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COMANDO DA AERONÁUTICA

UNIVERSIDADE DA FORÇA AÉREA

PERSPECTIVAS EM DEFESA E
SEGURANÇA

IV Seminário dos Programas de Pós-Graduação das Escolas


de Altos Estudos das Forças Armadas e da
Escola Superior de Guerra

Pesquisas apresentadas

18 e 19 de setembro de 2019

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PERSPECTIVAS EM DEFESA E CANADIAN ASSOCIATION OF DEFENCE AND SECURITY


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COMITÊ ORGANIZADOR

Prof. Dr. Bruno de Melo Oliveira - UNIFA


Profª. Drª. Claudia Sousa Antunes - UNIFA

Rio de Janeiro / setembro de 2019

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desenvolvimento tecnológicos aumentam a eficiência da produção e o
número de empregos ofertados no setor.
Desse modo, entende-se que o ator estatal é o agente que garante
a performance desse setor, sendo o principal responsável tanto pelo
sucesso quanto pelo fracasso da indústria como um todo, por meio
COMANDO DA AERONÁUTICA
das aquisições públicas. Assim, o modelo E-C-D permite entender
UNIVERSIDADE DA FORÇA AÉREA
como o NSS tem alterado os padrões da indústria naval canadense.
Isso nos mostra como a interferência do Estado, por meio de políticas
públicas, pode afetar positivamente a indústria doméstica – aumentando REITORIA DA UNIVERSIDADE DA FORÇA AÉREA
o investimento na mesma -, embora a torne, também, ainda mais
dependente das compras do governo. Reitor/Comandante
Maj Brig do Ar José Isaias Augusto de Carvalho Neto
REFERÊNCIAS

Vice-Reitor Acadêmico
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Acesso em: 20 Ago. 2019. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Aeroespaciais
Prof. Dr. Eduardo Sol Oliveira da Silva
______. Innovation, Science and Economic Development Canada. ITB
Value Proposition Guide. 2018. Disponível em <https://www.ic.gc.ca/

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PERSPECTIVAS EM DEFESA E SEGURANÇA uma contribuição para o modelo original é a ideia de que as políticas
públicas, ou seja, intervenções estatais no mercado, também podem
Coordenação Geral influenciar esses três componentes, devendo ser consideradas na análise
Cel Esp Av R/1 Antônio Rodrigues da Silva
Cel Av R/1 Me Nelson Augusto Bacellar Gonçalves
(NEUBERGER, 1997).
Dessa forma, para concorrer aos contratos da NSS, os estaleiros
Organização tiveram de investir massivamente na sua infraestrutura, além de no
Prof. Dr. Bruno de Melo Oliveira conhecimento técnico e tecnológico, para garantir ao governo a
Profª. Drª. Claudia Maria Sousa Antunes capacidade de construção. Assim, por exemplo, o Irving Shipbuilding’s
Colaboração
Halifax Shipyard e a Seaspan’s Vancouver Shipyards investiram em
Profª Drª Patrícia de Oliveira Matos torno de $500 milhões para modernizar sua estrutura e garantir a
Profª Me. Catarina Labouré Madeira Barreto Ferreira capacidade de construção das embarcações pedidas pelo governo
Ten Cel Av Marco Stevan Silva Marques (CANADA, 2016). Além disso, o Estado buscou garantir benefícios
econômicos para a sua sociedade, como o aumento de empregos e o
Capa – Lessandro Augusto Queluci
impacto positivo no PIB. Assim, o relatório do período entre 2012-
Diagramação e revisão de arte – Samuel Gonçalves Mastrange
2015, por exemplo, mostra contratos que somam $1,3 bilhões, sendo
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da UNIFA quase 30% destinados a pequenas e médias empresas, e prevê um
impacto total do projeto de $4,4 bilhões no PIB e a manutenção de
P467 Perspectivas em defesa e segurança: pesquisas apresentadas
no IV Seminário dos Programas de Pós-Graduação das Escolas de
5500 empregos até 2022 (CANADA, 2016).
Altos Estudos das Forças Armadas e da Escola Superior de Guerra / Além disso, para garantir esses benefícios econômicos, o Estado
Bruno de Melo Oliveira, Claudia Sousa Antunes (Org.). – Rio de Janeiro: conta com o Industrial and Technological Benefits Policy (ITB), que se
Universidade da Força Aérea, 2019.
60 p.; 14 cm.
configura em uma política de compensação para as aquisições de
defesa, que exige um investimento de 100% do valor do contrato em
ISBN 978-85-89117-14-2 offset e pode ser dividido em diferentes projetos (CANADA, 2017b).
1. Estudos de defesa. 2. Segurança Nacional. 3. Altos estudos
Essa política industrial também apresenta o Value Proposition (VP), que
militares. I. Oliveira, Bruno de Melo. II. Antunes, Claudia Sousa. III. consiste em compromissos propostos ainda na negociação do contrato.
Universidade da Força Aérea. No caso do NSS, o VP exige que seja investido pelos estaleiros 0,5% do
UNIFA/Biblioteca contrato em áreas prioritárias - desenvolvimento de recursos humanos,
CDU 017.1 tecnologia e desenvolvimento industrial (CANADA, 2018).
CDD 017 Assim, utilizando o modelo E-C-D, percebe-se que a NSS e a política
ITB do governo alteraram as condições básicas de demanda, em longo
Realização / Distribuição
Universidade da Força Aérea
prazo, da indústria naval e fizeram com que aumentasse o número de
Avenida Marechal Fontenelle, 1200 – Campo dos Afonsos empresas especializadas, competindo pelos contratos do governo. Além
CEP: 21740-000 – Rio de Janeiro – RJ, Brasil disso, a NSS exigia uma condição de infraestrutura mínima dos estaleiros,
PABX: (21) 2157-2500 /2157-2897 / 2157-2848 / 2157- 2744 o que influenciou na conduta das empresas dentro dessa indústria, que
Tiragem: 60 exemplares. apresentaram um alto investimento em infraestrutura, principalmente no
Copyright© by Universidade da Força Aérea
É permitida a reprodução parcial desta publicação, desde que citada a fonte.
período 2012-2015. Por último, esses investimentos em infraestrutura e

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ramo no país, estabelecendo que todos os navios da força tinham de ser
Sumário
construídos no Canadá (HENNESY, 1991). Dessa forma, a indústria Apresentação 6
naval canadense é historicamente marcada por instabilidades quanto à
demanda e à sua capacidade de produção. Caracterizados como boom Crianças e os Processos de Implementação da Paz 9
and bust, esses ciclos de produção fazem com que a indústria invista Luiza Bizzo Affonso; Marcelo Mello Valença
em sua expansão e capacitação e, depois, diminua sua infraestrutura Vitória Aprisionada: a crise da estratégia, os conflitos do século XXI e
por falta de demanda (AUGER, 2015). o conceito de triunfo 13
Foi diante dessa situação que, em 2010, o governo conservador de Sandro Teixeira Moita; Francisco Carlos Teixeira da Silva
Stephen Harper lançou a “National Shipbuilding Strategy” (NSS), que se
configura no mais ambicioso plano de renovação em longo prazo da Inovações Doutrinárias no Exército Brasileiro: análise das interações
marinha canadense e da guarda costeira do país. Trazendo previsibilidade entre o SIDOMT e as tropas empregadas em operações de não-guerra 17
para as aquisições, segurança aos investimentos e considerado no Felipe Araújo Barros; Carlos Eduardo Franco Azevedo
programa todo o ciclo de vida das embarcações, a estratégia busca
acabar com os ciclos de boom and bust (CANADÁ, 2017a). Assim, Curdos no Combate ao Estado Islâmico: ator não estatal na luta pela
sendo constituída por três componentes - construção de navios de soberania e na defesa do território 23
grande porte; construção de navios de pequeno porte; e programa Mariana A. Petine; Francisco Carlos Teixeira da Silva
de manutenção e reparo –, a NSS tem inspirado o estabelecimento Cooperação Militar Regional: o KC-390 e a projeção do poder
de uma nova estrutura de supervisão de grandes projetos, além do aeroespacial brasileiro em operações combinadas na Amazônia 27
fortalecimento da indústria e de benefícios econômicos para o país. Flávio Diniz Pereira; Patrícia de Oliveira Matos
Desse modo, entende-se que uma indústria nacional com plena
capacidade é um interesse do governo canadense, que enxerga nesse Segurador, Segurado e Agressor: a caracterização dos atores nos
cenário tanto uma garantia de sua segurança e capacidade de atuação espaços de segurança e de insegurança 33
no cenário internacional, quanto benefícios econômicos para a sua Jacqueline Bacellar; Cláudio Rogério de Andrade Flôr
sociedade. Entretanto, apesar de algumas empresas do segmento naval
terem conseguido inserção no mercado internacional, a maior parte A Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro e as Relações Civis-Militares 37
delas depende da demanda do governo (CANADIAN ASSOCIATION Eduardo Luiz Biavaschi; Karina Furtado Rodrigues
OF DEFENCE AND SECURITY INDUSTRIES, 2009). Políticas Públicas Brasileiras e Narcotráfico no Brasil 41
Assim, faz-se necessário entender as relações dentro dessa indústria, Vinícius de Carvalho Castro Madureira; Antonio Jorge Ramalho da Rocha
entendendo o papel do Estado como promotor das interações dos
principais atores e das normas que regulam esse setor. Desse modo, A moderna Maskirovka nas Operações Russas na Crimeia e Ucrânia 45
será utilizado o modelo Estrutura-Conduta-Desempenho (E-C-D), Kaiser David Vargas Konrad; Humberto Lourenção
que é visto como um dos principais modelos da Economia Industrial.
Observando o comportamento de mercados que não se enquadram O Estado na Indústria Naval-Militar Canadense 51
no paradigma mainstream da Concorrência Pura e Perfeita, o modelo Jéssica Pires Barbosa Barreto; Thauan Santos
busca relações causais entre a estrutura, a conduta e o desempenho da
indústria analisada (HASENCLEVER; TORRES, 2013). Além disso,

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APRESENTAÇÃO O ESTADO NA INDÚSTRIA NAVAL-MILITAR CANADENSE

O IV Seminário dos Programas de Pós-Graduação das Escolas de Jéssica Pires Barbosa Barreto; Thauan Santos
Altos Estudos das Forças Armadas e da Escola Superior de Guerra Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval - PPGEM/EGN
parte de iniciativa do Ministério da Defesa como forma de incentivo
aos discentes dos Programas de stricto sensu e tem como objetivo
propiciar a integração acadêmica entre esses programas, bem como O Canadá, geograficamente, encontra-se em uma posição
dar oportunidade de divulgação das pesquisas realizadas por essas estratégica, localizado entre os oceanos Atlântico, Pacífico e
instituições. O Seminário ocorre nos dias 18 e 19 de setembro de 2019, Ártico, e os Estados Unidos da América (EUA). Desse modo,
na Universidade da Força Aérea, localizada no Campo dos Afonsos, muito influenciados por essa condição e por seu passado, como
na cidade do Rio de Janeiro. Colônia do Reino Unido, os governos tendem a não fazer grandes
O evento, dividido em dois dias, apresenta palestras com professores investimentos na pasta de defesa. Essa situação é altamente aprovada
de destaque na Área de Ciência Política e Relações Internacionais, pela sua população, que tem dificuldades em enxergar no ambiente
além de uma Mesa Redonda com discussões sobre os Desafios da internacional um inimigo externo.
Pós-Graduação nas Forças Armadas frente às novas diretrizes da Suas aquisições são fortemente influenciadas por questões
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior geopolíticas e econômicas, apresentando investimentos consideráveis
(CAPES), entidade que desempenha papel fundamental na avaliação especialmente em períodos de guerra e de ameaças no sistema
da pós-graduação stricto sensu do país. Neste evento há a premiação internacional. Dessa forma, suas forças armadas reduzidas lidam
dos melhores trabalhos de mestrado pré-indicados pelos programas de com instabilidades nos investimentos e equipamentos sucateados,
pós-graduação. Uma Comissão Avaliadora, formada por professores principalmente após os grandes cortes que ocorreram nas décadas de
doutores externos às Instituições, é responsável pela escolha das 1980 e 1990. Graças a esse quadro, muitas indústrias de defesa que se
dissertações premiadas. desenvolveram a partir de investimentos estatais durante os momentos
Os trabalhos apresentados são oriundos de pesquisas do Programa de conflito não conseguiram inserção no mercado internacional,
de Pós-Graduação em Ciências Aeroespaciais, da Universidade da Força consequentemente fechando ou reduzindo sua capacidade de produção.
Aérea (PPGCA/UNIFA); do Programa de Pós-Graduação em Estudos A indústria de construção naval canadense tem seu marco inicial
Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM/EGN); do Programa ainda no século XIX, quando o país se encontrava sob posse da Grã-
de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Bretanha, mas sua marinha só foi estabelecida oficialmente em 1910.
Estado-Maior do Exército (PPGCM/ECEME); e do Programa de Pós- O país já tinha capacidade, ainda que limitada, de construção de
Graduação em Segurança Internacional e Defesa da Escola Superior embarcações (SHOUTE, 2015). Assim, o Primeiro Ministro Laurier
de Guerra (PPGSID/ESG). lançou em 1910 um projeto para construção nacional de uma esquadra
Esta publicação traz os resumos expandidos de oito trabalhos de para a marinha recém-estabelecida. Entretanto o programa não teve
mestrado e de dois trabalhos em nível de doutorado. O primeiro texto, continuidade quando primeiro ministro perdeu as eleições em 1911,
oriundo da tese de doutoramento de Luiza Bizzo, com orientação de deixando a força com embarcações obsoletas, herdadas da antiga
Marcelo Valença, aborda o papel das crianças nos conflitos armados, metrópole (YOUNG, 2012).
e mostra a relevância da participação e do engajamento de crianças e Com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o governo
jovens como peacemakers. enxergou a necessidade de garantir a sobrevivência das indústrias nesse

