Você está na página 1de 160

organização

Cristina Freire

“não faço filosofia, senão vida”

Isidoro Valcárcel Medina no mac usp

MAC USP
São Paulo
2012

MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA


da Universidade de São Paulo

LIVRO VOL 2 exposição.indd 1 08/11/2012 13:05:14


São Paulo
2012
© 2012 – Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo
Rua da Praça do Relógio, 160 - 05508-050 - Cidade Universitária - São Paulo/
SP - tel.: 11 3091 3039 - email: mac@usp.br - www.mac.usp.br

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Lourival Gomes Machado do Museu de Arte
Contemporânea da Universidade de São Paulo

“Não faço filosofia, senão vida”: Isidoro Valcárcel Medina no MAC USP: arte-
sociedade-arte-vida / organização Cristina Freire. São Paulo: Museu de Arte
Contemporânea da Universidade de São Paulo, 2012 (vol.II)
160 p. ; il. (MAC Essencial 4)

ISBN 978-85-7229-057-9

1. Arte Conceitual – Espanha. 2. Arte Contemporânea – Espanha. 3. Livros de


Artistas. 3. Valcárcel Medina, Isidoro, 1937-. 4. Universidade de São Paulo. Museu
de Arte Contemporânea. I. Freire, Cristina.

CDD – 759.0675

A presente publicação acompanha a exposição A Cidade e o Estrangeiro - Isidoro


Valcárcel Medina, com curadoria de Cristina Freire, apresentada no Museu de Arte
Contemporânea da Universidade de São Paulo, a partir de 29 de novembro de 2012.

Grupo de Estudos de Arte Conceitual e Conceitualismos no Museu – GEACC-CNPq


Coordenação: Cristina Freire
Participantes do Projeto: Adriana Palma; Carolina Castanheda Moura; Douglas Romão; Eduardo Akio Shoji; Emanuelle
Schneider; Heloísa Louzada; Jonas Pimentel; Vanice Campos.
Textos:
Roteiro de Viagem de Isidoro Valcárcel Medina pela América do Sul: Adriana Palma, Eduardo Akio Shoji e Heloísa Louzada.
Conversas Telefônicas, 1973; Motores, 1973; Entrevistas, 1976; Visita Turística; O Dicionário da Gente; Informe e Resumo
Geral de Atividades na América do Sul, 1976; A Coleção do Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofía no Outono de 2009;
Intonso, 2011: Carolina Castanheda Moura.
Relógios, 1973; Sem título, 1973; Uma Obra Permanente, 1973/74; 12 Exercícios de Medição sobre a Cidade de Córdoba, 1974;
Cartões Ilustrados, 1975; Definição do Lugar Habitual, 1975; Retratos de Rua, 1975; Homens Anúncio, 1976: Douglas Romão
A cidade E O estrangeiro: Três Exercícios de Aproximação por Valcárcel Medina, 1976: Eduardo Akio Shoji.
O Livro Transparente, 1970; Sem título, 1973; Sem título, 1975; O Sena por Paris, 1975; Exame, 1975; Lei da Arte, 1994; 2000
d. de J.C, 1995-2000; Rendição da Hora, 1996: Jonas Pimentel
Revisão: Eduardo Akio Shoji; Emanuelle Schneider; Vera Filinto
Tradução: Carolina Castanheda Moura
Edição da Entrevista: Alecsandra Matias; Heloísa Louzada
Preparação de Originais: Sara Valbon
Projeto Gráfico/Edição de Arte: Elaine Maziero
Editoração Eletrônica: Roseli Guimarães
Obras Capa/Contracapa: Homens Anúncio, 1976/2011 (detalhe) - Projeto 18 Fotografias/18 Estórias
Organização: Cristina Freire
Realização: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo
Apoio: Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte
AAMAC – Associação dos Amigos do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo

LIVRO VOL 2 exposição.indd 2 08/11/2012 13:05:14


Sumário

FORA DO LIMBO MUSEOLÓGICO. FINALMENTE. 8

A Cidade e o Estrangeiro
Isidoro Valcárcel Medina em São Paulo 12

O Artista e a Viagem 14
O Museu e o Estrangeiro: Vanguarda Artística Internacional
nos Anos 1970 no MAC USP 17
O Artista e o Museu: Passado, Presente e Futuro. 18
Performance em Resistência
18 Fotografias/18 Estórias 23
Roteiro de Viagem de Isidoro Valcárcel Medina
pela América do Sul 24

Correspondência (1975–2012) 32

Exposições e participações No mac usp 48

SOBRE as OBRAS 58

O Livro Transparente, 1970 59


Relógios, 1973 62
Conversas Telefônicas, 1973 65
Motores, 1973 67
Sem título, 1973 69
Sem título, 1973 70
Uma Obra Permanente, 1973/74 72
12 Exercícios de Medição sobre a Cidade de Córdoba, 1974 74
Cartões Ilustrados, 1975 76
Sem título, 1975 77
O Sena por Paris, 1975 77
Exame, 1975 78
Definição do Lugar Habitual, 1975 81

LIVRO VOL 2 exposição.indd 3 08/11/2012 13:05:14


Retratos de Rua, 1975 82
A cidade E O estrangeiro: Três Exercícios de Aproximação Organizados
por Valcárcel Medina, 1976. 83
Entrevistas, 1976 83
Visita Turística, 1976 83
O Dicionário da Gente, 1976 84
Retratos de Estúdio, 1976 85
Homens Anúncio, 1976 86
Informe e Resumo Geral de Atividades na América do Sul, 1976 88
Lei da Arte, 1994 91
Rendição da Hora, 1996 93
A Coleção do Museu Nacional Centro de Arte
Reina Sofia no Outono de 2009, 2009 94
2000 d. de J.C., 1995-2000, 2001 97
Intonso, 2011 98

Textos escolhidos de isidoro valcárcel medina 100

O Que é Dar uma Conferência? 101


A Situação 119

Entrevista 124

Entrevista com Isidoro Valcárcel Medina 125

Obras no acervo do MAC USP 136

programação valcárcel medina no mac usp 142

Performance em Resistência: 18 Fotografias/18 Estórias 146

Estudo de um Objeto que se Move no Espaço e no Tempo 147

Referências e infografia 152

LIVRO VOL 2 exposição.indd 4 08/11/2012 13:05:14


ISIDORO VALCÁRCEL MEDINA - dados biográficos
1.937 1.938 1.939 1.940 1.941 1.942 1.943 1.944 1.945 1.946
1.947 1.948 1.949 1.950 1.951 1.952 1.953 1.954 1.955 1.956
1.957 1.958 1.959 1.969 1.961 1.962 1.963 1.964 1.965 1.966
1.967 1.968 1.969 1.970 1.971 1.972 1.973 1.974 1.975 1.976
1.977 1.978 1.979 1.980 1.981 1.982 1.983 1.984 1.985 1.986
1.987 1.988 1.989 1.990 1.991 1.992 1.993 1.994 1.995 1.996
1.997 1.998 1.999 2.000 2.001 2.002 2.003 2.004 2.005 2.006
2.007 2.008 2.009 2.010 2.011 2.012

LIVRO VOL 2 exposição.indd 5 08/11/2012 13:05:14


LIVRO VOL 2 exposição.indd 6 08/11/2012 13:05:15
Agradecimento especial ao artista
Isidoro Valcárcel Medina

LIVRO VOL 2 exposição.indd 7 08/11/2012 13:05:15


FORA DO LIMBO MUSEOLÓGICO. FINALMENTE.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 8 08/11/2012 13:05:15


Tadeu Chiarelli
Diretor do MAC USP

A publicação deste “Não Faço Filosofia, Senão Vida” Isidoro Valcárcel


Medina no MAC USP ratifica um dos objetivos desta gestão: divulgar o
acervo do Museu por meio de pesquisas que se desenvolvem enquanto
docência. Pesquisa entendida, portanto, como espaço/tempo de pro-
dução de novos sentidos para as obras do acervo e, em concomitância,
formação de novos quadros profissionais.
E mais uma vez é Cristina Freire quem traz à tona os resultados de
seu trabalho produzido enquanto pesquisadora/docente do MAC USP.
À semelhança do livro por ela organizado sobre a produção de Hervé
Fischer no acervo do Museu1 – que contou com a colaboração ativa de
seus estudantes de pós-graduação2 –, “Não Faço Filosofia, Senão Vida”
apresenta os resultados que Freire desenvolveu/desenvolve com seus
estudantes, tendo como foco a produção do artista espanhol Isidoro
Valcárcel Medina, presente no acervo do MAC USP.
Resistente aos conceitos de arte que, a partir dos mais diversos mala-
barismos teóricos, acabam sempre por reduzir a arte ao estatuto de
mercadoria, a produção de Valcárcel Medina, sempre nos limites entre
arte e vida, apenas nos últimos anos começa a ser reavaliada em seu
país de origem. Sua atitude aguerrida e mesmo irascível frente à insti-
tuição arte e seu templo máximo – o museu –, fez com que Valcárcel
raramente encontrasse guarida para suas proposições. O MAC USP,
nos anos de 1970, foi uma das poucas instituições museológicas que
abrigou as intervenções/provocações do artista espanhol e que, por
circunstâncias relatadas no interior desta publicação, manteve parte
significativa da produção de Valcárcel, realizada naquele período.
Composta por livros, registros sonoros, textos e outros materiais, tal pro-
dução sempre se apresentou como um desafio para o Museu: inserida
nas bordas das definições mais tradicionais de obra de arte e docu-

1 FREIRE, Cristina (org.). Hervé Fischer no MAC USP: arte sociológica e conexões: arte-
sociedade-arte-vida. Coleção MAC ESSENCIAL. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea
da Universidade de São Paulo, 2012.
2 A Professora coordena o Grupo de Estudos Arte Conceitual e Conceitualismos no Museu
– GEACC – CNPq, integrado, entre outros estudantes por Adriana Palma, Arthur Medeiros,
Eduardo Akio, Emanuelle Schneider, Heloísa Louzada, Jonas Pimentel, Douglas Romão e
Carolina Castanheda.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 9 08/11/2012 13:05:15


mento, por anos esses trabalhos – como os de vários outros artistas
que ingressaram no MAC USP durante aquele período – permaneceram
numa espécie de “limbo museológico”, entre o arquivo e o acervo da
instituição. Se tal situação durante anos caracterizou a maneira como o
MAC USP (não) entendia o que tinha em mãos, não seria justo esquecer
que essa era a situação geral de grande parte da produção artística
mais radical dos anos de 1960/70, em vários museus de todo o mundo.
O paulatino distanciamento histórico aos poucos vem mudando esse
quadro: faz alguns poucos anos, coletivos de estudiosos vêm estabe-
lecendo redes colaborativas no sentido de criar protocolos que deem
conta da complexidade desse tipo de produção (como abordá-la meto-
dologicamente, como catalogá-la, preservá-la, apresentá-la ao público,
entre outras questões), conseguindo, aos poucos, trazer à tona esse
legado que, se bem estudado e exibido, pode servir de antídoto protéico
ao excessivo protagonismo atual de uma visão de arte entendida ape-
nas como objeto de consumo.
Dentro dessas redes, O MAC USP, pelo trabalho de Cristina Freire e seu
Grupo de Estudos Arte Conceitual e Conceitualismos no Museu, tem
desenvolvido um trabalho que enfrenta as várias vertentes que carac-
terizam essa arte mais extrema dos anos de 1960/1970, contribuindo
para a compreensão de que a expressão “arte conceitual” sempre deve
ser pensada no plural e que sua abrangência extrapola os limites terri-
toriais dos Estados Unidos e da Inglaterra.
A produção de Isidoro Valcárcel Medina aqui apresentada bem demons-
tra o potencial desse segmento do acervo do MAC USP: nela, os desa-
fios que se apresentam para o registro e catalogação de itens de uma
poética que não se adequa aos procedimentos tradicionais de indexa-
ção de obras de arte, transformam-se exatamente em parâmetros para
que o Museu possa exceder-se para além de seus limites traçados pela
tradição (mesmo a modernista) e reinventar-se enquanto instituição
museológica voltada criticamente para os tempos atuais.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 10 08/11/2012 13:05:15


11

LIVRO VOL 2 exposição.indd 11 08/11/2012 13:05:15


A Cidade e o Estrangeiro • Isidoro Valcárcel Medina em São Paulo

LIVRO VOL 2 exposição.indd 12 08/11/2012 13:05:15


ulo “ (...) a ética é o caminho mais urgente da vanguarda (...)” 1

Cristina Freire
Curadora

Isidoro Valcárcel Medina, considerado um pioneiro das práticas artís-


ticas conceituais na Espanha, não é, ainda, bastante conhecido no
Brasil, embora tenha realizado vários projetos na América do Sul em
meados da década de 1970.2 A Cidade e o Estrangeiro, remete ao
título da mostra individual do artista organizada no MAC USP em 1976,
quando ele veio a São Paulo, a convite de Walter Zanini.
A repetição do nome da exposição não significa que procuramos
remontá-la buscando fidelidade ao que se passou. Trata-se mais de
um comentário muito sutil à constante necessidade do novo em nossa
cultura orientada pelo consumo. Na contra corrente dessa voga, o que
se apresenta aqui é o resultado de uma pesquisa em processo que se
desenvolve no Museu, com o interesse compartilhado entre os alunos.
Neste Museu universitário, onde a pesquisa, o ensino e as exposições
devem se articular, não poderia ser diferente. Assim, exibir o trabalho
de Valcárcel Medina significa, por um lado, avançar na inteligibilidade
de uma obra complexa, ainda quase desconhecida no Brasil e, por
outro, compreender o papel do MAC USP como acolhedor e dissemi-
nador da vanguarda artística internacional nas décadas de 1960 e
70. Essa espécie de curadoria que articula a história das exposições à
investigação em profundidade de artistas e obras de um determinado
acervo envolve uma sorte de arqueologia do contemporâneo. Isto por-
que recolhe as coisas in situ, ou seja, no espaço mesmo onde foram
preservadas, para que se possa refletir a partir daí, o que falam de si
mesmo e do lugar onde estão, tornando possível encontrar algumas
pistas para a compreensão crítica do próprio espaço/tempo.
Em outras palavras, não se trata de desvendar, com pretensa objetivi-
dade, o que se passou, mas procurar enunciar o passado a partir do
que está ainda por ser compreendido. Reside aí nossa responsabili-
dade, como curadores de um museu de arte, público e universitário,
para com o futuro.

1 VALCÁRCEL MEDINA, I., Arquitectura Prematura, Fisuras. Madri, nº 8, p. 4-7, 2000 apud
FUNDACIÓ ANTONI TÀPIES, Ir y venir de Valcárcel Medina. Barcelona, 2002, p. 83.
2 Isidoro Valcárcel Medina (Murcia, Espanha, 1937). Vive e trabalha em Madri.

13

LIVRO VOL 2 exposição.indd 13 08/11/2012 13:05:15


O conjunto dos trabalhos de Valcárcel Medina em nosso acervo (que
compreende registros sonoros e visuais, esquemas, aulas, provas,
livros de artista, publicações de artista além de textos de naturezas
diversas) é exemplar de um intervalo no qual opera um museu de arte
contemporânea. Isto é, trata da distância entre a produção artística
e sua recepção. Tal relação indica o descompasso, ainda recorrente,
entre as práticas artísticas mais vanguardistas e a possibilidade de
ancoragem, ou seja, de assimilação e de compreensão de tais práticas.
Esse desencontro, historicamente tão frequente entre a arte mais expe-
rimental e as ferramentas críticas disponíveis para seu entendimento,
explica, em parte, a errância de alguns trabalhos. No caso desse artista,
como exemplo, podemos citar as gravações das Entrevistas (1976) ou
aquele que é considerado um dos mais significativos exemplares de
livro de artista na Espanha; O Livro Transparente (1970), resgatados no
arquivo e na biblioteca do MAC USP, respectivamente, sendo reconhe-
cidos recentemente como trabalhos originais do artista, para serem,
agora, devidamente apresentados ao público.

O artista e a viagem
Isidoro Valcárcel Medina, então prestes a completar quarenta anos de
idade, deixa a Espanha e parte para uma viagem pela América do Sul.
Seu projeto é mobilizado pelo desejo de conhecer o continente e, para
tanto, conta com pouquíssimos recursos materiais. Não seria o primeiro
e nem o único. Para o Brasil já haviam viajado seus conhecidos Júlio
Plaza e Antoni Muntadas, naquela mesma década de 1970. Pelos con-
tatos com a rede de arte postal, Valcárcel Medina já era conhecido de
outros artistas latino-americanos tendo inclusive enviado trabalho para
a exposição Prospectiva’74, no MAC USP.
Seu projeto de arte é simples, mistura-se na sua própria vida e por isso
desloca-se com pouca bagagem. Antes da partida, buscando apoio
para a viagem, procura o Ministério das Relações Exteriores em Madri,
que oferece ajuda para o envio de seus quadros. Obviamente não havia
qualquer pintura ou coisa semelhante para despachar e Valcárcel
Medina lamenta, já de saída, o desencontro entre o sentido de suas
práticas artísticas conceituais e a inteligibilidade da arte, limitada às
concepções tradicionais.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 14 08/11/2012 13:05:15


Sobre suas recordações da viagem pelos países da América do Sul
por onde passou, que incluem: Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai,
comentou anos depois:

Falei e falaram comigo, mas também não me deixaram falar, pedi e me


deram, e também, é certo que ficaram com vontade de me dar. E quanto
aos onipresentes soldados.... me faziam trocar de calçada; e os temero-
sos cidadãos, esses me faziam senhas sobre o proibido. E o melhor, as
crianças das favelas que baixavam correndo montanha abaixo atrás de
suas bolas...3

A exposição A cidade E O estrangeiro organizada no MAC USP (1976)


indicava no subtítulo: Três Exercícios de Aproximação, que esclare-
cia melhor o projeto do artista. Isto porque seus Três Exercícios de
Aproximação em São Paulo, como os outros projetos realizados nas
demais cidades que visitou, tornam evidente como Valcárcel Medina
queria ver e ser visto: um estrangeiro.
Para o estrangeiro a identidade se estabelece apenas pela diferença e
o lugar privilegiado da explicitação dessa diferença é a língua. O artista
vale-se, portanto, da proximidade entre as palavras em língua portu-
guesa e castelhana como recurso para investigar as muitas nuances
desse território de fronteira. Propõe, portanto, três projetos pautados
na exploração da língua, falada e escrita, por meio da relação com
visitantes no Museu ou passantes na cidade. São eles: A Entrevista, O
Dicionário da Gente e a Visita Turística.
No Dicionário da Gente, realizado no Museu, Valcárcel Medina ofere-
cia um cartão às pessoas onde se lia: “Sou um artista estrangeiro em
visita ao Brasil. Nada sei de português e ficar-lhe-ia muito grato se me
escrevesse nesse cartão uma palavra qualquer de seu idioma”. O resul-
tante desse projeto foi a edição de um dicionário que apresenta numa
coluna as palavras recolhidas datilografadas e em outra sua tradução,
também datilografadas, sem nenhum tipo de edição. Ou seja, as pala-
vras que foram repetidas pelo público são repetidas pelo artista em seu
dicionário. A palavra amor, por exemplo, está registrada seis vezes no
dicionário do artista.
Apesar da divulgação, pelos boletins informativos e jornais, a Visita
Turística acabou não se concretizando, pois ninguém apareceu ao

3 FUNDACIÓ ANTONI TÀPIES, Ir y venir de Valcárcel Medina. Barcelona, 2002, p. 87.

15

LIVRO VOL 2 exposição.indd 15 08/11/2012 13:05:15


encontro marcado pelo artista no centro da cidade, naquela tarde de
julho de 1976. Seria por medo dos “onipresentes soldados”?
Nas Entrevistas, realizadas nas ruas da capital, gravou e transcreveu
seus diálogos com os transeuntes. Esta gravação reproduz diálogos
como o que segue:

- Por favor, ¿Ud. cree que es posible entenderse en idiomas diferentes?


- Não, não entendo; eu não sei idiomas. Que idioma?
- Hablo español. ¿Ud. cree…
- sabe porque ¿? eu não se comunico a nada; só entendo português.
- ¿no entiende Ud. nada, nada?
- Nada.
- ¿Ud. cree que es lógico que haya idiomas diferentes?
- Se entendo algum idioma diferente? Só português. Espanhol, não falo
espanhol.
- ¿Ud. cree que todas las personas deberían hablar el mismo idioma?
- Penso que sim; as pessoas deveriam aprender falar todos idiomas. Mas
não pode falar principalmente eu que só falo português.
- Obrigado.

Está claro que suas propostas interpelam o Outro; isto é, o desconhe-


cido e para tanto o artista inventa diferentes exercícios nos quais inves-
tiga as formas possíveis de comunicação, considerando ainda, em cada
lugar, seus costumes e suas práticas sociais. “A arte é um exercício e
não uma obra”, explica. A viagem é esse potente dispositivo de percep-
ção, cada vez mais desvirtuado pela indústria do turismo.
Sobre o turismo e seus efeitos na cultura contemporânea, o antropó-
logo Marc Augé, observa:

(...) que prazer temos em deparar hoje com o espetáculo estereotipado de


um mundo globalizado e em grande parte miserável? (...) e conclui: viajar,
sim, temos que viajar, mas sem fazer turismo (...). O mundo existe em sua
diversidade. Mas essa diversidade pouco tem a ver com o caleidoscópio
ilusório do turismo. Talvez, uma de nossas tarefas mais urgentes seja voltar
a aprender a viajar, em todo caso, às regiões mais próximas de nós, a fim
de aprender novamente a ver4.

4 AUGÉ, Marc. El Viaje imposible. El Turismo y su imágenes. Barcelona: Editorial Gedisa,


1998, p. 16.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 16 08/11/2012 13:05:15


O turismo, conclui Augé, opera na ficcionalização do mundo e em sua
desrealização aparente. Nessa medida, o ato de fotografar, que move
os turistas ao redor do mundo a seguir “produzindo”, é pródigo na
fabricação de imagens descartáveis que funcionam como provas de
experiência na lógica do consumo mais rasa.
A recusa em usar a fotografia como arquivo de memória privilegiado dis-
tingue mais uma vez a atitude do estrangeiro. Não por acaso, Valcárcel
Medina prefere outros métodos de registro. Ele faz projetos, planeja
situações, desenha mapas, caminha pela cidade, entrevista pessoas,
anota, conversa, para, por fim, poder contar histórias.
Suas ações, assim como as circunstâncias criadas em seus projetos,
foram raramente fotografadas ou filmadas, como é frequente nos
projetos de artistas contemporâneos dedicados à performance. Para
documentar suas ações o que lhe interessa é o potencial latente nas
estórias, a possibilidade de narrar e explica:

a nossa memória é a melhor fonte de documentação. Entre outras coisas


pela economia, facilidade, comodidade e proximidade. Se falta é porque
não era necessário conservá-la. Com a memória não existem coisas como
o empréstimo ou a perda. Temos ou não temos algo nesse arquivo se é útil
e necessário, ou não temos e pronto.5

O Museu e o estrangeiro:
Vanguarda artística internacional
nos anos de 1970 no MAC USP
A vinda de Valcárcel Medina ao Brasil nos anos de 1970 torna tangível
uma cartografia pontuada por pessoas e instituições, que foram acolhe-
doras e disseminadoras da vanguarda internacional naquele momento,
na América do Sul.
Não raro, a relação de artistas com as instituições foi resultante de
uma equação desequilibrada, entre os parcos recursos materiais dispo-
níveis, a generosidade e o compromisso solidário entre artistas e críti-
cos, que construíram relações por meio da arte, pautadas na confiança
mútua e frequentemente distantes dos interesses do mercado.
5 VALCÁRCEL MEDINA, I. La memoria propia, es la mejor fuente de documentación. Madrid:
S.N., 1994. Disponível em: <http://www.uclm.es/cdce/sin/sin1/valcar1.htm>. Acesso em:
01 out. 2012.

