que a reunião
acabasse. Com certeza iriam nadar naquela praia deserta, ou sairiam para um
passeio de carro. Talvez. Não importava, queria estar com ele, amá-lo. Sorriu
embevecida. Quando deu por si, era o centro das atenções; ele acabava de
anunciar a entrada da Clark's para o grupo, parabenizando-a. Ela continuou
com os olhos pregados na superfície da mesa, sem ousar encarar aquela gente
toda. Concentrou-se no que estava sendo dito, tomando nota de tudo para
fornecer a Ben um relatório completo. Sua mente mantinha-se ocupada, mas
todo seu ser levitava sobre a mesa, envolto numa nuvem de felicidade.
Ao meio-dia, na sala ao lado havia um bufê de pratos frios. Vários
membros de outras empresas procuraram-na para contato.
Sean aproximou-se com duas taças na mão.
— Precisamos comemorar.
Harry Walker juntou-se a eles e, erguendo sua taça na direção de
Karen, disse:
— Bem-vinda ao clube. Quando vamos conhecer o sr. Clark?
— Logo, logo, tenho certeza de que entrará em contato com todos o
mais breve possível — apressou-se a responder. — Sente demais não estar
aqui.
Harry assentiu, olhando para Sean. Karen poderia jurar que havia
um certo antagonismo implícito, algo muito bem dissimulado entre os dois.
— Com certeza ela soube dissuadi-lo bem. Deve ter sido uma ajuda
incalculável, Sean.
Karen crispou o cenho, prestes a explodir. Antes que o fizesse, Sean
interveio, à altura.
— Acertou. Nosso entendimento foi total, Harry.
— Sim, não tenho dúvidas.
A aparência daquele homem, o modo mordaz como insinuava as
coisas, a maneira significativa com que destilava seu veneno, deixava claras
suas intenções, ou melhor, sua rivalidade com o chefe. Com certeza o passado
de sua mulher ainda o incomodava, era um problema mal resolvido. É…
aquele ambiente aparentemente tão requintado era só uma fachada que
escondia os mais sórdidos jogos de interesse.
— Observou Sean, curiosa em saber como reagiria às provocações,
mas ele parecia desatento, mais preocupado em sair dali.
— Você já comeu?
Comeram chilli e beberam champanhe. Ele disse que a reunião ia
continuar, mas podia descansar que eram assuntos de rotina.
— É uma ótima idéia, depois de tanto champanhe.
— Foi assim que tudo começou, lembra-se? Apaixonei-me por você
quando, sem perceber, adormeceu com a cabeça em meu ombro.
Ela ficou literalmente estarrecida, e o vozerio da sala pareceu
desvanecer-se. Será que tinha ouvido direito? “Apaixonei-me por você.”
Encarou-o com os olhos arregalados, mas olhava em redor de si, como
procurando por alguém, e disse, distraído:
— Se me der licença, agora preciso falar com uma pessoa.
— Claro, Sean. Vou fazer uma siesta, e talvez depois dê um
mergulho na piscina.
— Ótimo. Eu esperava poder sair com você hoje à tarde, mas tenho
impressão de que estarei muito ocupado, tenho uns assuntos pendentes
ainda.
Beijou-a de leve, acenando em despedida.
Karen saiu da sala e pegou o elevador, aliviada por não ter que
comparecer ao final da reunião. A temperatura do quarto estava deliciosa,
com o ar-condicionado ligado. Atirou-se na cama, lembrando-se de cada
detalhe da noite anterior, pesando cada palavra, cada gesto dele, como se
fosse algo muito valioso. “Estou perdidamente apaixonada, como nunca
imaginei em toda a minha vida.” Com esses pensamentos, caiu no sono dos
justos.
Um ruído no quarto ao lado acordou-a. Não tinha a mínima noção
de tempo. Será que Sean já conseguira resolver tudo e estava de volta?
Consultou o relógio. Só de pensar nele tão perto, um calor intenso a invadiu.
E se fosse procurá-lo… agora?
Abriu a porta e dirigiu-se, como que magnetizada, para o quarto
dele. Ia bater na porta quando ouviu o barulho suave da porta do elevador
abrindo-se. Liz Walker vinha andando na sua direção, vestindo uma saída de
praia muito sexy.
— Oi! — Um sorriso dissimulado passou pelos lábios cheios e
carnudos, desaparecendo em seguida e dando lugar a uma expressão hostil.
— Será que por coincidência estamos indo para o mesmo lugar?
Ao mover seu corpo sinuoso, a saída de praia abriu-se, revelando
que ela estava nua por baixo.
— Tenho a impressão de que, de agora em diante, querida, seus
serviços serão dispensados.
Deu ainda alguns passos, até ficar bem próxima a Karen.
— Aliás, se quer um conselho, vá embora. Sean está me esperando.
Já cumpriu sua parte, agora não precisamos mais de você por aqui.
Dizendo isso afastou-se rapidamente, deixando atrás de si uma
nuvem de perfume e ressentimento no ar. Karen tateou a parede, sentia o
chão fugir sob seus pés, nunca se sentira tão mal em toda sua vida, pior ainda
do que no dia em que Sean a humilhara.
Lenta e rigidamente, como se carregasse o peso do mundo inteiro
sobre si, conseguiu chegar até o quarto. Ao entrar apoiou-se na parede, sem
forças. Passados alguns segundos, conseguiu arrastar-se até uma cadeira e
deixou-se cair, olhando fixamente diante de si, como um autômato.
Ouviu um sussurro de vozes vindo do quarto ao lado, a de Sean,
profunda e comedida, a de Liz, lenta e arrastada. Seu timbre sedutor
penetrava pela parede divisória. “Eu tenho que sair daqui”, pensou,
desesperada, “não posso continuar ouvindo… ouvindo tudo o que vai
acontecer”.
Tropeçando, foi até o armário, e, pegando uma roupa qualquer,
vestiu-a afoitamente. “Oh, como a havia humilhado, com que desprezo, com
que superioridade a havia descartado!”, concluiu desolada.
Do outro lado da parede chegava-lhe a conversa de duas pessoas
que pareciam estar muito à vontade.
Oh, eles eram odiosos, aqueles dois, e Sean ainda pior, pois a havia
manipulado, usado e traído. Um canalha, um cafajeste da pior espécie.
Depois fez-se um longo silêncio, e isso foi ainda mais torturante.
Tapou os ouvidos com as mãos e saiu abruptamente do quarto sem saber
como nem para onde ir.
O corredor estava vazio e sombrio. Ela correu até o elevador e
apertou o térreo, mas nada aconteceu. Precipitou-se pelas escadas abaixo,
tropeçando, segurando o corrimão com as mãos trêmulas. Passou pela
multidão do hall de entrada, e saiu para a praia.
Quando se viu na areia macia e quente, tirou as sandálias e começou
a correr. A praia estava repleta, mas avançou com os olhos embaçados pelas
lágrimas, desviando-se como pôde dos corpos bronzeados estendidos na
areia. Só parou de correr quando seus pés tocaram a água. O instinto de
sobrevivência deu o alarme; da maneira como estava podia até sentir a água
gelada envolvendo-a por completo até o nada. Não, precisava acalmar-se
para depois entrar na água e purificar-se, livrar-se daquele sentimento
horripilante que a impregnava.
Começou a rir, histérica e meio deliciada com o absurdo daquela
situação. Sean Marston não era digno de que alguém sofresse tanto por sua
causa. Merecia apenas desprezo e ódio, nada que fosse além disso.
Que idiota havia sido! Tola, crédula e ingênua. Tudo não havia
passado de um plano mirabolante para poder usá-la, atraí-la, nada mais era
que uma inocente útil nas mãos daqueles dois. A testa-de-ferro para encobrir
aquele romance barato e clandestino que Marston mantinha com Liz Walker.
Só assim não levantavam suspeitas. E Harry assim não desconfiava do que
estava realmente se passando entre os dois. Tudo muito sórdido, muito
mesquinho. Estremeceu, repugnada.
Quando deu por si, Max Friend estava ao seu lado.
— O que aconteceu?
Ela apenas meneou a cabeça, apertando os lábios; receava dizer
alguma coisa que a traísse.
— Vamos dar uma volta — e tomou-a pelo braço.
A maré estava baixa, e eles andaram beirando as ondas.
— Não leve isso a sério, querida. Não pode deixar-se abalar dessa
maneira.
Ele sabia! Havia previsto, e havia tentado avisá-la, com aqueles
modos desajeitados. E ela? O que havia feito? Fechara os olhos a qualquer
aviso. Caminhara cega para o abismo. Tinha sido tão fácil manipulá-la! A
noite passada ela havia se jogado em seus braços, louca de paixão. Luar de
Acapulco… isso tinha dado asas à sua imaginação. Avoada, entrara no jogo
sem conhecer as regras. Mas amanhã voltaria para Ben e para seu juízo
perfeito.
Amanhã. Mas, até lá, havia ainda muito o que fazer. Sentiu um
arrepio só de pensar o quanto Sean Marston podia ser perigoso, se
provocado. Depois da noite anterior, ele devia estar certo de que estaria
sempre à sua mercê, qual um animalzinho de estimação que corre a um
simples assobio. Como e quando ele quisesse. Uma ingênua executivazinha
de subúrbio. Realmente uma presa muito fácil e ignorante, ignorante demais
para entender e sobreviver no mundo sofisticado que ele e sua parceira
freqüentavam. Mas era precisamente aí que ele estava enganado. Um ódio
