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Brasil: um país rodoviarista

No Brasil, a história do transporte rodoviário inicia-se com a chegada


da família real em 1808. A presença da família real impulsionou
grandes transformações urbanas na cidade do Rio de Janeiro. Na
época, a cidade possuía uma população de 57 mil habitantes aos quais
se somaram outros 15 mil que vieram com a Corte. Em curtíssimo
espaço de tempo a população da cidade aumentou em 26%.

Em 1817, Dom João VI autoriza a concessão das duas primeiras linhas


de transporte urbano ao Sargento Mor da guarda real e barbeiro do Rei
Sebastião Fábregas de Suriguê. O Sargento Mor passou a explorar duas
linhas de transporte de pessoas, que faziam itinerários da Praça XV à
Quinta da Boa Vista e Praça XV à Fazenda de Santa Cruz. O transporte
utilizava diligências propulsionadas por cavalos ou mulas. O tempo de
deslocamento até a Fazenda Santa Cruz era de mais de cinco horas.

Fonte:https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2017/06/Berlinda-RB-ala-das-
carruagens-reais.jpg
Inspirado na figura de Stanislav Baudry1, o Desembargador Aureliano
de Souza e Oliveira Coutinho (futuro Visconde de Sepetiba), em 1837
cria a Companhia de Omnibus. Os veículos eram movidos a tração
animal, possuíam 2 andares e capacidade para transporta de 20 a 24
passageiros. A cidade já contava com uma população de mais de 130
mil habitantes.

Os Omnibus operavam precariamente ao lado de diligências e


carruagens. Estenderam uso até o aparecimento dos Bondes (ou

1
Em 1828, Stanislav Baudry funda a Compagnie Générale des Omnibus de Paris, a
primeira empresa de transporte da história do ônibus. O transporte era
desempenhado por carroças. O primeiro ônibus movido à combustão foi desenvolvido
somente em 1895, por Karl Benz.
gondolas), em fins década de 1850. Os bondes eram um tipo de
pequenos ônibus, tracionado por animais e com capacidade para
transportar até 9 passageiros.

Fonte: https://thehousehistorian.files.wordpress.com/2015/04/shillibeers_first_omnibus.png

Fonte: http://semprerio.com.br/wp-content/uploads/sites/24/2012/04/ultimo_bonde.jpg
Sobre o transporte utilizando cavalos, diz Eric Morris (2007)2:

“Horses were absolutely essential for the functioning of the 19th century city –
for personal transportation, freight hauling, and even mechanical power – but
by the end of the century, the problem of horse pollution had reached
unprecedented heights. Experts of the day estimated that between three and
four million pounds of manure was deposited on city streets and in city stables
every day. Railroads even exacerbated the situation. Only once there was a
substitute were Americans able to leave urban horse transportation behind, and
this occurred through improvements in the internal combustion engine, the
invention of traffic rules, and smooth new asphalt street surfaces that paved the
way for the private automobile.”3
O estrume acarretava transtorno estético, e combinado à urina
emanava um mal cheiro onipresente nas vias urbanas. Também havia
o problema das moscas, vetores de doenças e responsáveis por
diversos surtos registrados na época, a exemplo de febre tifoide. Além
disso, ocorriam acidentes e congestionamentos. Dados da cidade de
Chicago mostram que em 1916 ocorreram cerca de 17 óbitos
relacionados com o cavalo, para cada 10.000 veículos puxados por
cavalos4. Pode-se afirmar, com certeza, que o transporte
propulsionado por cavalos produzia externalidades negativas em
distintas dimensões, sendo as mais importantes: a econômica, a
ambiental, a saúde, e a acessibilidade e a econômica.

Vale um parêntese para sublinhar o transporte sobre trilhos. Os


serviços têm início em 1868 e transforma profundamente o espaço
regional e urbano, principalmente do Rio de Janeiro. A introdução do
transporte ferroviário complementava o transporte a cavalo,
fundamental para a locomoção das pessoas e a distribuição de
mercadorias. Até hoje o transporte sobre trilhos persiste no imaginário
da sociedade fluminense5.

