Disputa XVIII secção 2 – Se a divisão é unívoca ou análoga
Primeira opinião – A divisão é equivoca.
1! Há três opiniões sobre como predicar o ente, são elas: equivocamente,
univocamente e analogicamente. A primeira postula que ente é dito de Deus e das criaturas de forma equivoca, i.e., existe predicação equivoca quando um é o nome e vários são os conceitos mentais, e.g. Leão se refere tanto a constelação quanto ao mamífero; portanto, segunda esta opinião, não há nada entre Deus e as criaturas que possa ser predicado de ambos, incluindo a entidade. Essa opinião é sustentada, segundo São Tomás de Aquino (q.7 disp. Pot) por Maimônides pois entre o ente finito e o ente infinito não há proporção (essa noção se baseia em uma passagem de Aristóteles que eu não me lembro onde se encontra). Mas São Tomás [de Aquino] reprova justamente no mesmo lugar esta opinião com muitos argumentos. Do contrário, com efeito, nada poderia ser demonstrado de Deus a partir das criaturas, se somente os nomes lhes fossem comuns, isto é, não poderíamos usar os nomes comuns a Deus e às criaturas para demonstrar algo de Deus, pois o [termo] médio seria equívoco. Além disso há alguma semelhança entre Deus e a criatura, já que são como causados e causa; sobretudo, portanto, segundo a natureza de ente, que é a primeira de todas.
Segunda opinião – A divisão é unívoca.
2! Fundamentos da segunda opinião, - primeiro. – A segunda opinião é que
ente é dito univocamente de Deus e das criaturas. Esta opinião manteve Scotus no comentário as sentenças. Prova-se: ente significa diretamente um único conceito comum a Deus e às criaturas; logo, é unívoco. Há predicação unívoca quando há identidade entre o nome e o conceito. 3! Segundo – Pela natureza do nome análogo que é comum ao equívoco (Aristóteles coloca os análogos juntos dos equívocos), com a única diferença que o nome equívoco ocorre por acidente, enquanto o análogo ocorre por uma comparação de proporção. Ora, ente ocorre nem por acidente e nem por comparação, mas sim, existe formalmente (falta de uma palavra melhor) tanto na criatura quanto em Deus. Logo, não há analogia. 4! Terceiro. – A analogia é comumente distinguida em duas, são elas: analogia de proporcionalidade, e analogia de atribuição. Ocorre analogia de proporcionalidade quando se faz uma comparação proporcional, i.e., A está para B, assim como, C está para D; e.g., a matéria está para a forma, assim como, a forma está para o ato. Ocorre analogia de atribuição quando em um dos objetos da predicação (que são chamados analogados), o nome ou perfeição (aquilo o qual se predica) se encontra propriamente e intrinsecamente no primeiro analogado, enquanto nos demais se encontra extrinsecamente e por relação com o primeiro; e.g., no caso do nome são: quem tem saúde, quem é são (ou seja, o primeiro analogado) é o animal, enquanto a urina pode dizer-se sã por indicar a saúde do animal, o remédio, o alimento, as caminhadas por causar a saúde do animal, etc. Ora, em nenhum dos dois casos se encontra o ente, é patente quanto à primeira, pois a criatura é denominada ente de modo absoluto por seu ser e não por alguma proporção ao ser de Deus. Quanto a segunda prova-se: ente não é dito por uma denominação extrínseca a partir de outro, mas existe propriamente e intrinsecamente nas criatura; no mais, todo análogo secundário neste caso é denominado a partir do primeiro, ora, o ente finito não é denominado ente pelo ente infinito, mas antes o contrário. Logo não há analogia.
Terceira opinião - A divisão é análoga.
5! A terceira opinião nega que ‘ente’ seja equívoco ou unívoco e,
consequentemente, diz que é análogo, que o nome ‘ente’ é dito primariamente de Deus e secundariamente das criaturas. Esta é a opinião de São Tomás e diversos tomistas. São várias as razões desta opinião, uma delas apresenta Tomás de Aquino, que quando o efeito não se iguala a causa em virtude, este não pode ser chamado de unívoco, visto que a natureza não é a mesma. 6! Mas esta razão parece ineficaz, visto que, conquanto o efeito não se assemelhe a causa em natureza específica, pode se assemelhar em natureza genérica, i.e., enquanto o fogo, o ouro são causados pelo sol, estes não se igualam as virtudes especificas da causa, mas se igualam genericamente em outros aspectos, como a corporeidade e a substancialidade. 7! O efeito que não se iguala à virtude da causa naquele grau, no qual depende dela, não coincide com ela univocamente. – Responde-se: aquela proposição não deve ser entendida [como se fosse] sobre a natureza específica, genérica ou transcendental, mas precisa e formalmente como sobre aquela natureza, segundo a qual o efeito procede da causa. A criatura é dependente de Deus em todos os aspectos, mas em aspecto algum é igual a Deus em virtude, portanto, não há univocidade. Não tem lugar aqui o exemplo do sol, visto que fogo e ouro são efeitos equívocos do sol segundo suas naturezas próprias; segundo as comuns, segundo as quais coincidem com o sol univocamente, ou são efeitos unívocos ou antes não são efeitos por si, i.e., enquanto corpo e ente, fogo e ouro não são causados pelo sol em si, e por isso podem coincidir univocamente. Ora, o mesmo não pode ocorrer entre Deus e as criatura, visto que, segundo a natureza do ente enquanto tal, este é completamente dependente daquele que é sua origem e causa. 8! Demonstra-se que nenhuma criatura se iguala à virtude de Deus. – Sob nenhum aspecto a criatura se iguala a Deus em virtude, seja na entidade, substancialidade, ou qualquer outro. A razão para tal, é de que em Deus não há separação entre ser e essência, i.e., Deus é simples, todas as suas perfeições são como uma só, ou seja, sua entidade não difere de sua bondade, sua justiça ou sabedoria. Nos entes criados ao contrário, há separação entre ser e essência, ou seja seus atributos são distintos de seu ser e um dos outros; razão esta por quê Deus é chamado de ser por essência e as criaturas ser por participação. 9! Dificuldade, que pode sofrer as razões precedentes. – Discutir sobre as diferenças entre Deus e as criaturas enquanto entes particulares, i.e., enquanto criatura e enquanto Deus não servem a discussão, já que o objeto da discussão é o ente enquanto ente (ente generalíssimo), e por razão de que também não vem a impedir a univocidade, visto que, animal, ainda que um conceito unívoco é dito mais perfeitamente de homem do que de cavalo. Entretanto, se considerado tais diferenças não enquanto entes particulares, mas sim como entes enquanto entes, então existe uma diferença essencial e não há unidade de conceito.