17

LIVRO VOL 2 exposição.indd 17 08/11/2012 13:05:15


Por meio da troca de correspondências, por exemplo, reproduzida par-
cialmente nessa publicação, sabemos que ao término da exposição de
Valcárcel Medina no MAC USP, Walter Zanini, explica ao artista que não
tem recursos para enviar seus trabalhos de volta para a Espanha, ao
que o artista responde que ele tampouco teria como bancar o envio e
decide assim que seus trabalhos deveriam ficar no Museu.
Essa equivalência de propósitos parece tão anacrônica quanto a forma
e temporalidade dessa comunicação epistolar, caligráfica, que Valcárcel
Medina, por conformidade de princípio e desconectado da internet por
opção, faz questão de manter ainda hoje.
A coerência que sustenta sua prática artística e seu modo de vida
revelam-se fundamentais na avaliação crítica de sua obra. Ou seja,
a envergadura dessa trajetória encontra-se nesse ponto de fusão da
arte e da vida, em que uma qualifica a outra inexoravelmente. Valcárcel
Medina escreveu numa de suas propostas de obras ambientais:

(...) Não mais a arte parcial e fragmentária, a arte para ser contemplada,
a arte-oasis, mas sim a arte para ser vivida, a arte habitada, a arte-tudo 6.

A escassez de discursos capazes de dar inteligibilidade a estes tra-


balhos e a invisibilidade que devem vencer nas instituições é ainda
sensível entre nós. Cada um dos projetos deste artista, para serem
compreendidos, e, portanto, preservados em sua integridade, exigem
além de uma extensa pesquisa de arquivos, a criação de um repertório
interdisciplinar, isto é, uma apreciação consistente que possa verter
sua crítica atroz à “irrealidade da vida cotidiana”. Esse exercício parece
cada vez mais difícil no momento atual em que tais premissas críticas
encontram-se acuadas pela mercantilização geral da arte no mundo
contemporâneo.

O artista e o Museu: passado, presente e futuro.


Num projeto recente, Valcárcel Medina perturbou a disciplina imposta
na fila de visitantes do Museu do Prado, a poucas quadras de seu apar-
tamento em Madri, criando um contrafluxo desconcertante pela sua
insistência em retornar para rever a mesma obra, contou-me, rindo, o
artista.

6 FUNDACIÓ ANTONI TÀPIES, Ir y venir de Valcárcel Medina. Barcelona, 2002, p. 126.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 18 08/11/2012 13:05:15


A negativa em passar uma única vez frente à pintura em destaque na
exposição é exemplar de um gesto-expressão que não se acomoda aos
tempos atuais e arremete-se contra os visitantes automatizados que
conferem, enfileirados e por segundos, a obra-prima em evidência.
Sobre o que move seus projetos adverte: “Sempre gostei de requerer
esforços dos outros para tirá-los da passividade que o mundo da arte
promove com tanto empenho7.”
Por extensão, no acervo do museu, o trabalho do artista requer tam-
bém esforços de quem lida com seus testemunhos materiais. Torna-se
mais uma vez requisito fundamental abandonar o conforto das certe-
zas e buscar outros referenciais teóricos e metodológicos. Os proces-
sos de catalogar, preservar e exibir são disparadores de dúvidas e aí
mesmo onde não se sabe o que fazer, naquilo que necessariamente
escapa à institucionalização e a ela resiste, reside a atualidade de seu
potencial crítico.
No inventário de suas obras e projetos, inclui-se o Informe e Resumo
Geral de Atividades na América do Sul (1976) mas encontramos tam-
bém outros textos datilografados, partituras de ações, fotografias, gra-
vações de conversas, livros de artista, relatórios, textos resultantes de
um exame escolar concebido e aplicado pelo artista.
A pouca informação disponível, inclusive em nível internacional, sobre
essa obra tem sido reparada com uma reavaliação de sua trajetória a
partir do início dos anos de 20008 em algumas exposições na Espanha.
Mais uma vez, sua presença nos museus por onde passou não deixa de
ser a expressão de um veemente exercício do contraditório. Em setem-
bro de 2006, convidado pelo MacBa [Museu de Arte Contemporânea
de Barcelona] a realizar um trabalho, Valcárcel Medina esteve pintando
durante nove dias a parede branca do Museu com um pincel fino e deli-
cado, utilizado pelos aquarelistas. Atendendo sua própria solicitação,
foi remunerado conforme os honorários pagos aos pintores de parede.

7 Idem.
8 O catálogo Ir y Venir de Valcárcel Medina é primeira publicação mais abrangente sobre
sua obra e acompanhou uma mostra antológica na Fundació Tàpies (Barcelona, 2002).
Vários dos trabalhos ali apresentados estão referidos nessa publicação que possibilitou
avançar no estudo de nosso acervo. Em 2012, a propósito da participação do MAC USP no
projeto 18 Fotografias/18 Estórias visitamos o artista em sua casa em Madri na companhia
da curadora basca Miren Jaio. (Veja entrevista nessa publicação).

19

LIVRO VOL 2 exposição.indd 19 08/11/2012 13:05:15


Como resultante dessa intervenção poética e política, a parede
repintada pelo artista, esconde e revela uma ação que pode passar
despercebida pelo público, mas torna evidente sua posição em rela-
ção ao mundo da arte: “não me importa estar no museu, mas quero
estar da minha maneira, não abandonado nos sótãos. Minha forma
de estar numa coleção é fazer algo que não se possa colecionar9”,
declarou o artista.
De fato, são raras as obras de Valcárcel Medina em coleções de
museus na Espanha, não por falta de interesse dos curadores, mas por
resistência do próprio artista. O risco da fetichização e da estetização
do gesto são evitados para postergar a consequente mercantilização de
sua necessidade de criação.
Valcárcel Medina sempre trabalhou sozinho. Não se identifica com
grupos nem pertence a movimentos estéticos ou políticos. Tampouco
podemos facilmente classificar seu repertório de ações e projetos sem
correr o risco da simplificação.
No início de sua trajetória, pintou como os minimalistas, sem ter qual-
quer referência dos artistas norte-americanos, encontrando, surpreso,
as similitudes com o que fazia nas telas vistas em sua primeira viagem
a Nova York, em 1968. Uma espécie de proximidade de intentos com
os Situacionistas franceses, poderia ser aventada ao conhecer suas
proposições na cidade, que tampouco se confirma na prática, e, por
fim, muitos de seus projetos poderiam ser considerados como “Arte
Sociológica” sem que o artista espanhol tenha tido relação de contato
mais estreito com Hervé Fischer ou os membros do Coletivo francês.
Para manter sua independência, em especial do mercado da arte,
ganha a vida com pequenas reformas que realiza como arquiteto, que
garantem sua independência e sobrevivência autônomas.
Na cidade, território de intervenção frequente do artista, Valcárcel
Medina antevê soluções imaginárias para projetos e problemas ainda
nem formulados.
São projetos que, segundo ele, não poderiam ser expressos de outra
maneira, a não ser arquitetonicamente, o que faz com que suas cons-
truções fantásticas tenham mais vizinhança com poetas do que com

9 Entrevista publicada no Jornal El País 10 jul. 2007, disponível em http://elpais.com/


diario/2007/07/10/revistaverano/1184018405_850215.html

LIVRO VOL 2 exposição.indd 20 08/11/2012 13:05:15


engenheiros. Tecnicamente factíveis, seus edifícios, que chamou de
Projetos Prematuros, são estranhos à paisagem habitual e por isso
mesmo instigantes como dispositivos da imaginação. Estes projetos,
realizados nos anos de 1980, calculados e desenhados com precisão
milimétrica, são irrealizáveis se confrontados ao acervo de imagens e
representações disponíveis no momento de sua criação. No Museu das
Ruínas, por exemplo, “os procedimentos construtivos indicam que ele
poderá cair a qualquer momento, e onde tal edifício se torne incapaz
de suportar seu próprio peso” remete à contradição entre a arte como
dispositivo efêmero (como sua própria prática artística) e os cada vez
mais imponentes e espetaculares edifícios, projetados e construídos
por eminentes arquitetos, para abrigá-la.
E adverte:

Não é apenas o poder, mas também a sociedade que carece de outra


aspiração diferente da monetária e de outros interesses. Meter-se para
trabalhar num desses edifícios super aclimatados e super sofisticados...
não é nada mais do que diminuir seus simples recursos funcionais (de
corpo e de alma)10.

Uma espécie de profecia autorrealizadora também está presente na


Casa do Desempregado [Casa de lo Paro] concebida pelo artista em
época de pujança econômica, e portanto “prematuro” no atual quadro
de depressão econômica enfrentado ultimamente na Espanha, onde
um em cada dois jovens está sem emprego.
Sobre tais projetos, o artista pondera:

São projetos que se limitam a colocar às claras a evidência e necessi-


tariam, para serem viáveis, de outra mentalidade, ou seja, são, nessa
medida, prematuros. Mas ao mesmo tempo são tão fáceis tecnicamente e
tão simples ideologicamente, mas estando, como estamos, num momento
histórico em que se privilegia a tergiversação, está claro que ainda não
chegou sua hora.

Tomar medidas, em seu duplo sentido físico e pragmático, escrever


cartas, elaborar relatórios, realizar e transcrever entrevistas, detalhar
projetos de leis (arte judiciária) assim como organizar arquivos fazem

10 VALCÁRCEL MEDINA, I. La memoria propia, es la mejor fuente de documentación.


Madrid: S.N., 1994. Disponível em: <http://www.uclm.es/cdce/sin/sin1/valcar1.htm>.
Acesso em: 01 out. 2012.

21

LIVRO VOL 2 exposição.indd 21 08/11/2012 13:05:15


parte da poética de Valcárcel Medina. As longas explicações e transcri-
ções são inerentes às proposições e o caráter textual do trabalho é um
resultante evidente .
Essa “arte burocrática” acentua o componente absurdo de certas situ-
ações e o riso, que inevitavelmente provocam, funciona como efeito de
um disparador de consciência.
Seus sistemas de medida “objetiva”, por exemplo, trazem a tona uma
espécie de patafísica11, isto é, essa “ciência” que os homens pratica-
riam sem se dar conta. Seu criador, o dramaturgo francês Alfred Jarry
(1873-1907) definiu-a como “ciência das soluções imaginárias e das leis
que regulam as exceções”. A patafísica foi considerada uma maneira
inspirada pela arte (em especial o Surrealismo com suas proposições
nonsense e absurdas) para a construção dos princípios seminais no
pensamento filosófico do século XX, sobretudo, a fenomenologia, no
que tange ao caráter subjetivo e fabulador das percepções.
A escola, a academia e seus ritos e práticas como exames, colóquios
e conferências são também matéria e estrutura para vários projetos.
Valcárcel Medina enuncia uma forma de “arte pedagógica” em situa-
ções sarcasticamente irônicas que interrogam o lugar do saber e os
espaços de sua enunciação.
Na palestra O Que é uma Conferência, realizada no Instituto de Estética
e Teoria das Artes de Madri, 1994, cujo texto inédito em português foi
incluído neste volume, critica os palestrantes profissionais, interpe-
lando as falas possíveis, plenas ou esvaziadas, em suas diferenças
de intensidade e sentido. Valcárcel Medina escreve e muitos de seus
textos não se descolam de suas proposições artísticas, pelo contrário,
são parte inerente delas.
A fotografia de uma performance, por exemplo, pode provocar múltiplas
narrativas fato que revela o potencial ficcional desses trabalhos.

11 A patafísica, que deu origem ao Collège de Pataphysique, foi criada pelo dramaturgo
francês Alfred Jarry, autor do Ubu Rei, expressa-se através das ideias de seu personagem,
Doutor Faustroll. Disponível em <http://www.college-de-pataphysique.fr/presentation.
html>.Acesso em: 10 de out. 2012.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 22 08/11/2012 13:05:15


Performance em Resistência
18 Fotografias/18 Estórias
A mostra de Valcárcel Medina com obras de acervo do MAC USP conjuga-
se com o projeto itinerante de exposição Performance em Resistência.
Isidoro Valcárcel Medina. 18 Fotografias/18 Estórias que propõe a inte-
ração entre as ações realizadas no período de 1965-1993, revisitadas
recentemente pelo artista e interpretadas por diferentes narradores em
vários países.
Tal proposta, concebida e organizada por iniciativas independentes na
Europa (Bulegoa z/b - Espanha e If I Can’t Dance I Don’t Want To Be
Part Of Your Revolution - Holanda), envolve a reativação do arquivo de
Isidoro Valcárcel Medina, em especial as fotografias de performances.
Para esses narradores, articular palavras e imagem; arte e ficção é a
condição privilegiada de apropriação desses trabalhos.
Assim, tal projeto, concretiza algo distinto do que vem ocorrendo, mais
amiúde, com outro tipo de apropriação voltada a esse legado artístico
dos anos de 1960 e 70 que, ao emergir do esquecimento, há algumas
décadas, vem sendo amplamente disputado no mercado de arte. Ou
seja, diferentes apropriações estão se dando em campos de bata-
lhas absolutamente distintos. Se por um lado, buscam-se os arquivos
de artistas, até há pouco esquecidos, para encontrar ali novos itens
para incluir em catálogos comerciais, o que se propõe no projeto 18
Fotografias/18 Estórias é radicalmente diferente. Isto porque “apropria-
ção” significa, nesse contexto, a ativação de um potencial efabulador,
expresso em narrativas que se originam naquilo que parece escassear
e se torna artigo de luxo na economia das trocas sociais: a imaginação.

23

LIVRO VOL 2 exposição.indd 23 08/11/2012 13:05:15


Roteiro de Viagem de Isidoro Valcárcel Medina pela América do Sul

LIVRO VOL 2 exposição.indd 24 08/11/2012 13:05:15


Sul Isidoro Valcárcel Medina percorreu em julho de 1976 quatro países
da América do Sul, nos quais realizou ações, obras e exposições. Seu
plano de viagem originou-se a partir de convites do CAYC [Centro de
Arte y Comunicación]1, em Buenos Aires, e do MAC USP [Museu de Arte
Contemporânea da Universidade de São Paulo]. Aproveitando a viagem
à Argentina e ao Brasil, Valcárcel Medina fez escalas no Paraguai e no
Uruguai, países onde realizou ações voluntariamente, porém sem o
aparato institucional para recebê-lo. A partir dessas experiências, foi
concebido o Informe y Resumen General de Actividades en Sudamerica
(1976) pelo artista. Elaborado como um relatório de viagem, este traba-
lho apresenta resultados e descrições das ações que o artista realizou
em cada uma das cidades pelas quais passou.
As cidades e as experiências que elas propiciam são temas centrais
na obra de Valcárcel Medina. Conquanto a experiência urbana tenha
sido explorada amplamente na Arte Moderna, na produção do artista,
a experiência não é “representada”, e sim “experimentada”. Ou seja,
a experiência artística é realizada em relação ao rigor da pesquisa da
cidade, tratando criticamente os aspectos comerciais da arte e as rela-
ções das pessoas com seu espaço de convivência urbano, em meio a
referências simbólicas e culturais.
Este interesse conceitualista atraiu a atenção de Valcárcel Medina nos
anos de 1970 para a América do Sul, que se colocava marginal ao con-
texto hegemônico, e também vivia uma situação de repressão política
como a da Espanha, naquele momento2. As produções de Valcárcel
Medina se identificavam com as dos artistas latino-americanos não ape-
nas pelo aspecto precário do material, comum às práticas conceituais,
mas também pelas questões políticas envolvidas em suas proposições,
que lidavam com a realidade de países em regimes ditatoriais, como o
Brasil (1964-1985), a Argentina (1976-1983), o Uruguai (1973- 1985)
e o Paraguai (1954-1993).

1 O CAYC – (Centro de Arte y Comunicación) foi fundado por Jorge Glusberg em Buenos
Aires e agregou os artistas argentinos: Jacques Bedel, Luis Benedit, Gonzáles Mir, Victor
Grippo, Leopoldo Maler, Vicente Marotta, Alfredo Portilhos, Luis Pazos, Clorindo Testa, entre
outros. Através do grupo CAYC (inicialmente Grupo dos Treze) foram organizados debates,
eventos e exposições, especialmente com a participação de artistas latino-americanos. Fo-
ram frequentes projetos e exposições relacionando a arte às novas tecnologias. O CAYC
teve importante papel na divulgação da arte latino-americana no período da ditadura militar
na Argentina (1976–1983), promovendo exposições em Londres, Kassel, São Paulo entre
outras cidades.
2 Desde 1939, a Espanha esteve sob a ditadura franquista, após sua vitória na Guerra
Civil, o general Francisco Franco governou a Espanha do início da II Guerra Mundial até sua
morte em 1975.

25

LIVRO VOL 2 exposição.indd 25 08/11/2012 13:05:15


A primeira exposição do artista no continente latino-americano foi no
CAYC, a convite do diretor Jorge Glusberg. A instituição argentina foi,
assim como o MAC USP no Brasil, um importante ponto de encontro
entre artistas, críticos e intelectuais latino-americanos e europeus.
Arte de Sistemas foi um termo cunhado por Glusberg para pensar a
produção artística de década de 1970, na qual a interdisciplinaridade,
a aproximação com o cotidiano e a valoração do processo artístico,
frente ao objeto acabado, seriam os denominadores comuns para a
compreensão das experiências artísticas de então. O convite ao artista
espanhol está ligado, portanto, ao entendimento de sua prática a partir
desse conceito.
No CAYC, o artista apresentou, numa exposição individual, a obra 12
Ejercícios de Medición sobre la Ciudad de Córdoba (1974), um docu-
mento de oito páginas datilografadas que descrevem atividades, ações
e exercícios realizados na tentativa de mapear o espaço geográfico e
simbólico da cidade argentina, a partir do contato direto com o lugar e
as pessoas.
Seguindo essa mesma linha, foi apresentado, na mesma exposição,
o registro da ação 136 Quadras de Assunção [136 Manzanas de
Assunción], realizada no Paraguai, pouco antes de sua exposição em
Buenos Aires. Nesta ação, o artista se propôs a conversar com pes-
soas escolhidas aleatoriamente na rua, pedindo para que o levassem
para dar uma volta no quarteirão e falassem sobre o próprio bairro, a
cidade e o país. O que resultou a partir dessa ação foi a documentação
composta de transcrições, feitas pelo próprio artista, das informações
recebidas, na ordem em que ocorreram, com a informação sobre o
gênero, a idade aproximada dos interlocutores e a indicação do respec-
tivo quarteirão onde se deu a interação.
Além disso, Valcárcel Medina realizou duas ações no próprio espaço
do CAYC: Etiquetas Adesivas e Imagen Televisada contra Imagen Real.
Em Imagen, a partir da instalação de um circuito interno de televisão
dentro do espaço da instituição, o artista aparecia em um monitor sem
som como se fizesse um discurso. Posteriormente, o espectador era
convidado a encontrá-lo e dizer o que achava que era falado – situação
que também era transmitida pelos monitores, em outra sala – para o
público que já havia conversado com o artista. Ao final, era revelado
que não havia nenhum discurso, mas um roteiro, encenado novamente
na frente do espectador, que lhe dizia para onde olhar, como gesticular,
como movimentar sua boca, simulando um discurso.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 26 08/11/2012 13:05:15


136 Quadras de Assunção [136 Manzanas de Assunción], 1976

27

LIVRO VOL 2 exposição.indd 27 08/11/2012 13:05:16


Fotografia: Rocío Areán Guitierréz
Etiquetas Adesivas, 1976/2011

Em Etiquetas Adesivas, Valcárcel Medina escreveu algumas palavras


numa lousa (ARTE, ACCIÓN, PERSONAL, PERO, PUEDE, VALOR etc.), a
partir das quais o público deveria, individualmente, selecionar duas
e formar uma frase. Entre as sentenças formadas estavam: TENER
VALOR, ARTE PERSONAL, ACCIÓN COMO, PUEDE PERO, ARTE NUNCA,
entre outras. A parte seguinte dessa ação previa que as pessoas saís-
sem pela rua com as frases formadas, escritas em etiquetas. Essa parte
nunca foi realizada, devido à situação política da Argentina.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 28 08/11/2012 13:05:16


Neste contexto, o medo e a censura foram uma constante durante sua
presença no país: o artista havia trazido consigo uma obra em que
pedia para as pessoas assinarem o nome de Salvador Allende3 em uma
grande folha de papel. A obra não pôde ser exposta e o artista foi acon-
selhado a destruí-la ali mesmo, pois poderia ser preso caso o trabalho
fosse visto pela polícia.
Em Montevidéu, o artista realizou a ação El Porcentaje del Arte que
Debe (o Puede) Tener (o Tiene) la Vida y El Porcentaje de Vida que Deve
(o Puede) Tener (o Tiene) el Arte, na qual ele anotou todas as ativida-
des e lugares percorridos em sua breve estadia na cidade. Em seguida,
apontava a porcentagem de arte e de vida contida em cada ação, por
exemplo, percorrer a zona sul da cidade por 3 horas teria 30% de arte
e 70% de vida, enquanto jantar, conteria 60% de arte e 40% de vida.
Em São Paulo, o artista teve como base de referência, para a realiza-
ção de seus trabalhos o MAC USP, cujo diretor Walter Zanini estava
comprometido com a construção de um museu enquanto um espaço
de liberdade e experimentação. Valcárcel Medina já havia participado
enviando um trabalho, Uma Obra Permanente (1973), para o Museu,
para a exposição Prospectiva’74.
Seu planejamento de trabalho para São Paulo desdobrou-se nas
ações Entrevistas, Visita Turística e El Dicionário de la Gente apre-
sentadas na exposição A cidade E O estrangeiro: Três Exercícios de
Aproximação por Valcárcel Medina, realizada no MAC USP, de 28 de
julho a 15 de agosto de 1976.
O título dessa exposição também é significativo para o entendimento
das proposições artísticas: o tema da cidade (no caso, São Paulo) é
colocado em relação ao “estrangeiro” (o artista espanhol), este tra-
zendo a noção de indivíduo e aquela a de comunidade, criando rela-
ções entre ambos e emergindo a experiência, sem deixar de ironizar o
discurso cientificista subjacente.
No dia 28 de julho, pela manhã, houve a realização da ação Entrevistas,
na qual Valcárcel Medina entrevistou pessoas pelas ruas de São
Paulo. Ele levava um microfone e gravava suas conversas com os
transeuntes e perguntava se a pessoa poderia falar com ele, se o
entendia apesar de estar falando em espanhol e às vezes desenvolvia
um diálogo mais longo.