O sistema rodoviário vivencia profunda inflexão quando Carl Friederich


Bens (1885) e Gottlieb Daimler (1886) concluíram os primeiros

2Eric Morris is an assistant professor of city and regional planning at Clemson University. This essay originally
appeared in ACCESS, a magazine reporting on research funded by the University of California Transportation Center.
3
https://thebreakthrough.org/index.php/programs/economic-growth/revolutionary-engines
4 Este valor contrasta com os 2 óbitos registrados pela cidade do automóvel em 1997 em Chicago.
5
Para um aprofundamento dessa história ver o texto de Weid, Elisabeth von der, publicado pela Fundação
Casa de Rui Barbosa. A trajetória do bonde no Rio de Janeiro. 1994.
modelos de automóveis com motor a combustão interna a gasolina.
Em 1891, Santos Dumont importa de Paris o primeiro carro
motorizado. Tratava-se do um modelo Type 3 da Peugeot,
propulsionado à gasolina.

Modelo de Peugeot Tipo 3, comprado por Santos Dumont

Fonte: http://www.museepeugeot.com/fr/portail.html

O transporte rodoviário ganha destacada evidencia na 1ª Grande


Guerra Mundial. A produção massiva de auto veículos era simultânea
a sua utilização como equipamento militar e no transporte militar.

Nos EUA, o transporte rodoviário foi largamente difundido (1917),


quando Henry Ford inicia a produção em massa de automóveis. O
invento implica fortes impactos no âmbito do desenvolvimento urbano
e crescimento das cidades, assim como no próprio modelo de produção
industrial capitalista: o fordismo. Uma análise mais aprofundada
evidencia que o fordismo foi mais do que um simples modelo produtivo.
A sua lógica subjacente era complexa. A produção em massa requeria
o consumo em massa e demanda firme, obtido com influência de
políticas públicas.
No Brasil a implantação do transporte rodoviário ganha relevância a
partir do estado de São Paulo (1915), onde o poder público organizava
frentes institucionais exclusivas voltadas para obras rodoviárias. Papel
fundamental tinha a Associação Permanente de Estradas de Rodagem.
A entidade, que reunião personalidades do setor privado e setor
público, foi fundamental no desenvolvimento do transporte rodoviário
e sua infraestrutura no Estado. Os Planos públicos eram elaborados de
forma articulada com o setor privado e visava dotar o território com
uma rede integrada e articulada de estradas.

A partir de 1919 começa a se instalar no país linhas de montagem de


autoveiculos. A primeira foi a Ford Motor Company. Em 1925 se fixa
uma planta da General Motors. Grosso modo, pode-se dizer que um
dos seus principais atributos da década de 1920, a expansão da frota
veicular de 30 mil unidades para 250 mil. Contribui para tanto os
estímulos do Governo Norte Americano, através da oferta de
financiamentos para a construção de infraestrutura rodoviária.

O modelo baseado no transporte rodoviário se consolida nos anos 30,


e conquista hegemonia. Um marco importante da época foi a criação
do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (1937). Nessa
época o país abandona o paradigma de um sistema de transportes
ferroviário. A produção e a utilização de automóveis passam a reger a
dinâmica econômica e a vida das cidades brasileiras.
Fonte: http://logsticainternacional.blogspot.com.br/2012/04/etapa-1-passo-2.html

Vale sublinhar a Fábrica Nacional de Motores6 (ou F.N.M), empresa


estatal criada em 1942 com objetivo de fabricar motores de aviões. Em
1949, a FNM juntamente com a Isotta Fraschini inicia a montagem do
caminhão D-7300.