surdo invadiu-a, sufocando a autopiedade, avivando seu orgulho. Pelo
menos esse triunfo ela teria, ia atirar na cara de Sean Marston que ele não era
tão esperto quanto imaginava.
À medida que sua imaginação corria solta, ela até se arrepiava. Será
que conseguiria representar tal farsa? Será que teria forças para ir até o fim?
Tinha que representar e muito bem, custasse o que custasse sua #dignidade
pelo menos não ficaria na sarjeta.
Max andava a seu lado, silencioso. Era mais sensível do que
imaginara.
— Olhe, já andamos muito. Que tal tomarmos alguma coisa?
— Obrigada, Max, mas tenho pouco tempo para comprar um
vestido para hoje à noite.
Queria um vestido sensacional, que lhe devolvesse a confiança em
si, que fizesse os homens perderem o fôlego, que fizesse dela um páreo duro
para Liz Walker. Iria se transformar numa mulher sofisticada e insensível, a
qualquer preço.
— Quer me ajudar a escolher?
— Claro que sim. Você acha que perderia essa oportunidade?
Quando voltaram para o hotel, já havia quase anoitecido. A primeira
pessoa que avistaram foi Sean Marston, cercado de executivos, tão entretido
na conversa que nem se deu conta da presença deles. Aliviada, dirigiu-se
apressadamente para o elevador, quase arrancando a caixa das mãos de Max.
— Muito obrigada por… tudo — sorriu, tentando disfarçar o que
sentia.
— Não sei bem o que está pretendendo, mas torço por você. A
primeira providência que tomou ao chegar ao quarto foi experimentar o
vestido. Quando olhou-se no espelho, teve certeza de que precisaria de muita
coragem, muito sangue-frio para descer com aquela roupa. Se não fosse o
apoio de Max provavelmente não teria gastado todos os seus pesos
mexicanos numa única peça. Apesar de que era o ideal, servia como uma
luva para suas pretensões. Era uma minissaia justíssima, preta, que deixava a
barriga à mostra, completada por um bustiê de tafetá que na realidade era só
um laço. Para completar, sapatos de saltos altíssimos.
A maquilagem seria o próximo passo, cuidou para que ficasse o
mais sensual possível. Lábios e unhas vermelhas. Karen inspirou
profundamente, apertando os lábios. Finalmente, um drinque bem forte para
criar coragem. Abriu a geladeira e preparou um gim-tônica, tragando-o de
uma vez só. O fundamental, no entanto, era manter a mente bem lúcida.
Uma pequena batida na porta tirou-a de seus pensamentos. Ia
começar o teatro, com certeza era Marston.
— Oi, tudo bem? — Entrou todo confiante, mas parou, estarrecido,
arqueando as sobrancelhas diante da nova visão. Estava visivelmente
desconcertado.
— O que significa isso?
Ela deu meia-volta, improvisando um desfile.
— Não gosta? Eu adorei, e Max também…
— Max? Oh, sim. Conheço o gosto dele. Por que não me pediu para
ir com você?
— Você estava muito ocupado… Não gostou mesmo? — perguntou
com o ar mais inocente do mundo.
— Não exatamente. Além disso, não faz seu gênero. É muito vistoso.
— As maneiras dele eram absolutamente brutas.
— Nunca pensei que fosse tão preconceituoso, o que há de errado
com este vestido? Achei ideal para o clima de Acapulco. É engraçado,
divertido como tudo aqui… Nada do que acontece aqui é sério, já reparou
nisso? — Dizendo isso, Karen pegou a bolsa e passou por ele em direção à
porta, exalando um perfume adocicado. — Vamos, meu bem, vamos ao
encontro do pessoal lá embaixo.
Já estavam todos reunidos no bar, tomando drinques; com jeitinho,
afastou-se dele. Quando avistou Max, sorriu com cumplicidade.
— Como estou?
— Sensacional. Todos os homens só olham para você. Aliás, não só
os homens. Liz Walker, por exemplo, está verde. Certamente Sua Alteza está
se sentindo ofuscada.
Realmente, mas Liz não deixava de estar deslumbrante, com um
vestido brilhante agarrado ao corpo, tão decotado que deixava as costas
praticamente inteiras à mostra. Para completar, tinha uma abertura lateral
que ia até as coxas. Usava enormes brincos dourados.
— Tudo que há para ser mostrado está na vitrine — Max comentou
com desdém. — Mas prefiro os laços do seu vestido. A gente tem que se
colocar no ângulo certo para ver o que interessa. Você vai abafar, pode ter
certeza.
Com efeito, alguns diretores que durante as reuniões apenas a
haviam notado, agora aproximavam-se, interessados, dizendo-lhes coisas
picantes.
Ela ria das coisas que diziam, e respondia no mesmo tom, seus olhos
amendoados brilhavam maliciosamente. A maioria deles já havia bebido
demais, o que os tornava ainda mais inconvenientes e duros de suportar.
Para piorar as coisas, Ferguson, o homem que Sean tirara da prisão,
aproximou-se demais para o seu gosto, exalando um cheiro insuportável de
bebida. Mal conseguia equilibrar-se em pé.
— Que tal um jantarzinho a dois, quando eu for a Lessington? —
dizendo isso avançou sobre ela tentando agarrá-la pela cintura.
Naquele momento, Marston apareceu.
— Venham todos, o jantar está servido — anunciou, empurrando
Ferguson para o lado, os olhos brilhando perigosamente.
— Aonde você esteve até agora? — perguntou, num tom aborrecido,
enquanto se dirigiam à enorme mesa preparada para eles no restaurante. —
Procurei você por toda parte.
— Estava conversando com o pessoal. Sinto-me à vontade, são todos
tão gentis…
— Tenho certeza disso — disse ele, lançando um olhar irritado para
o enorme laço de seu vestido. — É melhor que fique perto de mim até o jantar
terminar.
Ela sorriu, provocante.
— Isso eu não posso prometer.
Sentaram-se .um ao lado do outro, com Bill e Annie Goodball na
frente. Karen reparou que Liz Walker e toda sua corte achavam-se na outra
extremidade da mesa.
Annie inclinou-se para ela e perguntou:
— Você está melhor, Karen? Foi uma pena não ter visto o espetáculo
ontem à noite. Sean me disse que você não estava se sentindo bem. Alguma
coisa que comeu?
— É possível — assentiu, enrijecendo-se, ao lembrar da noite
passada e do turbilhão de emoções pelo qual havia sido arrastada. — Mas
agora estou ótima, obrigada. E com muita vontade de saborear essa comida
deliciosa.
Bill Goodball, ansioso, olhava para o cardápio.
— A comida é mexicana. Vejam esse peru com guacamole e enchilli de
camarões, ou coisa parecida.
Sua mulher concordou de imediato.
— Os cozinheiros mexicanos estão entre os melhores do mundo. E
olhe para esses pratos com frutas tropicais. Eu simplesmente adoro papaia e
mangas.
No centro da mesa, além dos pratos de frutas, havia enormes
arranjos de flores exóticas, nas cores vermelha, branca e azul.
Sorrindo, Sean colocou a mão sobre seu joelho. Um arrepio de raiva
a percorreu ao imaginar que há poucas horas aquelas mesmas mãos
acariciavam Liz Walker. O cinismo e a frieza dele revoltaram-na. Mas o
espetáculo tinha que continuar. Karen cobriu a mão dele com a sua, e puxou-
a mais para cima, sorrindo, provocando-o para logo em seguida retirá-la, com
um tapinha brincalhão.
O jantar devia estar excelente, mas estava tão tensa, tão concentrada
em seus propósitos de vingança que nem pôde usufruir daquelas maravilhas.
Peru, frango, molhos exóticos, pequenas panquecas com o engraçado nome
de tacos, recheadas de mil coisas saborosas. Sobremesas geladas, decoradas
com fatias de melão e morangos. Normalmente teria se deleitado com tudo
aquilo mas. no estado em que se encontrava, tomava apenas pequenos goles
de vinho.
Devido à bebida e ao clima de despedida, todos estavam
especialmente alegres. Karen participou de tudo, flertando com os homens
que se achavam perto dela, rindo deliciada das piadas cada vez mais
ousadas. Uma ou duas vezes pegou Sean olhando-a intrigado. Enfrentou-o
ostentando um sorriso brilhante como se nada estivesse acontecendo. Apesar
de mortificada por dentro, buscava forças nas lembranças para continuar
aquele papel sórdido, tão sórdido quanto Sean e Liz Walker, digno deles.
Amara-o sem medir conseqüências, entregara-se por inteiro àquela relação,
sem esperar nada em troca, sem interesses, única e exclusivamente porque
reconhecera nele o homem que esperara a vida inteira. Atirara-se de cabeça e
fora apunhalada pelas costas, usada para, com certeza, ser descartada como
um bagaço inútil. Tudo isso avivava sua hostilidade, tinha que sair de cabeça
erguida e não choramingando como a boboca que era na realidade.
O jantar arrastava-se lentamente, parecendo não ter fim. À medida
que o tempo passava, todos estavam ainda mais barulhentos.
De repente, as luzes se obscureceram e logo a pista de dança ficou
repleta de casais que dançavam agarradinhos. Karen sentiu a cabeça pesada,
doía demais, tinha todos os músculos do corpo tensos. Atordoada, levantou-
se para ir ao toalete, mas, ao atravessar a sala, sentiu um apertão no braço. Só