3 Presidente do Chile de 1970 a 1973, deposto por um golpe de Estado liderado por
Augusto Pinochet.

29

LIVRO VOL 2 exposição.indd 29 08/11/2012 13:05:16


Já na ação Visita Turística, o artista colocou um anúncio no jornal O
Estado de S. Paulo, datado de 28 de julho de 1976, convidando as pes-
soas da cidade para conduzi-lo em um “percurso turístico” pela cidade,
tendo como ponto de encontro a Praça da República. Ninguém com-
pareceu. Estas experiências buscam incluir o espectador na criação,
envolvendo-o, como explica do artista, no “Processo de Participação do
Público” e resultando em séries de documentos que revelam aspectos
específicos do público.
Por fim, no dia 30 de julho, no período da manhã, haveria a ação El
Dicionário de la Gente. Nela, o artista oferecia aos passantes na rua
um cartão com os seguintes dizeres: “Sou um artista estrangeiro em
visita ao Brasil. Nada sei de português e ficar-lhe-ei muito grato se me
escrevesse nesse cartão uma palavra qualquer do seu idioma”. Esse
cartão também estava disponível aos visitantes da exposição no MAC
USP sobre uma mesa. Diversas foram as palavras ou frases escritas nos
cartões: “amor”, “bem-vindo”, “contemporâneo”, “liberdade”, “vida”, “o
importante é que nossa emoção sobreviva”, “arte é vida”, “ôba, ôba, tô
contigo vai lá”, entre outras.
A partir dessas palavras foi organizado um dicionário. Nas páginas
de seu Informe e Resumo Geral de Atividades na América do Sul elas
aparecem organizadas como em um dicionário tradicional, dispostas
em colunas e seguidas de traduções para o espanhol. No entanto, há
uma diferença: as palavras repetidas pelas pessoas também aparecem
repetidas ali.
Depois que retornou à Espanha, o contato com o MAC e com o CAYC
se manteve via correio. Em 1977, para a exposição Poéticas Visuais,
Valcárcel Medina mandou um cartão postal com a imagem da obra
O Livro Transparente (1970) – produção do artista enviada a Walter
Zanini no ano anterior – e que também participou desta mostra junto
aos trabalhos Retratos de Rua – Série 3 Exercícios, Retratos de Estúdio
– Série 3 Exercícios e Homens Anúncio – Série 3 Exercícios, todos pro-
duzidos em 1976.
Ainda em 1976, Valcárcel Medina participou de outra mostra no MAC
USP, chamada Década de 70, organizada por Glusberg. Essa exposição
constituiu-se como um espaço de aproximação de artistas latino-ameri-
canos, europeus e norte-americanos.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 30 08/11/2012 13:05:16


Durante toda a década de 1970, o CAYC e o MAC USP desempenharam
um importante papel no cenário artístico, firmando-se como espaços de
experimentação e resistência à repressão. As duas instituições serviram
como locais de recepção e troca para artistas latino-americanos e euro-
peus, e realizaram diversas exposições em conjunto, intercambiaram
artistas, mostras e publicações. O entendimento dialético da relação
entre arte e realidade social, a interdisciplinaridade e a prática crítica e
experimental são eixos que guiaram as posturas institucionais do CAYC,
do MAC USP e também da prática artística de Valcárcel Medina, de viés
conceitual e sociológico.

31

LIVRO VOL 2 exposição.indd 31 08/11/2012 13:05:16


Correspondência (1975–2012)

LIVRO VOL 2 exposição.indd 32 08/11/2012 13:05:16


33

LIVRO VOL 2 exposição.indd 33 08/11/2012 13:05:17


LIVRO VOL 2 exposição.indd 34 08/11/2012 13:05:17
35

LIVRO VOL 2 exposição.indd 35 08/11/2012 13:05:18


LIVRO VOL 2 exposição.indd 36 08/11/2012 13:05:18
37

LIVRO VOL 2 exposição.indd 37 08/11/2012 13:05:18


LIVRO VOL 2 exposição.indd 38 08/11/2012 13:05:19
39

LIVRO VOL 2 exposição.indd 39 08/11/2012 13:05:19


LIVRO VOL 2 exposição.indd 40 08/11/2012 13:05:20
41

LIVRO VOL 2 exposição.indd 41 08/11/2012 13:05:20


LIVRO VOL 2 exposição.indd 42 08/11/2012 13:05:21
43

LIVRO VOL 2 exposição.indd 43 08/11/2012 13:05:22


LIVRO VOL 2 exposição.indd 44 08/11/2012 13:05:22
45

LIVRO VOL 2 exposição.indd 45 08/11/2012 13:05:22


LIVRO VOL 2 exposição.indd 46 08/11/2012 13:05:23
47

LIVRO VOL 2 exposição.indd 47 08/11/2012 13:05:23


Exposições e participações No mac usp

LIVRO VOL 2 exposição.indd 48 08/11/2012 13:05:23


Catálogo da exposição Prospectiva’74
Arquivo MAC USP

Vista geral da exposição


Prospectiva’74

49

LIVRO VOL 2 exposição.indd 49 08/11/2012 13:05:24


Vista geral da exposição Prospectiva ’74. Detalhe: Uma Obra Permanente, 1973/74
Arquivo MAC USP

LIVRO VOL 2 exposição.indd 50 08/11/2012 13:05:24


Uma Obra Permanente, 1973/74

Ficha frente e verso

51

LIVRO VOL 2 exposição.indd 51 08/11/2012 13:05:25


LIVRO VOL 2 exposição.indd 52 08/11/2012 13:05:26
Catálogo da exposição A cidade E O estrangeiro
(página anterior)

Boletim informativo nº 303

53

LIVRO VOL 2 exposição.indd 53 08/11/2012 13:05:26


Catálogo da exposição Década de 70

LIVRO VOL 2 exposição.indd 54 08/11/2012 13:05:26


Vista geral da exposição Década de 70
Arquivo MAC USP

55

LIVRO VOL 2 exposição.indd 55 08/11/2012 13:05:26


LIVRO VOL 2 exposição.indd 56 08/11/2012 13:05:27
Vista geral da exposição Poéticas Visuais, 1977

Catálogo da exposição Poéticas Visuais, 1977


(página anterior e abaixo)
Arquivo MAC USP

57

LIVRO VOL 2 exposição.indd 57 08/11/2012 13:05:29


SOBRE as OBRAS

LIVRO VOL 2 exposição.indd 58 08/11/2012 13:05:29


O Livro Transparente, 1970
El Libro Transparente

Trabalho considerado um dos livros mais singulares já realizados na


Espanha desde os anos de 1970, sobretudo, no contexto da poesia
visual/concreta, colocando Valcárcel Medina ao lado de grandes poetas
e artistas espanhóis como Felipe Boso, Joan Brossa, Fernando Millán,
entre outros1.
O desenvolvimento da obra ocorreu a partir da inserção de palavras
sobre um suporte transparente, tendo como fundamento expressões
fonéticas do castelhano. O resultado final é um livro em que, nas pala-
vras do próprio artista, “as imagens gráficas surgirão pela simples
sobreposição das linhas escritas das diferentes páginas, ao iniciar,
cada observador, sua própria leitura” 2.
Na elaboração da obra, o artista extraiu da linguagem sua representa-
tividade habitual (no caso, a leitura), construindo um texto com outro
tipo de lógica e regramento. As palavras que compõem o livro, em sua
maioria, não existem na língua castelhana, sendo sua seleção feita, em
primeiro lugar, por suas características fonéticas e, em segundo lugar,
por sua grafia. Cada capítulo encerra um ciclo da linha essencial do
livro, sendo que cada uma das linhas do referido ciclo está ordenada
alfabeticamente, considerando sua primeira letra.
O jogo de palavras ou o jogo com a utilização da palavra é explorado
intensamente, sendo esta uma característica marcante nas obras de
Valcárcel Medina.

1 Ver: PUJALS GESALÍ, Esteban. La medida de lo posible: arte y vida de Valcárcel Medina. In:
FUNDACIÓ ANTONI TÀPIES, Ir y Venir de Valcárcel Medina. Barcelona, 2002, p. 46.
2 VALCÁRCEL MEDINA, I. Texto de apresentação da exposição A continuação. Galeria
Seiquer, Madri, 1970 apud FUNDACIÓ ANTONI TÀPIES, Ir y Venir de Valcárcel Medina.
Barcelona, 2002, p. 133.

59

LIVRO VOL 2 exposição.indd 59 08/11/2012 13:05:29


Fotografia: Juan Guerra

LIVRO VOL 2 exposição.indd 60 08/11/2012 13:05:29


61

LIVRO VOL 2 exposição.indd 61 08/11/2012 13:05:30


Fotografia: Juan Guerra
Relógios, 1973
Relojes

Relógios é uma obra composta por duas versões, cada uma em um


suporte distinto: um livro-caixa e um painel. Em ambas as versões vê-se
um total de 365 fotografias dos relógios de rua de Madri, registrados
diariamente ao longo de um ano.
Valendo-se desse modo documental e sistemático, Valcárcel Medina
registra a efemeridade do tempo, em uma condição de memória
daquilo que já não existe senão como uma marca arquivada. As fotogra-
fias funcionam como um dispositivo de conscientização da ordenação
do tempo e do espaço. A obra foi exposta no MAC USP em A Cidade E O
estrangeiro – Três Exercícios de Aproximação, organizada por Valcárcel
Medina (1976) e Poéticas Visuais (1977).

LIVRO VOL 2 exposição.indd 62 08/11/2012 13:05:30


Fotografia: Juan Guerra

63

LIVRO VOL 2 exposição.indd 63 08/11/2012 13:05:32


LIVRO VOL 2 exposição.indd 64 08/11/2012 13:05:32
Conversas Telefônicas, 1973
Conversaciones Telefónicas

Obra sonora com aproximadamente 80’,


realizada em 1973. Em uma fita magné-
tica há o registro de 52 chamadas telefôni-
cas, realizadas pelo artista, para números
escolhidos ao acaso em uma lista telefô-
nica. Nas ligações, Valcárcel Medina ofe-
rece aos interlocutores desconhecidos seu
número de telefone e os convida para uma
conversa. A obra participou da exposição
Poéticas Visuais (1977), no MAC USP.
65

LIVRO VOL 2 exposição.indd 65 08/11/2012 13:05:32


LIVRO VOL 2 exposição.indd 66 08/11/2012 13:05:32
Motores, 1973

Obra composta por um registro sonoro e uma partitura.


A parcela sonora com duração de 45’ compreende a reprodução de
uma gravação realizada em 1973, durante o trajeto de aproximada-
mente 49 km entre as cidades de Madri e El Escorial. Segundo Esteban
Pujals Gesalí1, o registro em fita magnética reproduz o som de motores
em aceleração de dois automóveis, percorrendo este mesmo trajeto,
um em baixas cilindradas e emissão de sons agudos e outro de maior
potência e emissão de sons graves. A gravação foi realizada em bandas
distintas a fim de possibilitar uma audição simultânea.
A partitura corresponde a uma tabela elaborada pelo Ministério de
Obras Públicas e Urbanismo (MOPU), em que é descrito cada trecho viá-
rio de cem em cem metros, compreendendo as incidências de inclina-
ção do percurso e as curvas. Ainda, na audição, o público poderia, entre
outras coisas: seguir a música que a tabela registra. A obra participou
da exposição Poéticas Visuais (1977), no MAC USP.

1 In: La Medida de lo Posible: Arte y Vida de Valcárcel Medina. FUNDACIÓ ANTONI TÀPIES, Ir
y Venir de Valcárcel Medina. Barcelona, 2002, p. 49.

67

LIVRO VOL 2 exposição.indd 67 08/11/2012 13:05:33


LIVRO VOL 2 exposição.indd 68 08/11/2012 13:05:34
Sem título, 1973

A obra se constitui de uma relação


de palavras formadas com as permu-
tações e aliterações das letras que
compõem o nome Allende. Permutar,
significa aqui, trocar de lugar, mudar
elementos de um agrupamento,
formando novos e diferentes agrupa-
mentos até a exaustão, isto é, con-
templando todas as possibilidades
de combinações.
O artista identifica os agrupamentos
com legendas diferentes, separando-
os em três possibilidades de combi-
nações: permutações impossíveis
na língua castelhana, permutações
possíveis, porém, não existentes e
permutações existentes. A única per-
mutação existente é a própria palavra
Allende. Neste trabalho, assim como
em outros de Valcárcel Medina, a
investigação da palavra está aliada à
invenção, à ironia, e à desconstrução
de significados. A obra foi exibida
pelo MAC USP na exposição Poéticas
Visuais (1977).
69

LIVRO VOL 2 exposição.indd 69 08/11/2012 13:05:34


Sem título, 1973

Consistiu em uma ação participativa,


na qual o artista reuniu assinaturas
sobre um painel em homenagem ao
presidente chileno Salvador Allende.
Nesta obra, o artista propunha assi-
nar o nome “Salvador Allende” no
painel às pessoas conhecidas ou des-
conhecidas que simpatizavam, ide-
ologicamente ou sentimentalmente,
com o presidente chileno deposto
pela ditadura naquele ano, sem que
houvesse a identificação dos signatá-
rios. A ideia inicial do artista era que
a obra original ou suas cópias con-
tinuassem circulando e recebendo
novas assinaturas. No entanto, ao ser
convidado para a exposição no CAYC,
alguns meses após a entrada dos
militares, em razão de seu cunho
político, versões desse trabalho
tiveram que ser destruídas pelo pró-
prio artista.
Uma versão deste trabalho foi, con-
tudo, preservada e encaminhada ao
MAC USP. A obra foi apresentada na
exposição Poéticas Visuais (1977).

LIVRO VOL 2 exposição.indd 70 08/11/2012 13:05:35


71

LIVRO VOL 2 exposição.indd 71 08/11/2012 13:05:36


Uma Obra Permanente, 1973/74
Una Obra Permanente
Constituída por cartões de identificação dentro de uma caixa de
madeira. Cada cartão, em duplicata, oferece os dados pessoais do
artista na área superior e deixa, na área inferior, espaço para dados de
identificação a serem preenchidos pelo público e depois enviados ao
endereço do artista, na Espanha. Desse modo, Valcárcel Medina espera
que com a interação se estabeleça um encontro, uma troca, a fim de
prover um tipo de intercâmbio mediado pelo cartão. A obra só acontece,
de fato, no ir e vir dos registros das identidades, como um acordo mútuo
de identificação seguindo os padrões burocráticos, servindo de fonte
para outros encontros. Essa obra foi enviada ao MAC USP para a mostra
Prospectiva’74 (1974).

LIVRO VOL 2 exposição.indd 72 08/11/2012 13:05:37


73

LIVRO VOL 2 exposição.indd 73 08/11/2012 13:05:37


12 Exercícios de Medição sobre a Cidade de Córdoba, 1974
12 Ejercícios de Medición sobre La Ciudad de Córdoba

Consistiu em um projeto de medição de espaços físicos e simbólicos de


Córdoba, na Espanha. O artista propõe uma série de estudos pautados
em mapas, na qual suas medições se transformam em material reflexivo
sobre a espacialidade da cidade, sem a preocupação de emitir alguma
informação ou mensagem social, apenas medir tudo o que fosse sus-
cetível de cálculo. Trabalho exposto pelo MAC USP nas exposições A
Cidade E O estrangeiro - Três Exercícios de Aproximação Organizados
por Valcárcel Medina (1976) e Arte-Antropologia: Representações e
Estratégias (2007).

LIVRO VOL 2 exposição.indd 74 08/11/2012 13:05:38


75

LIVRO VOL 2 exposição.indd 75 08/11/2012 13:05:38


Cartões Ilustrados, 1975
Tarjetas Ilustradas

Esta obra é resultante de uma ação participativa. Para a sua realização


foi solicitada a atuação do público em duas situações diferentes. Na
primeira situação, pessoas da região de Madri foram abordadas e con-
vidadas a preencher (ilustrar) uma das partes de um jogo de cartões
postais que traziam em seu verso o seguinte enunciado: “Este cartão
irá participar de uma exibição a celebrar em Barcelona. O organizador
desta ação roga-lhe que ilustre a metade chamada Parte Castelhana e
que forneça seu nome, já que esperamos que você receba, igualmente
ilustrada por um visitante da exposição a chamada Parte Catalã”. A
outra metade foi, por sua vez, oferecida às pessoas na exposição em
Barcelona para que também as ilustrassem. Como resultante, obteve-
se um conjunto de 300 cartões ilustrados. Ao MAC USP, o artista enca-
minhou um painel contendo uma nota explicativa da obra, um exemplar
dos cartões oferecidos ao público e duas fotos da exibição dos cartões.
Apresentada na exposição Poéticas Visuais (1977), no MAC USP.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 76 08/11/2012 13:05:38


Sem título, 1975

Esta obra é o registro sonoro de uma ação realizada em 1975, na inau-


guração do Museu Espanhol de Arte Contemporânea. Durante o evento,
Valcárcel Medina aplicou um questionário, contendo cinco perguntas
aos funcionários da instituição, o que resultou na gravação de um total
de 80 entrevistas. Ao realizar questionamentos, tais como, “Até quando
você crê que vão continuar inaugurando museus de arte contempo-
rânea?” e “Esta conversa está se realizando como obra de arte, você
acredita que este museu deveria incluí-la em suas coleções?”, o artista
visa tecer uma reflexão crítica sobre o lugar que o museu ocupa na
sociedade pensando, inclusive, aspectos no âmbito de financiamentos
públicos ou privados dessas instituições e seus interesses. Esta obra foi
apresentada no MAC USP na exposição Poéticas Visuais (1977).

O Sena por Paris, 1975


El Sena por Paris

Neste trabalho o artista realiza uma medição do rio Sena, Paris, por
meio de bolas coloridas atravessando vinte e seis pontes durante
3 horas. A ação teve início na Pont National, onde o artista, junto à
sua amiga Esther Ferrer, joga uma bola de plástico colorida na água e
começa a andar no sentido da correnteza do rio, jogando outra bola de
cor diferente a cada ponte e assim sucessivamente.
Esta ação urbana, considerada pelo artista como passeggiata (passeio),
estabelece uma relação lúdica com o espaço público. Desse modo,
Valcárcel Medina nos coloca em diálogo com uma noção excêntrica e
desviante do uso do espaço público, propondo outro modo de ocupação
e apropriação da cidade. Uma relação entre rigor, considerando que há
um método de análise por intermédio das bolas coloridas, e estranha-
mento, sobretudo do ato pretensamente objetivo de medir. A obra foi
exibida pelo MAC USP na exposição Poéticas Visuais (1977).
77

LIVRO VOL 2 exposição.indd 77 08/11/2012 13:05:38


Exame, 1975
Examen

Com caráter de “Arte Pedagógica”, o Exame foi realizado pela primeira


vez na cidade de Madri, em março de 1975, na Galeria Seiquer, onde
o artista aplica, ao público da galeria previamente inscrito, um exame
escrito e outro oral. Ainda nesse mesmo ano, o artista realiza o Exame
em uma mostra individual na Sala Vinçon, em Barcelona. São ao todo
52 temas amplos e complexos que tem por finalidade questionar o
público a respeito da arte, dos museus, das mensagens ideológicas, do
valor material e da criatividade. Tais temas geraram múltiplas questões
a serem desenvolvidas pelos participantes. Valcárcel Medina também
encaminhou uma carta, apresentando essa mesma proposição artística
a 147 escolas nacionais das províncias de Palencia, Sevilla e Valencia.
No entanto, o projeto foi realizado em apenas quatro escolas, pois as
demais não aceitaram participar. Esse trabalho participou das exposi-
ções Poéticas Visuais (1977) e Arte-Antropologia: Representações e
Estratégias (2007), ambas no MAC USP.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 78 08/11/2012 13:05:38


79

LIVRO VOL 2 exposição.indd 79 08/11/2012 13:05:39


LIVRO VOL 2 exposição.indd 80 08/11/2012 13:05:39
Definição do Lugar Habitual, 1975
Definición del Lugar Habitual

Em uma sala vazia de exposição, o artista solicita aos visitantes uma


interpretação daquele lugar vazio, como se fosse antes da monta-
gem de qualquer exposição. O vazio da sala causou certo incômodo
durante a exposição. Na Sala Vinçon, em novembro de 1975, ao final,
os exemplos da ação com o público foram expostos: uma fotografia do
artista em atividade; uma legenda com dados técnicos da experiência
artística; além de um texto que afirma: “50 pessoas (cifra aproximada
de pessoas que poderiam comparecer a uma inauguração) poderiam
sobreviver 398 dias e 6 horas com o oxigênio desta sala (...)”. O regis-
tro desse trabalho foi exposto no MAC USP na exposição Poéticas
Visuais (1977).
81

LIVRO VOL 2 exposição.indd 81 08/11/2012 13:05:39


Retratos de Rua, 1975
Retratos Callejeros

Consiste na realização de fotografias de transeuntes das ruas de Madri.


O artista colocava-se de maneira ostensiva à frente da pessoa retratada
e posteriormente entregava-lhe um cartão convidativo e explicativo. A
intenção era dizer que faria uma exposição dos retratos e aguardava
a anuência do retratado, e caso não desejasse ter seu retrato exibido,
poderia solicitar ao artista sua retirada da exposição. Trata-se de colo-
car a pessoa anônima no processo de criação, retirá-la da posição
passiva de retratada e convidá-la a intervir no momento de captura e
exibição de sua própria imagem, servindo de crítica à ética e à estética
da reportagem. Primeiramente, esta obra fez parte da ação urbana para
uma exposição na Sala Vinçon (Barcelona, 1975) e, posteriormente,
para a exposição intitulada 3 Exercícios, no Studio Levi, em Madri,
de 16 de janeiro a 18 de fevereiro de 1976. Foi também exposta no
MAC USP nas exposições Poéticas Visuais (1977) e Arte-Antropologia:
Representações e Estratégias (2007).

LIVRO VOL 2 exposição.indd 82 08/11/2012 13:05:40


A cidade E O estrangeiro:
Três Exercícios de Aproximação
Organizados por Valcárcel Medina, 1976.

Exposição individual no MAC USP, de 28 de


julho a 15 de agosto de 1976, é resultante de
três ações artísticas realizadas no mesmo ano,
nos dias 28, 29 e 30 de julho, em São Paulo,
parte do período em que esteve em viagem pela
América do Sul.

Entrevistas, 1976

Partindo da questão “Você acredita que é pos-


sível entender-se idiomas diferentes?” feita em
castelhano [¿Usted cree que es posible enten-
derse en idiomas diferentes?], no dia 28 de
julho pela manhã, o artista vai às ruas de São
Paulo para realizar uma série de entrevistas
aos transeuntes. Esta gravação, de aproxima-
damente 43’, reúne algumas destas conversas.