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REFERÊNCIAS O segundo texto, também em nível de doutorado, de autoria de
Sandro Moita, com orientação de Francisco Teixeira, debate o conceito
de Vitória na Guerra. A partir dos pressupostos da História das Ideias
PRAZERES. J. P. O Conflito na Ucrânia sob o Ponto de Vista da e da Filosofia, procura-se um diálogo com os campos da Estratégia e
Segurança e Defesa. Jornal de Defesa e Relações Internacionais.
da Política, de modo a demonstrar qual a percepção do conceito de
2014. 28 p.
vitória no pensamento estratégico ocidental, frente às transformações
KAPLAN, R. A Vingança da Geografia. Rio de Janeiro. Elsevier. 2013. 383 p. na conduta dos conflitos do século XXI.
EXÉRCITO BRASILEIRO. Doutrina Militar Terrestre em Revista, v. 4, n. Felipe Araújo, com orientação de Carlos Azevedo, aborda a
9, jan. 2016. Disponível em: <http://ebrevistas.eb.mil.br/index.php/DMT/ transformação, pelo Exército brasileiro, de experiências operacionais
article/view/718>. Acesso em: 28 jul. 2018. em inovações não-tecnológicas, buscando compreender a forma como
essa apropriação de operações de não guerra em inovações doutrinárias
SNYDER. T. Na Contramão da Liberdade. São Paulo. Companhia das
Letras. 2019. 431 p.
tem sido efetuada.
Os curdos no combate ao Estado Islâmico (EI) são a temática
VISACRO, A. A Guerra na Era da Informação. São Paulo. Contexto. trazida por Mariana Petine, com orientação de Francisco Teixeira. Neste
2018. 224 p. trabalho, a autora discute as condições que permitem aos curdos agirem
como um ator estatal na luta contra o EI, a maneira como os curdos são
percebidos e qual o apoio que recebem da comunidade internacional.
O trabalho seguinte, de autoria de Flávio Diniz, com orientação
de Patrícia Matos, aborda a cooperação militar regional. A dissertação
objetiva demonstrar de que forma a aeronave multimissão KC-390
poderia ser utilizada como meio de cooperação militar com países
amazônicos, para a defesa da região e para a projeção do poder
aeroespacial brasileiro.
Jaqueline Bacellar, com orientação de Cláudio de Andrade, traz
um debate acerca dos agentes que compõem o espaço de segurança.
Ela disserta sobre a relação entre segurador, segurado e agressor nos
espaços de segurança e de insegurança. E mostra como as características
de cada agente e o seu nível de interação definem o nível de segurança
ou de insegurança em determinado espaço.
A intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro é o assunto
abordado por Eduardo Biavaschi, com orientação de Karina Furtado.
A participação de militares em funções políticas e as implicações
decorrentes da atuação militar em operações de Garantia da Lei e da
Ordem é o mote da dissertação.
Um panorama sobre as políticas públicas brasileiras federais
relacionadas ao fenômeno transnacional do narcotráfico é o assunto

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abordado na dissertação de Vinícius de Carvalho, com orientação de tempo e espaço, em que todos os meios utilizados para alcançar
Antônio Ramalho. O trabalho busca realçar os aspectos relativos às o objetivo são válidos.
escolhas orçamentárias e políticas do Brasil no século XXI associados A interferência russa nos assuntos internos e a invasão armada de
ao fenômeno em tela. uma nação soberana dentro do seu entorno geopolítico demonstra
O próximo trabalho, relacionado à moderna Maskirovka nas que, em pleno século XXI, a Rússia, tal qual sua antecessora União
operações russas na Criméia e na Ucrânia, é de autoria de Kaiser Konrad, Soviética, ainda reconhece uma “Soberania Limitada” de seus
com orientação de Humberto Lourenção. Nele, o autor argumenta sobre vizinhos como uma política exterior de Estado. A anexação da
a hipótese de a Maskirovka ser replicada como instrumento principal península da Crimeia, primeira anexação territorial “semidefinitiva”
da Guerra Híbrida, com o objetivo de caracterizar, à luz dos teóricos pós-Segunda Guerra Mundial, estabelece de forma preocupante uma
realistas, a ação militar da Rússia na Criméia e no conflito ucraniano. série de violações internacionais, criando precedentes e colocando
O último texto trata da atuação do Estado na indústria naval- em risco a ordem e a legitimidade do sistema internacional tal qual
militar canadense. A partir do entendimento do papel do Estado como
foi concebido.
promotor das interações entre os atores e as normas que regulam o
setor. Jéssica Barreto, com orientação de Thauan Santos, traz uma
análise da utilização do modelo de aquisição que relaciona a estrutura, Conclusões
a conduta e o desempenho (E-C-D) da indústria naval, de modo a
demonstrar como o ator estatal é o agente que garante a performance Este estudo abordou as questões referentes à anexação da
do setor. península da Crimeia e à guerra que se desenrola no leste da Ucrânia
desde 2014. Foram analisadas à luz dos teóricos realistas as ações
russas, conduzidas por meio de uma moderna guerra híbrida,
apresentando, numa roupagem inovadora, a velha doutrina soviética
da Maskirovka.
Essas operações militares dissimuladas, executadas por
forças especiais russas, sem insígnias e em tempos de paz, foram
empreendidas em todas as dimensões do campo de batalha. A
anexação da Crimeia ao território russo tornou-se um sucesso
militar sem precedentes, embora a legitimidade da anexação deva
ser contestada e ser a Crimeia reconhecida pela Comunidade
Internacional como território sob ocupação. Foram feitas visitas
no leste da Ucrânia e na área da Operação Antiterrorista (ATO),
onde se desenrola o conflito.
A aplicação da moderna Maskirovka na Ucrânia teve a finalidade de
esconder as intenções e ações russas, deixando paralisada a estrutura
de comando ucraniana e perplexa toda a Comunidade Internacional,
gerando incertezas, precedentes e ameaças futuras à paz, à ordem e à
segurança internacionais.

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tenta voltar a consolidar o mesmo Heartland perdido com a CRIANÇAS E OS PROCESSOS DE IMPLEMENTAÇÃO DA PAZ
dissolução do império soviético, trazendo novamente para seu
território ou sua zona de influência, a Bielorrússia, a Ucrânia e Luiza Bizzo Affonso; Marcelo Mello Valença
Programa de Doutorado Profissional em Estudos Marítimos - PPGEM/EGN
a Ásia Central.
O núcleo da teoria Realista é a segurança nacional e a
sobrevivência estatal, sendo estas valores que impulsionam a Observa-se, nas últimas décadas, um movimento de inclusão das
doutrina e a política externa de uma nação. Ao ser defrontada com crianças no debate das Relações Internacionais, dados os diferentes
uma ameaça aos seus interesses nacionais no seu entorno estratégico, papéis desempenhados por elas e sua importância para o Sistema
a Rússia utilizou todos os meios que encontrou a fim de assegurar Internacional: elas trabalham, lutam em guerras, são refugiadas e
seus objetivos estratégicos, desprezando acordos internacionais e consumidoras – principalmente nos países desenvolvidos, onde os
tratados. Numa avaliação de riscos, pela sua poderosa estrutura jovens e as crianças representam uma parcela significativa do mercado
industrial-militar e por ser uma potência nuclear, não receava consumidor. Embora incipiente, as crianças têm tido maior participação
descumprir obrigações morais ou legais, caso sua segurança e seus política nos níveis locais, regionais e internacionais.
interesses vitais fossem ameaçados. Isso pode ser exemplificado, por exemplo, pelo caso dos Comitês
Municipais das Crianças na Noruega, os quais permitem que essas
Por meio da utilização da Maskirovka como uma expressão
decidam onde alocar parte do orçamento do município em atividades
genuína da moderna guerra híbrida e da inovadora Doutrina
dos seus interesses. Ainda, na esfera internacional, a realização da
Gerasimov, a Rússia literalmente mascarou uma invasão armada Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a
ao território soberano de outro país, utilizando forças militares Criança, em 2002, foi simbólica, por ser a primeira sessão a ser dedicada
uniformizadas, mas sem insígnia e com a afirmação de serem exclusivamente para as crianças e por incluí-las como delegados oficiais
insurreição popular. Muito embora os serviços de inteligência e (WATSON, 2006, p. 238). Outro exemplo da participação crescente
todas as nações já soubessem que aquela era uma invasão, a forma de crianças e jovens é o de Malala Yousafzai que, em 2014, então com
utilizada pela Rússia objetivou não ser acusada formalmente de 14 anos, se tornou a mais jovem a receber o Prêmio Nobel da Paz,
Estado agressor e criar uma condição de guerra. “Durante ao pela sua luta em garantir às meninas igualdade no acesso à educação.
que já era uma invasão ilegal, o Exército Russo violou leis básicas No entanto, apesar desses avanços, uma em cada quatro crianças
da guerra de forma deliberada e desde o início. Putin endossou no mundo vive em um país afetado por conflitos armados ou desastres,
essa forma de guerra e mesmo quando se negava que havia de forma que aproximadamente 50 milhões de crianças vivem sob
uma invasão em andamento” (SNYDER, 2019). A velocidade circunstâncias de violência, pobreza ou desastres naturais (UNICEF,
da ação, a guerra informacional, cibernética e de propaganda 2018). Ademais, houve um aumento do número de violações dos
geraram incertezas e terror na cadeia de comando da Ucrânia e Direitos da Criança, sendo mais de 21.000 violações verificadas pelas
entre seus aliados, fazendo com que todos ficassem perplexos e Nações Unidas de janeiro a dezembro de 2017, quando comparado ao
sem reação enquanto toda ação transcorria. Os acontecimentos número de 15.500 em 2016 (OSRSG/CAAC, 2018).
na Crimeia e no leste da Ucrânia confirmam a Teoria da Guerra No que tange às Operações de Paz da ONU, observa-se cada vez
Ilimitada dos autores chineses Qiao Liang e Wang Xiangsui. mais a preocupação com a questão das crianças e da infância. Isso pode
Nela se acabam os limites entre a guerra e a paz, ficando difícil ser exemplificado pelo Relatório Machel, um estudo de 1996 sobre o
diferenciar a existência da beligerância dentro de um determinado impacto das guerras nas crianças, feito a pedido da Assembleia Geral