faltava essa! Ferguson, completamente embriagado, puxava-a para a pista.
Tentou esquivar-se, mas ele a segurava com força pela cintura.
— Garota linda — pronunciava as palavras com dificuldade,
exalando um hálito enojante, roçava os lábios pela nuca de Karen. — Você é
bonita demais para essas reuniões chatíssimas. Desde que a vi, fiquei de olho
em você, sabia?
Enquanto falava, apalpava seu corpo, suas costas nuas, procurando
enfiar a mão por baixo dos laços de tafetá.
Desesperada, sentindo náuseas, Karen fez um movimento brusco
como último recurso para livrar-se daquele ser desprezível.
— Solte-me — implorou. — Solte-me!
— Só porque você quer, boneca. Você vai é ficar comigo, e vamos
nos divertir bastante juntos, fique boazinha.
Uma mão de homem apartou-os, e a voz de Bill Goodball soou,
autoritária e firme:
— Deixe-a em paz, Ferguson.
— Até aquele instante, Bill tinha dado a Karen a impressão de ser
um homenzinho manso, insignificante, incapaz de uma atitude mais drástica,
que exigisse firmeza. Seu modo duro e decidido a surpreendeu.
— Isso não é da sua conta, meu chapa.
Mas Bill já o havia pegado firmemente pelo braço, levando-o
embora.
Karen, forçando caminho entre os pares que dançavam, conseguiu
chegar até o toalete das senhoras. Sentou-se em um banco de frente para o
espelho, o rosto transtornado, os olhos brilhantes de raiva e indignação. Logo
depois, Annie entrou, furiosa.
— Aquele homem horrível! Não deviam ter permitido que ele
comparecesse às reuniões. Está melhor do susto, querida?
Tremendo, Karen puxou o cabelo para trás.
— Graças a Deus, Bill chegou bem na hora. Muito obrigada por tudo
que fizeram por mim…
Annie abraçou-a protetoramente:
— Agora vai ficar conosco até a festa terminar. Karen agradeceu,
recusando:
— Eu já ia indo embora mesmo. Estou com muita dor de cabeça, vou
me deitar.
— Coitadinha, claro que sim. Prefere que suba com você, caso
precise de alguma coisa?
Karen recusou novamente. Annie era muito amável; agradecia a
preocupação, mas preferia ficar sozinha.
Chegando ao restaurante, ela resolveu passar pelo fundo da sala,
junto à porta de serviço, para chegar ao hall do elevador. O barulho
ensurdecedor da orquestra mexicana irrompeu em sua cabeça, que parecia
estourar. Quando percebeu, havia sido empurrada para perto da pista de
danças, e naquele instante Sean passou dançando agarrado a Liz, enrolada
nele como uma serpente.
Finalmente, conseguiu sair para o ar fresco do imenso hall. Tinha
certeza de que Sean não a havia visto, entretido como estava. E certamente
Harry estaria refestelado em sua cadeira, depois de tantas tequilas. Não ia
reparar no que sua esposa andava fazendo. Mas não iam passar a noite
juntos, Sean e Liz. Isso eles não iam poder maquinar. E, a essa altura, quando
Sean recorresse a ela, levaria o maior fora de sua vida.
Foi um alívio chegar em seu quarto e trocar os laços de tafetá por
um vestido de algodão leve. Não podia arriscar nada de transparente, porque
fatalmente ele apareceria com a cara mais inocente do mundo. Cínico! Pena
que não era tão falsa a ponto de levar toda aquela representação até as
últimas conseqüências…
Tirou a maquilagem e sentou-se na cama, pegando uma revista para
ler. Pelos seus cálculos ele ia demorar bastante, pelo menos até que Harry
ficasse melhor. Sem dúvida, ele e Liz iam aproveitar ao máximo a
oportunidade de ficarem juntos. Ledo engano! Mal se passaram dez minutos,
ouviu um barulho no quarto ao lado. Todos os seus sentidos se aguçaram em
sinal de alerta. Parecia uma fera, pronta para lutar com toda a garra para
defender sua sobrevivência. Nesse momento uma idéia absurda lhe ocorreu:
iria embora dali o quanto antes. Abriu as gavetas jogando tudo, de qualquer
maneira, nas malas. Foi o tempo de Sean entrar no quarto. Ao vê-lo, respirou
profundamente, tentando ganhar forças. Só não esperava que ao tê-lo tão
perto seria invadida por um desejo tão violento.
— Annie disse que você não se sentiu bem… Pelo menos Annie
tivera tato suficiente para não mencionar o episódio com Ferguson; sentiu-se
grata à amiga.
— Não foi nada. Achei melhor ganhar tempo e fazer as malas.
Pretendo partir bem cedo.
— Por que tanta pressa? Havia planejado irmos juntos até a Cidade
do México, mas só poderei ir depois do meio-dia. Que tal esperar por mim?
Ela encolheu os ombros, como se não pudesse fazer nada.
— Sinto muito.
Seguiu-se uma pausa, enquanto Karen transferia uma pilha de
roupas para a mala. Ele aproximou-se mais ainda, enlaçando-a pela cintura.
— Karen? — murmurou suavemente.
“Oh, não, você não vai conseguir o que pretende. Não vai se divertir
comigo, enquanto sua namorada anda às voltas com o marido”, pensou ela,
esquivando-se e indo até o armário. Tirou os vestidos dos cabides e jogou-os
sobre a cama.
— Desculpe-me, mas realmente estou ocupada. Como vê, tenho que
fazer minha mala — disse, num tom frio, mas ainda conservando o sorriso
nos lábios.
Ele recebeu a mensagem. Sua expressão endureceu-se um pouco.
— O que aconteceu, Karen?
— Não aconteceu nada. Muito pelo contrário, tudo saiu maravilho-
samente bem. Desde que cheguei aqui, consegui tudo o que queria.
Ele olhou-a de modo estranho; parecia o mesmo com que se havia
deparado pela primeira vez, no escritório da Clark's, em Lessington. O
homem que lhe havia inspirado uma profunda antipatia.
— Isso porque eu me decidi a favor da firma de Ben Clark?
— É. Exatamente por causa disso.
Por um momento, ficou silencioso, parecendo estudá-la. Ela
começou a dobrar os vestidos, esperando que não percebesse o quanto suas
mãos estavam trêmulas.
Finalmente ele falou, a voz dura e inflexível:
— Entendo. Suponho que a noite de ontem fazia parte de um plano
seu para conseguiu o que estava querendo.
Ela jogou a cabeça para trás, parecendo deliciada com as lembranças
da véspera.
— Oh, a noite de ontem foi ótima! E você foi um amante fora de
série. Aliás, não é preciso que lhe diga, pois tenho certeza de que sabe disso.
E… mesmo se não fosse assim, não existe nada que eu não faria por Ben
Clark.
Tinha ido longe demais. Nem bem acabou de pronunciar essas
palavras se arrependeu. A expressão dele endureceu-se ainda mais, e um
arrepio de medo percorreu-a.
— Você realmente pensou que, se dormisse comigo, iria fazer com
que me decidisse em favor da Clark's?
— Bem… Mais ou menos… Você mesmo não reconheceu, deixe-me
ver… quais foram suas palavras? Suborno, corrupção, chantagem.
— Ora, sua ordinariazinha. Eu estava brincando quando disse isso.
Mas talvez alguém de sua laia não tenha sensibilidade suficiente para
entender certas coisas.
Agarrou-a pelos ombros e sacudiu-a, com uma expressão terrível.
Karen soltou-se, ostentando um sorriso de reprovação.
— Nunca sei exatamente como interpretar o significado de suas
palavras. Você é tão enigmático, parece que isso faz parte de sua imagem. De
todo modo, achei que se minha… digamos, companhia, lhe agradasse, a
balança se inclinaria um pouco para o nosso lado. E foi divertido, não foi?
— Sim, foi divertido. Ela tocou na mão dele.
— Espero que não tenha sé aborrecido. E vamos continuar sendo
bons amigos, não é mesmo? Talvez nos encontremos ainda, apesar de que…
suponho que não vá continuar trabalhando na Clark's por muito tempo
ainda. Como esposa de Ben Clark, não terei muito tempo e disposição para
rever velhos conhecidos.
— Mas… diga-me uma coisa. Qual seria a reação do nosso querido
Ben se soubesse de sua travessura de ontem à noite?
Ela fez um beicinho.
— Oh, Sean, você não seria nada elegante se contasse tudo a ele.
Não é o que pretende fazer, é?
Ele olhou-a com tanto desdém que Karen quase gelou.
— Não, não é o que pretendo fazer. Deu meia-volta e dirigiu-se para
a porta.
— Combinado. Ah, diga a Ben que entrarei em contato com ele
assim que voltar do Japão, daqui a duas semanas. Enquanto isso, desejo que
sejam felizes. Até logo, querida. Foi um prazer conhecê-la e… ter desfrutado
de sua companhia de forma tão… agradável, digamos. — E fechou a porta
atrás de si, não sem antes medi-la atentamente dos pés à cabeça.
Karen terminou de fazer a mala tal qual um autômato, deixando
suas coisas de toalete para arrumar pela manhã. Pontos de Sean tinha sido
apenas superficial, seu orgulho havia sofrido, nada havia saído como
planejara. Ela não se traíra, e havia recuperado um pouco de seu amor-
próprio. O aborrecimento de Sean tinha sido apenas superficial, seu orgulho
havia sofrido um pequeno baque, mas nada que ele não esquecesse
rapidamente. Desejava que o mesmo se desse com ela. Mas sabia que não ia
ser assim. Só esperava não vê-lo por um longo, longo tempo. Ou, melhor,
nunca mais.