Visita Turística, 1976

O artista coloca um anúncio no jornal O Estado


de S. Paulo, no dia 28 de julho de 1976, con-
vidando quem quisesse acompanhá-lo em
um passeio turístico pela cidade. O objetivo é
O Estado de S. Paulo, 28 jul. 1976

conhecer a cidade pelo olhar daqueles que ali


vivem. A nota, veiculada na imprensa, informa
que o artista aguardaria aqueles que desejas-
sem participar da ação na Praça da República, a
partir das 9 horas da manhã, no dia 29 de julho
de 1976. Porém, após três horas de espera, nin-
guém apareceu e o passeio não se concretizou.
83

LIVRO VOL 2 exposição.indd 83 08/11/2012 13:05:40


Fotografia: Rocío Areán Guitierréz

O Dicionário da Gente, 1976


El Dicionario de la Gente

A ação consiste em coletar palavras em língua portuguesa que são,


posteriormente, organizadas no formato de dicionário. O artista apre-
senta-se como um estrangeiro que não sabe o idioma local e distribui
cartões, pedindo às pessoas que escrevam quaisquer palavras em
português. Estes cartões ficavam disponíveis sobre uma mesa aos visi-
tantes daquela exposição no MAC USP. O artista permaneceu sentado
no Museu durante a exposição para a distribuição dos cartões com os
quais realizou a recolha de palavras, como: “amor”, “bem-vindo”, “con-
temporâneo”, “liberdade”, “vida”, “o importante é que nossa emoção
sobreviva”, “arte é vida”, “ôba, ôba, tô contigo vai lá”. O informe que
acompanha este dicionário reúne as palavras que foram registradas,
mantendo as repetições, acompanhadas de seus respectivos significa-
dos em língua castelhana.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 84 08/11/2012 13:05:40


Retratos de Estúdio, 1976

O espaço do Studio Levi, em Madri,


foi disponibilizado ao público durante
o mês de janeiro de 1976, para
a realização da seguinte ação: o
espectador escolhia a forma como
seria produzido o seu retrato, sendo
possível realizar retratos pessoais ou
familiares. Ao final, apresentaram-
se quatro exemplos da produção
de retratos realizados pelos partici-
pantes. Esse conjunto fez parte das
ações urbanas, incluídas na expo-
sição 3 Exercícios, no Studio Levi,
de 16 de janeiro a 18 de fevereiro
daquele ano. Esta obra esteve nas
exposições Poéticas Visuais (1977) e
Arte-Antropologia: Representações e
Estratégias (2007) no MAC USP.
85

LIVRO VOL 2 exposição.indd 85 08/11/2012 13:05:40


Homens Anúncio, 1976
Hombres Anuncio

Consiste na prática publicitária de divulgação de produtos ou serviços,


pela qual o artista propôs uma “Arte Ambulante”. Ao caminhar com
mensagens escritas em um tipo de lousa carregada sobre os ombros,
Valcárcel Medina passeia por Madri e os passantes submetem men-
sagens a serem ali inscritas. Assim houve quem apregoasse palavras
e frases como: “Anistia” e “O quê pensa dos homens-anúncio? Nada?
Não pensa nada? Por favor, pense”, expressões bastante pertinen-
tes àquele momento histórico. No mesmo período, Valcárcel Medina
escreve o Manifesto da Arte Ambulante (1976), no qual explica:

“Arte ambulante quando você perambula. Arte quieta quando estiver imó-
vel. Mas, a arte dos artistas, enquanto dure ou seja necessária, há de ser
ativa. Fica o elemento da consciência. É o que impossibilita a equação arte
= vida. Porque nem a arte repetitiva – de formas ou de atitudes – é vida
consciente, nem a vida mecânica pode estimar-se como comportamento
consciente”1

Homens Anúncio fez parte da ação urbana para a exposição Três


Exercícios e também foi exposta no MAC USP, nas exposições
Poéticas Visuais (1977) e Arte-Antropologia: Representações e
Estratégias (2007).

1 Manifesto del Arte Ambulante, Madri, 1976 Apud FUNDACIÓ ANTONI TÀPIES, Ir y Venir de
Valcárcel Medina. Barcelona, 2002, p. 149.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 86 08/11/2012 13:05:40


87

LIVRO VOL 2 exposição.indd 87 08/11/2012 13:05:41


Informe e Resumo Geral de Atividades
na América do Sul, 1976
Informe y Resumén General de Actividades en Sudamerica

Trata-se de um relatório de viagem, com 39 páginas, das atividades


realizadas, durante sua estadia pela América Latina no ano de 1976,
quando Valcárcel Medina visitou o Paraguai, o Uruguai, a Argentina e o
Brasil. Ao todo, contém informações acerca de 7 ações realizadas entre
07 e 30 de julho daquele ano. São elas: 136 Quadras de Assunção
(Paraguai); Imagem Televisionada Contra Imagem Real e Etiquetas
Adesivas (Argentina); A Porcentagem de Arte que Deve (ou Pode) Ter (ou
Tem) a Vida, e a Porcentagem de Vida que Deve (ou Pode) Ter (ou Tem)
a Arte (Uruguai); Entrevista, Visita Turística e O Dicionário da Gente
(Brasil). Este relatório é enviado por correio ao MAC USP, em 1977, após
o retorno do artista à Espanha.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 88 08/11/2012 13:05:41


89

LIVRO VOL 2 exposição.indd 89 08/11/2012 13:05:41


LIVRO VOL 2 exposição.indd 90 08/11/2012 13:05:42
Lei da Arte, 1994
Ley del Arte

Projeto de Lei, com 102 artigos e 10 disposições, apresentado no


Congresso dos Deputados, em 13 de outubro de 1992, e diz respeito
tanto, à promoção como à regulamentação do exercício, apreciação e
comércio de arte na Espanha. Valcárcel Medina constrói sua obra em
diálogo direto com o texto formal que compõe a linguagem jurídica,
porém seu objetivo é outro. Para o artista, as leis existentes de patri-
mônio e propriedade não contemplam a criação. Desse modo, seu
interesse centraliza-se não na regulamentação do trabalho criador, mas
sim na promoção da atividade artística para que todos os espanhóis,
sem distinção de classe e ofício, possam realizá-la. Segundo ele, “é
hora de abandonar a ideia de que a arte é um patrimônio restrito e que
seus frutos pertencem a um âmbito suficientemente escondido para
não precisar da atenção legislativa e do apoio institucional”1. Para a
constituição espanhola, assim como para a brasileira, o homem está
legitimado para expressar suas ideias, sejam elas filosóficas, políticas,
religiosas etc. Tomando este pressuposto, Valcárcel Medina afirma que
as ideias criativas se incluem neste direito inalienável.

1 VALCÀRCEL MEDINA, I. Ley del Arte: Ley reguladora del ejercicio, disfrute y comercializa-
ción del arte. Valencia: Prefectura de Valencia, Sala Parpalló, 2008.

91

LIVRO VOL 2 exposição.indd 91 08/11/2012 13:05:42


LIVRO VOL 2 exposição.indd 92 08/11/2012 13:05:42
Rendição da Hora, 1996
Rendición de la Hora

Composto inicialmente em 1996,


trata-se de um livro publicado, em
2002, por ocasião da exposição Ir e
Vir, na Fundació Antoni Tàpies, em
Barcelona. O livro se organiza sobre o
formato de registros diários, no qual
o artista intitula cada dia com uma
frase poética e bastante sintética.
São reflexões sobre o tempo e suas
variadas dimensões. Longe de ser
um livro sobre o tempo medido pelo
relógio, Valcárcel Medina utiliza even-
tos sociais e naturais para construir
uma narrativa conceitual que foge de
qualquer sistematização fixa.
93

LIVRO VOL 2 exposição.indd 93 08/11/2012 13:05:43


A Coleção do Museu Nacional Centro de Arte
Reina Sofia no Outono de 2009, 2009
La Colección del Museo Nacional Centro de Arte
Reina Sofía en Otoño de 2009

LIVRO VOL 2 exposição.indd 94 08/11/2012 13:05:43


Fotografia: Juan Guerra

Elaborado para a exposição individual de Valcárcel Medina no Museu


Nacional de Arte Reina Sofia, em Madri, no outono de 2009, este livro
de artista (ou catálogo de exposição) é composto por uma série de 26
plantas, resultantes das medições do Museu, assinalando as distâncias
entre todas as obras dispostas nas galerias durante o período da expo-
sição. Manuel Borja-Villel, diretor do Museu, faz a apresentação desta
publicação.
95

LIVRO VOL 2 exposição.indd 95 08/11/2012 13:05:43


LIVRO VOL 2 exposição.indd 96 08/11/2012 13:05:44
2000 d. de J.C., 1995-2000, 2001
Iniciado em 1995, trata-se de um projeto de
livro, no qual cada página refere-se a um ano
entre 0 e 2000, podendo ser objeto de patro-
cínio e mecenato. Isto é, o artista constrói um
livro que representa a história da humanidade
depois de Cristo e cujas páginas (uma para
cada ano) foram vendidas e/ou patrocinadas.
No final de cada página, encontramos o nome
do comprador daquele ano. Para essa emprei-
tada, o patrocinador recebeu, ao formalizar o
pagamento, um título que garantiu seu “direito”
sobre o ano pago e teve seu nome perenizado na
página do livro correspondente. O artista ainda
ofereceu preços promocionais para quem qui-
sesse comprar uma década inteira. Em 2001, o
livro foi publicado pela editora Entreascuas, em
três tomos, contendo suas 2000 páginas, com
índices temático, onomástico e toponímico,
juntamente com uma bibliografia. Este traba-
lho processual traz reflexões a respeito do ser
humano e de sua história a partir de um prisma
crítico, irônico e controverso.
Para escrever as duas mil páginas do livro,
Valcárcel Medina buscou, em bibliotecas e
arquivos, registros que não constam nas enci-
clopédias da História oficial, compondo assim
uma versão da história da vida diária e do
cotidiano. Ao apresentar determinados fatos
históricos em detrimento de outros, o artista
constrói uma narrativa arbitrária que pode
ser entendida como uma versão particular da
história, não sendo, portanto, hegemônica.
Esse processo de escolha dos fatos sociais
coloca em xeque a própria arbitrariedade do
que vem a ser a História oficial, bem como sua
legitimação.
97

LIVRO VOL 2 exposição.indd 97 08/11/2012 13:05:44


Intonso, 2011

Livro cujas páginas não foram sepa-


radas umas das outras no momento
da encadernação, tratando-se,
portanto, de um intonso. Não há,
na capa e nem lombada, o título da
obra ou o nome do autor. O número
ISBN do livro encontra-se impresso
no interior de um dos fólios, bem
como seus textos e imagens. Desta
maneira, o conteúdo do livro fica
“preso”, a espera de quem o viole. O
termo que intitula esta obra é polis-
sêmico e todos os seus significados
são tratados e representados no
livro. “Intonso” significa aquele que
não corta o cabelo; que é ignorante,
rústico, inculto; e um livro cujos
fólios encontram-se presos uns aos
outros.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 98 08/11/2012 13:05:44


99

LIVRO VOL 2 exposição.indd 99 08/11/2012 13:05:45


Textos escolhidos de isidoro valcárcel medina

LIVRO VOL 2 exposição.indd 100 08/11/2012 13:05:45


O Que é Dar uma Conferência?1
No ano de 1993 assumi, de improviso, o papel de conferencista, e o fiz
sem qualquer outra razão além de um repentino desejo. Os que me con-
sideravam inscrito no rol dos artistas, acreditavam que eu havia aban-
donado este bando(...) Eu, de minha parte, pensava que acabava de
entrar em uma perspectiva curiosa desde a qual via melhor – em con-
sequência da distância – o que eram os artistas e, por certo, não é que
visse melhor, se não que começava a ver o que eram os conferencistas.
Permitam-me que nesta conversa de hoje eu entrelace os temas, que,
sendo um só, não é possível ocultar que são três: quem fala, o quê se
fala e quem o faz falar(...) ou melhor: o quê lhe faz falar. Ainda que eu
esteja encantado com meu translado à órbita das conferências, neces-
sito por completo de aura de conferencista, se mantenho o desejo de
um trabalho bem feito. Ou seja, não estando no rol, quis atuar com
igual, senão maior, interesse e responsabilidade do que se estivesse.
Junte-se ao fato que o assunto a se tratar é “o assunto” de que se trata,
e verá com claridade que minha obrigação de hoje é a mais imperiosa,
porém a mais aceitável também.
O conferencista, segundo meu recente conhecimento, é uma pessoa
que, periodicamente, fala o que ele se sabe. Não disse: o que sabe,
se não o que se sabe. Agora, bem, por um destes jogos do idioma a
segunda expressão necessita do pronome pessoal, porque, se não, seu
significado indefinido, poderia oferecer uma interpretação muito dife-
rente. Assim que, repito: se o conferencista diz “o que se sabe” é como
se dissesse “o sabido”. E não é isso. O conferencista diz “o que ele se
sabe”. Mas tampouco é dizer “o que ele sabe”, coisa que seria de uma
indeterminação irrepreensível, senão que diz “o que ele sabe”.
Que diferença existe entre “saber” e “se saber”? Bom, todos sabem.
Essa é a resposta.
(...) Sabem a resposta, mas não é que vocês a saibam.
Quero dizer: porque sempre “sabe-se” a lição e nunca “sabe” a lição?

1 Tradução baseada na versão publicada em SARMIENTO, José Antonio. Escrituras en Li-


bertad: poesía experimental española e hispanoamericana del siglo XX. Madrid: Instituto
Cervantes, 2011, pp. 400-410. Trata-se originalmente de uma conferência apresentada no
Instituto de Estética y Teoría de las Artes, em Madri, 1994.

101

LIVRO VOL 2 exposição.indd 101 08/11/2012 13:05:45


Bem, ao nosso assunto: o que faz o conferencista: “sabe” a conferência
ou “se sabe” a conferência? Parece claro que “ele” “se sabe” a confe-
rência como quem sabe-se a lição. É como se disséssemos: Fulano “já”
“se sabe” a conferência. Ou, se querem ser mais exatos: Fulano “já” “se
sabe” “sua conferência”. Esta é uma frase redonda. Não perfeita, mas
sim redonda. Esta frase típica de conferencista merece, seja escrita ou
pronunciada (e tal como me saiu, espontaneamente da caneta), uma
boa razão para ser colocada entre aspas.
Vejamos: fulano (que é uma questão à parte) “já” (entre aspas) equi-
vale a dizer que a partir deste momento não tem porque inquietar-se
quando é convidado ou se pede que dê uma conferência. “Se sabe”
(entre aspas) vem a ser como a identificação conferencista-conferên-
cia; ou seja, a comunhão perfeita entre fulano e suas palavras, as
quais, “que dúvida cabe”, são suas e são as suas. E por último “sua
conferência” (entre aspas); quer dizer, aquilo que com grande esforço
confeccionou como seu testemunho pessoal, que vem a ser o teste-
munho de sua pessoa.
Resumindo: “Fulano já sabe sua conferência” é a quinta essência da
inutilidade. E é inútil precisamente porque já está alcançado. Saber-se
a conferência é a situação ideal para não dá-la. É inútil o fato concreto
de “dar” a conferência, porque, para o que a dá, já está dita.
Pode ser que agora tenha conseguido mostrar a razão pela qual,
quando alguns estranhavam minha passagem ao bando dos conferen-
cistas, eu me sentia muito bem nesta nova trincheira na qual, como
na arte, tudo consiste em não chegar nunca a se saber nada. E aqui
tem uma definição, se assim lhes parece. Mas, pelo menos, se não há
uma definição, há uma posição. E dar conferências é, por princípio,
tomar posições. Às vezes é uma única posição, uma única conquista
mantida decididamente; mas também pode resultar em uma tomada
de posições sucessivas, com as quais o conferencista se converte em
um conquistador. E não há razão melhor nem motor melhor para esta
progressão de posições do que sair de cada uma delas sem se saber
de nada.
É por isso, e no bom uso do rigor lógico, porque quando falei com
Fernando Castro de fazer isto aqui, entre as três sugestões que ele me
fez de temas possíveis: minha experiência no Escritório de Governo,
meus planos para outro ciclo de conferências que preparamos futura-

LIVRO VOL 2 exposição.indd 102 08/11/2012 13:05:45


mente ou este assunto; o que é dar uma conferência, eu escolhi sem
duvidar deste último tema, porque para mim era uma nova posição de
que, indiferentemente do que minha intuição dizia, eu não sabia grande
coisa. Fernando me disse que, no fundo, a ele também era o que mais
lhe interessava. (Não sei se a esta altura já se arrependeu). Não sou
uma pessoa, pois, que venha a dizer-lhes que não sabe nem o que faz.
Não posso, portanto, exigir assentimento para minhas palavras, mas
sim respeito a minhas ideias.
Bom, sigamos com a nossa receita para dar conferências. É necessário
dar a conferência que ainda não se sabe(...) E deve-se procurar não
se saber a conferência ao terminá-la. Quanto menos saibamos, mais
alto podemos levar a cabeça ao sentarmos diante da audiência. Com
frequência, falar a outros não leva, de modo algum, conjuntamente
a falar com outros. Esta dor de não falar com os demais é a dor do
saber. Se sei, não falo. É, então, o saber uma cruz que nos emudece?
Falamos somente quando somos ignorantes? Não, com certeza. O con-
ferencista que “se sabe de sua conferência” não sabe(...) E este sábio
saber, este último, o que proporciona a sabedoria de não falar, não é o
saber do conferencista. O saber do conferencista é o não saber do que
fala. Sendo assim, para conferenciar, o conferencista, tem, por força,
que não saber. Somente não sabendo podemos encontrar motivos para
conferenciar. Somente falando com os outros conferenciaremos bem;
pois, ao final, conferenciar leva um prefixo que indica companhia.
A solidão de “já se saber” o que se vai dizer é a solidão de quem “não
conferencia”. Não sei se perceberam que minha imperiosa necessidade
de não me saber a conferência (minha conferência) é a que me permite
falar-lhes, como dizia antes com a cabeça erguida. Posto que aqui não
há maior sabedoria que a de saber que somente posso conferenciar se
não sei.
Esta postura racional, ou melhor dizendo, para seguir a onda, esta posi-
ção, se querem pessoal, pode, se olharmos de viés, pecar pela humil-
dade ou pelo orgulho. Creio que nenhuma das duas coisas é acertada
ou justa. Humildade é reconhecer que não se sabe, mas não, como eu
proponho, buscar o não saber para estar livre. Orgulho é presumir do
que sabe (e inclusive mais), mas não, como eu sugiro, utilizar como
arma contra o saber.
103

LIVRO VOL 2 exposição.indd 103 08/11/2012 13:05:45


O que é dar uma conferência, segundo isto? É dar uma ignorância? É
dar, ao acaso, uma só palavra. Se o ouvinte espera saber através do
que ouve, e quem fala não espera saber através do que diz, então não
é uma conferência; quando muito, seria uma monoferência.
Por isso, para ser um conferencista honrado, é necessário subir ao
palanque também para saber(...), se é que se quer estar à altura quem
do que ouve. Quero dizer que o que fala sozinho está aqui, mais alto ou
mais destacado que quem ouve, quando está a sua altura. Somente
devem conceder-me o direito de falar-lhes, quando estiver claro que não
“me sei” o que digo. Somente terei a autorização para ser quem “con”-
ferencia se virem diafanamente que necessito de vocês na medida em
que vocês me necessitam.
Algo muito importante: tudo que exponho não significa que eu não lhes
diga o melhor que sei e da melhor forma que sei. Não significa que eu não
tenha preparado meu texto e que não o traga escrito ou memorizado. Não
significa, nem sequer, que eu seja um improvisador espontâneo. Não sig-
nifica, sobretudo, que, ao finalizar, eu “já” não saiba minha conferência.
Preparei aleivosamente, me preparei diante de um espelho, e quando
sair daqui já será minha conferência. Mas há um fato transcendental:
eu não voltarei a dar esta conferência.
Está claro que as conferências não devem ser repetição de palavras,
senão compromisso circunstancial, quer dizer, compromisso com as
circunstâncias em que se dá a conferência; por isso uma conferência
nunca deve se repetir. Assim que, a pergunta do título, o que é dar uma
conferência?, eu respondo simplesmente: vivê-la. E viver somente é,
quando não se sabe o que se vive.
Em certo sentido, o mais disparatado que se pode dizer da vida é que
proporciona experiência. Assim que, no mesmo sentido, o mais horro-
roso que se pode dizer de uma conferência é que fornece saber. Em
uma palavra, somente porque não faço filosofia, senão vida, posso
falar-lhes filosoficamente desde o panorama da vida.
Uma nova disciplina, se assim o querem: filosofia da conferência. E por
que não? Os especialistas não têm dificuldade de tirar da manga insó-
litas matérias às quais sustentam com sua(...) chamemos de fantasia.
Acabo de falar de experiência e de especialistas. O disparate da expe-
riência está alinhavado solidamente (ainda que não passe de um ali-
nhavo) com esta outra coisa cuja raiz idiomática é igual: o especialista.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 104 08/11/2012 13:05:45


Como não sabemos o que vem antes, se o especialista ou a experiên-
cia, podemos prosseguir tranquilamente. Nos livremos da ideia de que
um especialista nos dá uma conferência! Porque chega (...) Chega em
seguida! O momento em que o especialista não o é em um dado tema,
mas em uma conferência dada (...) e prestem atenção que bem parece
este particípio: dada!
Pois é disto que precisamos nos defender, do especialista em uma con-
ferência dada (...) E o primeiro que deveria defender-se disso é o próprio
especialista, que é quem perderia minutos ou horas de sua vida ao
repetir suas palavras.
No complexo acontecimento que estamos vivendo aqui, e ao que se
conhece, resumidamente, como conferência, a função do “doador”
(aquele que fala) é muito mais importante que a do “receptor” (aquele
que escuta) pela simples razão de que é mais vital. Mas mais vital, em
quantidade, não em qualidade; quero dizer, aquele fala hoje, teve que
viver o que disse desde muito antes que hoje.
(Tenho para mim que o título desta comunicação se refere, em primeiro
lugar, àquele que “dá” a conferência. Por isso permito insistir no meu
protagonismo, ao ser eu, hoje, aquele que “dá”).
Minhas múltiplas queixas e advertências talvez tivessem aconselhado
que o título fosse: O que é, hoje, dar uma conferência? Hoje é um dado
importantíssimo em minha intervenção (...) ;o dado mais importante. É
hoje que temos que lutar, porque hoje é o dia em que estamos e porque
hoje é quando o avanço assustador da cultura pode deturpar o sentido
de todos os nossos atos.
Como se se tratasse de uma associação em defesa do consumidor
(e logo verão mais motivos para isso que digo), eu – que detesto aos
consumidores – me vejo a ponto de dizer: estejam em alerta e não
descuidem do controle daquilo que vendem para vocês.
Os conferencistas e seus diretores vão seguir oferecendo, a não ser que
vocês os encarem e exijam o mínimo (e, porque não, um máximo!) de qua-
lidade (...) e de responsabilidade, que é como hoje se chama essa coisa.
Na voracidade do “conferencismo” (palavra digna de adotar-se hoje
em dia), localizamos e descobrimos o conferencista – o que dá a
conferência um dos três elementos, lembram? – que integram este
ambiente. De minha parte, posso dizer que conheço um conferencista
105

LIVRO VOL 2 exposição.indd 105 08/11/2012 13:05:45


que está perfeita e maravilhosamente bem (economicamente, quero
dizer) dando conferências. Não faz outra coisa na vida; nem sequer
necessita preparar suas conferências (...); logicamente, se as sabe. Tem
duas casas, com o Atlântico no meio, a partir das quais dispara seus
dardos conferencísticos com estreita análise geográfica, quilométrica
e monetária.
Bom, descobrimos a figura do conferencista, sem a qual agora nos
pareceria insosso o mundo da cultura.
Mas neste instante da minha exposição preciso fazer um aparte
para trazer à luz um pouco das outras coisas. Logo seguimos com o
fio condutor.
Recordamos como, antigamente, os que falavam em público deixavam
cair, aconselhavam, sugeriam a leitura de seus livros – livros que ates-
tavam sua doutrina e nos quais se amalgamava a trama de sua sabe-
doria. Somente quem possuía um currículo livresco era proposto como
conferencista de vez em quando; e essas oportunidades eram aprovei-
tadas por ele para fazer propaganda de sua matéria-prima. Mas hoje a
coisa mudou muito: paralelamente ao auge das conversas ao vivo, se
produziu uma decadência da leitura que poderíamos chamar teórica e o
conferencista já não “aconselha” seus textos (pode ser que nem sequer
se preocupe em fazê-los), porque percebeu que é muito mais rentável
que lhe levem daqui até Meca para dizer, ao vivo, suas ideias.
Observem uma coisa que, no meu modo de ver, é muito curiosa: o
texto impresso - avanço técnico e sobretudo social – se vê relegado por
um simples e direto uso da palavra. Dirão que isso é um progresso?
Parece-me uma simples questão de foco: se quer ver o autor ao invés
de ver o que ele faz. É uma coisa tão curiosa e inexplicável, desde a
perspectiva cultural, como o fato de pedir ao autor que assine seu livro,
como se já não estivesse assinado!
Discordem de mim se acreditam que assim, por meio desse procedi-
mento tão antigo e tão na moda, é possível trocar juízos e opiniões com
o autor, se pode “con”-ferenciar (...) Mas o que me dizem do silêncio
sepulcral que sempre se produz quando acaba uma conferência? O
que me dizem de quando começam, por falta de outro termo, a falar
os seguidores do conferencista, repetindo as perguntas de sempre, as
dúvidas garantidas e o manuseio da terminologia?