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da ONU e realizado por Graça Machel, ex-ministra da Educação identidade como povo e nação independente, enquanto a Rússia
de Moçambique e então esposa de Nelson Mandela. O relatório, enxerga tal medida como uma ameaça à existência do que acredita
que resultou na criação do Gabinete do Representante Especial do ser o “mundo russo”. O fortalecimento da identidade nacional é
Secretário-Geral para Crianças e Conflitos Armados (OSRSG/CAAC), necessária para garantir a estabilidade interna da própria Rússia,
teve o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), formada por diversos povos com línguas, cultura e religiões
do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) diferentes. Essa miríade frequentemente ameaça o governo central,
e do Centro de Direitos Humanos das Nações Unidas. em Moscou, na Rússia europeia com lutas internas e movimentos
Outros importantes instrumentos internacionais que visam combater separatistas nas zonas periféricas do imenso território. O
o recrutamento de crianças, podem ser citados, como o Protocolo ideal de “mundo russo” encorajado por Vladimir Putin e sua
Facultativo para a Convenção sobre os Direitos da Criança sobre o política externa tem reflexos profundos na existência da Rússia
envolvimento de crianças em conflitos armados1 e os tribunais especiais contemporânea como estado-nação e na segurança e manutenção
para crimes de guerra, realizados pelo Tribunal Penal Internacional.
da sua gigantesca massa terrestre eurasiana.
Apesar da crescente atenção da comunidade internacional para
a questão da infância, principalmente no que diz respeito ao seu A crise ucraniana é o último episódio de uma longa batalha
envolvimento em conflitos armados, tem-se uma carência da literatura, pelo controle daquela vasta região e a reafirmação da identidade
das Organizações Internacionais e do Direito Internacional sobre a russa como nação eurasiana, contraposta por uma visão tradicional
participação das crianças e jovens nos processos de paz. Desse modo, ucraniana europeísta e ocidental. Duas visões geopolíticas
objetiva-se contribuir, ainda que de maneira genérica, para a questão antagonistas, uma que busca uma integração com o Velho e o Novo
do debate acerca da agência de jovens e crianças na construção da paz mundos, enquanto outra quer assegurar o controle de toda massa
e na transformação de conflitos, principalmente após o fim da Guerra eurasiana. O próprio símbolo do Império Russo, e que voltou a
Fria. Acredita-se que as crianças sejam atores relevantes na formulação ser utilizado, a Águia Bicéfala, olha para o Ocidente e o Oriente,
da política contemporânea internacional, inclusive na participação nos não para Europa e Ásia, mas verdadeiramemente para a grande
processos de peacebuilding e, sem a participação delas, não seja possível massa terrestre conhecida como Eurásia, sobre a qual a Rússia
que a construção da paz após o fim do conflito seja duradoura. busca assegurar seu controle.
Crianças e conflitos armados estão intimamente ligados. Grande A crise ucraniana também tem outros fatores com influência
parte da literatura trata dessa questão com foco na temática das crianças- determinante na segurança e na política externa russas, no que
soldado. No entanto o envolvimento de crianças em conflitos armados tange à questão de controlar a Ilha Mundial, o Heartland, e tornar-
vai além disso. Desde 1999, o Conselho de Segurança da ONU passou se também uma potência marítima. Kaplan (2013) afirma que foi
a incluir a proteção da criança em sua agenda, por meio da Resolução na busca de um porto de águas quentes no Oceano Índico que
1261, de forma que, a partir de 2001, a questão da proteção das crianças a União Soviética acabou invadindo o Afeganistão. A anexação
passou a ser contemplada nos mandatos das operações de paz. da península da Crimeia foi necessária para assegurar o porto de
Segundo Patricia Martuscelli, duas críticas principais são (I) a não águas quentes de Sebastopol, cuja posse era essencial para garantir
inclusão da criança nos processos decisórios em relação à sua proteção uma saída para o Mediterrâneo. Isso possibilitaria a projeção do
e (II) a falta de conhecimento das realidades locais onde os conflitos poder naval russo no Atlântico, contrapondo-se diretamente à
eclodem. Observa-se, portanto, que a proteção da criança nas operações
potência marítima representada pela Organização do Tratado do
1
No original, em inglês, The Optional Protocol on the involvement of children in armed conflict. Atlântico Norte (OTAN). Por outro lado, a Rússia contemporânea

10 47
teorias das relações internacionais e dos conceitos de soberania de paz, de forma geral, negligencia as especificidades de cada criança
e novas guerras. e seus contextos, além de não considerarem a experiência das crianças
A possibilidade da utilização da Maskirovka como uma na implementação dos seus mandatos (MARTUSCELLI, 2017).
nova modalidade da guerra não convencional russa é uma das Segundo McEvoy-Levy, embora as crianças e os jovens possam
justificativas principais desta pesquisa, sobretudo quando se afere desempenhar papéis de agentes da violência e de perturbadores da ordem,
um vácuo epistêmico brasileiro na região leste da Europa. É o quando têm atuação direta em um conflito, eles também podem ser
que salienta, por exemplo, Prazeres (2014, p. 24) ao afirmar que transformadores do conflito e importantes peacemakers, como pode ser
o conflito russo-ucraniano “[...] poderá ser um figurino utilizado exemplificado pela luta dos jovens contra o Apartheid na África do Sul e
noutros cenários e eventuais iniciativas, num formato de baixo o envolvimento destes nas Comunidades Pacificadas da Colômbia. Isso se
perfil, tão discreto quanto possível, com custos financeiros deve ao fato destes jovens não serem apenas carregadores de memórias
relativamente reduzidos”. Daí, entre outros, a importância de e traumas do conflito, mas também criadores de uma cultura pacífica.
se estudar tal conflito, como destaca o Centro de Doutrina do A partir dessa perspectiva, jovens e crianças são atores relevantes
Exército Brasileiro (2016, p. 5): politicamente por terem direitos, por alguns terem sido combatentes,
por poderem afetar o processo de paz, por reproduzirem a cultura e o
[...] guerra híbrida e seus reflexos para o sistema de defesa do Brasil, conflito e por serem futuros líderes e eleitores. Desse modo, é essencial
identificando os aspectos relevantes desse modal de conflito e enfatizando as
lições aprendidas do caso ucraniano. Esse assunto deve ser estudado devido
mover a juventude das margens do conflito para os centros de poder,
à sua importância, desde o nível político, implicando, para a preparação do uma vez que a participação política pode ser uma forma de transformar
país, o envolvimento do poder nacional em todas as suas expressões. essas crianças e jovens em agentes da paz (MCEVOY-LEVY, 2006).
O papel da criança no conflito armado deve ser discutido desde as
Metodologia negociações de paz e os direitos das crianças devem ser identificados
como prioridade nos processos de peacemaking, peacebuilding e de
A metodologia de pesquisa aplicada é o estudo de caso, de estilo transformação do conflito, principalmente nos acordos de paz e nos
qualitativo. Além da pesquisa bibliográfica, realizou-se, também, processos que os seguem. A Convenção dos Direitos da Criança de 1989
pesquisa de campo, no teatro de operações militares, na região leste da tem as bases para o tratamento de crianças. Entre eles estão os princípios
Ucrânia. Esta pesquisa in loco reuniu três visitas à zona de operações da não discriminação, igualdade de gênero, não institucionalização e não
militares e ao front de combate nas regiões separatistas de Luhansk e estigmatização da criança e reunificação familiar. No entanto o que se
Donetsk, assim como, por diversas oportunidades, na capital Kiev, tem na prática é o fato de as crianças serem reduzidas a objetos políticos
as quais originaram um diário de campo que contém o relato e as que devem ser solucionados – ou por serem perigosos, como é o caso
impressões do autor. Também foi realizada uma entrevista com o das crianças-soldado, ou por serem vítimas afetadas pelos conflitos –
Comandante da Força Aérea Ucraniana. ao invés de serem percebidas como atores políticos autônomos com
capacidade de contribuírem para o processo de paz (BEIER, 2015).
Resultados e Discussão O engajamento de crianças e jovens mostra-se fundamental para que
os processos de paz sejam duradouros. Sem a aceitação dos mesmos, é
A Ucrânia e a Rússia estão destinadas a viver geograficamente possível afirmar que a retomada do conflito será inevitável. Ademais, é
unidas. A primeira busca assegurar sua independência política necessário o entendimento de que as crianças e os jovens de hoje formam os
e cultural visando garantir o fortalecimento do seu status e a adultos de amanhã. A não inclusão dessa parcela significativa da população

46 11
em programas, sejam de reintegração de ex-combatentes, para os que A MODERNA MASKIROVKA NAS OPERAÇÕES RUSSAS NA
foram crianças-soldado, ou de inclusão nos processos econômicos – de CRIMEIA E UCRÂNIA
fornecimento de educação e treinamento adequados – ou nos políticos,
que englobam os processos de tomada de decisão, não é possível garantir Kaiser David Vargas Konrad1; Humberto Lourenção1;2
a estabilidade dos locais onde esses conflitos armados eclodem. 1
Programa de Pós-Graduação em Ciências Aeroespaciais da Universidade
Mais do que a implementação verticalizada da paz, feita pelas OIs, é da Força Aérea - PPGCA/UNIFA
imprescindível uma implementação horizontal, em que toda a sociedade 2
Academia da Força Aérea - AFA
seja incluída e esteja engajada ativamente no processo. A simples
implementação dos mandatos das operações de paz não é suficiente
para que o conflito e a sociedade sejam, de fato, transformados. Infere- Introdução
se, portanto, que a participação e o engajamento de crianças e jovens
como peacemakers, mais do que desejados, são necessários. A guerra no Leste da Ucrânia completa cinco anos em 2019.
A anexação da Crimeia e o conflito no leste ucraniano provocaram
a maior crise entre a Rússia e o Ocidente desde o final da Guerra
REFERÊNCIAS
Fria. Os acontecimentos de 2014 foram resultado de uma grande
BEIER , J. Marshall. Children, childhoods, and security studies: an operação encoberta, conduzida pela inteligência militar russa no
introduction. Critical Studies on Security, Vol. 3, n. 1, 1-13, 2015. exterior (Glavnoye Razvedyvatelnoye Upravlenie - GRU), que colocou mais
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1080/21624887.2015.1019715. uma vez em prática a Maskirovka, ou engodo militar, desta vez em
Acesso em: 09 de junho de 2019. nível estratégico e fazendo uso dos modernos recursos tecnológicos
MARTUSCELLI, Patrícia. O Significado de Proteção da Criança nas do século 21. A manobra teve por objetivo enfraquecer e manter a
Operações de Paz das Nações Unidas: uma visão geral. Revista Ucrânia na zona de influência russa, impedindo qualquer possibilidade
Relações Internacionais no Mundo Atual, n. 22, v. 1, p. 1-30, 2017. de ingresso na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)
MCEVOY-LEVY, Siobhán. Conclusion: Youth and Post-Accord Peace e na União Europeia.
Building. In: ______. Troublemakers or Peacemakers? Youth and Os acontecimentos na Ucrânia foram provocados pelo
Post-Accord Peace Building. Indiana: University of Notre Dame, 2006, emprego atualizado da Maskirovka, sob a forma de uma moderna
p. 281-305. guerra não convencional, conduzida em tempo de paz e sob
OFFICE OF THE SPECIAL REPRESENTATIVE OF THE SECRETARY- pretexto de insurreição civil. A Maskirovka surge plenamente
GENERAL FOR CHILDREN AND ARMED CONFLICT (OSRSG/CAAC). 2018 pela primeira vez após o fim da Guerra Fria, como uma nova
idiossincrasia da expansão geopolítica russa pelo leste europeu,
UNICEF. UNICEF Humanitarian Action for Children 2018. Disponível mascarando as operações militares russas em território ucraniano
em: <https://www.unicef.org/publications/index_102492.html>. Acesso
e seus objetivos geoestratégicos.
em: 25 junho 2019.
A partir da hipótese de que a Maskirovka pode ser replicada
WATSON, Alison. Children and International Relations: a new site of como instrumento principal da Guerra Híbrida, configurando-
knowledge? Review of International Studies, 32, 2006, p. 237–250. se como uma ameaça à segurança internacional, este estudo tem
como objetivo principal caracterizar a atual ação militar da Rússia
na Crimeia e no conflito ucraniano, analisando-se-a à luz das