CAPÍTULO VIII

No dia seguinte, levantou-se bem cedo. Não tencionava revelo em


Acapulco. Seria uma tortura a mais, ainda por cima desnecessária. Desceu
apressada para o saguão, as malas já feitas e pronta para partir o quanto
antes. Qual não foi sua surpresa ao encontrá-lo lá, apoiado displicentemente
sobre o balcão da recepção, conversando com uma linda moça. Assim que a
viu foi a seu encontro com um sorriso informal.
— Dormiu bem?
— Bem, obrigada — tentou sorrir para disfarçar seu aspecto que,
àquela altura, devia ser péssimo. A noite inteira não havia pregado o olho. Ao
olhar-se no espelho teve um sobressalto: tinha o rosto todo marcado pela
noite de insônia e enormes olheiras.
— Ótimo. Imaginei que fosse embora logo cedo e quis saber se
precisa de alguma coisa.
— É muita gentileza sua — conseguiu dizer; na verdade não
esperava por aquilo, estava atônita.
Nada como ser “civilizado”, acostumado aos mais diferentes tipos
de romance. Depois de tudo o que havia acontecido, conseguia ser
educadamente frio, cortês e amável.
— Você tem dinheiro mexicano? Sua conta aqui está paga,
naturalmente, assim como o vôo para a Cidade do México. Para que dia
reservou sua volta para a Inglaterra?
— Acho que… para domingo — respondeu Karen, com um fio de
voz. Ele a estava tratando como a qualquer funcionário de sua companhia, de
partida para uma viagem de negócios. Era assim que a considerava agora,
não havia dúvidas.
— E quanto a Ben? Já pensou nele. Provavelmente não estará em
condições de viajar até domingo, não acha?
— Eu… eu não sei. Provavelmente não.
Sabia que seu comportamento estava sendo ridículo, incerto,
infantil. Também, depois de uma noite infernal ainda vinha ele torturá-la
daquela maneira? Só a simples presença dele já estava destruindo todo seu
autocontrole. Esforçou-se para manter a cabeça fria e não dizer mais
bobagens.
— Bom, é claro que tudo dependerá do estado de Ben, talvez
tenhamos que adiar nossa partida.
— É… tenho certeza de que você poderá decidir tudo sozinha.
— Vou levá-la para o aeroporto. — A atitude dele agora era
completamente diferente, cheia de enfado.
— Não se incomode com isso. Posso muito bem ir de táxi
— respondeu mais do que depressa.
— Não é incômodo nenhum. Sua bagagem está toda aqui?
— Ela assentiu com a cabeça. — Vamos, então. — E saiu andando na
frente, dirigindo-se para o carro.
Ela sentou-se, rígida, ao seu lado. Daqui a pouco estaria tudo
acabado… contanto que conseguisse manter-se fria durante o percurso até o
aeroporto!
— Então você está de partida para o Japão? — perguntou
distraidamente.
Ele fez que sim com a cabeça, os olhos atentos na estrada.
— Amanhã de manhã. É um vôo direto. Lá pretendo realizar o
maior negócio da minha vida, se der tudo certo…
— Que ótimo! — O tom de voz dela era afetado.
Olhou para as mãos dele no volante, os dedos longos e sensíveis, o
relógio de ouro, os braços nus. Oh, Deus, por que ele não havia simplesmente
chamado um táxi? Por que tinha que suportar esse sofrimento todo?
Ele continuou a falar sobre seus planos, parecendo muito
entusiasmado.
— As idéias de seu amigo Ben poderão ser-nos muito úteis, se esse
negócio sair. Tenho muitos projetos para a Clark's.
— Verdade? Que bom!
Não estava agüentando mais, sentia-se no limite de suas forças, mais
meio minuto e acabaria cedendo, gritando na cara dele toda a verdade aos
berros, entre lágrimas. Certamente pareceria uma perfeita idiota aos olhos
daquele homem.
Chegaram a tempo, e pelo menos dessa humilhação foi poupada. O
fato de sair do carro, andar e livrar-se daquela perigosa intimidade com ele
serviu para distender-lhe um pouco os nervos.
Indiferente e prático, ele cuidou rapidamente das formalidades.
Quando estava tudo resolvido, virou-se para ela.
— Sinto muito, mas vai ter que esperar bastante tempo. Pena que eu
não possa ficar. Pode virar-se bem, não é?
— Sim. Obrigada pela ajuda e por ter me trazido até aqui. Ele
simplesmente sorriu, aquele sorriso tranqüilo e desconcertante de sempre.
— Lembranças a Ben. Diga-lhe que pretendo manter contato.
— Darei o recado. Boa viagem.
— Obrigado. Até mais, Karen. A gente se vê, qualquer hora dessas.
— Curvou-se e beijou-a levemente na face.
Foi um beijo casual. Ela ficou imóvel como uma estátua, vendo-o
desaparecer entre a multidão do aeroporto, sua cabeça escura sobressaindo-se
entre as demais. Finalmente ele sumiu, sem olhar para trás.
Sentindo os pés pesados, entorpecidos, Karen caminhou lentamente
até o bar mais próximo; sentou-se a uma mesa afastada e caiu num choro
convulsivo.
Devia estar aliviada, pois tudo havia saído conforme planejara.
Tinha conseguido levar a farsa que arquitetara até o fim, com excelentes
resultados… A firma de Ben estava salva, com o futuro assegurado. Só para si
não vislumbrava futuro nenhum. Entrara num jogo perigoso, jogara sua
cartada mais alta num amor desatinado e perdera tudo, até mesmo seu
trabalho, que antes era tudo para ela. Em hipótese alguma podia continuar na
Clark's. Apertou com força a xícara de café e tentou enxergar por trás do véu
de lágrimas o vaivém da multidão. Como pôde ser tão ingênua? Tinha sido
um caso a mais na vida dele, ele não a havia enganado de todo, mas agora
sentia-se vazia, não tinha mais nada a dar a qualquer outro homem. Tinha
certeza disso. Nunca conseguiria libertar-se daquelas lembranças nem sentir
aquelas emoções novamente. Fora o primeiro homem de sua vida. Será que
ele havia se dado conta disso?
Já era tarde quando o avião pousou na Cidade do México; precisava
planejar seu tempo direitinho. Primeiro, dirigiu-se ao hotel e reservou um
quarto para aquela noite. Depois rumou imediatamente para o hospital.
Ao entrar no quarto grande e arejado, procurou por Ben com os
olhos. Era hora de visitas, e todas as cadeiras estavam tomadas, as mesas
disponíveis repletas de frutas e pacotes de livros. O zumbido incessante das
conversas pareceu-lhe insuportável.
Ben estava deitado em uma das camas na outra extremidade do
quarto. Karen armou-se de um sorriso estereotipado e dirigiu-se para lá. Ele
já a havia visto e acenou com a mão, uma expressão feliz iluminando-lhe o
rosto magro e cavado. Debruçou-se sobre a cama e, quando se beijaram, ele a
envolveu num abraço surpreendentemente forte.
— Maravilhoso! Estava esperando por você, Karen. Puxe uma
cadeira.
Ela sentiu que uma onda de calor a invadia. Era tão bom vê-lo
novamente, e com o jeito de sempre! Até esse momento, não se dera conta do
quanto Ben era importante em sua vida. Procurou por uma cadeira, e de