LIVRO VOL 2 exposição.indd 106 08/11/2012 13:05:45


E também, além da marginalização do meio difusor por excelência,
o texto escrito, a simples ignorância de outros veículos tecnológicos
de alta eficiência e apregoados por toda a parte: quem e quando se
usam as videoconferências,as transmissões de rádio, as conversas
televisivas(...)?
(...) Podem ver que as circunstâncias não são casuais; há uma preme-
ditada intenção na montagem das conferências. Permitam-me que lhes
diga para fechar este longo aparte que iniciei não se sabe quando: creio
firmemente que o motivo é econômico.
Recordo a vocês meu último parágrafo antes da digressão: descobrimos
a figura do conferencista, sem a qual nos pareceria insosso o mundo da
cultura. E sigo: o mal é que a criação (porque é uma criação em todo o
amplo e ambíguo sentido do termo) desta figura do conferencista não
tem razão de ser. Não é que já não sirva para nada (coisa que creio
firmemente), se não que é postiça, é uma alegoria neste momento de
materialidades. E isso poderia ser bonito! Ainda que não fora mais que
para fomentar o uso da fala, agora que tão mal se fala e para recordar
que a cultura emitida por meio da voz é menos cultura que a que usa a
escrita (...) No entanto, tudo fica em um boom e em um bluft.
Estamos em uma circunstância na que qualquer um de vocês pode ver-
se, subitamente, convertido em conferencista. Não cantem vitória antes
do tempo, vocês que estão na zona de ouvintes, porque qualquer dia
podem ser requeridos para dar uma conferência.
Eu sei, eu sei o que pensam! (...) Que eu comecei a falar dizendo que
havia assumido voluntariamente este papel (...) Muito bem, creio que
segundo isso, meu direito para falar-lhes aumenta, conscientemente
me coloco no lugar que crítico. Quero, no entanto (ou melhor, entre-
tanto), dizer minhas razões.
Primeiro: para aqueles que já me ouviram ou leram antes, é possível
que recordem minha proposta de atirar pedras contra o próprio telhado,
que é uma das poucas opções dignas que restam ao homem compro-
metido hoje. Segundo: somente de dentro se pode reprovar com as
costas cobertas a falha que se comete.
Assim que, aqui, conferenciando, conferenciando sobre conferências,
estou na plataforma idônea para estigmatizar o conferencista, a con-
ferência e os ouvintes de conferências (...) e o suporte cultural em si
mesmo, grande fantasiador, interessado e desleal. Corresponde, pois,
107

LIVRO VOL 2 exposição.indd 107 08/11/2012 13:05:45


a nós – já que aqui nos encontramos os quatro elementos constitutivos
da confusão – ser lúcidos, ser arriscados, ser responsáveis. Não orga-
nizar o que previamente não tenha razão de ser, ainda que com isso
se perca um degrau no escalão institucional, ao qual somente aspira
tê-lo completamente institucionalizado. Não assistir mecânica e meto-
dicamente a todos os atos orais que, com profusão, nos chegam pelo
correio, nos avisam a imprensa, já que nós somos a linha de frente
ideal nesta batalha. Não aceitar tudo que nos é proposto para soltar-
mos nossa ladainha habitual e não pronunciar uma palavra que não
venha de encontro a uma postura responsável. Não, por fim, fazer jogar
este jogo colocando para fora brotos conferencísticos que, devidamente
plantados, sejam o gérmen e o fruto ao mesmo tempo.
Cabe agora àqueles que não estão a par do que é dar uma conferência,
mas que, estando de fora, e por isso, podendo ser inocentes, se propo-
nham a olhar e, depois, paguem a entrada (já que lhes dizia que tudo é
uma questão de dinheiro).
Que prazer se experimenta das cadeiras nas quais se ouve uma con-
ferência, ou, melhor dizendo, porque vou conceber que aproveitem?
Em que consiste o prazer que se experimenta sentado nessas cadei-
ras? Desde cedo, o prazer de ser integrante da sociedade cultural (...)
Mas eu prefiro chamar isso por seu nome: o prazer de estar integrado
na sociedade cultural. E isso é prazer? (me pergunto para responder
eu mesmo). Não. Isso é um dever. Devemos, para que nos levem a
sério, para ser contemporaneamente ortodoxos, escutar conferências.
Devemos, para cumprir os requisitos da sociedade escolarizada, nos
deixarmos ver pelos circundantes. Devemos, comentar depois além dos
muros, claro, nos empapar bem do quanto se leva, ou, para ser mais
benévolo, do quanto se diz. Devemos, em resumo, fazer ver que não
somos ratos de biblioteca, mas sim ratos de conferência.
“Pagar a entrada” para assistir a um ato como este é (...) não me creiam
tão ingênuo! (...) muito diferente de imaginar que aqui vai passar algo
sine qua non. Não; podia perfeitamente passar sem vir aqui (...) Vocês
e eu (mas sobretudo vocês) (...) Porque se as conferências não estives-
sem na moda, nenhum de nós estaria aqui. Nem me pagariam para vir
(ainda que depois disto, talvez já não me paguem), nem vocês pagariam
por estar aqui.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 108 08/11/2012 13:05:45


Dar uma conferência (porque o título fala disso e não de recebê-la) é,
na boa lógica do que fala, desaconselhar que voltem a chamá-lo para
dar outra. Dar uma conferência, para vocês, para os que a recebem,
deveria ser (a meu ver) impedir que se desse. Mas, está claro, não pelo
cômodo procedimento de arruinar o conferencista, mas sim de deixá-lo
sozinho. Momento importante este! O do que vou dizer agora e o de
ficar sozinho.
Unicamente no caso de estar sem audiência, teria justificativa plena
este ato de falar a pessoas que combinou encontrar (...); este ato pro-
tocolar de ocupar cada um seu lugar para estar localizado (...) este ato
simbólico de escutar a palavra do especialista. Assim é como, por fim,
vocês tem meu primeiro exemplo do que é dar uma conferência: hoje
por hoje, essa coisa só é defensável quando não há audiência.
Mas há outra opção: quando a conferência se dá na traição. Uma con-
ferência na traição é, evidentemente, a que trai o conferencista porque,
no sentido que seja, o tira de sua rotina; a que trai ao ouvinte, porque o
atropela e fala o que talvez ele não queira ouvir, ou a que trai, em suma,
o momento histórico, porque hoje é tão anti-histórico que somente eli-
minando a história se legitima.
As pessoas conhecem bem estas traições e a natureza habitualmente
pesada das disquisições de especialistas quando dizem pejorativa-
mente que nos deram uma conferência. Ainda que finjam o contrário e
que se sacrifiquem quando seja necessário, o que querem realmente,
as pessoas, é que não lhes deem conferências.
Um rápido retorno ao terreno reservado do protagonista. Não há cares-
tia maior, hoje em dia, que a dos conferencistas. Carestia, nos dois
sentidos da palavra: são caros porque lhes pagam muito e são caros
porque existem poucos, porque são escassos. Esta escassez é o que
mais nos interessa.
Se olharmos friamente, vemos que não existe a profissão de conferen-
cista (talvez, simplesmente, porque dar uma conferência não é nada),
não sei se alguém a terá em alguma carteirinha de conferencista.
Contudo, se anuncia: CONFERENCISTA — Senhor Fulano de Tal.
Em boa lógica, caberia pensar que ninguém se sustenta com algo que
não é nada. O que é mais comum é alguém que é engenheiro, filósofo,
economista e inclusive artista, pode, em um dado momento, expor seus
conhecimentos e ideias. Isso seria uma base admissível e plausível.
109

LIVRO VOL 2 exposição.indd 109 08/11/2012 13:05:45


Porém, assim que se encontra uma pessoa que não se sai mal em uma
exposição, começa o movimento para convertê-lo em um conferencista.
Não é necessário nomeá-lo oficialmente como tal; seguirá sendo enge-
nheiro, não há problema, basta que se convença, sendo engenheiro, a
não voltar a ser (...) e, não sendo conferencista, sê-lo o resto da vida.
Nesta profissão não há intrusos; enquanto a sociedade olha com lupa
se este é auxiliar (perdão, auxiliar de enfermagem), já que aplica inje-
ções (...) ou se a outra tem título de pedagoga, já que cuida de uma
creche (...), ao conferencista permite que atue sem controle algum. Pois
esta é a pessoa que nos dá as conferências: um adventício. E vendo
este cenário, surgem desejos de ser corporativista – que é a mais suja
das obsessões – de todos os corpos. Surgem desejos de propor o antir-
regulamento de entrar em um campo alheio, senão a ilegalidade de
sair do próprio campo; e faria isto com o único propósito de impedir sua
entrada no campo das conferências.
Quantos conferencistas são desertores? Quase todos. Quantos deixa-
ram sua casa sem varrer? A maioria. Quantos – e isso é o grave – dei-
xam de criar em seu ofício para ter tempo para as tribunas!
Há pouco lhes falei da escassez de conferencistas. Bom, não é que haja
poucos, é que, para a demanda que existe, resultam poucos. Isso dá
lugar à onipresença de alguns e à competência entre os organizadores,
que se firmam com seus serviços.
Toda esta voraz trama da cultura compulsiva que, ao toque de caixa,
nos impele ao que, sagazmente, foi promovido e orquestrado, deixa,
sim, indefeso o homem seletivo, porém apresenta de bandeja o abun-
dantíssimo catálogo do que não te interessa. Quer dizer, que ser sele-
tivo na cultura de hoje não é escolher dentre a oferta cultural, senão,
comodamente, prescindir dela.
E isto lhe digo aqui porque a parcela das conferências é a mais ampla
de todas. Convertida a cultura em um elemento do terceiro setor da
economia, em uma empresa do setor de serviços, já podemos descara-
damente confirmar que as conferências são atividades econômicas; a
maioria das vezes quase que exclusivamente.
Finco o pé nesta descrição ao setor de serviços porque estou convencido
que organizadores e produtores de conferências não são uma indústria,
sobretudo, se lembrarmos da acepção que tinha esta palavra na litera-
tura clássica do castelhano, quero dizer, eles não geram nada e, ainda

LIVRO VOL 2 exposição.indd 110 08/11/2012 13:05:45


que produzam textos falados, o fazem com a hipocrisia necessária para
pretender nos convencer de que cada um deles, os textos, foram “pro-
duzidos” exclusivamente. Se fosse assim, não resultaria, então, nessa
conferência que o conferencista “se sabe”, não resultaria em “sua
conferência”(...) seria um ato comprometido e vital, afortunadamente.
Não desanimem, eu quero falar da boa conferência, mas devo adverti-
los que, por regra quase geral, não é essa que ouvem. E não é por
diversas razões: primeiro, porque, habitualmente, a ouvem sem que
haja uma justificativa, um porquê para isso, senão somente a necessi-
dade fictícia e imperiosa do consumo cultural. Segundo, porque, como
uma coisa quase inquestionável, vão a um lugar onde um senhor lhes
fala “sua conferência” (conferência que inclusive vocês já ouviram em
outro momento). Terceiro, porque, apesar de tanto perlongar, aquele
que fala não costuma ser um conhecedor (entender essa palavra no
sentido jurídico), ainda que passe por especialista, senão um diletante;
não um aficionado, senão um arrivista; não um aprendiz, senão um
fantasma(...) Assim são, a maioria dos conferencistas, fantasmas que
aparecem em todas as partes.
Termino minha diatribe, antes de fazer minha arenga: pagar um confe-
rencista para que fale em Burdeos, por exemplo, a cem ouvintes é muito
mais caro (leia-se comunista) que dar a essas cem pessoas uma fita
cassete do texto que será pronunciado.
Do ponto de vista da cultura institucionalizada, da vocação fictícia pelo
conhecimento, tudo consiste em revestir de prestígio e distinção o ato
da conferência. Conseguida esta categoria, convencido o ouvinte de
que ao vivo se ouve melhor, tudo está feito; tudo, inclusive quanto mais
caro, será admitido e devorado.
Eu não entendo com que cara a obstinada audiência dos ciclos de
conferências ridicularizam os colóquios televisivos. Acaso não se dão
conta de que eles são espectadores da mesma categoria dos teles-
pectadores? Não sejamos cegos à formula escabrosa dos ciclos de
conferências.
Dar uma conferência é, mais que nada e por obrigação, não dizer o que
se espera ouvir. Pela malversação de ideias, um conferencista conspí-
cuo pode, perfeitamente, por pouco douto que seja, deixar surpreendida
a audiência, tão acostumada que ela está a escutar sempre o mesmo.
111

LIVRO VOL 2 exposição.indd 111 08/11/2012 13:05:45


Há regras para dizer o que esperava ouvir? Sim. Contudo, a mais fácil,
ainda que nada cômoda nem divertida, é ir a umas quantas exposições
prévias; ali se vai acumulando o cabedal da matéria ao uso (...); e logo,
com uma simples contabilidade, já se pode ter uma ideia de por onde
começar.
Outro procedimento – meu preferido – é não dizer jamais nada que
dê ao auditório a sensação de que sabe como vão seguir as coisas. E
não porque, ao atuar assim, deixando claro por onde os espectadores
seguiriam, eles dormiriam, mas porque ficariam muito satisfeitos e,
talvez, até voltariam para ouvi-lo na próxima ocasião (o que seria o pior
sintoma de dar uma conferência).
Também é decisivo falar do que se sente, ou melhor do que social-
mente se sente, dito de outra maneira, a moda em uso já se conhece;
é mais comprometido e emocionante falar da moda em desuso. Não
é adequado tampouco para, realmente, dar algo (dar é dar-se, aqui
sim), começar por dar o que deram os demais, porque o que os demais
deram, se deram, já é nosso. Finalmente, é conveniente demonstrar
o mais alto grau de individualidade, porque isso é o que pode tornar
pessoal nossa conferência.
Estas pequenas normas de etiqueta são as que cumprem os conferen-
cistas que andam pelas salas de conferências como se fossem suas
casas. Dar uma conferência é também afastar-se da academia (...) É
atuar sem livro, texto (...) É transmitir a sensação de que, afortunada-
mente, ficaram esquecidas muitas coisas. Vou fazer uma pequena exal-
tação do esquecimento (...) Inclusive deixar claro que busco o esquecer.
Se eu pretendesse dizer tudo aqui, seria ingênuo, não há duvida. Como,
por outro lado, vocês, aí em frente, podem estar listando meus temas
pendentes e deixando claro meus esquecimentos(...) eu devo brincar
com eles; porque sei que vão se produzir e porque devo ansiar que
se produzam. (Com meus esquecimentos poderia dar outras conferên-
cias(...) E digo isto com ironia não excessiva, porque, depois de tudo,
não seria a conferência dita, senão a conferência esquecida).
É maravilhoso em um ato como este que vivemos que haja nos espec-
tadores oficiais a consciência de que algo lhes esta escapando cons-
tantemente; de que, é possível, que o locutor da vez esteja burlando
alguma informação.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 112 08/11/2012 13:05:45


Este estado de alerta é imprescindível. Para que surja esta vigília, o
dito locutor tem que ser claro, mas não ser didático. São as coisas que
ficam no tinteiro as que constituem a essência da conferência. Uma
conferência (igual a toda a matéria difusora) tem como meta formar(...)
e pouco importa se não consegue informar. Vale mais que forme o meu
espírito para sentir a necessidade de ir a que alguém me informe.
Se o que aqui esqueço fosse, realmente, a substância do que passa
aqui, o que digo aqui (quer dizer, o recheio) seria, por sua vez a subs-
tância do que diria em uma hipotética próxima conversa. Só colocando
o ouvinte para trabalhar buscando àquele que fala completa-se o ciclo
vital da palavra que é, como vimos, a matéria constitutiva da confe-
rência usual, e que pode vir a ser, com este esforço mútuo, matéria
geradora do pensamento, única razão que justificaria a inflação das
conferências.
Como vão vendo, isto não é esquecimento, isto é intencionalidade pura
e simples (...) Uma das intencionalidades a ter em conta quando se dá
uma conferência. Porque já não é que “se esqueça”, senão que o que
não se pode fazer é dizer tudo que se recorda. Se eu digo tudo o que
sei ou lembro sobre um tema, minha exposição parecerá uma sisuda
recompilação ou a desprazível ânsia de informar, porém, atenção, de
informar sobre mim.
Haveria outra maneira, também honrosa, de ocupar justificadamente o
tempo que estão me concedendo: seria dizer-lhes somente coisas que
já sabem. Qual, neste caso, é a “formação” que eu tentaria transmitir,
se me limito a repetir o que já está na formação de vocês? Pois está
muito claro: para começar, provocaria em vocês esse repúdio irritado
de quem acredita vislumbrar que está sendo enganado (...) e logo, os
colocaria na situação de serem conscientes de que minha conferência
não serviria para nada.
Se vocês, como sequela desta desilusão, passarem a questionar toda
conferência que assistam, então eu haveria logrado – segundo meu
critério – dar a conferência perfeita. Se por acaso haja passado des-
percebida à palavra, recordo que disse “questionar toda conferência”,
não “negar”, ou seja, colocar-se decidido, diante do conferencista, a
não deixar que ele passe a ideia de que fidelidade é o que se leva de
contrabando.
113

LIVRO VOL 2 exposição.indd 113 08/11/2012 13:05:45


Há um conto sufi que talvez alguns conheçam. Durante muito tempo,
um caixeiro viajante atravessava a fronteira entre dois países e quando
os aduaneiros paravam para perguntar e comprovar qual era a carga
que levava em seu burro, ele sempre respondia: “levo contrabando”.
Como nunca encontravam nada fraudulento, o deixavam passar (...) e
terminaram por tornarem-se quase amigos. Passado anos, quando o
mercador já havia abandonado sua tenda e vivia ricamente em outro
lugar, um dia lhe encontraram os guardas da fronteira e lhe pergunta-
ram: “Diga-nos, agora que já está fora de nossa jurisdição, o que era
que passava de contrabando, e que te permitiu prosperar tanto” (...) E
ele respondeu: “Burros”.
Bom, pois essa também seria uma conferência perfeita. Há que ser
absolutamente sincero com as instituições (neste caso com a conferen-
cística, como disse antes) e dar gato por lebre sem rodeios. O combate
do ouvinte deve ser o mesmo que o do conferencista. Assim que, desde
agora, lhes digo: existe a conferência positiva, inquietante, criativa,
divertida (...) da qual fui soltando retalhos no decorrer de minha anterior
intervenção. Existe, igualmente, o conferencista honesto, lúcido, cons-
trutivo, desconforme (...) capaz de dar estas conferências. Existem os
ciclos justificados, prospectivos, inovadores (...) chamados a ser não os
enterradores, mas sim os vitalizantes desta empresa.
O que pretendi até agora esclareço ainda mais com uma comparação:
se já produz surpresa que um concerto sinfônico lote de gente que sabe
o que vai ouvir, que vai somente para captar o som do interprete (...)
se a grande maioria das conferências são concertos sem vislumbre de
acerto (...) se, no limite, há dez conferências para cada concerto (...) não
acreditam que é a hora da rebelião dos ouvintes? Eles são os que têm
que salvar o ambiente que infecta as conferências.
Dar uma conferência não é um ato gratuito, nem sequer indiferente.
Escutá-la deve ser uma decisão pessoal, medida e analisada. Porque
dar uma conferência é entrar em um terreno pedregoso porque se tem
a oportunidade de dar junto a ela um testemunho vital. Dar uma confe-
rência é oferecer um traço identificador da vida (...) e, se me apressa-
rem, da vida cultural.
A natureza deste traço, sem sombra de dúvida, é de transcendência
absoluta, mas suas particularidades são indiferentes em grande
medida. A natureza está constituída pela mensagem e pelo tom. Porém