12 45
RODRIGUES, Thiago. Narcotráfico e Militarização nas Américas: VITÓRIA APRISIONADA: A CRISE DA ESTRATÉGIA, OS
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SAINT-PIERRE, Héctor Luis. “Defesa” ou “Segurança”? Reflexões em
torno de Conceitos e Ideologias. Contexto Internacional – vol. 33, n. 2, Os conflitos do século XXI têm observado, em especial quando da
julho/dezembro, pp. 407-433, 2011. aplicação de força militar por parte das potências ocidentais, uma série
de insucessos e fracassos, nos quais o poderio destes países, bem como
suas capacidades tecnológicas não se convertem em um triunfo, levando
alguns pensadores e profissionais a avançarem proposições no sentido
de que não há mais a possibilidade da vitória na guerra. Tal suposição ou
hipótese pode chocar em um primeiro momento, mas se torna falaciosa,
levando-se em consideração a figura da Crise da Estratégia ou, na
opinião de alguns autores, uma “moléstia estratégica” (strategic malaise),
o que explica a ausência ou desconsideração de princípios básicos da
Teoria da Estratégia nos processos decisórios dos Estados quanto a ir
à guerra. A desconexão entre Política e Estratégia tem produzido, em
muitos casos, sucessos táticos e operacionais, impossíveis de serem
transferidos para a dimensão político-estratégica.
O trabalho vale-se dos pressupostos da História das Ideias e da
Filosofia, para entender como conceitos e ideias são utilizados pelas
sociedades na vida corriqueira e como estes conceitos evoluem ao
longo do tempo. Faz-se possível um diálogo com a Teoria da Guerra
para perceber as origens do conceito de Vitória na Guerra, sua relação
com os campos da Estratégia e da Política, e como isto se deu na
medida do tempo. Essa perspectiva é realizada por meio de recortes
cronológicos selecionados que demonstrem tal processo, de que
forma o conceito de Vitória chegou ao século XXI e qual a percepção
deste no pensamento estratégico ocidental. Tudo isso levando-se em
conta um contexto de guerras irregulares, de uso da força articulado a
outros recursos do Estado, da chamada “guerra híbrida” ou ainda do
desafio posto pela dimensão cibernética e como esta irá se integrar ao
fenômeno da Guerra.
Este equívoco, na ótica da pesquisa, é produto de choque de
assunções políticas, sociais e culturais advindas dos desafios apresentados
1

44 13
especialmente pelos conflitos irregulares. Nesse sentido, tal incapacidade América do Sul. Segundo eles,
de vitória por parte das potências ocidentais é, na verdade, muito mais
um produto desta crise referida do que essencialmente uma falha nos a maior atenção para com as dimensões dos problemas relacionados ao
conceitos do triunfo ligados à Teoria da Guerra e da Estratégia. narcotráfico associa-se a três fatores básicos. Primeiramente, a relevância
política e econômica que o tema assumiu no cenário internacional e regional.
Entendendo, para melhor compreensão, que a vitória na guerra [...] Em segundo lugar, o narcotráfico associou-se e pôde nutrir-se das
se subscreve em diversos níveis, como o tático, o operacional e o mudanças e dos problemas que acometem a sociedade brasileira, como,
estratégico, pretende-se demonstrar que a “moléstia estratégica” por exemplo, o enfraquecimento do Estado, o aumento do desemprego, do
subemprego com correspondente incremento e diversificação da economia
advém da incapacidade de conexão entre a força militar e o propósito informal em todo o país. [...] Por último, a incorporação de camadas populares
político, de uma falta de diálogo entre líderes políticos e militares, com ao mundo do consumo de drogas anteriormente reservado principalmente a
a negação de responsabilidades sobre a decisão pelo uso da força, pessoas das classes médias e alta (PROCÓPIO FILHO; VAZ, 1997, p. 76-77).
tornando o debate sobre os recentes conflitos ainda mais complexo. Há
neste escopo ainda o outro lado, no qual um diálogo existe como uma
unidade de ação. Isso tem creditado àqueles que fazem uso disso uma 4 Considerações Finais
série de vitórias mediante o uso da força ou meramente a ameaça deste
uso. Para explicar falha e sucesso, parte-se da Teoria da Guerra e da De acordo com o que foi levantado até o presente momento,
Estratégia, considerado o arcabouço intelectual legado por Clausewitz. percebe-se que as políticas voltadas para a prevenção e o tratamento
Considerando a influência do pensamento estratégico ocidental sobre do uso de drogas estão insculpidas na pasta do Ministério da
o pensamento estratégico brasileiro, fica demonstrada a relevância do Justiça e Segurança Pública (MJSP), assim como estão também as
trabalho para o campo da Defesa, pois se busca entender não somente políticas destinadas à repressão do narcotráfico. Sendo assim, ambas
as questões que envolvem a formulação deste pensamento, mas também concorrem para uma mesma, fatia parcela do bolo do orçamento
como se processam possíveis transformações na Arte da Guerra. federal direcionado para o MJSP. E nessa queda de braço das
Além disso, intenta-se demonstrar como e por quais meios estas se políticas públicas para as drogas que os recursos alocados para as
manifestam na Teoria da Guerra e nas doutrinas militares das potências ações repressivas ao tráfico de drogas ilícitas têm superado e muito
ocidentais. Uma vez identificado o impasse da “moléstia estratégica”, os de prevenção e tratamento.
indaga-se como esses países estão buscando soluções e novas formas
de articulação estratégica, bem como de suas forças militares, no debate
BIBLIOGRAFIA
sobre a possibilidade da renovação do conceito de Vitória, em face das
transformações promovidas pela era do conhecimento e da já chamada
era digital, com suas influências na conduta dos conflitos do século XXI. BALDWIN, David. The concept of security. Review of International
Studies, 23, 5-26, 1997.
BARKAWI, Tarak; LAFFEY, Mark. The postcolonial moment in security
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Verão, p. 25-36. 2008. Internacional, v. 40, pp. 75-122, 1997.

14 43
diferentes perspectivas epistemológicas e ontológicas. É comum que BIDDLE, S. Military Power – Explaining Victory and Defeat in Modern
os autores adotem a abordagem teórica mais adequada para lidar com o Battle. Princeton: Princeton University Press, 2004
tema em questão a partir de seus pressupostos, tendo sempre em mente CLAUSEWITZ, C. V. On War. 2ª Ed. Tradução para o inglês de Michael
que cada teoria escolhida vai contribuir para o estudo dentro das suas Howard e Peter Paret. Princeton: Princeton University Press, 1984.
próprias limitações.
ECHEVARRIA II, A. Clausewitz: Toward a Theory of Applied Strategy.
O artigo ‘The concept of security’, do autor David Baldwin (1997), traz
In: Defence Analysis. Vol. 11, N.3, p. 229-240. 1995.
uma importante contribuição para o estudo do conceito de segurança
e ameaça, de forma a evitar a tendência normativa que determinados ______. Fourth-Generation War and Other Myths. Carlisle: Strategic
temas da disciplina de estudos estratégicos tomam. Studies Institute, U.S. Army War College Publications Office, 2005.
Em meio a esse contexto de interpretações dissonantes, o artigo ______. Clausewitz and Contemporary War. Nova Iorque: Oxford
do autor Héctor Luis Saint-Pierre (2011) busca discutir a função dos University Press, 2007.
conceitos no estudo das relações internacionais e dos estudos de FREEDMAN, L. Strategy – A History. Nova Iorque: Oxford University
segurança em meio a uma conjuntura de formação da “nova agenda Press, 2013.
de segurança internacional”.
Barkawi e Laffey (2006) utilizam duas expressões para situar o GRAY, C. S. Defining and Achieving Decisive Victory. Carlisle:
momento em que a disciplina de estudos de segurança se encontra. Strategic Studies Institute, U.S. Army War College Publications
Office, 2002a.
Os autores lançam mão de dois conceitos: old security logics (ou
lógicas de segurança antiga, tradução livre), que se identifica com ______. Strategy for Chaos: Revolutions in Military Affairs and Other
as questões relativas à competição entre potências, e new security Evidence of History. Londres: Frank Cass, 2002b.
problematics (ou novas problemáticas de segurança, tradução livre), ______. Strategy and History – Essays on Theory and Practice. Nova
cujo entendimento suscita que uma ameaça é existencial com base Iorque: Routledge: 2006.
nas redes transnacionais de atuação global e local. Os autores
______. The Strategy Bridge – Theory for Practice. Oxford: Oxford
oferecem como exemplo a organização Al-Qaeda (BARKAWI;
University Press, 2010.
LAFFEY, 2006).
Rodrigues (2012; 2017) traz uma importante contribuição ______. War, Peace and International Relations: an Introduction to
sobre o desenvolvimento do fenômeno do narcotráfico na região Strategic History. 2ª Ed. Nova Iorque: Routledge, 2012.
latino-americana, assim como sobre as políticas para lidar com ______. Strategy and Defence Planning – Meeting the Challenge of
a questão das drogas, destacando, principalmente, os impactos Uncertainty. Oxford: Oxford University Press, 2014.
das políticas norte-americanas sobre Colômbia, México e Brasil. HANDEL, M. Masters of War – Classical Strategic Thought. 3ª Ed.
O autor aborda o tema desde o surgimento do primeiro regime Londres: Frank Cass, 2001.
legal internacional de drogas, ainda no início do século XX, até o
alvorecer do século XXI. HEUSER, B. The Evolution of Strategy – Thinking War from Antiquity to
Embora Procópio Filho e Vaz (1997) tenham escrito há mais de the Present. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.
20 anos um artigo sobre o narcotráfico no Brasil, a argumentação JOHNSON, D. D. P.; TIERNEY, D. Essence of Victory – Winning and
desses autores continua atual e ajuda muito no entendimento sobre o Losing International Crises. In: Security Studies. Vol. 13, N.2, p. 350-
desenvolvimento desse fenômeno no contexto brasileiro insculpido na 381. 2003.

42 15
______. Failing to Win – Perceptions of Victory and Defeat in POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS E NARCOTRÁFICO
International Politics. Londres: Harvard University Press, 2006.
NO BRASIL
KARCHER, T. M. Understanding the “Victory Disease,” from the Little
Bighorn, to Mogadishu, to the Future. Trabalho de Conclusão de Vinícius de Carvalho Castro Madureira; Antonio Jorge Ramalho da Rocha
Curso. Fort Leavenworth: School of Advanced Military Studies, United Programa de Pós-Graduação em Segurança Internacional e Defesa da Escola Superior
States Army Command and General Staff College, 2003. de Guerra - PPGSID/ESG

LARSEN, K. K. Substitute for Victory – Performance Measurements


in Vietnam, the Gulf War, and Afghanistan. Tese de Doutorado. 1 Introdução
Departamento de Ciência Política, Universidade de Copenhague, 2014.
LOO, B. F. W. Decisive Battle, Victory and the Revolution in Military Affairs. A ideia do trabalho é traçar um panorama sobre as políticas
In: The Journal of Strategic Studies. Vol. 32, N.2, p. 189-211. 2009. públicas brasileiras federais adotadas no século XXI, que lidam
LUTTWAK, E. On the Meaning of Victory. In: The Washington Quarterly. com o fenômeno transnacional do narcotráfico. A percepção de
Vol. 5, N.4, p. 17-24. 1982. uma gama ampla de ameaças e a predisposição das administrações
públicas em alocar escassos recursos, para o desenvolvimento de
______. Estratégia – A Lógica da Paz e da Guerra. Tradução de Álvaro políticas abrangentes na área de segurança, motivam os países
Pinheiro. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2009.
a formularem políticas que deem um retorno proporcional
MANDEL, R. The Meaning of Military Victory. Londres: Lynne Rienner à sociedade.
Publishers, 2006.
______. Defining Post War Victory. In: ANGSTORM, J.; DUYVESTEYN, 2 Metodologia
I. Understanding Victory and Defeat in Contemporary War. Londres:
Routledge, p. 13-46. 2007a. O presente estudo, de caráter exploratório e descritivo, busca, por
meio de levantamentos bibliográficos e documentais, realçar os aspectos
______. Reassessing Victory in Warfare. In: Armed Forces & Society.
Vol. 33, N.4, p. 461-495. 2007b.
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período. Os dados relacionados ao orçamento federal são obtidos com
MARTEL, W. Victory in War – Foundations of Modern Military Policy. o acesso aos planos plurianuais e às respectivas leis orçamentárias, ao
Nova Iorque: Cambridge University Press, 2007. passo que as informações a respeito das políticas não orçamentárias são
______. Formulating Victory and Implications for Policy. In: Orbis. Vol. também encontradas nas leis sancionadas pelo respectivo Presidente
52, N.4, p. 613-626. 2008. da República.
______. Victory in scholarship on strategy and war. In: Cambridge
Review of International Affairs, Vol. 24, N.3, p. 513-536. 2011. 3 Fundamentação Teórica
POTHOLM, C. Winning at War – Seven Keys to Military Victory Dentro dos campos das Relações Internacionais e dos Estudos
throughout History. Plymouth: Rowman & Littlefield Publishers, 2010.
Estratégicos, ou de segurança, assim como em quase todas as áreas
PROENÇA JÚNIOR, D.; DINIZ, E.; RAZA, S. G. Guia de Estudos de compostas por conhecimentos interdisciplinares, normalmente existe
Estratégia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. uma gama de autores que tratam de temas semelhantes a partir de