Qual analogia pode ocorrer aqui. -
10,11! Descarta-se a analogia de proporcionalidade proposta por Tomas de
Aquino nas questões disputadas sobre a verdade (que é um momento único na obra de Tomás) a qual é tomada e ampliado por Caetano, também se descarta a concepção de Ferrara e de Pedro da Fonseca da simultaneidade com a analogia de atribuição. As razões para isto são tais: primeiro, nem toda proporcionalidade é suficiente para constituir uma analogia de proporcionalidade, e.g., o homem está para os seus sentidos como o cavalo está para os seus, não constitui nenhuma analogia ou gênero de nome comum. A segunda razão é de que em toda proporcionalidade, um dos membros da analogia é absolutamente tal por sua forma, enquanto o outro só o é em comparação com o primeiro. Ora, este não é o caso de ente, visto que ente existe absolutamente naquilo que é, i.e. todo ente o é absolutamente, do que ao contrário não seria, não existiria. Outra razão é de que todo análogo secundário é nomeado através do primeiro, assim como o medicamento é saudável por referência a saúde corporal; ora, é evidente que ente não é dito das criaturas a partir do ente divino, mas antes o contrário, visto que primeiro conhecemos a criatura e depois o criador. Por último, não há simultaneidade de analogias, visto que, toda proporcionalidade guarda certa impropriedade, ou seja, é metafórica (Suarez desconsidera uma analogia de proporcionalidade própria). A analogia que existe então é a de atribuição, e assim ensinou Tomás de Aquino em toda sua obra (exceto nas questões disputadas sobre a verdade). 12! Deus e a criatura não indicam uma analogia de atribuição para um terceiro. – Visto que toda e qualquer atribuição que ambos Deus e a criatura fizessem referência seria anterior a ambos. Como já foi mencionado anteriormente o homem conhece primeiro a criatura e nomeia suas perfeições, depois conhece o Criador, que por excelência é de quem emana toda e qualquer perfeição, e as tem propriamente e de forma indistinta, o que inclui a entidade (ipsum esse Subsistens). 13! De que modo os platônicos não chamam Deus ‘ente’, mas ‘além do ente’. – Ente significa ‘o que tem ser’ como se fosse distinguido de algum modo ‘o que tem’ do ‘próprio ser’ e [como se] fosse ente por alguma participação nele. Quanto a este modo, a significação ou denominação ‘ente’ cabe mais propriamente à criatura do que a Deus. A tal ponto que às vezes alguns sábios, falando com este rigor, dizem que Deus não é ente, mas ‘além do ente’. Entretanto, como este modo de significar não é verdadeiramente atribuído à coisa significada, nem lhe atribui uma imperfeição, então ‘ente’ significa absolutamente aquilo que é e é deste modo dito principalmente e o mais propriamente de Deus. 14! (Ler a passagem inteira). 15! Nas criaturas, a atribuição relativa a Deus não é como aquela do que não tem intrinsecamente uma forma relativa àquele que a tem. – O que fica claro pelas já mencionadas razões, das quais, a criatura é propriamente ente, é intrinsecamente ente, ou seja, não o é como referência a uma entidade verdadeira, mas é existente em si mesmo. Outra razão, é de que a criatura é denominada ente, por sua existência e não por quê tem seu ser em outro, se este fosse o caso, a consideração não seria sobre o ente enquanto ente, mas o ente quanto tal ente, nomeadamente o ente participado. Por fim, já foi mostrado acima que ‘ente’ é dito de tudo que está contido dentro dele segundo um conceito uno; portanto, pode ser termo médio de uma demonstração e a natureza de ente encontrada nas criaturas pode ser o princípio de descoberta de uma natureza semelhante existente no criador de um modo mais alto.