LIVRO VOL 2 exposição.indd 114 08/11/2012 13:05:45


dentro destas particularidades secundárias, pode surgir alguma que se
carrega de um sentido que podemos chamar de extraterritorial, adquire
um valor testemunhal perfeitamente assimilável à natureza profunda.
Por exemplo: dar uma conferência deitado em uma cama pode ser:
• anedótico, se aquele que fala está doente;
• simbólico, se o aquele que fala quer fazê-lo sobre o temor de estar
doente;
• histriônico, se aquele que fala pretende somente sair em notas de
jornais;
• fraudulento, se aquele que fala não diz nada que interesse;
• provocador, se aquele que fala, na realidade, não busca nada mais
do que dormir;
• imprescindível, talvez, se o tema da conferência é a cama (...)
(e aqui podem compreender porque o traficante de burros era um
perfeito conferencista; aparte de que, com certeza, era um perfeito
charlatão).
Entremos agora no que dizia constituir a natureza intrínseca de uma
conferência: a mensagem e o tom. O primeiro se resume facilmente:
somente nosso momento histórico (seja cultural, social, político, eco-
nômico, artístico, industrial, ideológico, etc.) é matéria conferenciável
(...) somente o que direta ou indiretamente nos leve a ele é defensável
como argumento. E deste momento atual – do que a princípio lhes
disse certo disparate ao qualificá-lo como anti-histórico – podemos tirar
substância abundante para rechear numerosos ciclos de conferências
nos quais se diga o que não se disse e se prescinda o que se diz a mais
(...) Nos quais se invalidem os verdadeiros doutores e, pelo contrário, se
implantem as dúvidas (...) nos quais, se faz falta, esteja proibido insistir
com os ilustres, mas sim se possa insistir a eles.
Por que o termo mensagem está desprestigiado e eu o uso aqui como
um dos imprescindíveis? Muito simples: está em decadência porque
está em decadência a mensagem em si; enquanto; prosperam o
comentário, a análise, a reflexão ou a divagação. Este é o horror e o
erro da época. Em uma conferência de paz não se transmite a ideia da
paz, senão se expõem os planos para consegui-la (e isso no melhor dos
casos). Lembram-se das conversas de Evian para a paz na Argélia? Não
só essas “conferências”, senão estão mais suportáveis, se dedicam a
dar voltas ao atalho.
115

LIVRO VOL 2 exposição.indd 115 08/11/2012 13:05:45


(Um pequeno esclarecimento: é claro que não me interessam as alo-
cuções eruditas, que podem ser importantes em outro terreno. Quero
dizer que temas como: “a criação de gamburrinos na Rússia czarista”
ou “o pigmento químico nos informalistas espanhóis” não são matérias
de conferência, quer dizer, materialmente não podem ser conferências
(...) exceto que, sob a aparência destes títulos, se esconda algo total-
mente alheio e luminoso).
O segundo elemento, o tom, pode definir-se como o espírito do que
fala, o ânimo com que se dá a conferência. Sua importância é grande,
já que pode ocorrer que um tom inadequado invalida a mensagem.
Desse e outros tipos de relação se deduz que mensagem e tom, sendo
diferentes, estão profundamente relacionados. Uma exposição como a
que lhes dou, dita como um tom informativo e nada crítico resultaria
escandalosamente indecente.
O tom é o compromisso, assim claramente, e deve deixar ver que as
palavras que se pronunciam não são por casualidade.
Pode ser que, através do que estou dizendo, caiam na armadilha da
forma e do conteúdo. Isso revelaria uma torpeza em vocês que somente
seria consequência de ensinos acadêmicos e interessados. Ninguém
em seu juízo perfeito pode dizer, frente a um prato de vagens meio
cruas, que estão mal feitas, mas alimentam.
O que, exatamente, acontece? Que a mensagem e o tom são coisas
anteriores ao inicio da fala. Se não há algo no conferencista que não
seja a conferência, não há conferência que valha; o que é o mesmo que
repetir o que antes disse: uma conferência, sozinha, não serve para
nada (...) Assim que para fazer uma conferência não há que fazer nada
(...) se é que é um conferencista idôneo, ou seja: o comprometido com
“essa” conferência. E, logicamente, um não pode comprometer-se para
o instante de fala, nem para as horas de preparação do que se falará;
para o qual, ou antes de sentar diante do público um levava a mensa-
gem e aguardava o tom oportuno para a sua fala ou sua fala será uma
simples charlatanice.
Dar uma conferência é vivê-la, disse ao começar; e nada vive à margem
de sua vida – acredito – por isso, somente podemos dar uma confe-
rência que não nos apresenta problemas de expressão porque é con-
substancial a nossa vida, a que, em essência, não é que não apresente
diferenças entre mensagem e tom, senão que ambas as coisas são em

LIVRO VOL 2 exposição.indd 116 08/11/2012 13:05:45


si mesmas, uma só. Parar e pensar no testemunho que transmite (como
fazê-lo no efeito que se causa) é um deleite, porque é como entreter-se
em contemplar a própria vida.
Falei antes da necessidade de não saber o que se diz (de não conhecê-
lo, melhor) para poder dizer algo, para que a conferência não seja um
nada. Isso mesmo ocorre na vida: um não precisa raciocinar sobre a
sua vida enquanto vive, sem mais. Não é preciso refletir sobre o quê e
como dizer as coisas, uma vez que já que se vive as coisas que se vai
dizer (e para esse momento, que falta faz, talvez, nem sequer dizer!)
Por isso, não é preciso dizer mais do que se pode expressar vitalmente
(...), não é preciso raciocinar mais do que se pode ver sem escutar o
raciocínio.
Gostosas e profundas conferências se escutam em lugares inimaginá-
veis. Não são as únicas, mas são completas e, ao que íamos, fazem
concorrência às conferências de verdade. Demos e escutemos confe-
rências, mas nos ocupemos de que os elementos que intervêm nelas
não sejam somente os que a cultura impõe.
Ao final, que já cheguei, faço uma proposta de caráter institucional: leve
um controle rigoroso, informatizado e essas coisas, de todas e cada
uma das conferências que pronunciam todos e cada um dos conferen-
cistas. Este controle registraria nome do autor, título e um resumo das
ideias expostas. Peça, como requisito a toda conferência planejada,
esses mesmos dados e comparem com o histórico pessoal de quem
pretende pronunciá-la. Caso haja coincidência de título ou de ideias,
rejeite-a.

117

LIVRO VOL 2 exposição.indd 117 08/11/2012 13:05:45


LIVRO VOL 2 exposição.indd 118 08/11/2012 13:05:45
A Situação1
Com grande satisfação – tanta que me animou a estar aqui – vi na carta
de convite a estes Encontros, e como as três condições que haviam de
reunir as colaborações: Economia, Significado e Formato.
Deixando de lado esta última, o formato, que é, melhor, coisa de fora, as
outras duas me entusiasmam mais.
O Significado, porque a ideia em si, ou a roupagem íntima da ideia. E
que faríamos sem a ideia?
A Economia, porque, sem ser mais que circunstancial, pode converter-
se em um apelo contra a gratuidade e a irresponsabilidade. Quase
pode ou deve zombar de uma pessoa, hoje em dia, por fazer uma arte
barata. É um primeiro passo e nada supérfluo. É assim como passo a
responder-me as perguntas chave.
Como sempre, há que responder a uma pergunta de tal modo a que a
resposta se converta em uma pergunta, por sua vez. E faz com que uma
pergunta seja (já) uma resposta.
Qual é a situação?
A situação de que? (...) prefiro para começar. Porque existe uma grande
quantidade de assuntos cuja situação gostaria de ver se nos interessa;
a política, ou a social, ou a economia, ou a artística?
E se é esta, como caberia supor, qual delas? A artística oficial ou a artís-
tica real? Vejamos: a situação política é a que deveria ser; não podería-
mos esperar que fosse melhor nem pior. Conhecemos a nossos políticos,
que são os políticos em uso, e sabemos o que podem dar de si.
Mas o nosso é a arte. Então, deixando de lado o impossível de fazer
uma arte apolítica, como e quanto política é nossa arte?
Posso responder de duas maneiras: NADA; porque não reage conscien-
temente a realidade política, ou TUDO porque não faz gesto algum que
não venha proposto ou ditado pela política.
A situação social é, como sempre, a que não deveria ser; ainda, que no
fim das contas, é a única possível. Remenda-se aqui, rasga ali (...) Mas
mantém um tom médio acoplado ao que os grupos no poder podem e
querem permitir.

1 Tradução baseada na versão publicada in: FUNDACIÓ ANTONI TÀPIES. Ir y venir de Valcár-
cel Medina. Barcelona, 2002, (Catálogo de Exposição), pp.64-65. Este texto participou do
Festival A Situação na Universidad Internacional Menédez Pelayo, em 1993.

119

LIVRO VOL 2 exposição.indd 119 08/11/2012 13:05:45


Agora, bem, indo para o nosso, à arte, como e quanto, de social é a
nossa arte?
Aqui acredito que se pode dizer diretamente que NADA; porque a atua-
ção artística, hoje, é absolutamente acomodada.
A situação econômica é, segundo nos ocupamos em repetir e salientar,
bastante ruim. Mas vemos que é muito melhor do que foi, em meio
termo, quando as pessoas não se preocupavam tanto. Quer dizer: a
situação econômica é tão ruim como queremos.
Mas bem, como e quanto de econômica é nossa arte? TUDO; porque
não se move uma folha neste campo se não for movida pelo negócio
ou pelo mercado.
E, por último, a situação artística oficial como e quanto é artística?
Podemos ver que, se fazemos equivalência entre oficial e institucional,
tanto o governo e suas ramificações como o mundo da arte e as suas
estão perfeitamente de acordo para que se possa responder aqui:
NADA.
Nada que tenha a ver com a arte provoca, estimula ou move a mais leve
mudança na imobilidade das instituições artísticas.
Não nos resta mais situação por analisar além de que a artística pri-
vada, assim chamada, neste caso, não sem dupla intenção: 1ª para
distinguir da arte oficial ou institucional (...) e 2ª porque a arte ativa é
sempre um fato pessoal.
E então, como e quando de artística é a situação da arte pessoal (ou
criativo, ou livre, ou real)?
Por desgraça, porque acredito que para nós isto é o que deve interessar,
temos que responder, NADA.
Já sei que responder com TUDO ou NADA é simplista e fácil. Sim. Tão
simplista e tão fácil, tão enganoso e tão velho como é a nossa arte.
Ou seja, que já sabemos qual é a situação: a arte está sumindo na
inação (...), no desinteresse por gerar ideias.
Temos uma arte descompromissada com seus meios e com seu tempo
(ainda que esteja comprometida com eles).
Esta falta de ligação com o momento histórico (ou, se preferir, esta falta
de luta contra seu momento histórico) faz de nossa criatividade uma
atividade saudosista e cafona.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 120 08/11/2012 13:05:45


Hoje a inquietude se reduz à confecção de dossiês e à documentação.
Artista cujo trabalho é insípido e nos é apresentado em pastas decru-
adas (...); e museus esclerosados nos vendem catálogos vistosos.
Fundações que nos bombardeiam com folhetos de todas as cores (...)
competem com eruditos em cujos textos as citações superam em muito
a produção própria.
O bate-bola entre galerias, feiras, centros culturais, etc., dos mesmos
autores, cuja única novidade, no mais, consiste em modificar a cor do
quadro ou o tamanho da escultura, nos faz acreditar que isso é arte.
O afã por perpetuar o assimilado nos leva a que já não faça falta pensar
diante das obras de arte, basta ir engordando o arquivo.
A dedicação ao puro incremento dá lugar a que se conservem entre
celofane desenhos e esboços que nunca se haveriam guardado, e
menos, mostrado.
Os que hoje em dia estudam arte são recompiladores de nomes e se
incomodam quando aparece algo que não contribua direta e livremente
ao seu currículo.
A titulitis2 que, em outros tempos, se atribuía a certos universitários,
hoje se instalou também nos múltiplos masters, oficinas e cursos aos
que, naqueles que se supõe em idade de se formar, se inscrevem febril-
mente para informar-se.
Todos estes feitos não teriam categoria para ser citados se não fosse
porque os artistas lhes dessem a entrada e beligerância a seu mundo.
Fala-se de muitas coisas que não são arte (e não porque não poderiam
ser, se não porque tratadas como são, está claro que não o são). Falar
aqui de filosofia (...) ou poder (...) ou feminismo (...) não é imprescindível
(...) nem muito menos: é só um recurso à de falta de rigor e de ideias
sobre a arte. Digo mais: a arte é já, e antes que obra de arte, filosofia,
poder e feminismo (...) Porém, quando a arte para falar disso é porque
não é tal arte.
Estes borrões sombrios sobre a situação geral vem se esfumaçando, às
vezes, pela gratificante manutenção, ou a feliz aparição de verdadeiras
lutas ou inconformismos. Eu, que conheço a maioria dos que estão

2 Palavra em castelhano que significa a valorização desmedida de títulos e certificados


como garantia de conhecimento.

121

LIVRO VOL 2 exposição.indd 121 08/11/2012 13:05:45


nestas frentes, estou por eles (e gostaria de estar com eles). Mais que
nunca, amo e apoio as exceções.
Não quero que me ouçam - por não levantar a peça -, mas pode ser que
algo, desde alguns meses, esteja começando a efervescer.
Ainda que seja certo que isso não é “a situação”. “A situação”, por pior
que pareça, é outra: a falta de afã em gerar ideias, o desinteresse pelo
conflito e a ausência de compromisso.
“A situação”, já vimos nestas mesas qual é. Já vimos até que ponto
pode ser difícil cumprir com os três requisitos propostos (...), estes de
que falei ao começar.
Quisera que minha resposta ao que fazer não falasse de uma solução,
se não de um comportamento.
Bem que eu gostaria, sobretudo, com respeito a quem me conhece, não
ser reiterativo. Mas como vou me privar de dizer que esse o que fazer
que nos inquieta e nos intriga é uma questão de atitude?
Atitude que, previamente assumida, nos leva a ver que é necessá-
rio, desde o princípio, dispor-se a promover ideias, não a reciclar
planejamentos.
Atitude que, mantida lucidamente, terá como consequência o surgi-
mento em nós de substâncias germinais, não objetos de consumo.
Atitude que nos permita falar alto e claro, porque o que importa não é
falar bem, senão que ninguém possa nos tachar de mentirosos.
Mas, por sua vez, esta dita atitude nos há de servir também para calar
e esperar, duas coisas que hoje não se usam. Um curto passo mais na
brevíssima análise da atitude: pode uma atitude ser ao mesmo tempo
criativa e amoral? Pode uma criatividade ser ao mesmo tempo ética e
conformista?
Estas duas perguntas, nada intranscendentes, vem de encontro ao que
disse sobre o fazer não poder atuar à margem da ética. Ou também que
este comportamento no que víamos que consistia o que fazer, não é
outro que não o comportamento ético.
Para confrontar nosso “que fazer frente à situação”, se há algo que não
vale é ser resmungão e exigente.
Porque, que graça! Os artistas costumam queixar-se constantemente
das instituições – às que respeitam – , do mercado – ao que servem – e
da crítica – à que seguem – (...) Nunca de si mesmos.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 122 08/11/2012 13:05:45


Que fazer então? Atuar (e, portanto, arriscar) e não esperar de fora a
saída de seus próprios males.
(...) Ser exigentes, primeiro; e exigentes depois.
Se relacionarmos o dito anteriormente com a ideia de independência,
chegaremos a não ter mais compromissos com nós mesmos.
O que ocorre é que resulta mais impressionante dizer que não se pode
lutar contra o que domina. É preferível isso a dizer: quanto tenho que
lutar para me defender da dominação, ou seja, há que buscar com
afinco a forma de atuar segundo eu neste meio que me oferecem tantos
estímulos para atuar segundo ele.
E para terminar como comecei: em que consiste essa economia que eu
tenho agradecido tanto no planejamento destes Encontros?
Para mim, na austeridade responsável orientada em dois sentidos:
primeiro, claro, em quanto que a atividade artística não é competitiva,
nem espetacular, nem ostentosa. Segundo, no sentido de que não há
que criar por força produtos que, vistos de fora, deem prova de nossa
atividade. É nossa atividade que deve ser prova de nossa ação criativa.
Eu resumo estes pontos, dizendo que há que fazer somente a arte
imprescindível e somente a arte barata.
Final.
À pergunta qual é a situação? Respondo, pois, esquematicamente:
Carência de compromisso consigo mesmo e com o momento histórico;
Falta de afã por gerar ideias, limitando-se a reprodução de esquemas;
Desapego ao conflito, dedicando-se somente a atender a demanda,
seja econômica ou cultural.
E à pergunta que fazer frente a esta situação? Respondo:
Eleger a ação criativa, frente ao produto da criação;
Dar o primeiro posto em toda função artística à atitude com que se
afronta;
Atuar independentemente frente ao dinheiro e frente às instituições;
Recordar que a dedicação à arte não é cômoda nem credora, senão
arriscada e devedora;
Não esquecer nunca que viver e exercer ofícios que se parecem tanto
são questões morais.
Obrigado.

123

LIVRO VOL 2 exposição.indd 123 08/11/2012 13:05:45


Entrevista

LIVRO VOL 2 exposição.indd 124 08/11/2012 13:05:45


Entrevista com Isidoro Valcárcel Medina

Cristina Freire
com a participação de Miren Jaio
Madri, Espanha, março de 2012.

Cristina Freire (CF): Isidoro, para mim é uma honra conhecer você.
Gostaria de conversar um pouco sobre sua experiência na América do
Sul: como foi que chegou lá, onde você foi e como foram os contatos.
Poderia nos contar um pouco?
Valcárcel Medina (VM): Sim, ainda que tenha se passado muito tempo,
acho que me lembro bem. Eu tinha um contato com o CAYC de Buenos
Aires e com o MAC de São Paulo. Assim, se organizou uma parceria
com a intenção de fazer exposições nos dois lugares, e além disso,
fazer trabalhos independentes na rua ou no museu. Aproveitando que
eu tinha que viajar para São Paulo e para Buenos Aires, fiz duas esca-
las: em Assunção e em Montevidéu, onde realizei alguns trabalhos.
Concretamente, o trabalho de São Paulo consistiu em uma exposição
que durou poucos dias no museu. Um dos meus trabalhos, com cer-
teza, não está documentado: nos jornais e nas rádios de São Paulo,
anunciou-se que havia um artista estrangeiro que queria fazer uma
visita à cidade e que ele estaria em um dia e hora determinados em um
ponto central de São Paulo, esperando aquelas pessoas que quisessem
me acompanhar pela cidade. E não foi ninguém. Eu sei o nome do lugar,
mas não me recordo agora... Era um lugar no qual existiam escadas –
um lugar bastante importante. Eu estava ali em cima e quando passou
uma hora e meia, eu disse: “Eu vou embora”. Essa foi a parte engra-
çada. Além disso, foi muito positiva essa experiência de falar com as
pessoas porque há alguma semelhança entre os dois idiomas, não?
Mas me comuniquei sem usar uma única palavra em português.
CF: Como foi esse projeto Entrevistas (1976)?
VM: Simplesmente, eu estava na rua, levava um microfone e dizia:
“Bom dia, por favor, você poderia falar comigo um pouco? Eu não sei
nada de português, mas gostaria de falar com você, é possível? Está
disposto?” A partir daí, a conversa durava cinco segundos ou meia
125

LIVRO VOL 2 exposição.indd 125 08/11/2012 13:05:45


hora, dependia das pessoas. Aquilo foi muito longo. [...] Escuta: - “Visita
Turística (1976), pela imprensa, rádio e televisão foi levada a público a
seguinte nota: ‘Valcárcel Medina realiza um trabalho nas ruas de São
Paulo’. O artista espanhol Valcárcel Medina, convidado pelo Museu de
Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, realizará no dia
29 de julho de 1976, entre 09h00 e 12h00, um percurso de sentido
turístico para o qual deseja e solicita a companhia de pessoas desta
cidade, a fim de que o ajudem a conhecê-la melhor. O citado artista
convida, portanto, todos os cidadãos que almejam essa participação, a
encontrá-lo no referido dia, às 9h, na Praça da República, em frente à
escola Caetano de Campos”.
CF: Depois das Entrevistas, você saiu para fazer outro projeto? O que foi
o Dicionário de la Gente (1976)?
VM: Não, não, provavelmente foi outro dia. A Visita Turística nada tinha
a ver com as Entrevistas e não tinha nada a ver com o Dicionário. São
três coisas diferentes.
MJ: Como foi seu trabalho Dicionário? Pode explicar um pouco?
VM: Eu tinha um papel [dizendo que era um artista que não falava por-
tuguês e que gostaria que a pessoa escrevesse uma palavra em portu-
guês] e entregava na rua e também no museu. No museu, ficava sobre
uma mesa na entrada [...]. Então, abaixo estão as respostas, organi-
zadas como um dicionário. Eu tenho uma amiga brasileira e quando
voltei à Espanha, pedi a tradução, mas não adiantou, porque ela se
esqueceu de fazer [...] Então, havia a palavra “bunda” que eu acredito
que é “culo”, não? Que nome ela colocou, eu não sei.
CF: Você só tinha as palavras em português? E sua ideia era fazer disso
um dicionário de verdade?
VM: Claro! Porém, com uma particularidade: as palavras repetidas pelas
pessoas estão repetidas no dicionário, assim, a palavra vida aparece
muitas vezes, saudade aparece três vezes, trabalho aparece três vezes,
tristeza também... Tiveram pessoas que escreveram mais coisas. Elas,
voluntariamente, escreviam, não somente uma palavra, mas também
mandavam recados. Eu pedia uma palavra, mas alguns escreveram
muitas palavras.
CF: E como você acha suas obras devem ser exibidas hoje? É difícil, não?