repente percebeu que não estavam sozinhos. Do outro lado da cama, e
parecendo muito à vontade, estava Jean McBride.
Karen abriu a boca, numa expressão de assombro.
— Jean! Não tinha visto você. Que surpresa! Quando foi que
chegou?
— Oi, Karen.
Não foi exatamente com um sorriso que a outra a cumprimentou; na
verdade parecia muito pouco feliz em vê-la.
— Cheguei há alguns dias.
As duas moças olharam-se, e seguiu-se um silêncio embaraçoso.
Então Jean levantou-se e disse:
— Vou dar uma volta, Ben, enquanto você e Karen conversam.
Talvez consiga encontrar aquele livro que você está querendo ler. Volto já.
Acenou friamente para Karen e afastou-se bruscamente. Karen ficou
sem saber o que dizer.
— Que surpresa encontrar Jean aqui!
— Eu também me surpreendi quando a vi chegar. Mas ela tem sido
muito atenciosa, cuida de tudo. Mas deixe-me olhar para você. Está
sensacional! Tudo isso é o sol de Acapulco?
— Foi uma pena você não ter ido, teria adorado. Tenho muito o que
lhe contar, e não sei por onde começar. Mas, antes de mais nada, como é que
está se sentindo?
— Nada mal. Os dois primeiros dias foram duros, mas depois
comecei a melhorar. Os médicos estão muito satisfeitos comigo, e dizem que,
se tudo correr bem, daqui a uma semana já estarei em condições de viajar.
— Que bom! Eu também tenho ótimas notícias. Marston já decidiu
sobre a Clarks's.
Ele assentiu, os olhos brilhando.
— Eu sei, querida. Ele me telefonou ontem comunicando. Também
elogiou muito o seu desempenho, acho que ficou impressionado. Você se deu
bem com ele?
— Oh, sim. Marston é muito eficiente, tem idéias incríveis. Vocês
fizeram um excelente negócio.
Com cuidado, relatou a Ben o que ficou resolvido nas reuniões,
evitando tocar no nome do outro. Não queria sequer mencioná-lo, seria
doloroso e não queria levantar suspeitas.
— Acho que é tudo — concluiu, após uma detalhada exposição. —
Parece ser um grupo muito homogêneo.
Seguiu-se um longo silêncio, enquanto Ben a olhava de um modo
estranho.
— Karen… — começou ele.
“Oh não,” ela pensou. “Não vou agüentar que ele me diga o que tem
a dizer”.
E recomeçou a falar, como se não tivesse ouvido.
— Temos que resolver sobre a viagem de volta, Ben. Temos lugares
reservados para o vôo de amanhã, lembra-se?
Ele suspirou, e seu rosto anuviou-se; logo depois pareceu esforçar-se
para sorrir.
— Jean já cancelou a minha reserva.
— Mas… e quanto a mim?
— Sua reserva continua valendo. Ela imaginou que provavelmente
você ia querer voltar o quanto antes para tomar conta do escritório e…
ofereceu-se para ficar aqui comigo, e ajudar-me na viagem de volta.
— Oh… E a avó dela?
— Parece que morreu há pouco tempo, e Jean agora está sozinha.
— Entendo. — E entendia mesmo. Jean agora estava finalmente livre
para tentar conquistar Ben.
— Bem. Acho que ela resolveu tudo.
— Nem tudo. Você poderia ficar, e ela partiria com a sua passagem.
Ambos sabiam no que isso implicava. Mas Karen, sem olhá-lo,
respondeu muito lentamente:
— Eu vou, acho melhor dar um tempo. Preciso pensar. Ela será mais
útil aqui.
A reação dele foi uma palidez mortal. Era horrível ter que feri-lo
desse modo, mas pior ainda seria iludi-lo.
— Sinto muito, Ben — disse com suavidade.
— Mereço isso — respondeu em tom brusco. — Sabia que seria
perigoso mandar você para Acapulco junto com Marston, mas estava cego
por causa da Clark's. Para mim, a firma vem antes de qualquer coisa, não
posso negar.
Precisamente o mesmo que Sean havia dito: “Se Ben Clark tivesse
que escolher entre você e sua firma, não tenho dúvidas sobre o tipo de
escolha que faria”.
Ele prosseguiu lentamente:
— Depois, fiquei imaginando que Marston ia dar em cima de você.
Qualquer homem faria isso e foi o que aconteceu, não é, Karen?
— Como adivinhou?
— A sua carta — respondeu Ben com simplicidade. — E agora, a sua
expressão. O modo como você evita falar no nome dele. É tudo muito claro.
De repente, a sala aquietou-se; aos poucos as visitas iam embora.
A voz dele soou tranqüila.
— E… como vão indo? Tudo bem?
— Não — cortou, depressa. — Na verdade, se houve algo, está
acabado. Oh, mas não quero falar disso, por favor, Ben.
Endireitou-se na cadeira e assumiu uma atitude estritamente
profissional.
— Fica resolvido assim. Eu vou embora amanhã, como combinado,
e segunda-feira já fico no escritório para ajudar o sr. Ward até sua volta,
depois disso, Ben, prefiro arranjar outro emprego.
Os olhos dele procuravam os dela, implorando.
— Por que isso agora, Karen? Sei muito bem o que essa fábrica
significa para você… Não é justo que largue tudo sem mais nem menos. Não
posso entender…
— Por favor, Ben… tente entender… eu não poderia…
— Acho melhor você pensar melhor, tente reconsiderar. São anos de
trabalho, de dedicação…
— É uma decisão irreversível, Ben. Já pensei muito.
— Deixe a palavra final para quando eu voltar, está bem? Karen
estava prestes a abrir a boca. Pegou a pasta dos papéis, e colocou-a sobre a
cama.
— Está tudo aqui. As anotações que fiz durante as reuniões, os
nomes e endereços das firmas do grupo e seus diretores, os vários interesses
que têm, e detalhes que peguei aqui e ali, em conversas. Isso o manterá
ocupado durante algumas horas.
Levantou-se, disfarçando, enxugando as lágrimas que teimavam em
cair.
— Agora tenho que ir. Não abuse do trabalho, para não se cansar
muito.
Curvou-se e o beijou de leve no rosto.
— Karen…
— Sim?
Ele sorriu, aquele seu sorriso calmo.
— É só isso. Queria apenas pronunciar o seu nome e agradecer-lhe
por tudo.
Ela retribuiu o sorriso, e saiu da enfermaria, atarantada. Já na porta,
voltou-se e acenou para ele, depois desceu as escadas e saiu correndo para a
rua.
A Inglaterra parecia ainda mais cinzenta aos seus olhos depois da
chegada. O sol desaparecera. A natureza estava inerte, inanimada. De acordo
com seu estado de espírito. A neve não cessava.
Sua mãe a esperava no aeroporto, mas, como sempre, tinha a
agenda lotada. Olhou-a distraidamente e foi logo dizendo:
— Você se bronzeou bastante, querida, mas emagreceu um pouco.
Trabalhou demais?
O pai, no entanto, fora mais perspicaz, era mais observador e talvez
até mais carinhoso. Sem querer pôs o dedo na ferida:
— Alguma coisa de errado, filhinha?
Apesar de muito emocionada, conseguiu controlar-se e simular um
sorriso, dando a desculpa de que a viagem fora muito cansativa. Além disso a
saúde de Ben era preocupante. Tudo fora muito desgastante. Precisava de
descanso, só isso. Breve estaria refeita.
Com alívio, percebeu que eles engoliram bem sua história, mesmo
porque estavam mais curiosos sobre a viagem.
A volta à rotina da fábrica foi ainda pior, sentia-se mais deprimida.