16 41
principalmente, mais transparente possível, face aos graves problemas dos INOVAÇÕES DOUTRINÁRIAS NO EXÉRCITO BRASILEIRO:
governos anteriores. Para isso, buscou-se a integração com os diversos ANÁLISE DAS INTERAÇÕES ENTRE O SIDOMT E AS TROPAS
níveis do GIFRJ, tendo como base os conhecimentos técnicos das funções, EMPREGADAS EM OPERAÇÕES DE NÃO GUERRA
de forma a minimizar a influência política na distribuição de cargos.
O uso recorrente de militares em Operações de GLO pode causar efeito Felipe Araújo Barros; Carlos Eduardo Franco Azevedo
Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do
negativo para as Forças Armadas, na medida em que desvia a vocação principal Exército - PPGCM/ECEME
de defesa da pátria, podendo ocorrer “[...] a perda da confiança pública nas
forças armadas” (BRUNEAU; TOLLEFSON, 2006, tradução nossa). Quando 1. Introdução
a situação extrema surgir e as Forças Armadas forem demandadas para proteção
da nação, estarão elas preparadas para a sua missão principal? A resposta a esta Nos últimos 15 anos, o Brasil experimentou um aumento
indagação é incerta, e os militares continuam patrulhando as ruas do país... significativo do emprego de suas Forças Armadas em ações reais,
especialmente no campo das operações de não guerra, acumulando,
REFERÊNCIAS
assim, uma grande quantidade de experiências profissionais nos
BRASIL. Gabinete de Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro seus quadros. Paralelo a isto, o país também iniciou um processo de
(GIFRJ): Plano Estratégico da Intervenção Federal na Área de transformação de suas Forças Armadas visando ampliar seu poder
Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de militar. Nesse quadro, o comando do Exército diagnosticou que
Janeiro: IFERJ, 2018. 102 p. somente a instauração de uma cultura de inovação poderia fazer com
BRUNEAU, T. C., & TOLLEFSON, S. D. (Eds.). Who Guards the que a Força alcançasse o objetivo de superar sua situação atual para
Guardians and How: democratic civil-military relations (1ed). Austin, alcançar um status de força da era informacional. Esse processo de
Uinited States, 2006. transformação foi calcado na introdução de inovações tecnológicas e
EGNELL, R. Explaining US and British performance in complex não tecnológicas, como forma de acelerar o movimento de mudanças
expeditionary operations: The civil-military dimension. Journal of institucionais que permitisse diminuir o gap entre si e outros exércitos
Strategic Studies, 29(6), 2006. p.1041–1075. mais modernos em um horizonte de tempo viável.
JANOWITZ, M. O Soldado Profissional: Estudo Social e Político.
Neste contexto, este trabalho se propôs a investigar o sistema
Tradução Donaldson M. Garschagen. 138. ed. Rio de Janeiro: GRD
corporativo do Exército Brasileiro responsável por transformar suas
Edições, 1967. 434p. experiências operacionais em inovações não tecnológicas. Para tanto,
partiu-se do exame de um quadro maior, o Sistema de Inovação Setorial
ALSINA JÚNIOR, João Paulo. Ensaios de Grande Estratégia de Defesa (SIS-Def) brasileiro, que engloba todos os atores envolvidos
Brasileira. 1.ed. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018. 292p. na produção de inovações tecnológicas e não tecnológicas nacionais. De
HUNTINGTON, Samuel P. O Soldado e o Estado: teoria e política das acordo com autores como Cunha e Amarante (2011) e Franco Azevedo
relações entre civis e militares. 2.ed. rev atual. Rio de Janeiro: Biblioteca (2013), este sistema, atualmente, apresenta problemas de fragmentação
do Exército, 2016. 592 p. e desarticulação, o que o torna pouco eficiente e incapaz de produzir
NETO, Octávio Amorim. Democracia e relações civis-militares no Brasil. In: as inovações no ritmo almejado pelo processo de transformação. Este
AVELAR, Lúcia e CINTRA, Antônio Octávio (Org.). Sistema Político Brasileiro: problema, conforme explicam os autores, deve-se ao baixo índice de
uma introdução. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora UNESP, 2015. p. 315-330. interação entre seus atores. Assim sendo, estando o sistema de inovações

40 17
doutrinárias inserido no SIS-Def, procurou-se, neste trabalho, descobrir imprevisto’ desenvolve-se [...] devido ao fracasso dos dirigentes civis
se esses problemas observados neste também se replicam naquele. em agirem com relevância e coerência” (JANOWITZ, 1967, p. 22). Foi
Com esse objetivo, este trabalho elencou, como problema de mais uma vez o “[...] impulso incoercível das autoridades no sentido do
pesquisa, compreender de que forma o Exército Brasileiro tem se emprego do Exército em substituição às burocracias civis devastadas
apropriado das experiências recentes de suas tropas em operações pela corrupção e incompetência” (ALSINA JR, 2018, p. 174).
de não guerra para transformá-las em inovações doutrinárias. Tendo Em termos de operações militares durante a intervenção, as ações de
em vista os problemas de interação identificados no SIS-Def, e como GLO continuaram a ocorrer, com o GIFRJ e o Comando Conjunto (C Cj)
ferramenta para auxiliar a investigação em pauta, utilizou-se a seguinte de forma integrada. A população fluminense esperava maior presença militar
hipótese: o reduzido fluxo de interações entre o Sistema de Inovações nas ruas, uma intensificação no número de viaturas e militares, o que acabou
Doutrinárias do Exército (SIDOMT) e as tropas que participam dos não ocorrendo da forma esperada. A função de polícia desempenhada
empregos operacionais tem influído negativamente na forma como por militar acarreta consequências para as Forças Armadas, pois “O
a Força se apropria das experiências adquiridas e as transforma em estabelecimento militar transformara-se numa fôrça [sic] policial quando está
inovações doutrinárias. A partir dessa hipótese, pretende-se investigar continuamente preparado para agir, comprometido ao uso mínimo da força,
se os problemas apontados no SIS-Def, efetivamente, têm-se refletido [...] por haver incorporado uma atitude militar protetora” (JANOWITZ,
no sistema de inovações doutrinárias do Exército Brasileiro. 1967, p. 400), sendo este um possível resultado da “policialização” dos
O objetivo geral proposto para a pesquisa é analisar o fluxo de militares. As “Funções externas de segurança são missões tradicionais das
interações entre o SIDOMT e as tropas participantes de missões Forças Armadas, enquanto que as funções de segurança interna são missões
recentes, investigando se o Exército tem-se apropriado das não tradicionais” (BRUNEAU; TOLLEFSON, 2006, tradução nossa).
experiências adquiridas para promover inovações doutrinárias. A A Intervenção Federal na Área de Segurança Pública no Estado do Rio
fim de alcançar o objetivo geral, propôs-se os seguintes objetivos de Janeiro foi inédita na história brasileira, levando ao protagonismo de
intermediários: a) construir um referencial teórico, a fim de firmar militares, da ativa, em funções públicas e políticas, dentro de uma estrutura
um marco teórico que possibilite ao pesquisador estudar seu de governo. Os militares, que tinham grande experiência em atuar em GLO,
problema de pesquisa baseado no método científico e no estudo de passaram a outro patamar: o da gerência da segurança pública, passando a
questões acadêmicas; b) descrever de que forma está estruturado ter poder sobre outras pessoas, órgãos e estruturas, dentro de um arranjo
o sistema de inovações doutrinárias do Exército, com foco na civil de governança. Ao mesmo tempo, as operações na rua foram a parte
identificação dos seus atores e na forma pela qual interagem para mais visível da intervenção, a qual foi eminentemente gestora.
produzir inovações doutrinárias; c) comparar as capacidades Pela análise dos dados apresentados, a Intervenção Federal trouxe
demandadas das tropas empregadas em operações de não guerra à tona diversas questões das relações civis-militares, como o aumento
com as capacidades desenvolvidas nas OM da Força Terrestre, a do poder militar em relação ao civil no governo do Estado do Rio de
fim de verificar a existência de desalinhamentos entre esses dois Janeiro, no nível político.
fatores; e d) analisar os dados coletados a fim de identificar possíveis
problemas na interação entre o SIDOMT e as tropas participantes Conclusões
de missões operacionais recentes, e se essas falhas têm causado
dificuldades no processo de produção de inovações doutrinárias Os militares, durante a Intervenção Federal, passaram a gerir a
no Exército Brasileiro. segurança pública com ferramentas de administração já utilizadas
no EB, procurando alcançar os objetivos da forma mais eficiente e,

18 39
Metodologia 2. Referencial Teórico e Metodologia

Esta pesquisa é um estudo qualitativo que tem como base o método O presente trabalho faz uso de uma gama de teorias para estabelecer
descritivo. Para o presente estudo, foi realizada revisão bibliográfica de um framework de suporte para a investigação acadêmica, das quais as
fontes primárias e secundárias, valendo-se de autores consagrados no mais importantes são: Teoria da Inovação: baseado em autores como
tema das relações civis-militares. Schumpeter (1983), Freeman (1987), Malerba (2002), Farrel e Terriff
O material pesquisado sobre a intervenção federal baseou-se na (2002), Cunha e Amarante (2011), Franco Azevedo (2013), entre vários
documentação produzida e disponibilizada pelo GIFRJ em seu sítio outros, usada para descrever o SIS-Def e a forma pela qual a interação
eletrônico até a presente data, carecendo de maiores fontes devido de seus atores é fundamental para o processo de inovação e, mais
ao caráter excepcional da intervenção, cuja atividade ainda não foi especificamente, para a produção de inovações doutrinárias, além de
encerrada completamente. descrever os problemas de fragmentação e dissociação observados no
SIS-Def nacional; Gestão e compartilhamento do conhecimento: toma
Resultados e Discussão como base os estudos de Bem et al. (2013), Dyson (2019), Husted e
Michailova (2002), McIntyre et al. (2003), Nonaka e Takeuchi (2004)
A participação de militares no cenário político do país vem acentuando- e Sordi et al. (2017), para analisar a presença de fatores facilitadores
se. Segundo Neto (2015, p. 315) “[...] com o fim da Segunda Guerra e inibidores das interações entre os atores do sistema de inovações
Mundial, as relações civis-militares no Brasil passaram a se estruturar doutrinárias, bem como identificar as barreiras para o compartilhamento
predominantemente em torno do envolvimento das Forças Armadas na do conhecimento presentes nas entrevistas realizadas.
política doméstica.” Devido à situação crítica de violência que assola o Para alcançar os objetivos propostos, esta pesquisa fez uso da técnica da
Rio de Janeiro, foi confiado a um General do EB a árdua missão de “[...] triangulação, tanto de métodos como de fontes, para dar maior consistência
pôr termo a grave comprometimento da ordem pública” (BRASIL, 2018, aos resultados encontrados. Como fontes, foram usados livros, documentos
p. 17). Dessa forma, “[...] os militares permanecem sendo um ator político oficiais, manuais militares e entrevistas semiestruturadas com militares de
potencialmente formidável no contexto brasileiro em particular e no latino- categorias distintas, como comandantes de Organizações Militares (OM), de
americano em geral” (NETO, 2015, p. 322). tropas empregadas em operações de não guerra e membros do SIDOMT,
O ineditismo da intervenção federal foi o fato de os militares, estando totalizando mais de 8 horas de gravações.
na ativa, ocuparem cargos políticos. Huntington (2016) afirmou que A triangulação de métodos consistiu na aplicação de técnicas de análise
o controle civil objetivo minimiza o poder militar, maximizando o seu documental, bibliográfica e de conteúdo, dependendo da fonte analisada.
profissionalismo e “A antítese de controle civil objetivo é a participação Especialmente quanto à análise de conteúdo, recorreu-se à metodologia
do militar na política: o controle civil diminui à medida que os militares proposta por Bardin (2016) para organizar, categorizar e interpretar os dados
se envolvem progressivamente em política [...]” (HUNTIGTON, 2016, p. obtidos nas entrevistas. Neste trabalho, foram aplicados conhecimentos
106-107). Dessa forma, a intervenção federal diminuiu o poder dos civis adquiridos pela análise bibliográfica e documental dos manuais e
no governo do Estado, devido ao fato de o então Governador do Estado e documentos oficiais do Exército, que permitiram o desenvolvimento de
o seu Secretário de Segurança Pública, Roberto Sá, terem sido substituídos categorias mais precisas para a análise do material. Também lançou-se
por generais da ativa. mão dos estudos de Sordi et al. (2017) e Husted e Michailova (2002) para
Como forma de tentar pôr fim à grave situação que vinha sacrificando a elaboração das categorias quando foram analisados dados relacionados
a sociedade fluminense, recorreu-se aos militares. “O ‘militarismo ao tema compartilhamento de conhecimentos.