LIVRO VOL 2 exposição.indd 126 08/11/2012 13:05:45


VM: Não sei! É tudo muito pequeno e breve. Eu não sei como poderia
exibi-las...
CF: Por isso é importante entrevistá-lo. Dá outro sentido para o que se
passa aqui, não?
VM: Sim, claro! Isto é um dossiê, uma compilação. Para não ser esque-
cido. Mas o objeto não tem nenhum valor. Não representa nada!
MJ: Quando você retoma o Dicionário de la Gente, por exemplo, [em
Performance in Resistance (2012)] como uma imagem que reproduz...
VM: Em um momento, na mesa que havia no museu, em São Paulo
- essa é a cena que eu repito. Havia uma mesa, com alguns papeizi-
nhos colocados, e alguns passavam e iam ver, e escreviam e estava ali
esperando....
CF: Usava-se o termo performance naquele momento?
VM: Não, usava-se “ações”, eu não uso nunca “performance”, exceto
neste caso, no qual o edital tem esse nome, mas eu chamo de “ações”.
Agora fazer isso é uma coisa absolutamente irônica e sarcástica, por-
que estamos fazendo a mesma coisa.
CF: Mas tem algo mais teatral, não é?
VM: Sim, bom podemos dizer que sim! Mas não quero que seja. É
uma coisa séria! Mas, o que mais me interessa é que se veja a data
de quando isto aconteceu. Desde a primeira em 1965 até 1983, são
quase 30 anos de distância, entre a primeira e a última, 20 e tantos...
Da última até hoje, 19 anos. O aspecto que tenho agora, então, é dife-
rente do que eu tinha em 1965. Para mim a ironia está em: — “Não
pode ser que esse senhor que está fazendo isso agora, é o mesmo que
fez em 1965”! [...]
CF: Sim, é uma ficção! E Quando você começou a fazer as ações?
VM: Na Espanha, existia uma grande desinformação. Eu não sabia que
o que eu estava fazendo, poderia pertencer a um reino artístico expres-
sivo. Não tinha ideia! O mesmo que aconteceu, quando eu pintava qua-
dros minimalistas: eu não sabia que existia o minimalismo. Estávamos
em 1964 ou 1965 aproximadamente, quando comecei a fazer ações.
CF: Havia um grupo de trabalho?
VM: Nunca! É certo que eu conhecia mais gente que fazia coisas mais
ou menos semelhantes, como o grupo Pasaje [Passagem]. Eu fui para
127

LIVRO VOL 2 exposição.indd 127 08/11/2012 13:05:45


Nova York em 1967 e encontrei o minimalismo lá. Não era um evento
meu. Existia um movimento pictórico – que se passava na simplicidade
da linha, a cor-plano. Tanto aqui como lá, era uma reação à pintura
informalista, feita de muita matéria. Isso era uma coisa automática e
lógica, mas eu não sabia. Não tinha ideia! Aqui não havia revistas de
arte, nem nada. Havia poucas pessoas em pontos distintos, que se
comunicavam. Existia a corrente do Grupo Catalão de Conceituais, mas
no resto do país, não existiam práticas conceituais. É muito curioso! É
uma época muito triste, mas muito fértil! Eu, por exemplo, tinha comuni-
cação com o Brasil e Argentina, mais do que com Barcelona...
CF: Você conheceu Júlio Plaza?
VM: Sim, eu o conheci aqui, antes de ele ir para o Brasil, muito antes.
CF: Como eram os contatos? Vi uma carta na qual Júlio Plaza lhe apre-
senta a Zanini, não?
VM: É possível, é muito provável. Ele estava no Brasil e nos conhecí-
amos bem. Então, é lógico que ele fizesse essa intervenção. Eu não
me lembro, mas tenho certeza que sim, pois seria o mais natural. Nós
estávamos na Espanha, éramos quatro rapazes com muita relação
internacional, porém, com pouca relação local. Eu, por exemplo, com
o grupo catalão de conceituais, com exceção de Muntadas, não tive
nenhuma relação. Para mim, era como se não existisse. E eu, para eles,
era como se não existisse também.
CF: Você quer nos dizer que Madri e Barcelona eram muito afastados?
VM: Sim, e logo surgiam muitos problemas, pois eles eram muitos
catalanistas, como deve ser... então nos Encontros de Pamplona1 que
disseram “Ah, isso é castelhano”.
CF: Isso para mim é uma coisa muito importante de pensar. Os países,
que estavam passando por situações semelhantes de clausura, tinham
estratégias e tácticas de comunicação à distancia.
1 Os Encontros de Pamplona foi um evento de caráter coletivo que tomou a cidade de
Pamplona, Espanha, entre os dias 26 de junho de 3 de julho de 1972, em plena ditadura
franquista. Foi organizado pelos artistas Luis de Pablo e José Luis Alexanco e reuniu cerca
de 350 artistas de vanguarda de diferentes países apresentando, criando e estabelecendo
diálogos a partir de diferentes linguagens: desde apresentações musicais e colóquios a
instalações e/ou ações urbanas, performances e vídeos. Entre os artistas participantes es-
tavam Joseph Kosuth, Vito Acconci, John Cage, Antoni Muntadas, Man Ray, Bruce Nauman,
Victor Grippo, Luis Pazos, Julio Plaza, Petr Stembera, Wolf Vostell, Horacio Zabala, Piero
Manzoni, Dick Higgins, Waldemar Cordeiro, etc., e os brasileiros Augusto de Campos, Décio
Pignatari, Hélio Oiticica; Ronaldo Azeredo, Aloísio Magalhães, Antonio Dias, entre outros.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 128 08/11/2012 13:05:46


VM: Claro.
CF: E você dizia do seu interesse na Argentina, no Brasil...
VM: Claro, mas isso eu não acho que foi uma coisa premeditada, mas
uma coisa forçada dada a situação.
CF: E o que você fez em Pamplona? Qual foi seu trabalho? [...] Você
colocou algumas estruturas na praça?
VM: Na avenida.
MJ: Foram vandalizadas, não tiveram o efeito que você pensava que
iam ter?
VM: É, foram destruídas, mas natural! Era uma coisa muito grande,
sabe? Mais de 100 metros de construção e estava ali no meio do
passeio.
CF: Sua proposta era fazer um filme também?
VM: Sim, mas um filme diferente. Era algo diferente que apresentei nos
Encontros de Pamplona. Os Encontros foram um acontecimento muito
importante dentro da situação espanhola, o mais importante que ocor-
reu na última metade do século, mas foi uma coisa que foi muito calada
e muito ignorada.
CF: E no CAYC, como foi sua exposição?
VM: Ali foi pior! Havia um grande problema político, e eu fui para lá
apenas dois meses após a entrada dos militares, então, realmente não
se podia respirar. Era preciso ser muito quieto. Tivemos uma série de
exercícios, mas todos dentro do CAYC e não na rua. Não era possível
a participação na rua, então fizemos algumas experiências dentro do
CAYC. Correu tudo bem, sem problemas, mas a situação era muito pior.
Uma das práticas era sair na rua com estas etiquetas, mas nenhuma
pessoa fez, assim como em São Paulo, nenhuma pessoa apareceu na
Visita, na Argentina nenhuma pessoa saiu na rua com a etiqueta. Todos
foram fracassos!
MJ: Você saiu daqui quando Franco estava morto. Aqui se abre em rela-
ção ao momento da Argentina, já que a ditadura está começando lá...
Você sempre se encontra com situações de ditadura política.
VM: No avião, deram a notícia de que Suárez tinha sido nomeado presi-
dente. Esse foi o verdadeiro começo da troca, não é? Quando eu entrei
no avião, tinham acabado de colocar Suárez, e quando eu cheguei na
129

LIVRO VOL 2 exposição.indd 129 08/11/2012 13:05:46


Argentina, fazia muito pouco tempo do golpe militar. O Paraguai estava
com o Stroessner – exatamente igual. Parecia que teria se passado 20
anos, e na Argentina faziam dois meses.
CF: No Paraguai havia uma instituição para recebê-lo?
VM: Não, nem no Paraguai, nem no Uruguai eu não tinha nada para
fazer, simplesmente fiz uns trabalhos porque quis. Para o Paraguai e o
Uruguai não me custava nada a viagem, já que estava ao lado. Fiz uns
trabalhos em Montevidéu – era simplesmente percorrer a cidade e escre-
ver aquilo que estava fazendo: por exemplo, vou ao porto e estou à uma
hora e vinte minutos. Agora, no ano passado foi feita em Montevidéu,
uma reedição daquilo, exatamente, mas de uma forma plástica, sem
eu estar presente. Foi somente uma posição gráfica daquela atuação
física, daquela ação. Eu tinha dois dias e me perguntei: O que faço em
dois dias? Bom, vou a Montevidéu fazer algo, e escrevi onde fui, a que
horas. Apenas isso, nada mais que isso.
CF: Você tinha contato com os artistas do Uruguai? Clemente Padín...
VM: Sim! Conhecia todos, mas só estive lá por dois dias. Não os encon-
trei. Mas é muito curioso, porque nós nos conhecíamos todos, muitas
vezes, através de Jorge Glusberg, na Argentina. Estava nascendo a Mail
Art. Assim, constantemente, todos se comunicavam com coisas criati-
vas, não havia o automatismo das mensagens de celular/internet de
hoje. Era uma comunicação lenta: levava quatro ou cinco dias para uma
carta chegar, mas era sempre muito ativa e criativa. Tudo isso servia
para os que viviam em um regime opressivo, eu sempre repito: “Contra
Franco, vivíamos melhor”, entende?
CF: Sim, porque havia estratégias subterrâneas de criação ...
VM: Claro, era uma necessidade imperiosa!
CF: Eram crises, não é? Fala-se tanto em crises! Para mim, que venho
da América do Sul, a Espanha está em crise, me parece que há uma
crise sim, mas para nós, nossa crise é estrutural.
VM: Eu tenho a sensação de que há uma “incultura” aqui entre nós, um
desconhecimento. Não quero dizer histórico, mas sim um desconheci-
mento descomunal da realidade social passada [...]. Eu fui à América
do Sul, com esse convite do MAC e do CAYC. Mas, para isso fui ao
Ministério de Assuntos Exteriores e solicitei: — “Podem me ajudar, por-
que fui convidado para expor nesses museus?”. E o homem me disse:

LIVRO VOL 2 exposição.indd 130 08/11/2012 13:05:46


— “Podemos pagar o envio dos quadros”. Isso não é problema, porque
o quadro sou eu. Estamos em um momento de ignorância absoluta.
Então fico pensando que era melhor o tempo em que não se dizia o que
se faz, mas se fazia.
MJ: A ação que você fez aqui, você apresentou em São Paulo? Não ten-
tou mostrar em Buenos Aires?
VM: Não pude! Na Espanha, quando morreu Salvador Allende, fiz um
trabalho que era pedir um papel grande que escrevessem [...]. Salvador
Allende morreu em 1973, então o CAYC fez uma homenagem a Allende.
O CAYC tinha um molde de papel, que era uma folha muito grande com
um canto, no qual se colocava o título e o nome do autor. Não sei, se
você já viu. Eles organizavam exposições coletivas, todas com o mesmo
suporte. Então, eu recebi uma folha de papel destas para fazer um
trabalho sobre Allende. O trabalho foi perguntar às pessoas na rua: —
“Você é simpatizante de Salvador Allende? Ideologicamente ou senti-
mentalmente? Então, se quiser, assine aqui Salvador Allende”. Não o
seu nome, mas o nome de Salvador Allende. Isso eu consegui fazer no
tempo da ditadura aqui, na Espanha, tudo era muito relativo. Três anos
depois, no CAYC, isso não poderia ser apresentado de modo nenhum. E
me disseram que tive muita sorte de entrar no país, sem ser pego, com
aquela obra. Disseram-me que além de não poder ser exposto, eu não
deveria sair do país com o trabalho. E então rasguei ali mesmo.
CF: Você fez coisas diferentes no Brasil e na Argentina?
VM: Claro.
CF: Outra coisa linda são as aulas, a conferência, o texto da conferência.
VM: As conferências me entretêm muito!
CF: Você pode falar sobre Exame (1975)?
VM: Exame, claro! Realizei aqui na Espanha em um ou dois lugares.
Era uma prova escrita e uma prova oral. Os textos são os temas do
exame escrito - é o que se teria que estudar. Os alunos, que iriam fazer
o exame, entregavam uma semana antes.
CF: Quem eram os alunos?
VM: Quem quisesse.
CF: Então, a galeria e as pessoas poderiam fazer o exame?
131

LIVRO VOL 2 exposição.indd 131 08/11/2012 13:05:46


VM: Certamente! Havia uma mesa para o professor, umas mesinhas
para os alunos e havia uma prova: escrita e oral. Era muito difícil, 34
perguntas orais. Eu fazia a pergunta e o aluno respondia... Não havia
um programa, para o exame oral não havia um guia como este. Um dia
era escrito, no dia seguinte era oral.
CF: Você é de Madri mesmo?
VM: Não, sou do sul, de Murcia. A experiência sul-americana, naquele
momento, para mim foi uma coisa muito grande, muito importante! Sai
de repente – tenho boa recordação – porque exceto às tristezas... Um
lugar muito triste era Assunção, e naquele momento era desanimador,
a humildade das pessoas. Em Assunção, fiquei em um hotel no qual
os apartamentos não eram separados se não por cortinas, como em
um hospital ou algo assim. Em São Paulo, levei muita documentação
de outros trabalhos, para a exposição e depois fiz as ações lá, foi algo
muito depressa, mas foi ótimo.
CF: E como foi sua relação com Walter Zanini?
VM: Muito oficial, como se diz, mas muito boa. Era uma pessoa muito
aberta, era muito fácil de se comunicar com ele diretamente. Não tive
nenhum problema, ele não colocou nenhuma dificuldade, tudo foi muito
fácil com ele...
CF: E quando estava lá encontrou outros artistas também ou não?
VM: Não me lembro. Mas, dizem que sou uma pessoa muito pouco soci-
ável. As relações profissionais surgem e eu as mantenho, mas nunca
em um plano social. Por exemplo, se realizo uma obra e por meio dela
preciso me comunicar com alguém, tudo bem. Mas, falar no telefone:
-“Vamos conversar”, não! Então, o que acontece é que tenho poucas
relações. Com mais razão, havia uma série de pessoas no Museu,
no dia em que abrimos a exposição, foram muitas pessoas lá e claro,
falei com muita gente, com a intermediação de Júlio Plaza, era mais
fácil para mim. Mas nada que teria continuidade depois. Para Walter
Zanini escrevi umas cartas, mas somente isso. Sou muito isolado, sim!
Exatamente agora, fiz uma coisa compartilhada, pela primeira vez na
vida. É muito bonita a história: pedi a permissão de desenhista no
Museu do Prado e me perguntaram o que eu queria desenhar. Eu disse
que queria desenhar o espaço entre dois quadros, e não me deram a
permissão. Agora, um amigo fez uma exposição na Eslovênia – agora
já não viajo para nenhum lugar e, muito menos para a, Eslovênia, não

LIVRO VOL 2 exposição.indd 132 08/11/2012 13:05:46


vou, porque realmente não tenho nada o que fazer lá –, então eu disse:
“Homem, podemos fazer isso!”. Havia um pintor esloveno, que realizou
essa mesma ação em um museu esloveno, então, é uma coisa que nós
dois assinamos, que fiz agora, medimos a parede.
CF: Como foi esse trabalho nas filas?
VM: O Museu do Prado trouxe para Madri uma exposição com a Vênus
ao Espelho de Velásquez, havia uma quantidade de gente imensa,
havia muitas filas. Fui a essa exposição e aconteceu uma coisa que não
entendi. Havia muita gente, o quadro estava aqui, passei, quando quis
voltar a ver, e não podia voltar. Saí outra vez na rua, entrei na fila e voltei
a entrar, e fiz a mesma coisa e depois da terceira vez que fiz isso me
disseram para sair e não voltar mais.
CF: E os livros? Você tem feito mais livros? Eu gosto muito do seu Livro
Transparente (1970).
VM: Ali está tudo escrito, letra por letra, escrito a mão, com papel filme...
letras transferíveis, não? Era a primeira vez que se imprimia em ace-
tato. Os livros são uma coisa de que gosto muito. Outro dia compilei:
tenho uns quinze livros, editados ou não editados. Agora que dizem
que é iminente a morte dos livros, eu tenho um grande desejo de fazer
livros. Fazer livros com a pretensão de que sejam impossíveis de se
transferir para o computador, de digitalizar. São livros que não se pode
passar para outra linguagem. Isto, porque é importante, é imprescindí-
vel, a materialidade do livro, por questões de paginação e por uma série
de circunstâncias que impedem que se possa fazer uma versão digital.
Essa é a minha preocupação no momento.
CF: E o que é a “Lei Reguladora do Exercício: Desfrute e Comercialização
da Arte (1994)”?
VM: Claro! “Lei” que trata da economia, da comercialização... Isto foi
uma lei, um projeto de lei que eu apresentei à Corte, ao Congresso...
CF: Você apresentou diretamente?
VM: Sim! E esta é a resposta do congresso. Evidentemente não serviu
para nada. Cidadãos têm o direito de fazer propostas legais. Era a pri-
meira vez que um cidadão particular fazia isso.
CF: Relógios (1973) – a última pergunta – foi uma edição também, não?
Há muitas cópias?
133

LIVRO VOL 2 exposição.indd 133 08/11/2012 13:05:46


VM: Sim. A grande maioria das edições é feita por mim, são pagas
por mim. É uma edição minha. Fizemos 100 exemplares. É muito raro
que tenha alguém que queira fazer uma edição deste tipo. Tem outros
livros também, 2.000 d. de J.C (1995-2000), 2 vol., livro editado por
Entreascuas Editores. Para o “patrocínio” desse livro emiti uns bônus
(um preço módico) e o nome do patrocinador foi impresso na página do
ano patrocinado. Foi também publicado pelo mesmo editor Intonso. É
um editor de Madri, tem sua prática artística e como editor. Esses livros
não se vendem, nenhum, nunca.
CF: E como consegue patrocínio?
VM: Um amigo, Mário, que tomou como uma coisa pessoal e se dedi-
cava a isso. Ele conhecia muita gente[...] e esta era uma obra de 1974:
A Visita. Os que compravam a obra, ganhavam uma visita minha em
sua casa, nada mais. Era uma edição, havia serigrafia, litografia, publi-
cações em geral, não? E A Visita, era uma parte...
CF: Então compravam sua visita?
VM: Claro!
CF: E você fez muitas visitas?
VM: Pouquíssimas, muito poucas. Sempre é a mesma coisa, um fra-
casso permanente

LIVRO VOL 2 exposição.indd 134 08/11/2012 13:05:46


135

LIVRO VOL 2 exposição.indd 135 08/11/2012 13:05:46


Obras no acervo do MAC USP
Isidoro Valcárcel Medina
Murcia, Espanha, 1937

Uma Obra Permanente, 1973/74


Una Obra Permanente
off set sobre papel e caixa de madeira,
22,5 x 15,5 x 22,3 cm
Doação artista

Relógios, 1973
Relojes
Madrid: Edição do autor
off set sobre papel e
caixa de papel cartão,
365 pranchas, 9,8 x 9,8 x 5,8cm
Doação artista

Entrevistas, 1976
fita magnética 1/4 de pol., 43 min 17 s
Doação artista

Definição do Lugar Habitual, 1975


Definición del Lugar Habitual
datilografia, fotografia pb e off set sobre
papel colados sobre hidrográfica sobre
papel, 38,1 x 82,4 cm
Doação artista

LIVRO VOL 2 exposição.indd 136 08/11/2012 13:05:46


Retratos de Rua, 1975
Retratos Callejeros
Série 3 Ejercicios
datilografia, fotografia pb, hidrográfica
e tipografia sobre papel colados sobre
papel, 35,3 x 100,2 cm
Doação artista

Retratos de Estúdio, 1976


Série 3 Ejercicios
datilografia, fotografia pb, hidrográfica
e tipografia sobre papel colados sobre
papel, 35,3 x 100,2 cm
Doação artista

Homens Anúncio, 1976


Hombres Anuncio
Série 3 Ejercicios
datilografia, fotografia pb, hidrográfica
e tipografia sobre papel colados sobre
papel, 35,3 x 100,2 cm
Doação artista

Cartões Ilustrados, 1975


Tarjetas Ilustradas
datilografia, fotografia em cores e
tipografia sobre papel e fita adesiva
colados sobre hirográfica sobre papel,
35,4 x 100,7 cm
Doação artista

137

LIVRO VOL 2 exposição.indd 137 08/11/2012 13:05:47


Relógios, 1973
Relojes
heliografia e off set sobre papel colados
sobre papel, 64 x 704 cm
Doação artista

Sem título e O Sena por Paris, 1975


Sem título e El Sena por Paris
datilografia e fotocópia sobre papel
colados sobre hidrográfica sobre papel,
35,2 x 63,3 cm
Doação artista

Resenha das Fitas Magnéticas Presentes


nesta Exposição: Conversas Telefônicas e
Motores, 1973
Reseña de Cintas Magnéticas Presentes
en esta Exposición: Conversaciones
Telefónicas y Motores
datilografia e hidrográfica sobre papel e
fita adesiva colados sobre papel, 35,2 x
100,2 cm
Doação artista

Sem título, 1973


heliografia, hidrográfica e esferográfica
sobre papel, 59 x 84,7 cm
Doação artista

LIVRO VOL 2 exposição.indd 138 08/11/2012 13:05:48


Sem título, 1973
heliografia sobre papel, 59 x 84,7 cm
Doação artista

3 Mulheres, 3 Posturas, 3 Posições


Relativas, 1976
3 Mujeres, 3 Posturas, 3 Posiciones
Relativas
fotocópia sobre papel colado sobre papel,
115,3 x 51,4 cm
Doação artista

Exame, 1975
Examen
datilografia, esferográfica, grafite,
hidrográfica e off set sobre papel, fio de
nylon e fita adesiva colados sobre papel,
43 x 774 cm
Doação artista

12 Exercícios de Medição sobre a Cidade


de Córdoba, 1974
12 Ejercicios de Medición sobre la Ciudad
de Córdoba
fotocópia e hidrográfica sobre papel
colados sobre papel e heliografia sobre
papel, 101,8 x 507 cm
Doação artista

139

LIVRO VOL 2 exposição.indd 139 08/11/2012 13:05:49


O Livro Transparente, 1970
El Libro Transparente
heliografia sobre papel, 15,1 x 26,7 cm
Doação artista

Informe e Resumo Geral de Atividades na


América do Sul, 1976
Informe y Resumen General de
Actividades en Sudamerica
Madrid: edição do autor
carimbo e fotocópia sobre papel,
31,5 x 21,5 cm, 39 pp
Doação artista

Ano Novo, Textos Velhos, 1978


Año Nuevo, Textos Viejos
fotocópia sobre papel, 21,4 x 94,2 cm
Doação artista

O Livro Transparente, 1970


El Libro Transparente
Madrid: Edição do autor
serigrafia sobre acetato encadernado em
wire-o plástico,
100 exemplares, 16 x 21 cm, 66 pp.
Doação artista

LIVRO VOL 2 exposição.indd 140 08/11/2012 13:05:49


Coleção de Publicação de
Artista - Biblioteca MAC USP

VALCÁRCEL MEDINA, Isidoro. Rendición


de La Hora. Barcelona: Fundació Antoni
Tàpies, 2002. 20,8 x 13,5 x 1,2 cm, 74 p.

VALCÁRCEL MEDINA, Isidoro. 2.000 d. de


J.C. Madrid: Entreascuas, 2001. 1000
exemplares, 21,1 x 16,8 x 9,3 cm,
1190 p. 2 v.

VALCÁRCEL MEDINA, Isidoro. Intonso.


Madrid: Entreascuas, 2011. 26,7 x 22,1 x
1,9 cm, 160 p.

VALCÁRCEL MEDINA, Isidoro. La Colección


del Museo. Nacional Centro de Arte Reina
Sofía em Otonõ de 2009.
Madrid: Museu Nacional Centro de Arte
Reina Sofía, 2009.
23 x 34,2 x 6,2 cm, 32 p.

VALCÁRCEL MEDINA, Isidoro. Ley Del Arte.


Ley Reguladora del Ejercício, Disfrute y
Comercialización del Arte. Valência: Sala
Parpalló, 2010. 22,9 x 14,7 x 06 cm, 57 p.