O ambiente na Clark's era desolador, pelo menos a seus olhos. Mesmo assim,
não tinha coragem de deixar tudo. Cumpria seu papel maquinalmente, sem o
ânimo, a paixão que a moviam antigamente. Assessorava James Ward, que
apesar de muito eficiente parecia encarnar o papel de um agente funerário.
Os dias arrastavam-se, monótonos. Olhou desolada para Ward, que passava
os dias executando complicadas operações de contabilidade.
— Quer que lhe mostre como essa belezinha funciona, srta. Lane? —
sugeriu, animado. — Vai precisar conhecer a técnica se for trabalhar em
nosso escritório de Londres.
— Acontece que não irei trabalhar no escritório de Londres —
cortou, brusca.
O jovem Ward pareceu ligeiramente desconcertado.
— Não? Oh, sinto muito. O sr. Marston disse…
— Eu não irei trabalhar em Londres, sr. Ward — repetiu num tom
decidido que não admitia réplicas.
Ele calou-se e não insistiu mais.
E nesse ritmo passou-se uma semana, até que um dia Jean apareceu.
Uma outra Jean se poderia dizer. Karen piscou várias vezes ante a nova visão.
Mesmo a expressão dela era diferente, confiante. Vestia um tailleur verde, os
cabelos ruivos arrumados em ondas suaves. Para maior espanto, beijou-a
esfuziantemente:
— Oh, é tão bom estar de volta!
Ben estava ótimo, nem se cansara durante o vôo. Assim que
desembarcaram foram diretamente à sua casa, porque poderia cuidar dele
melhor.
— Ele ainda não está completamente bom e também não faria
sentido ficarmos cada um para o seu lado… — corou ligeiramente.
— Não faria mesmo sentido — concordou vagamente. “Ben já tinha
arrumado outra babá…”, pensou. Censurou-se de imediato; estava sendo
mesquinha.
Quando a noite chegava, era ainda pior: dormia mal ou então era
atacada por uma insônia terrível. Rolava de um lado para o outro,
desesperada, a imagem de Marston tatuada em sua mente.
Também perdera o apetite. Talvez aquela história de definhar até
morrer de amor, que julgava uma lenda antiga, não estivesse tão longe da
realidade. Ou pelo menos da sua realidade. Jamais em toda sua vida pensou
que acabasse dessa maneira, sentimentalóide, abalada por um amor
impossível.
Jean reassumiu seu posto cheia de uma energia e decisão que
antigamente não tinha. Chegou até a discutir com James Ward a melhor
maneira para treinar o pessoal novo. Deslocada, Karen sentiu que até sua
função na firma gradualmente se reduzia. Após uma semana, percebeu que lá
não havia mais lugar para ela, estava sobrando e tinha que tomar um rumo.
Nesse mesmo dia, por coincidência, Jean interpelou-a, meio sem graça:
— Karen, gostaria de jantar conosco esta noite? Ben precisa falar
com você.
O convite pegou-a tão de surpresa que nem teve jeito para inventar
uma desculpa. Além do mais, havia prometido a ele que a amizade
continuaria. E, afinal, nada melhor que um jantar para quebrar o gelo inicial.
Como se tivessem feito um acordo tácito, todos puseram-se em seus novos
papéis com tanta naturalidade que Karen teve certeza absoluta de que nunca
seria a mulher ideal para ele. O jantar foi perfeito e acolhedor.
A paixão e a dedicação de Jean eram visíveis. Isso transparecia em
cada olhar que lhe lançava, cada palavra que lhe dirigia. Ela irradiava amor.
A conversa, naturalmente, girou em torno da nova Clark's.
— Hoje de manhã recebi uma longa carta de Sean do Japão —
começou Ben. — Está cheio de idéias para a firma. Dá para você acreditar,
Karen, que terei meu próprio laboratório de pesquisa, com todo o
equipamento que sempre sonhei? E também uma assistente à minha
disposição — dizendo isso, ele sorriu para Jean.
— Está tudo dando certo, Ben, e eu fico muito contente por você.
Por um instante, o olhar dele entristeceu-se, mas logo voltou a
sorrir.
— Vai demorar ainda um pouco, Karen, mas ainda chego lá. E você?
Já decidiu o que vai fazer? Sabe que a proposta de Sean para você é
tentadora…
— Não, isso não está em meus planos, e sexta-feira vou tirar minhas
coisas do escritório.
Ben assentiu e franziu a testa, parecendo embaraçado.
— Você é quem sabe. O que me preocupa é que você saiu perdendo,
de uma maneira ou de outra.
— É uma decisão irreversível, Ben.
— Você é maravilhosa e… muito corajosa. Eu gostaria… Isso Karen
nunca saberia, porque, naquele exato momento,
Jean entrou na sala com a bandeja do café. Ben calou-se. Fora, na rua
escura, ficou sentada, imóvel ao volante do carro, olhando para as janelas
iluminadas da casa. As cortinas estampadas, o fogo crepitando na lareira…
Era tão íntimo… Ben precisava mesmo de um lar. O peso que a oprimia
tornou-se insuportável. Deu partida no motor e afastou-se da cidade, só
voltando para casa quando teve certeza de que os pais já estariam no
hospital, de plantão.
Subiu as escadas correndo, com os olhos marejados de lágrimas e,
ao chegar em seu quarto, jogou-se sobre a cama.
Levaria um pouco de tempo. Era isso o que Ben havia dito. Mas
temia que levasse o resto da vida.
Sexta-feira amanheceu um dia sombrio. A neve começou a derreter,
e as ruas estavam escuras e cheias de lama. Até as moças que trabalhavam na
oficina, habitualmente alegres e bem-humoradas, pareciam contagiadas pelo
tempo.
Karen passou o dia ajeitando suas coisas, limpando gavetas e
armários. Quando tudo estava pronto, dirigiu-se a James Ward para alguns
esclarecimentos sobre sua função que faltavam. Com um nó na garganta, deu
uma volta pela oficina para despedir-se do pessoal.
As funcionárias estavam consternadas com sua saída. Numa atitude
extremamente solidária, algumas até verbalizaram a indignação que sentiam.
Pelo menos, sentia-se gratificada, seu trabalho não fora em vão.
À tarde, no intervalo, tomou chá com Charlie e Jean, prometendo a
ambos que passaria de vez em quando para ver como estavam as coisas.
Depois, com relutância, tirou seu casaco do armário. Tinha
realmente a sensação de estar participando de um cortejo fúnebre, o que não
deixava de ser divertido. Finalmente, cumprimentou James Ward com um
sorriso amável e dirigiu-se ao estacionamento.
Durante o dia, o céu havia escurecido ainda mais, dando lugar a
uma chuva fria e fina. Abaixou a cabeça, correndo para o carro, mal
distinguindo o vulto alto que vinha em sua direção. Abriu a bolsa
desajeitadamente, procurando pela chave. Que frio! De repente, sentiu uma
mão agarrando-a por trás. O primeiro sobressalto foi de susto, o segundo foi
ao reconhecer aquelas mãos. Seu coração batia tão forte que teve medo de
que ele escutasse.
— Sean! O que está fazendo aqui?
— Precisamos ter uma conversinha.
Com naturalidade, ele envolveu-a com o braço, empurrando-a