38 19
A fim de permitir o exame da hipótese de pesquisa, esta foi dividida A INTERVENÇÃO FEDERAL NO ESTADO DO RIO DE
em duas partes: a primeira parte – “o reduzido fluxo de interações entre JANEIRO E AS RELAÇÕES CIVIS-MILITARES
o SIDOMT e as tropas que participam dos empregos operacionais” –
foi examinada pelo estudo das experiências das interações entre estes Eduardo Luiz Biavaschi; Karina Furtado Rodrigues
Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do
dois atores, em que se buscou verificar a frequência de ocorrência, Exército - PPGCM/ECEME
além de reconhecer fatores facilitadores e inibidores e barreiras ao
compartilhamento de conhecimento. Este estudo foi feito com base Introdução
na análise das entrevistas realizadas, bem como dos dados do Portal
do SADLA1. A segunda parte – “tem influído negativamente na forma Com o aumento das ações criminosas no estado do Rio de Janeiro
como a Força se apropria das experiências adquiridas e as transforma e a escalada da violência, a situação na segurança pública tornou-se
em inovações doutrinárias” – foi estudada por comparação entre as crítica. Durante o carnaval, no mês de fevereiro de 2018, a Intervenção
capacidades desenvolvidas nas OM e as capacidades demandadas das Federal foi decretada pelo Presidente da República, Michel Temer,
tropas em operações de não guerra. Nessa comparação, buscou-se somente na área da segurança pública, com a implantação do Gabinete
levantar indícios de discordâncias entre esses dois fatores, de forma de Intervenção Federal na Área de Segurança Pública no Estado do
a embasar a ocorrência dessa afirmação, o que apontar para a real Rio de Janeiro (GIFRJ). Foi nomeado o General de Exército, da ativa,
existência de uma deficiência na transformação das experiências em Walter Souza Braga Netto como Interventor Federal, que nomeou o
inovações doutrinárias. General de Divisão Richard Fernandes Nunez, também da ativa, como
Secretário de Segurança Pública.
3. Principais descobertas O relacionamento entre civis e militares é o assunto que debate,
historicamente, a política conduzida pelos civis e o uso da força
Ao final do trabalho, foi possível levantar diversos indícios que exercido por parte dos militares. O problema central discutido nesta
apontam para um descasamento entre a doutrina militar vigente e as relação é a necessidade de maximizar o valor de proteção que as
experiências profissionais dos militares empregados em operações de Forças Armadas podem prover e a necessidade de minimizar os
não guerra. Esses indícios foram: a omissão de capacidades relacionadas poderes coercitivos domésticos que vão inevitavelmente possuir,
ao emprego da arma de engenharia como elemento de combate em portanto criando forças armadas sob controle democrático civil
documentos oficiais; a dissociação entre as instruções previstas nos Planos (EGNELL, 2006, p. 1046).
Padrão de Instrução e a experiência profissional demonstrada pelos A presença de militares da ativa em funções políticas no GIFRJ
comandantes de OM; as discrepâncias encontradas na comparação entre trouxe à tona o assunto das relações civis-militares no país, dentro de um
as capacidades desenvolvidas e as capacidades demandadas pelas tropas de contexto de constante consolidação da democracia no Brasil. Ao mesmo
engenharia; e a identificação de capacidades de pouca aplicabilidade sendo tempo, a exposição dos militares nesse tipo de função pode trazer
desenvolvidas nas OM, em detrimento de outras que são identificadas consequências para as Forças Armadas junto à sociedade brasileira, as
como de maior importância. quais encontram-se há muito tempo em GLO. Assim, o objetivo deste
estudo é apresentar reflexões das relações civis-militares no contexto da
intervenção federal e as implicações da atuação recorrente em operações
1
Ferramenta do SIDOMT de coleta de experiências profissionais para análise e produção de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para as Forças Armadas.
de inovações doutrinárias.

20 37
REFERÊNCIAS Também foi possível verificar que a frequência das interações
entre as tropas e o SIDOMT tem sido muito pequena e, quando
ela acontece, seus resultados são pouco relevantes devido à baixa
BUZAN, Barry. People, States and Fear: The National Security Problem quantidade de inovações doutrinárias que produz. Diversos fatores
in International Relations. 2ª ed. Sussex: Wheatsheaf Books LTD, 1983.
inibidores e barreiras à interação foram constatados. Além disso,
HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado observou-se que o sistema tem ignorado esses fatores e barreiras, e
Eclesiástico e Civil. São Paulo: Martin Claret, 2001. até promovido outros. Alguns pontos de diferença entre a cultura
KEOHANE, Robert. Power and Governance in a Partially Globalized organizacional militar e empresarial (usada como referência para o
World. 1ª ed. London: Routledge, 2002. estudo de compartilhamento de conhecimento) foram observados,
o que pode ser um interessante campo de estudos futuros para a
______; NYE, Joseph. Power and Interdependence. 4ª Ed. Boston:
ampliação do conhecimento nesta área de pesquisa.
Longman, 2012.
Por fim, conclui-se ressaltando a importância do estudo em tela
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Rio de Janeiro: por sua relevância para o aperfeiçoamento do processo de gestão do
Vozes, 1994. conhecimento dentro do Exército Brasileiro, especialmente na sua
2014. capacidade de transformar conhecimentos tácitos em conhecimentos
explícitos. Essa capacidade tem sido bastante valorizada nos exércitos
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Ed. Cultrix, 2006.
de países mais desenvolvidos, como os dos membros da OTAN. Além
MINGST, Karen A. Princípios de Relações Internacionais. 6ª ed. Rio de disso, o estudo joga luz sobre um tema ainda pouco explorado – a
Janeiro: Elsevier, 2014. cultura e o compartilhamento de conhecimentos dentro do ambiente
VAN EVERA, Stephen. Guide to Methods for Students of Political organizacional militar nacional – o que pode estimular a realização de
Science. New York: Cornell University Press, 1997. outros estudos nesta área do conhecimento.
WALT, Stephen. The Origins of Alliances. Ithaca e London: Cornell
REFERÊNCIAS
University Press, 1987.
WALTZ, Kenneth. Man, the State and War. New York: Columbia
University Press, 2001. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Tradução Luís Antero Reto. São
Paulo, SP: Edições 70, 2016.
______. Theory of International Politics. Sidney: Addison-Wesley
Publishing Company, 1979. BEM, R. M.; PRADO, M. L.; DELFINO, N. Desafios à implantação da
gestão do conhecimento: a questão cultural nas organizações públicas
WEBER, Max. Estudos de Sociologia. 5ª ed, Rio de Janeiro: LTC
federais brasileiras. RDBCI: Revista Digital de Biblioteconomia e
Editora, 1982.
Ciência da Informação, v. 11, n. 2, p. 123, 23 abr. 2013.
WILLIAMS, Paul (org.). Security Studies: An Introduction. 1ª ed. London:
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Tradução Luís Antero Reto. São
Routledge, 2008.
Paulo, SP: Edições 70, 2016.
BEM, R. M.; PRADO, M. L.; DELFINO, N. Desafios à implantação da
gestão do conhecimento: a questão cultural nas organizações públicas

36 21
federais brasileiras. RDBCI: Revista Digital de Biblioteconomia e Essas observações contribuem para o entendimento do binômio
Ciência da Informação, v. 11, n. 2, p. 123, 23 abr. 2013. segurança-insegurança. Ou seja, resguardadas as particularidades de
CUNHA, M. B. DA; AMARANTE, J. C. A. DO. O Livro Branco e a base cada teoria, é possível observar que ambas convergem para a noção
científica, tecnológica, industrial e logística de defesa. Revista da de que existem espaços de segurança e de insegurança. E isso ocorre
Escola de Guerra Naval, v. 17, n. 1, p. 11–32, 13 fev. 2011. na medida em que se observa a necessidade de competição e/ou de
preservação de interesses dos atores.
DYSON, T. The military as a learning organisation: establishing the
fundamentals of best-practice in lessons-learned. Defence Studies,
Além disso, nota-se a existência de uma interseção entre esses
v. 19, n. 2, p. 107–129, 3 abr. 2019. espaços. Isso significa que a presença do Estado pode contribuir para
mitigar os riscos de uma agressão ocorrer, mas não os pode eliminar
FARRELL, T.; TERRIFF, T. (EDS.). The sources of military change: completamente. Neles, identifica-se, também, a presença de três atores
culture, politics, technology. Boulder, Colo: Lynne Rienner centrais: aquele que oferece algum tipo de risco a um bem, indivíduo ou
Publishers, 2002.
organização (Agressor); o que tem a capacidade de repelir a agressão e
FRANCO-AZEVEDO, C. E. Gestão de defesa: o sistema de inovação punir o agressor (Segurador) e, por fim, o que está vulnerável e necessita
no segmento de não-guerra. Tese (Doutorado em Administração) - Rio de proteção (Segurado).
de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 4 nov. 2013. A principal característica do Agressor é que ele oferece algum tipo
FREEMAN, C. Technology, policy, and economic performance: de ameaça, real ou potencial. E essa é a razão que leva os homens a
lessons from Japan. London; New York: Pinter Publishers, 1987. assinarem o contrato social, segundo Hobbes (2001). Ainda que para
Locke (1994) essa não seja a motivação para formar o Estado, ela pode
HUSTED, K.; MICHAILOVA, S. Diagnosing and Fighting Knowledge-Sharing
Hostility. Organizational Dynamics, v. 31, n. 1, p. 60–73, ago. 2002.
justificar o estado de guerra2. Além disso, a ameaça pode ser reconhecida
em termos de recursos e capacidade e, para alguns autores, de discursos.
MALERBA, F. Sectoral systems of innovation and production. Research Diferencia-se o Segurador do Agressor por meio da percepção
Policy, Innovation Systems. v. 31, n. 2, p. 247–264, 1 fev. 2002. social de legitimidade daquele agente – cujas bases são determinadas
MCINTYRE, S. G.; GAUVIN, M.; WARUSZYNSKI, B. Knowledge em nível doméstico (KEOHANE, 2002). Além disso, ele deve dispor
Management in the Military Context. Canadian Military Journal, p. dos meios coercitivos necessários para conter a ameaça (WEBER, 1982;
6, 2003. MAQUIAVEL, 2006) e punir o Agressor (LOCKE, 1994).
NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. Criação de conhecimento na empresa: Já Segurado, para Locke (1994), é o inocente. Para Hobbes
como as empresas japonesas geram a dinâmica da inovação. Rio (2001) são os homens que abriram mão de parte da sua liberdade em
de Janeiro: Campus, 2004. nome da segurança. Em ambos os casos, o Segurado é aquele que
permanece no limiar entre a proteção do Segurador e as ameaças
SCHUMPETER, J. A. The Theory of Economic Development: An
Inquiry Into Profits, Capital, Credit, Interest, and the Business Cycle.
do Agressor.
[s.l.] Transaction Publishers, 1983. 2
“O estado de guerra é um estado de inimizade e de destruição; por isso, se alguém,
SORDI, V. F. et al. Fatores determinantes e possíveis barreiras ao explicitamente ou por seu modo de agir, declara fomentar contra a vida de outro homem
projetos, não apaixonados e prematuros, mas calmos e firmes, isto o coloca em um estado
compartilhamento de conhecimento nas organizações. Revista de guerra diante daquele a quem ele declarou tal intenção, e assim expõe sua vida ao poder
Eletrônica de Estratégia & Negócios, v. 10, n. 2, p. 225, do outro, que pode ele mesmo retirá-la, ou ao de qualquer outro que se una a ele em sua
19 dez. 2017. defesa e abrace sua causa; é razoável e justo que eu tenha o direito de destruir aquele que
me ameaça com a destruição” (LOCKE, 1994, p. 39).