141

LIVRO VOL 2 exposição.indd 141 08/11/2012 13:05:51


programação isidoro valcárcel medina no mac usp (2012)

LIVRO VOL 2 exposição.indd 142 08/11/2012 13:05:51


143

LIVRO VOL 2 exposição.indd 143 08/11/2012 13:05:51


LIVRO VOL 2 exposição.indd 144 08/11/2012 13:05:52
145

LIVRO VOL 2 exposição.indd 145 08/11/2012 13:05:52


Performance em Resistência: 18 Fotografias/18 Estórias

LIVRO VOL 2 exposição.indd 146 08/11/2012 13:05:52


Estudo de um Objeto que se Move no Espaço e no Tempo

Miren Jaio
Bulegoa z/b

No outono de 2010, recebemos o convite da If I Can’t Dance I Don’t Want


To Be Part of Your Revolution para participar do projeto Performance
in Residence1. Nos foi proposto pesquisar performances do passado
de Isidoro Valcárcel Medina (Múrcia, 1937), um artista espanhol que,
com mais de cinco décadas de atividade insistente e fecunda, é ainda
não muito conhecido no contexto europeu. A primeira pergunta que nos
surgiu: como iniciar uma pesquisa quando seu objeto de estudo está
tão claramente no aqui e agora?
A proposta nos chegou justamente quando Bulegoa z/b iniciava sua
caminhada pública em Bilbao. Desde então já se passaram dois anos.
Pode-se dizer que o espírito de “o que fazer” de Valcárcel Medina,
questionador constante das formas recebidas, nos acompanhou no
processo de construção de nossa oficina de arte e conhecimento.
Porém, voltemos ao início. Em setembro de 2010, nosso “objeto de
estudo” nos recebeu amavelmente em sua casa de Madri, como cos-
tuma fazer com todo aquele que aparece a sua porta. A partir de então,
iniciamos uma troca de cartas, visitas e chamadas telefônicas. Pouco
depois, respondia com uma proposta. Não é raro que o objeto de estudo
se adiante e que fosse ele que desse o primeiro passo. Mestre na arte
da fuga, Valcárcel Medina leva uma década batalhando através de
sábios toques e o desejo alheio que trata de imobilizá-lo e convertê-lo
em material de arquivo.
Sua resposta a Performance in Residence/Performance in Resistance,
se compõe de 18 fotografias nas quais o artista aparece retratado
em diferentes situações. A série de fotografias foi tomada em Madri,
durante as festas da Semana Santa de 2011. No passe-partout que
emoldura cada uma das fotografias apresentam datilografados um
título, uma data e uma cidade. Em um primeiro momento, a quem olha

1 Performance in Residence (PiR) é um projeto da plataforma curatorial de Amsterdam If


I Can’t Dance I Don’t Want To Be Part of Your Revolution que pesquisa as performances do
passado desde a perspectiva da prática atual na qual também participam Flávio de Carva-
lho e Inti Guerrero, Guy de Cointet e Marie de Brugerolle, Matt Mullican e Vanessa Desclaux.

147

LIVRO VOL 2 exposição.indd 147 08/11/2012 13:05:53


se evidencia que as 18 fotografias se referem a 18 ações que Valcárcel
Medina realizou em diferentes cidades entre 1965 e 1993.
Este conjunto de fotografias que dissolve e confunde os limites entre
o momento vivido e o documento, entre o acontecido e a ficção, é coe-
rente com a prática do artista. Iniciada em meados da década de 1950
e caracterizada por deixar poucos rastros, a prática é regida por uma
série de premissas: expor as convenções e inércias com as quais ope-
ram os sistemas, entre eles, o da instituição arte; “exprimir e esgotar as
possibilidades do assunto tratado até suas consequências” – tomando
da pesquisa científica o rigor de seus métodos, porém não seus fins e
objetivos –; ou “responder ao momento histórico”2.
Esta última premissa ressoa com força na PiR. Diante das vozes que
buscam a manutenção de um olhar retrospectivo sobre si mesmo,
projetar-se a um lugar e a um tempo em que já não se está, o artista
responde com uma ação de resistência. Atrás da ação, surge a per-
gunta: “como é possível, tocando as obras antigas, não agredi-las e,
como consequência inevitável, fazer uma nova obra?”3.
São muitas as histórias que contém PiR. Não somente estão as histó-
rias por trás de cada uma das 18 ações e 18 fotografias. Também estão
todos aqueles a quem a ação do artista serve de estímulo e inspiração.
Artista solitário, sempre por vontade própria, Valcárcel Medina é ironica-
mente o artista no contexto espanhol mais assinalado como influência
por várias gerações de artistas. Esta convergência libidinosa sobre o
nosso objeto de estudo nos levou a buscar um mecanismo que percor-
resse esta diversidade de aproximações e, de certa maneira, responde
à lógica da multiplicação do retrato que opera dentro da PiR.
18 Fotografias, 18 Estórias toma a forma de um dispositivo que pro-
duz relatos e acompanha à PiR em uma viagem através de diferentes
paradas. Em cada uma delas, três narradores realizam um relato oral
a partir de uma das 18 fotografias. O funcionamento do mecanismo
é possível graças a relação de diálogo e colaboração com convida-
dos e instituições artísticas de várias cidades. Iniciada em fevereiro
de 2012, em IICD, em Amsterdã, e continuado em Bulegoa z/b em

2 Os trechos entre aspas correspondem às palavras do artista recolhidas em conversas


com Bulegoa z/b.
3 “Valcárcel Medina em fala. Valcárcel Medina em conversa com José Díaz Cuyás y Nuria
Enguita Mayo” em Ir y Venir de Valcárcel Medina. Barcelona / Múrcia / Granada: Fundació
Antoni Tàpies / Comunidad Autónoma de la Región de Múrcia / Centro José Guerrero, 2002.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 148 08/11/2012 13:05:53


Bilbao, Fundació Tàpies em Barcelona, CAC Brétigny en Brétigny, BNV
Producciones em Sevilha e STUK-Playground em Lovaina, a viagem de
18 Fotografias, 18 Estórias tem como última parada o MAC USP de São
Paulo, em novembro de 2012.
Não é necessário dizer que a figura de Valcárcel Medina, retratada nas
18 fotografias de PiR em cidades como Paris, Madri, Córdoba, Múrcia,
Milão, Buenos Aires, São Paulo ou Assunção, viaja a todas e cada uma
das paradas das 18 Fotografias, 18 Estórias. É impossível, sem dúvida,
encontrá-lo. Ele já não está ali. Mestre da arte da fuga e artista do aqui
e agora, se encontra em outro lugar.

149

LIVRO VOL 2 exposição.indd 149 08/11/2012 13:05:53


No final de 2010, If I Can’t I Don’t Want To Be Part Of Your Revolution
de Amsterdã convidou Bulegoa z/b de Bilbao a pesquisar as perfor-
mances de Isidoro Valcárcel Medina (Múrcia,1937) dentro do programa
Performance in Residence. A este convite que o convertia em objeto de
estudo, o artista respondeu com Performance in Resistance. As dezoito
fotografias que mostram outras tantas ações realizadas pelo artista em
diferentes cidades entre 1965 e 1993 assinalam um dos princípios que
regem a prática de Valcárcel Medina, a obrigação de “responder ao
momento histórico”.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 150 08/11/2012 13:05:56


Fotografias: Rocío Areán Gutiérrez

18 Fotografias/18 Estórias é um projeto de Bulegoa z/b, realizado


em colaboração com If I Can’t Dance, que apresenta e acompanha
Performance in Resistance em uma viagem por diversas cidades.
Iniciada em Amsterdã e continuada em Bilbao, Barcelona, Brétigny,
Sevilha e Lovaina, a viagem tem como última escala o MAC USP de São
Paulo. Em cada uma das cidades, três narradores realizam um relato
oral a partir de uma das dezoito fotografias. Valcárcel Medina não parti-
cipa do périplo, mas está disponível por telefone para as perguntas que
he queiram formular durante a leitura dos relatos.
151

LIVRO VOL 2 exposição.indd 151 08/11/2012 13:05:59


Referências e infografia

LIVRO VOL 2 exposição.indd 152 08/11/2012 13:05:59


Referências
ALBARRÁN DIEGO, Juan. Del fotoconceptualismo al fototableau: fotogra-
fía, performance y escenificación en España (1970-2000). Salamanca:
Ediciones Universidad Salamanca. 2012. 485p. (Colleción Vítor, 314)

ALEA, Pamplona. Encuentros. Pamplona: ALEA, 1972. 1 v. (Catálogo de


Exposição).

CARREÑO ZUBIAUR, Francisco Javier. Los Encuentros de Pamplona 1972:


Contribución del Grupo Alea y la Familia Huarte a un acontecimiento singu-
lar. Anales de História del Arte, Madrid, n. 14, 2004, p. 251-267.

CENTRO DE ARTE Y COMUNICACIÓN. Arte de sistemas. Buenos Aires, 1971.


1 v. (Catálogo de Exposição).

DESACUERDOS: sobre arte, políticas y esfera pública en el Estado español:


Cuaderno 1. San Sebastán: Arteleku, 2003. 175 p.

DESACUERDOS: sobre arte, políticas y esfera pública en el Estado español:


Cuaderno 3. San Sebastán: Arteleku, 2005. 335 p.

DÍAZ CUYÁS, José. The Everyday Fact as Peripety. Afterall: A Journal of Art,
Context, and Enquiry, Chicago, n. 26, Spring 2011, p. 69-75.

FERNANDEZ, Horácio. Variaciones en España: fotografia y arte, 1900-1980.


Las Palmas de Gran Canaria: CAAM, 2004. 1 v. (Catálogo de Exposição).

FUNDACIÓ ANTONI TÀPIES. Ir y venir de Valcárcel Medina. Barcelona, 2002,


(Catálogo de Exposição), 242 p.

GUASCH, Ana Maria. Arte y archivo, 1920-2010: Genealogías, tipologías y


discontinuidades. Madrid: AKAL, 2011. 315 p.

LLORCA, Pablo. Isidoro Valcárcel Medina: Fundació Antoni Tàpies. Artforum


Internacional, New York, v. 41, n. 10, Summer 2003, p. 196.

MAZUECOS SÁNCHEZ, Amália Belén. Arte contextual: estrategias de los


artistas contra el mercado del arte contemporaneo. Tese de doutorado –
Facultad de Bellas Artes, Universidad de Granada, 2008, 650 p.
153

LIVRO VOL 2 exposição.indd 153 08/11/2012 13:05:59


MUSEO D’ART CONTEMPORANI DE BARCELONA. Relational Objects: MACBA
collection 2002-07. Barcelona, 2009. 280 p.

MUSEO DE CIENCIAS Y ARTE DEL MÉXICO. Década del 70. Ciudad del
México, 1977. 1 v. (Catálogo de Exposição).

PARCERISAS, Pilar. Conceptualismo(s) poéticos, políticos y periféricos: en


torno al arte conceptual en España: 1964-1980. Madri: AKAL, 2007, 544 p.

PARRA PÉREZ, Carolina, Arte contra el sistema: Isidoro Valcárcel Medina.


Imafronte, Murcia, n. 15, 2000, p. 225-236.

______. Arte, vida y concepto en Isidoro Valcárcel Medina. CAVECANEM,


Murcia, n.11, 2001, p. 67.

PÉREZ, David. Sin marco: arte y actitud en Juan Hidalgo, Isidoro Valcárcel
medina y Esther Ferre. València: Universidad Politècnica de València, 2008.
224 p.

PEREZ VILLÉN, Ángel Luis. Isidoro Valcárcel Medina. Lápiz, Madrid, n. 103,
1994, p. 73-74.

PUJALS GESALÍ, Esteban. Isidoro Valcárcel Medina’s Constellations. Afterall:


A Journal of Art, Context, and Enquiry, Chicago, n. 26, Spring 2011, p. 61-67.

SARMIENTO, José Antonio. La otra escritura: La poesía experimental


española. Cuenca: Servicio de Publicaciones de la Universidad de Castilla-La
Mancha, 1990. 319 p.

______, (Ed.). Escrituras en Libertad: poesía experimental española e his-


panoamericana del siglo XX. Madrid: Instituto Cervantes, 2011, 523 p. + 1
DVD.

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Museu de Arte Contemporânea. A cidade E


O estrangeiro: Três Exercícios de Aproximação Organizados por Valcárcel
Medina: julho de 1976. São Paulo, 1976. 1 v. (Folder de Exposição).

______. Poéticas Visuais: 29 de setembro a 30 de outubro de 1977. São


Paulo, 1977. 1 v. (Catálogo de Exposição).

LIVRO VOL 2 exposição.indd 154 08/11/2012 13:05:59


______. Arte Antropologia: representações e estratégias. São Paulo, 2007.
(1 CD-ROM).

VALCÁRCEL MEDINA, Isidoro. Topología hermenéutica, o bien hermenéutica


topológica. S.L.: Ahora, 2005. (Originais de Isidoro Valcárcel Medina, assina-
das com lápis pelo artista), 108 p.

______. A la contra: el arte como ejercicio: Isidoro Valcárcel Medina con-


versa com Juan de Nieves. València: Universidad Politècnica de València,
2008. (1 DVD).

ZANINI, Walter. Introdução. In: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Museu de


Arte Contemporânea. Prospectiva’74: 16 de agosto a 16 de setembro de
1974. São Paulo, 1974. 1 v. (Catálogo de Exposição).

______. Década de 70. In: GLUSBERG, Jorge (Org.). Década de 70: 18 de


agosto a 5 de setembro de 1976. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea
da Universidade de São Paulo, 1976. 1 v. (Folder de Exposição).

Infografia
ANAR i venir de Valcárcel Medina. Barcelona: Fundació Antoni Tàpies, 2002.
Disponível em:
<http://www.fundaciotapies.org/site/spip.php?ar ticle1050&var_
recherche=ir%20y%20venir>. Acesso em: 01 out. 2012.

CONVERSACIÓN entre Isidoro Valcárcel Medina y Santiago Sierra. S.L.:


Contraindicaciones, 2012. Disponível em:
<http://www.contraindicaciones.net/2012/03/conversacion-entre-isidoro-
valcarcel-medina-y-santiago-sierra.html>. Acesso em: 01 out. 2012.

ENTREVISTA a Isidoro Valcárcel Medina: Encuentros de Pamplona, 1972.


Madrid: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, 2009. Disponível em:
<http://www.museoreinasofia.es/archivo/videos/2009/encuentros-pam-
plona/entrevista-isidoro-valcarcel-medina.html>. Acesso em: 01 out. 2012.

155

LIVRO VOL 2 exposição.indd 155 08/11/2012 13:05:59


18 FOTOGRAFIES i 18 histories: tercera parada de Performance in
Resistance d’Isidoro Valcárcel Medina. Barcelona: Fundació Antoni
Tàpies, 2012. Disponível em: <http://www.fundaciotapies.org/site/spip.
php?article7442&var_recherche=medina>. Acesso em: 01 out. 2012.

ISIDORO Valcárcel Medina. El País, Madrid, 2012. Disponível em: <http://


elpais.com/tag/isidoro_valcarcel_medina/a/ >. Acesso em: 01 out. 2012.

ISIDORO Valcárcel Medina: ilimit. Madrid: Ivorypress, 2012. Disponível


em: <http://www.ivorypress.com/art_books_space/exposure/isidoro_
valcaacute;rcel_medina_ilimit_73>. Acesso em: 02 out. 2012.

ISIDORO Valcárcel Medina: Otoño de 2009. Madrid: Museo Nacional Centro


de Arte Reina Sofia, 2009. Disponível em: <http://www.museoreinasofia.
es/prensa/area-prensa/exposiciones-prensa/historico/2009/valcarcel-
medina.html>. Acesso em: 01 out. 2012.

ISIDORO Valcárcel Medina. S.L.: Herramientas del Arte, 2012. Disponível


em: <http://www.herramientasdelarte.org/category/isidoro-valcarcel-
medina/>. Acesso em: 01 out. 2012.

MAD 03: arte publico. S.L.: Contraindicaciones, 2005. Disponível em:


<http://www.contraindicaciones.net/2005/04/mad-03-arte-publico.html>.
Acesso em: 01 out. 2012.

VALCÁRCEL MEDINA, Isidoro. La memoria propia, es la mejor fuente de


documentación. Madrid: S.N., 1994. Disponível em: <http://www.uclm.es/
cdce/sin/sin1/valcar1.htm>. Acesso em: 01 out. 2012.

______. Ley reguladora del ejercicio, desfrute y comercialización del arte.


Madrid: S.N., 1994. Disponível em: <http://www.uclm.es/cdce/sin/sin1/
valcar2.htm>. Acesso em: 01 out. 2012.

LIVRO VOL 2 exposição.indd 156 08/11/2012 13:05:59


157

LIVRO VOL 2 exposição.indd 157 08/11/2012 13:05:59


LIVRO VOL 2 exposição.indd 158 08/11/2012 13:05:59
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Cons. e Restauro Papel: Rejane Elias; Tesouraria: Rory Willian Pimentel;
Reitor: João Grandino Rodas Renata Casatti Rosineide de Assis
Vice-Reitor: Hélio Nogueira Cruz Apoio: Aparecida Lima Caetano Copa: Regina de Lima Frosino
Vice-Reitor Executivo de Administração: Cons. e Restauro Pintura e Escultura: Ariane Copa MAC Ibirapuera: Amarina Ribeiro
Antonio Roque Dechen Lavezzo; Márcia Barbosa Loja: Liduína do Carmo
Vice-Reitor Executivo de Relações Apoio: Rozinete Silva Áudiovisual: Maurício da Silva
Internacionais: Adnei Melges de Andrade Técnicos de Museu: Fábio Ramos; Mauro Manutenção: André Tomaz; Luiz Antonio Ayres
Pró-Reitora de Graduação: Telma Maria Silveira Manutenção MAC Ibirapuera: Ricardo Caetano
Tenório Zorn Transportes: José Eduardo da Silva; Anderson
DIVISÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA DE
Pró-Reitor de Pós-Graduação: Vahan Agopyan Stevanin; Jarbas Rodrigues Lopes
EDUCAÇÃO E ARTE
Pró-Reitor de Pesquisa: Marco Antônio Zago Vigilância Chefia: Marcos de Oliveira
Chefia: Evandro Nicolau
Pró-Reitora de Cultura e Ext. Univ.: Vigias: Acácio da Cruz; Affonso Pinheiro;
Suplente de Chefia: Andréa Amaral Biella
Maria Arminda do N. Arruda Alcides da Silva; Antoniel da Silva; Antonio C.
Docentes e Pesquisa: Carmen Aranha;
Secretário Geral: Rubens Beçak
Katia Canton de Almeida; Antonio Dias; Antonio Marques;
Secretárias: Carla Augusto; Miriã Martins Carlos da Silva; Clóvis Bomfim; Custódia
Educadores: Andréa Amaral Biella; Evandro Teixeira; Elza Alves; Emílio Menezes; Geraldo
MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA Nicolau; Maria Angela S. Francoio; Renata Ferreira; José de Campos; Laércio Barbosa;
Sant’Anna; Sylvio Coutinho Luis C. de Oliveira; Luiz A. Macedo; Marcos
CONSELHO DELIBERATIVO Esp. em Pesquisa de Apoio em Museu: Prado; Marcos Aurélio de Montagner; Osvaldo
Ana Magalhães; Ariane Lavezzo; Cristina Freire; Silvia M. Meira
dos S. Maria; Raimundo de Souza; Renato
Eugênia Vilhena; Helouise Costa; Katia Canton; Design: Alícia Krakowiak
Ferreira; Renato Firmino; Vicente Pereira;
Lorenzo Mammi; Luiz Claudio Mubarac; Mario Apoio: Luciana de Deus
Vitor Paulino
Celso Ramiro de Andrade; Moacyr Ayres
Novaes Filho; Tadeu Chiarelli SERVIÇO DE BIBLIOTECA E
IMPRENSA E DIVULGAÇÃO
DOCUMENTAÇÃO – LOURIVAL GOMES
Jornalista: Sergio Miranda
DIRETORIA MACHADO
Diretor: Tadeu Chiarelli Equipe: Beatriz Berto; Carla Carmo
Chefia: Lauci dos Reis Bortoluci
Vice-diretora: Cristina Freire Documentação Bibliográfica: Anderson Tobita; SEÇÃO TÉCNICA DE INFORMÁTICA
Assessoras: Helouise Costa; Ana Maria Farinha Josenalda Teles; Vera Filinto
Chefia: Teodoro Mendes Neto
Secretárias: Ana Lúcia Siqueira; Andréa Pacheco
ASSISTÊNCIA TÉCNICA Equipe: Roseli Guimarães
DIVISÃO DE PESQUISA EM ARTE – ADMINISTRATIVA
SECRETARIA ACADÊMICA
TEORIA E CRÍTICA Chefia: Nilta Miglioli
Secretária: Regina Pavão Analista Acadêmico: Águida F. V. Mantegna
Chefia: Helouise Costa
Suplente de Chefia: Ana Magalhães Contador Chefe: Francisco I. Ribeiro Filho Técnico Acadêmico: Paulo Marquezini
Secretárias: Mônica Nave; Sara Vieira Valbon Contador: Silvio Corado Técnico Acadêmico (PGEHA): Joana D´Arc
Docentes e Pesquisa: Cristina Freire; HelouiseChefia MAC Ibirapuera: Júlio J. Agostinho Ramos S. Figueiredo
Costa; Ana Magalhães Secretária MAC Ibirapuera: Sueli Dias
Almoxarifado e Patrimônio: Lucio Benedito da PROJETOS ESPECIAIS E
DIVISÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA DE Silva; Edson Martins PRODUÇÃO DE EXPOSIÇÕES
ACERVO Compras: Eugênia Vilhena; Maria Sales; Nair Chefia: Ana Maria Farinha
Chefia: Paulo Roberto A. Barbosa Araújo; Waldireny F. Medeiros Produtoras Executivas: Alecsandra M. Oliveira;
Suplente de Chefia: Rejane Elias Pessoal: Marcelo Ludovici; Nilza Araújo Beatriz Cavalcanti; Claudia Assir
Secretária: Maria Aparecida Bernardo Protocolo, Expediente e Arquivo: Cira Pedra; Editora de Arte/Projeto Gráfico e Expografia:
Documentação: Cristina Cabral; Fernando Piola Maria dos Remédios do Nascimento; Elaine Maziero
Arquivo: Silvana Karpinscki Simone Gomes Editoria Eletrônica: Roseli Guimarães

A Cidade e o Estrangeiro. Isidoro Valcarcél Medina


A partir de 29 de novembro de 2012

Curadoria: Cristina Freire


Assistência de curadoria: Grupo de Estudos Arte Conceitual e Conceitualismos no Museu (GEACC-
CNPq) - Adriana Palma, Andréia Rocha, Arthur de Medeiros, Eduardo Akio, Heloísa Louzada, Jonas
Pimentel, Emanuelle Schneider, Carolina Castanheda, Douglas Romão
Agradecimentos: Isidoro Valcarcél Medina, Miren Jaio e Carla Zaccagnini
Agradecimentos especiais: Roberta Matarazzo (presidente da AAMAC)

MAC USP • www.mac.usp.br • Cidade Universitária


Rua da Praça do Relógio, 160 (antiga Rua da Reitoria) • C. Universitária • São Paulo - SP • CEP:
05508-050 • Tel.: 55 11 3091 3039
Terça e Quinta das 10h às 20h • Quarta, Sexta, Sábado, Domingo e Feriados das 10h às 18h •
Segunda-feira fechado
Apoio:
AAMAC - Associação de Amigos do MAC USP

159

LIVRO VOL 2 exposição.indd 159 08/11/2012 13:06:00


LIVRO VOL 2 exposição.indd 160 08/11/2012 13:06:00

Você também pode gostar