gentilmente em direção ao carro, e Karen deixou-se levar documente. Como
num sonho, viu-se sentada no assento da frente, ao lado dele. Fechou os olhos
recostando-se na poltrona e deixou toda sua emoção fluir; grossas lágrimas
escorriam livres pelo seu rosto. Nada mais importava a não ser o turbilhão de
emoções que aquele homem sempre despertava nela e que sempre fizera
questão de disfarçar, de esconder para não parecer quem realmente era.
Deixou-se levar passivamente. Fora, a chuva estava se
transformando num temporal. Nenhum deles dizia nada, mas Karen
soluçava, apertando as mãos convulsivamente.
Ele parou junto a um gramado nos arredores da cidade e puxou-a,
beijando-a com paixão, quase com fúria.
Karen sentia nitidamente o gosto salgado de suas próprias lágrimas.
— Espere um pouco, mocinha… Você foi se insinuando, entrando
em meu sangue, em minha cabeça, até que não consegui mais pensar direito.
Nas últimas semanas só pensei em fazer isso… isso. — Cada palavra era
acompanhada de um beijo apaixonado, e Karen, completamente atordoada,
começou i entender o significado daquelas palavras. Nunca imaginara sentir
tanta felicidade. Seu coração batia loucamente e ela entregou-se àquelas
carícias, correspondendo com todas as forças, com cada centímetro do seu
ser, ao amor daquele homem. Chorava e ria ao mesmo tempo, mergulhando
os dedos naqueles cabelos negros, colando-se mais ao corpo que também
ansiava pelo seu.
— Meu Deus, eu quase enlouqueci sem você — a voz dele era rouca,
emocionada, quase inaudível. Enquanto falava, suas mãos deslizavam sob o
suéter dela, acariciando-lhe os seios, percorrendo uma linha invisível pela
barriga. A língua quente, sensual, percorreu o mesmo caminho até que, sem
saber como, estavam colados um ao outro, completamente nus, famintos,
ávidos, empenhados em dar e receber, em tirar o máximo de si para oferecer
ao outro. Os instintos que os guiavam eram tão antigos quanto a própria
vida.
Karen não conseguiu articular uma só palavra. Sentia-se flutuando,
como se depois de um longo pesadelo tivesse finalmente acordado.
Encontrara seu destino e seu abrigo, nada no mundo agora poderia separá-la
de Sean.
— Para onde ia, quando a raptei?
— Para casa…
— Ótima idéia. Posso ir junto? Tenho um assunto a acertar com seus
pais…
— Mas é claro que você vai ficar aqui esta noite, Sean. Nem pense
em ir passar a noite no hotel. — Mary Lane sorria, satisfeita, para o futuro
genro. — A cama do quarto de hóspedes já está feita. Karen, querida, dê um
pulo lá em cima e ponha uma bolsa de água quente na cama dele, sim?
Karen subiu correndo as escadas, e suas pernas, que ultimamente
andavam tão pesadas, pareciam ter adquirido asas.
Quando o jantar terminou, Sean já fazia parte da família. Depois do
café, com muita diplomacia, o dr. e a dra. Lane pediram licença e retiraram-
se. Bem na hora, porque os dois tinham muito que conversar. Karen gostaria
de começar a nova vida de alma lavada, sem qualquer dúvida ou
ressentimento.
— Acredita que mamãe já está planejando a recepção do casamento?
Disse que em julho vai poder tirar duas semanas de férias.
— Julho? — Ele pareceu horrorizado. — Não posso esperar tanto
tempo. Só o necessário para que você conheça meus tios e, eu conte tudo a
eles.
— Espero que gostem de mim.
— Eles vão adorar você. Tal como eu. — E, dizendo isso, acariciou-a.
— Comporte-se, sr. Marston — ela o repreendeu em tom de
brincadeira. — Sabe muito bem o que acontece quando começamos desse
jeito.
— Você tem razão — disse ele suspirando. — Além disso, temos
muito o que conversar.
— Tem razão.
— Bem, para começar, o que deu em você para encenar aquela
comédia toda, na última noite que passamos em Acapulco? Só aviso que não
foi convincente, só conseguiu me enganar por ter me pegado de surpresa;
quase acreditei que ia casar com Ben Clark, mas não por muito tempo.
Quando estava no Japão pensei bem no assunto e agora quero saber por que
montou aquela farsa.
Karen mordeu os lábios. Tudo agora estava tão perfeito, tão
maravilhoso que ela não queria acusá-lo de nada, O que mais desejava era
esquecer aquele triste episódio de Acapulco, apagá-lo para sempre de sua
memória. Mas ele a estava olhando, esperando, e não havia como esquivar-
se.
— Acho que foi meu orgulho estúpido. Fiquei muito magoada
quando percebi que você estava me… usando.
— Quando você percebeu o quê? Que imaginação! Onde está com a
cabeça, Karen?
— Imaginação? Uma imaginação bem palpável. O que você acha
que senti ao dar com Liz Walker entrando no seu quarto com uma saída de
banho transparente? Ainda por cima ela teve a gentileza de me informar que
você estava à sua espera. Acha que imaginei ela entrando em seu quarto,
fechando a porta na minha cara?
A expressão dele tornou-se terrível.
— E você acreditou nela? Achou que faria isso com você, depois do
que tinha acontecido entre nós na véspera? — Sua voz era fria e cortante, e
parecia estar a milhas de distância.
Karen sentiu que seu mundo estava prestes a desmoronar outra vez.
Ele a olhava quase com desprezo, ela o havia perdido. Oh, por que não havia
se calado em vez de dizer tudo aquilo?
Desesperada, olhou-o suplicante:
— Como eu ia deixar de acreditar? Quando voltei para o meu
quarto, ouvi vocês conversando. E depois… depois não ouvi mais nada. Eu
sabia o que estava acontecendo, e não pude suportar aquilo tudo.
Tremia, só de lembrar, esperando que ele lhe dissesse que não ia
mais haver casamento, que havia se enganado a seu respeito.
— Tudo isso agora não importa mais… — murmurou ela soluçando.
— Mas é claro que importa — explodiu Sean, furioso. Contudo, para
espanto de Karen, ele a acolheu em seus braços com ternura.
— Meu amorzinho, por nada nesse mundo eu a teria ferido.
— Então… então você não tinha encontro marcado com ela?
— Claro que não. O nosso caso terminou há meses. Antes de ela se
casar com Harry. Mas ela não desistiu, não quis acreditar que estava tudo
acabado. Fiquei furioso aquela tarde, quando a vi em meu quarto. Ela não é
do tipo que desiste facilmente. Tentei dissuadi-la de todas as formas e, por
fim, tive que enxotá-la.
Ele beijou-lhe a mão quase com humildade, de homem que havia se
rendido, e seus olhos refletiam tanto amor que Karen sentiu-se desmanchar
em sua chama.
— Nunca antes eu tinha realmente me interessado por uma mulher,
nem lhe declarado meu amor. Nunca antes eu tinha pensado em casamento
com certeza, confiança e fé. Gostaria que nos casássemos em breve, bem antes
de julho. Por favor…
Ela riu, feliz, oferecendo-lhe a boca para mais um beijo.