22 35
A partir dessa análise são evidenciados conceitos basilares ao CURDOS NO COMBATE AO ESTADO ISLÂMICO: ATOR
tema, satisfazendo o primeiro objetivo específico. É possível, também, NÃO ESTATAL NA LUTA PELA SOBERANIA E NA DEFESA
identificar aspectos relevantes à caracterização dos espaços de segurança DO TERRITÓRIO
e de insegurança. E, neles, situam-se os três agentes supracitados, a
saber: o Segurador, o Segurado e o Agressor. Ao estabelecer o papel Mariana A. Petine; Francisco Carlos Teixeira da Silva
Programa de Pós-Graduação em Segurança Internacional e Defesa da Escola Superior
de cada um deles nas seções dois, três e quatro, cumpre-se o segundo de Guerra-PPGSID/ESG
objetivo específico.
Nesse sentido, a segunda seção identifica as principais características Este trabalho falará sobre a questão curda1 na luta contra o Estado
do Agressor. Para tal, serão observados aspectos referentes ao estado de Islâmico. Buscará entender o que motivou alguns países da Comunidade
natureza para Hobbes (2001) e Locke (1994), bem como a balança de Internacional, como Estados Unidos, França, Rússia e Inglaterra, a
ameaça de Walt (1987), as mudanças na estrutura internacional a partir apoiar os curdos nessa luta, e entender como a reivindicação curda por
da década de 1970 (KEOHANE; NYE, 2012), e a relação entre ameaça mais autonomia ou soberania está sendo tratada.
e instituições de segurança – incluindo-se o conceito de liberalismo do A população curda atualmente abrange cerca de 20 a 36 milhões
medo – proposta por Keohane (2002). de pessoas em uma área de aproximadamente 500.000 km². Essa
A terceira seção aborda os elementos que compõem o Segurador. estimativa é aproximada, pois os dados são de difícil obtenção, visto
Com isso, a formação do Estado para Hobbes (2001) e para Locke que as imigrações são intensas e sua população está dividida em, pelo
(1994), o papel deste nos diferentes níveis de análise proposto por Waltz menos, seis Estados: Iraque, Irã, Turquia, Síria, Armênia e Azerbaijão.
(2001) e o contraponto realizado por Keohane (2002) fornecem a base Apesar de nunca constituírem um Estado independente, os curdos
para identificação de tal agente. desfrutaram de relativa autonomia até 1639, quando a região foi
Por fim, a quarta seção analisa as características do Segurado. repartida entre os impérios Persa (Irã) e Otomano (Turquia). Nesse
Será observada a ideia proposta por Hobbes (2001) e Locke (1994) contexto desfavorável, as tribos curdas apoiaram os governos locais
para o contrato social, no que tange à forma que o homem passa a se contra inimigos externos, mantendo um padrão de aparente submissão
submeter ao Estado. E serão brevemente abordadas: a importância ao governo central, fosse ele Persa, Árabe ou Turco.
da legitimidade para Keohane (2002), a relação entre soberania e Antes do fim da Primeira Guerra, em 1916, houve o Acordo Sykes-
responsabilidade de proteger (WILLIAMS, 2008) e o papel das relações Picot2, negociado pelo diplomata francês François Georges-Picot e
sociais em Waltz (2001). pelo britânico Mark Sykes, em que os governos do Reino Unido e
A partir das contribuições de Williams (2008) e Mingst (2014), da França, de forma secreta, definiram as suas respectivas áreas de
observa-se que a perspectiva de segurança na teoria realista está influência no Oriente Médio, considerando a hipótese de derrota do
diretamente relacionada à distribuição de poder entre os Estados. Império Otomano na Primeira Guerra Mundial. Com o fim da Guerra,
Consequentemente, essa configuração determina a frequência o mapa do Oriente Médio foi efetivamente redesenhado, com base no
e a intensidade dos conflitos. Em contraposição, a teoria liberal acordo Sykes-Picot.
institucionalista preza pela interdependência: Assim, o Estado pode 1
Reivindicação curda por autonomia ou soberania.
agir em cooperação com outros Estados e organizações para garantir 2
Acordo que previa a repartição do espólio do Império Otomano no Oriente Médio dois
seus interesses1 (KEOHANE, 2002). anos antes do fim da Primeira Guerra Mundial. Tal divisão deveria contemplar os interesses
estratégicos das grandes potências imperialistas no Oriente Médio, como as regiões com
1
“We explicitly rejected the view that interdependence was necessarily benign”. (KEOHANE, petróleo e o Canal de Suez.
2002, p. 14).

34 23
O Acordo é considerado, segundo Huston (2008), como sendo SEGURADOR, SEGURADO E AGRESSOR: A CARACTERIZAÇÃO
divergente em relação à Correspondência Hussein-McMahon3 de 1915- DOS ATORES NOS ESPAÇOS DE SEGURANÇA E DE
1916. Enquanto a correspondência refletia a necessidade de conseguir o INSEGURANÇA
apoio árabe à Tríplice Entente4, o Acordo Sykes-Picot, juntamente com
a Declaração de Balfour5 de 1917, tinha como objetivo compartilhar o Jacqueline Bacellar; Cláudio Rogério de Andrade Flôr
Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval - PPGEM/EGN
território otomano entre os dois Estados com mais influência no Oriente
Médio, Inglaterra e França, e o estabelecimento do Lar Nacional Judeu
na Palestina, respectivamente. A identificação de temas afetos à segurança pode ser vista como
Posteriormente houve a inclusão da Itália e a Rússia na partição do prioridade à manutenção da estrutura do Estado por diversos
território. A Itália ficaria com algumas ilhas do Egeu e uma parte em torno autores. Entretanto, conforme Williams (2008) argumenta, há um
de Esmirna, na Anatólia, enquanto a Rússia ficaria com a Armênia e partes debate teórico recorrente no campo das Relações Internacionais
do Curdistão. A presença italiana na Anatólia e a divisão dos territórios sobre seu conceito. Não há um consenso a respeito do assunto,
árabes foram formalizadas pelo Tratado de Sèvres6, em 1920. Tal tratado, por diferentes razões (BUZAN, 1983), mas é possível depreender
assinado pelos Aliados e o Império Otomano, objetivava a independência do algumas similaridades no que tange aos agentes que compõem o
Estado Curdo. O tratado reconhecia a criação de uma Comissão nomeada espaço de segurança.
por França, Itália e Reino Unido, que deveria, num período de seis meses A partir desse debate é possível inferir que existem três atores
depois do Tratado, entrar em vigor, organizar uma autonomia local das áreas centrais: aquele que precisa de proteção (Segurado); o que pode
curdas a leste do Eufrates, a sul da Armênia e norte da Síria e Mesopotâmia. fornecê-la (Segurador); e o vetor que gera insegurança (Agressor). E
Se, após um ano de implementação do Tratado, a maioria da população a interação entre eles definiria o nível de segurança ou de insegurança
curda desejasse a independência, a reivindicação deveria ser submetida à em determinado espaço.
aprovação do Conselho da Liga das Nações. Dessa forma, o objetivo geral deste trabalho é identificar as
3
Foi a troca de cartas entre o alto comissário britânico no Egito, sir Henry McMahon, e o principais características que compõem cada um desses agentes.
xerife de Meca Huceine ibne Ali. Em troca do apoio britânico ao estabelecimento de um Para isso, propõe-se a divisão do trabalho em dois objetivos
estado árabe no Médio Oriente, o xerife comprometia-se a organizar uma revolta árabe
contra o Império Otomano, que tinha entrado na guerra ao lado das Potências Centrais. específicos: (1) Evidenciar conceitos basilares ao tema, realizando
4
Coalizão militar constituída na Primeira Guerra, na qual os Impérios Britânico, Russo e a uma breve análise dos principais elementos que compõem o
República Francesa se uniram para fazerem frente à política expansionista de outro bloco, entendimento sobre segurança. Em seguida, pretende-se (2)
a Tríplice Aliança (constituída pelos Impérios Alemão, Italiano e Austro-Húngaro), formado
em 1882.
apresentar as características do Agressor, Segurador e Segurado, à
5
A carta se refere à intenção de o governo britânico facilitar o estabelecimento do Lar Nacional luz dos conceitos acima identificados.
Judeu na Palestina, caso a Inglaterra conseguisse derrotar o Império Otomano, que, até Opta-se por realizar um trabalho descritivo, com avaliação de
então, dominava aquela região. Foi posteriormente incorporada ao Tratado de Sèvres, que
selou a paz com o Império Otomano.
literatura (VAN EVERA, 1997). Na primeira seção, analisa-se brevemente
6
O Tratado de Sèvres foi um acordo de paz assinado entre os aliados e o Império Otomano o debate acerca do conceito de segurança, com foco em teorias realistas e
em 1920, após a Primeira Guerra Mundial. O Tratado partilhava o Império Otomano entre liberais. Para tal, são introduzidos conceitos-chave por meio de Williams
o Reino da Grécia, o Reino de Itália, o Império Britânico e a República francesa, além de (2008) e Mingst (2014). Também se observam os pensamentos de autores
estender o território da Armênia, e a criação de um estado curdo. Liderados por Mustafa
Kemal Atatürk, soldados do movimento nacionalista turco vencem os exércitos que ocupavam como Hobbes (2001), Locke (1994), Waltz (1979; 2001), Keohane (2002)
a Anatólia na Guerra de independência turca, resultando no Tratado de Lausanne, garantindo e Keohane e Nye (2012) a respeito do tema.
a independência da Turquia.

24 33
SILVA, A. R. A. A Diplomacia de Defesa na Política Internacional. Revista da Parecia que o Reino Unido iria cumprir o seu compromisso com
Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 179 - 202, jul./dez. 2015. a autonomia curda, quando emitiu uma declaração junto ao governo
TEIXEIRA JÚNIOR, A. W. M. O Desafio do Uso da Força e a Evolução das iraquiano, comunicada à Liga das Nações em dezembro de 1922,
Medidas de Confiança Mútua no Conselho de Defesa Sul-Americano da reconhecendo o direito dos curdos de formarem um governo dentro
UNASUL. Boletim Meridiano 47, v. 14, n. 140, nov-dez., p. 42- 48. Brasília, das fronteiras do Iraque. Inclusive, os líderes curdos solicitaram à Liga
2013. das Nações e ao Reino Unido o reconhecimento da autonomia durante
UPERLAINEN, J. How Uncertainty about Outside Options Impedes
as negociações do novo Tratado, contudo o documento ignorou suas
International Cooperation. International Theory, 4: 1, 2012, p. 133-163. reivindicações e dividiu o Curdistão, apenas reconhecendo os direitos
das minorias religiosas.
WOHLFORFH, W. C. The Stability of a Unipolar World. International Como a estratégia britânica de criar um território curdo independente
Security, v.24, n.1, Summer 1999, p. 5-41. não deu certo, os curdos acabaram fracionados e repartidos pelos
territórios vizinhos, o que os impossibilitou de criarem uma identidade
única. A competição territorial e a opressão dos espaços circunvizinhos
fizeram crescer posteriormente o nacionalismo curdo com uma noção
forte de identidade.
O idioma curdo, segundo Dahlman (2002), segue dois grupos
linguísticos principais: o kurmanji e o sorani. O kurmanji é falado na
Turquia, na Síria e nos países da ex-União Soviética que abrigam as
minorias curdas. É falado pela maioria dos curdos: cerca de dois terços.
O alfabeto utilizado é o romano. O sorani é falado no Irã e no Iraque
e utiliza o alfabeto árabe em sua escrita.
Os curdos partilham o Islã nos seus vários ramos religiosos: sunita,
xiita, yazidi7, mas também em alguns territórios há a presença do
cristianismo e do judaísmo. Isso tudo compartilhado em uma dispersão
territorial entre várias fronteiras e em vários dialetos. Diferencia-
se também em variações e aspectos sociais específicos, tanto na
possibilidade da autodeterminação, como é o caso na Síria, ou de uma
autonomia cultural, no Iraque, mas também em conjunturas de perda
de autonomia cultural, como acontece no Irã e na Turquia.
Passando aos tempos atuais, mais precisamente em setembro
de 2017, o governo semiautônomo do Curdistão iraquiano realizou

7
Os yazidis são de etnia curda mas não muçulmana, a religião nativa do yazidismo está ligada
às milenares religiões mesopotâmicas. Os yazidis são nativos do norte da Mesopotâmia e da
Anatólia; parte da terra natal dos yazidis está localizada no que é hoje a Turquia moderna, as
outras partes se encontram na Síria e no Iraque. Por serem curdos, o estado não reconhece
seu caráter curdo e, por serem yazidis, o estado não reconhece sua religião.