6
a FNM no início das suas atividades produzia motores aeronáuticos radiais Wright-Ciclone de 450cv de
nove cilindros, utilizados nos aviões de treinamento militar da FAB e nos aviões do Correio.
PINAR (pioneiro da indústria brasileira) apresentado à Vargas em 1951

Fonte: http://www.lexicarbrasil.com.br
Lefebvre (1991. P. 112-113) sintetiza bem o significado do automóvel:

“A existência prática do Automóvel, enquanto instrumento de circulação e


utensílio de transporte, é apenas uma porção da sua existência social. Esse
objeto, verdadeiramente privilegiado tem uma duplicidade mais forte que os
outros: sensível e simbólica, prática e imaginária. A hierarquização é ao
mesmo tempo dita e significada, suportada, agravada pelo simbolismo. O
carro é símbolo de posição social e de prestígio. Nele tudo é sonho e
simbolismo: de conforme, de poder, de prestígio, de velocidade. Ao uso
prático se sobrepõe o consumo dos signos. O objeto se torna mágico, entra
no sonho. O discurso a seu respeito se alimenta de retórica e envolve o
imaginário. É objeto significante num conjunto significante (com sua
linguagem, seus discursos, sua retórica). Signo do consumo e consumo dos
signos, signos de felicidade e felicidade pelos signos, tudo se encavalando se
intensificando se neutralizando reciprocamente. ”

Na década de 1940 é feita no Brasil opção determinante por uma matriz


rodoviária. O pais se alinha a nova ordem internacional. O centro
dinâmico da economia passa a ter intensa influência Norte-Americana,
onde a indústria automotiva era a mais importante e pilar de um novo
padrão de acumulação.

O impulso para industrialização foi dado por Getúlio Vargas, com o


processo de substituição de importações, visando a implantação
vertical da indústria nacional. O Estado brasileiro possuía papel central.
Pelo lado dos investimentos em infraestrutura e energia, assiste-se a
criação da Petrobras, Eletrobrás e BNDE. Pelo lado da indústria, eram
criadas a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e a Comissão de
Desenvolvimento Industrial.

O retesamento do ambiente internacional no início dos anos 50,


acabava por impor fortes restrições externas ao país. Uma das
respostas foi a instrução 70 da SUMOC (1953), que criava um regime
de taxas múltiplas de cambio, implicando tratamento diferenciado para
as exportações e as importações. Os produtos importados eram
classificados em cinco categorias, segundo a essencialidade e segundo
os objetivos da política industrial. A política tentava harmonizar
proteção industrial com as restrições fiscais e as externas que o país
vivenciava no momento.
O governo de Juscelino Kubitscheck, na segunda metade da década de
1950, elaborou um Plano de Metas, estabelecendo prioridade para 04
setores7, entre eles o automotivo. O Plano foi alicerçado a partir de
uma aliança entre o Estado, o capital privado nacional e o capital
estrangeiro.

A preponderância da indústria automotiva decorria do seu auto grau


de encadeamento econômico, propiciando intensa demanda derivada,
e da transversalidade do transporte relativamente aos demais setores
econômicos. Para levar a termo esta prioridade governamental foi
criado o Grupo Executivo da Indústria Automobilística - GEIA (Decreto
39.412/1956). A finalidade e atribuição do GEIA8 estão inscritas no Art.
16 do Decreto:

“O GEIA tem como finalidades e atribuições:


a) Elaborar, e submeter à aprovação do Presidente da República, Planos
Nacionais Automobilísticos para as diversas linhas de fabricação de
auto veículos e adaptá-los às contingências da situação econômica
nacional;
b) Examinar, negociar e aprovar, privativamente, os projetos singulares
referentes à indústria automobilística para o Brasil, e encaminhá-los
quando aprovados, aos órgãos encerrados do contrôle de comércio e
de câmbio, para as providências executivas que aos mesmos
competirem;
c) Supervisionar, por iniciativa própria, ou em colaboração com outros
órgãos de Govêrno, a execução das diretrizes e projetos relativos à
indústria de material automobilístico;
d) Recomendar, quando fôr o caso, às entidades oficiais especificamente
incumbidas de prover créditos para empreendimentos, de
desenvolvimento econômico, os projetos automobilísticos submetidos
a seu exame e devidamente aprovados;
e) Promover e coordenar estudos sôbre nomenclatura, revisão de tarifas
aduaneiras, classificação de mercadorias por categorias de importação,
normalização de materiais, seleção de tipos, preparo de mão de obra
especializada e de técnicos, suprimentos de matérias primas e de bens
de produção, estatísticas, censo industrial, medidas tributárias e
legislativas, mercados, custos de produção, mostras e exposições e
outros aspectos de interêsse para a indústria de material
automobilístico.”

7
Os setores eram: alumínio, cimento, construção naval e a indústria automobilística.
8
De forma breve, dentre os resultados obtidos pelo GEIA, destacam-se: (i) aprovação de 6 projetos para
fabricação de caminhões (FNM, Ford, GM, International, Mercedes-Benz e Scania-Vabis); (ii) Projetos para
jipes da DKW-Vemag, Land Rover (não concretizado), Toyota e Willys-Overland; (iii) fabricação de peruas
Vemag e Volkswagen Kombi e, (iv) automóveis FNM (2000 JK), Simca (Chambord), Vemag, VW (sedã, o
Fusca) e Willys (Aero e Dauphine).
Dentro das estratégias adotadas pelo GEIA, destacam-se:

(i) As empresas deveriam ser privadas;


(ii) Absorção do capital estrangeiro, como forma de garantir
conhecimento técnico e implantação de uma rede
comercial, contribuindo com o desenvolvimento de
competências da indústria de autopeças nacional;
(iii) Escolha do tipo de motor pelos fabricantes;
(iv) Incentivo cambial;
(v) Fabricação integral de autopeças no país; e
(vi) Adoção de índice de nacionalização para autopeças e
veículos.

Os investimentos industriais e na infraestrutura rodoviária convergiam


para tornar o Brasil definitivamente um país assentado em uma matriz
rodoviária de transportes. Os incentivos fiscais, creditícios e cambiais
foram maciços, resultando em forte expansão na produção de veículos
de passeios, comerciais e de cargas.

O capital estrangeiro foi favorecido pela instrução 113 da SUMOC


(1955), que estabelecia um regime cambial favorável para importação
de bens de capital e atração de investidores internacionais9. No mesmo
período foi impulsionada a indústria de base brasileira, tendo como
expressões a criação da Companhia Siderúrgica Nacional - CSN - e da
Petrobras.

O Decreto nº. 42.820/1957 complementava a Instrução 113 da


SUMOC, regulamentando a aduana através da Lei das Tarifas (Lei nº

9
A instrução 113 da SUMOC (que foi oriunda do Governo Café Filho) permitia a importação de maquinas
e equipamentos como investimento direto (1955). Condicionou a associação do Capital Nacional com o
Estrangeiro, ou seja, facilitava as empresas estrangerias em investir sem cobertura cambial, desde que
associadas ao capital nacional. Foi instituída no escopo de uma política ortodoxa destinada a obter
estabilização monetária, equilíbrio fiscal e externo. A referida instrução, na prática permitia que os
investidores estrangeiros internalizassem no país capitais a taxas bem mais favoráveis, e utilizassem os
cruzeiros resultantes para comprar dólares e importar equipamentos à taxa cambial da categoria
relevante (muito mais relevante e depreciada relativamente aos bens não essenciais). O subsídio
correspondia à diferença entre a taxa cambial do mercado “livre” e a taxa cambial da categoria do bem a
ser produzido pelo bem de capital importado. Foi sob a égide da instrução 113 que se instalou no Brasil a
indústria automotiva.
3.244/57). A reforma aduaneira criava um imposto sobre o valor
externo do bem convertido em cruzeiros, à taxas fixadas mensamente.
Os insumos não disponíveis no país eram isentos enquanto a
importação dos bens tradables produzidos no âmbito doméstico eram
fortemente taxados.10