Uma história de paixão e amor!

Edição 374

AMOR NO VALE DO OURO


Margaret Rome

Carol relutava em admitir por que ficava tão perturbada na presença de Condor.
Sentia-se como uma presa diante de um predador implacável sempre que ele a
encarava com seus olhos penetrantes.
Estava apaixonada! Mas jamais poderia permitir que ele soubesse disso. Condor era o
señor de todo o Vale do Ouro, um homem poderoso que a desprezava por considerá-la
uma mulher fria e calculista.

Edição 375

UM IRREPARÁVEL ENGANO
Stacy Absalom

Quando Fred a olhou, sem disfarçar o desejo, Elizabeth teve a sensação de recuar dez
anos no tempo. Viu-se no jardim de Marrifields, correndo feliz para encontrá-lo.
Quantos beijos apaixonados, quantas carícias loucas… Mas então tudo desmoronara
como um castelo de areia e aquela noite havia se transformado num pesadelo.
Não, nunca mais cairia na armadilha, ela pensou, afastando as lembranças. Não
tivera forças para esquecê-lo, mas nem por isso deixaria que mais uma vez Fred
Laurie lhe destruísse a vida!
SUPEROMANCE

AMANTES MASCARADOS
Irma Walker

Eles pretendiam colocar um ao outro atrás das grades

“Que vigarista charmoso!”, pensou a repórter Tracy Morrison, do Cincinnati


Herald, ao deparar com Chris Coilins: alto, cabelos negros, olhos azuis, lindo!

“Que bandida mais atraente!”, exclamou para si mesmo o tenente de polícia Chris
Coilins, quando viu Tracy.

Ambos queriam agarrar uma dupla de marginais que usavam anúncios classificados
do jornal para conquistar suas vítimas, seduzi-las e roubá-las.
Tracy pôs um anúncio e Chris respondeu. A isca funcionou, os dois pensaram. E
fingiram se apaixonar um pelo outro. Foram dias maravilhosos, noites gloriosas…
Até que o imprevisível aconteceu!

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