32 25
um plebiscito de independência, que representou mais de 90% CORREIO BRASILIENSE. Macron Convoca o G7 para Discutir
da população curda local. O Departamento de Estado dos EUA Amazônia: “nossa casa queima”. 22 ago. 2019. Disponível em: <https://
declarou estar desapontado com a iniciativa curda que a Casa Branca www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/08/22/interna-
chamou de “provocativa e desestabilizadora”. brasil,778616/presidente-da-franca-chama-g7-para-discutir-queimada-na-
Durante o conflito sírio, várias milícias curdas foram amazonia> Acesso em:
consideradas como os aliados mais próximos da coalizão norte- COTTEY, A.; FOSTER, A. Reshaping Defence Diplomacy: New
americana no país. Receberam remessas de armas pesadas, como Roles for Military Cooperation and Assitance. Adelphi Paper 365.
artilharia pesada, morteiros, armas antitanque, veículos blindados The international Institute for Stratigic Studies: Oxford University
e equipamentos de engenharia, assim como treinamento de Press, 2004.
membros da coalizão. Em maio de 2017, o presidente dos Estados FORTI, Al. W. A Defesa e os Recursos Naturais na América do
Unidos, Donald Trump, aprovou uma lista de armamentos Sul: contribuições para uma estratégia regional. Centro de Estudos
para o Pentágono enviar aos combatentes curdos: 12 mil fuzis Estratégicos de Defesa. Conselho de Defesa Sul Americano. UNASUL.
Kalashnikov, 6 mil metralhadoras, 3 mil lançadores de granadas Buenos Aires, 2014.
e aproximadamente mil armas antitanque de origem russa ou MARQUES, A. A. Amazônia: pensamento e presença militar. 2007.
norte-americana. 232 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Nem todos os curdos querem um Estado curdo autônomo, a maioria Humanas. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007.
dos movimentos curdos e partidos políticos concentra-se nos problemas
MEARSHEIMER, John J. The Tragedy of Great Power Politics. New
e autonomia dos curdos dentro de seus respectivos países. Há curdos
York: W.W. Norton & Company, 2001.
que desejam e lutam por mais liberdade cultural e reconhecimento
político dentro do seu país de origem. MUTHANNA, C. KA. Enabling Military-to-Military Cooperation as a
Diante das ações curdas e dos interesses de Estados regionais, Foreign Policy Tool: Options for India. New Delhi: Knowledge World &
como Turquia, Síria, Iraque, Irã, Israel e Arábia Saudita, e Estados United Services Institution of India Centre for Research, 2006.
extrarregionais, como Estados Unidos e Rússia, são feitas as NATO OTAN. Strategic Airlift Capability (SAC). Disponível em: www.
seguintes perguntas: que condições permitem aos curdos agirem nspa.nato.int/en/organization/NAMP/sac.htm. Acesso em: 25 dez. 2018.
como um ator estatal na luta contra o Estado Islâmico? Como PAGLIARI, G. Conselho de Defesa Sul-Americano e a Adoção de
os curdos são vistos pelos atores envolvidos? De que forma o Medidas de Fortalecimento de Confiança. Carta Internacional, Belo
engajamento dos curdos consolida o discurso pela soberania? Horizonte, v. 10, ed. Especial, p. 23–40, 2015.
Neste estudo são abordados conceitos de comunidade
imaginada, identidade, nacionalismo, soberania e atores estatais e REZENDE, L. P. Sobe e Desce: explicando cooperação em defesa na
América do Sul. Universidade de Brasília. Brasília, 2013, 352p.
não estatais, e a metodologia empregada é a análise do Discurso,
com o objetivo de analisar falas e pronunciamentos dos líderes RUDZIT, G. Segurança nas Relações Internacionais. Universidade
internacionais, como Trump, Macron, Putin, Erdogan, Assad da Força Aérea. Comando da Aeronáutica. Rio de janeiro, 2018.
e outros, para compreender-se como os curdos são vistos e SILVA, F.C.T. Política de Defesa e Segurança do Brasil no século
sobre quais aspectos recebem apoio ou não da comunidade XXI:um esboço histórico. Filho, E.B. DA S.; MORAES, R. F. DE (org.).
internacional. Defesa nacional para o século XXI: política internacional, estratégia e
tecnologia militar. IPEA na Mídia, Rio de Janeiro, 2012, p. 49-81.

26 31
Conclusão COOPERAÇÃO MILITAR REGIONAL: O KC-390 E A PROJEÇÃO
DO PODER AEROESPACIAL BRASILEIRO EM OPERAÇÕES
Uma cooperação militar entre a FAB e as FFAA dos países COMBINADAS NA AMAZÔNIA
amazônicos mostrou-se possível sob certos aspectos: ela
será mais provável se for rasa, com foco nas capacidades de Flávio Diniz Pereira; Patrícia de Oliveira Matos
aeronaves multimotores que os países amazônicos não possuem Programa de Pós-Graduação em Ciências Aeroespaciais
e semelhante aos modelos europeus SAC ou ATARES. A partir da Universidade da Força Aérea - PPGCA/UNIFA
desses resultados, foram propostas as seguintes alternativas de
cooperação militar: Bolívia e Equador (modelo SAC6); Colômbia, Introdução
Peru e Venezuela (modelo ATARES7). Se, de um lado, a FAB
poderia utilizar o KC-390 para cobrir as lacunas operacionais das No panorama geopolítico atual a proteção dos interesses nacionais
aeronaves multimotores das outras FFAA, de outro, os países é prioridade frente aos interesses da comunidade internacional.
no modelo SAC indenizariam os serviços que utilizassem. Já os Porém os aparentes individualismos estatais trazem a possibilidade
países do modelo ATARES trariam contrapartidas: a Colômbia da cooperação militar em certa medida. Muthanna (2006) destacou a
com treinamento em reabastecimento em voo com os KC-390, cooperação militar como parte de uma cooperação maior, denominada
e o Peru e a Venezuela com treinamentos de combate aéreo em cooperação em segurança, admitindo a possibilidade de existirem
aeronaves de caça brasileiras. Os resultados poderão motivar o interesses comuns entre países nas questões militares. Embora a
EMAER a iniciar tratativas para uma cooperação utilizando a América do Sul seja considerada pacífica, os problemas de segurança
aeronave KC-390, primeiramente com a Colômbia e o Peru, pois nas fronteiras e as ameaças neotradicionais (SILVA, 2012; FORTI,
são os países com maior probabilidade de sucesso da tratativa, em 2014) podem representar um ponto de convergência para uma
seguida com o Equador, a Bolívia e, após, com a Venezuela, uma cooperação militar regional. Além disto, a Amazônia é relevante
iniciativa que poderá representar uma resposta para a comunidade no cenário internacional e seu futuro é foco para muitos países1.
internacional sobre o zelo do Brasil com a Amazônia. Concomitante a esta questão, a aquisição pela Força Aérea Brasileira
(FAB) de 28 aeronaves KC-390, de fabricação nacional e componente
REFERÊNCIAS
do poder aeroespacial brasileiro, proporcionou uma centelha para esta
pesquisa: de que forma a aeronave KC-390 poderia ser utilizada como
ABDUL-HAK, A. P. N. O Conselho de Defesa Sul-Americano: objetivos meio de cooperação militar com países amazônicos, para a defesa da
e interesses do Brasil (CDS). Brasília: Ed. FUNAG, Coleção CAE, região e para a projeção do poder aeroespacial brasileiro? Responder
Brasília, 2013. a essa questão foi o objetivo geral deste trabalho.
BECKER, B. Geopolitica da Amazônia. Estudos Avançados, 2005, A cooperação militar é um dos braços da diplomacia de defesa
v.19, n. 53, p.71-86. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/ estudada por Cottey e Foster (2004) e Silva (2015). Quando
v19n53/24081.pdf. Acesso em: 23 dez. 2018.
1
Considerada objetivo nacional de defesa pelo Brasil (BRASIL, 2016), recentemente tem-
6
SAC: tipo de cooperação que exige uma indenização financeira da força aérea que contrata o se discutido muito sobre a proteção da Amazônia, sendo pauta, inclusive, de discussões
serviço para a outra que oferece o serviço (EUROPEAN AIR TRANSPORT COMMAND, 2018). diplomáticas entre Brasil e França (CORREIO BRASILIENSE, 2019).
7
ATARES: as forças aéreas participantes estabelecem uma relação entre o valor das horas
de voo de suas aeronaves e trocam ajuda mútua (NATO-OTAN, 2018).

30 27
empregada, influencia no aumento da confiança entre os países listando-se as missões que a mesma executará na Amazônia e
(PAGLIARI, 2015; TEIXEIRA JÚNIOR, 2013). No universo da associação de suas capacidades às lacunas operacionais dos países
cooperação militar, este trabalho foi delimitado ao meio aeroespacial, vizinhos; 5) análise das atas de reuniões entre os representantes do
utilizando operações combinadas bilaterais entre a FAB e outra Ministério da Defesa brasileiro3 e dos seus homólogos dos países
Força Aérea (FA) de país amazônico. O estudo de Rezende (2013) amazônicos, por meio de uma categorização para cooperação militar
foi utilizado como base metodológica, pois propôs um caminho proposta por Abdul-Hak (2013), o que permitiu classificar os países
para identificar se a cooperação militar entre dois países é viável ou amazônicos em relação à sua afinidade operacional com o Brasil;e
não. Desse modo, a oportunidade de tornar o KC-390 um meio para 6) emulação de casos bem-sucedidos por meio da avaliação de
uma cooperação militar regional, em operações combinadas para a estudos da Força Aérea americana e da Agência de Defesa Europeia
defesa e segurança da Amazônia, justifica os esforços empreendidos sobre a cooperação militar entre FFAA. Ao final, foram propostos
nesta pesquisa. modelos de cooperação bilateral com cada um dos países amazônicos
considerados na pesquisa.
Metodologia
Resultados e Discussão
A metodologia buscou o alcance dos objetivos específicos,
criados a partir das condicionantes de Rezende (2013): a distribuição A análise das políticas declaratórias de defesa mostrou que Bolívia,
de recursos entre as unidades do sistema; o tipo de cooperação; Colômbia, Equador, Peru e Venezuela consideram a Amazônia e a
o desenho das instituições geradas e a emulação de casos bem- cooperação militar importantes para a manutenção de um ambiente
sucedidos. A distribuição de recursos entre as unidades do sistema pacífico na região, o que corrobora estudos anteriores. Conforme
foi fundamentada por Mearsheimer (2001) e Wolforth (1999) e o levantamento dos dados, as lacunas operacionais dos aviões
atualizada segundo Rudzit (2018), visando identificar a polaridade multimotores das forças aéreas dos países amazônicos podem ser
global e regional até se chegar à Amazônia. O tipo recomendável supridas pelo KC-390. Com relação à afinidade militar, o Brasil
de cooperação militar foi classificado no conceito de Uperlainen doou seis aeronaves T-25 e quatro helicópteros UH1-1H para a
(2012)2. A pesquisa foi construída em seis etapas: 1) identificação Bolívia e cinco aeronaves HS-748 para o Equador, além de vender
da importância da Amazônia e da cooperação militar pelos países 25 aeronaves A-29 para a Colômbia e 18 para o Equador 4, o que
estudados, por meio da análise das políticas declaratórias de defesa demonstra diferentes graus de proximidade operacional. A análise de
e da comparação com os estudos de Becker (2005) e Marques 23 atas de reuniões bilaterais permitiu o estabelecimento do seguinte
(2007); 2) levantamento sobre as operações combinadas que ranking dos países com maiores possibilidades de aceitar um acordo
a FAB já realizou com as FA de países amazônicos e emprego de cooperação militar com o Brasil: Colômbia, Peru, Equador, Bolívia
das aeronaves multimotores no cenário de defesa e segurança e Venezuela5, nesta ordem de possibilidade. O estudo dos casos bem-
da Amazônia; 3) levantamento de dados do SIPRI (2019), das sucedidos, americano e europeu, de cooperação entre FA, mostrou
Ordens Técnicas das aeronaves e das missões executadas na região que a cooperação entre as forças singulares é a mais adequada.
amazônica com aeronaves multimotores; 4) pesquisa documental 3
Inclui desde reuniões entre ministros da defesa quanto chefes de Estado-Maior das forças
para a apresentação das informações sobre a aeronave KC-390, aéreas, sempre no alto escalão.
4
Período de 2000 a 2018.
2
A cooperação militar adequada foi considerada do tipo rasa (UPERLAINEN, 2012). 5
O caso venezuelano dependerá, também, de uma reaproximação entre os governos dos dois países.

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