Conforme sistematizado por Luedemann (2003, p 101-102):

“em 1957, sete empresas produziam conforme normas do GEIA: FNM, Ford,
GM, Mercedez-Benz, Vemag, Volkswagen e Willys. Em 1958 a Internacional
Harvester (...); no ano seguinte a Toyota e a Simca. Em 1960, (...) a Scania.
Das onze empresas, três eram controladas pelo capital nacional (Vemag, FNM
e Willys Oveland), duas eram joint ventures com 50% de participação
(Mercedes-Benz e Simca) e as demais eram de capital estrangeiro. ”

Em 1960 a indústria automotiva tem uma queda na produção,


explicada pela inflexão política e governamental. Somente em 1967,
quando tem início o período do milagre brasileiro, o setor se recompõe.
Restavam somente as indústrias de capital estrangeiro, uma vez que
as de capital nacional não resistiram aos ajustes econômicos praticados
no país. Conforme pode ser visto no Gráfico 1, no período conhecido
como Milagre Econômico, o segmento automotivo vivenciou taxas de
crescimento exuberantes, próximas a 26%aa.

Segundo Guimaraes (1982) Apud Luedmann (2003), havia uma


interdependência entre o segmento de autopeças e as montadoras:

“(...) a existência de uma política governamental apontada para a implantação


de um setor automobilístico pode ter sido decisiva para seu efetivo
estabelecimento não apenas porque ameaçava a firma ausente com a
exclusão do mercado nacional, como sugerido, mas também porque
assegurava a produtores potenciais os suprimentos requeridos e, portanto,
viabilizava a realização de planos potenciais. ”(Guimaraes, 1982, p.137)

A partir de meados dos anos de 1960, a expansão do mercado


automotivo assentou-se em duas estratégias fundamentais: ampliação
do crédito ao consumidor e a diferenciação do produto. Neste período

10
Segundo Rangel (1981) a criação de uma reserva de mercado e o controle do preço da mão de obra
para as empresas transnacionais teria criado as condições para a formação de oligopólios em
determinados setores da economia. Tais ações teriam sido centrais para o processo de industrialização
nacional. Corrobora com Rangel o entendimento de Guimaraes (1980) de que a estratégia de recuperação
da indústria era calcada nos padrões operacionais do oligopólio diferenciado.
surgem os consórcios para vendas de automóveis, modalidade de
comercialização que abrangeu o financiamento de cerca de 70% dos
veículos em 1968 (Luedmann, 2003).

Gráfico 1

Fonte: ANFAVEA, agosto/2017


Elaboração própria. 2017

Na década de 1970, a produção total de automóveis ultrapassa um


milhão de unidades (Gráfico 1), acompanhando a expansão do
mercado brasileiro. As exportações conformavam um outro vetor de
demanda para a indústria, favorecidas pelos Benefícios Fiscais a
Programas Especiais de Exportações (Befiex). No âmbito do programa
foram concedidos benefícios ficais (isenção de impostos-IPI, II e ICM)
para a importação de bens de capital e insumos utilizados na produção
doméstica, para firmas que assumiam compromissos de exportações
de longo prazo11.

11
A isenção de impostos incidia sobre a importação de: I) bens de capital; ii) partes, peças, componentes
e matérias-primas, observados alguns limites; 1) deviam ser inferiores a 1/3 do valor das exortações,
deduzidas as importações sob qualquer regime especial (drawback); e adicionadas às importações sob
regime especial, não deviam ultrapassar o valor de 50% do valor exportado. A contrapartida da empresa
beneficiária era manter um certo volume de exportações durante um período, com a manutenção de um
determinado nível de investimento e com a aquisição de um valor mínimo de equipamentos de produtos
de terceiros (autopeças).
No final da década de 1970, em decorrência da crise do petróleo, foi
incentivada a produção de veículos com motores a álcool. A produção
inicia-se em 1979 e tem estratégia de ocupar paulatinamente espaço
na venda de veículos. A crise energética e a opção pelos investimentos
em energia e o PROALCOOL contribuíram para sustentar tal política.

Não menos importante para compreender a expansão e consolidação


rodoviarista nacional é o processo de urbanização. O Censo de 1970,
pela primeira vez indicava que a população urbana (55,92%) superava
a rural. Vários trabalhos demográficos mostram que entre 1950 e 1970
a população urbana cresceu a uma taxa de 5% aa.

Segundo Matos (2012, p.343): “(...) a dinâmica da redistribuição


espacial da população no espaço vincula-se, historicamente, às
transformações estruturais pelas quais a sociedade brasileira passou,
tendo como elementos básicos os processos migratórios e de
urbanização. ”

Continua Matos (2012, p,345): “A modernização industrial, alguns dos


resultados do Plano de Metas (como a expansão rodoviária e a
construção de Brasília), o início da modernização agrícola junto à
ocupação de novas fronteiras de recursos acompanhavam esse
dinamismo"12.

O processo de industrialização e a urbanização salientava que, com o


automóvel, a mobilidade ampliava-se e reconfigurava espacialmente a
cidade e seus subúrbios. Nessa reconfiguração espacial urbana, as
linhas de ônibus que faziam o transporte coletivo de pessoas
integravam o local de trabalho com a moradia, exigindo sucessivos
investimentos de ampliação e construção de novas vias e de
infraestrutura urbana, especialmente nas periferias.

12
Cadernos do Leste:
http://www.igc.ufmg.br/portaldeperiodicos/index.php/leste/article/view/795/588
No início dos anos 1980, em razão da profunda crise que se instalava,
a produção automotiva readequou sua estratégia de mercado,
destinando parte da produção para o exterior (Gráfico 2). Da mesma
maneira, o segmento de autopeças (Gráfico 3) que, também,
intensificou as vendas para o mercado de reposição.

Segundo Luedemann (2003, p.117):

“a) a redução no consumo interno obrigou as montadoras e autopeças a


ampliar a participação no mercado externo com as exportações; b) a intensa
concorrência com produtos asiáticos no mercado global diminuíra as
possibilidades de participação das exportações brasileiras nos principais
mercados do centro do sistema; c) o aumento dos conflitos de classes, devido
à carestia, à deterioração da relação capital-trabalho e a truculência do estado
no controle social, d) o fortalecimento do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
e da conquista de comissões de fábricas, a partir da greve de 1978.”

Gráfico 2

Fonte: Anfavea. Agosto/2017


Elaboração própria.
Gráfico 3

Fonte: Anfavea. Agosto/2017


Elaboração própria.

Tendo como referência a teoria dos Oligopólios diferenciados,


argumenta Guimarães (1989), que a estratégia da indústria
automotiva para fazer face à crise de demanda consistiu em ampliar e
diversificar o número de modelos fabricados para o mercado
doméstico: em 1968 havia 13 modelos; em 1975, 63 modelos e, em
1986, 92 modelos.

Segundo Salerno (1995), ao longo da década de 80 a indústria


automotiva brasileira não teria acompanhado as transformações que
aconteceram nos centros desenvolvidos. Os esforços de modernização
das filiais brasileiras eram seletivos. Isto implicou na obsolescência dos
modelos e das plantas fabris locais, relativamente ao exterior. A idade
média dos veículos produzidos no Brasil era quatro vezes maior que
ados modelos produzidos nos centos desenvolvidos. O mesmo
verificava-se com os processos produtivos, especialmente de
automação. Corrobora com Salerno a análise de Guimaraes (1989),
segundo o qual o potencial tecnológico de uma indústria formada por
filiais subsidiárias depende dos progressos obtidos e das decisões das
respectivas matrizes

Na década de 1990, o pais vivenciava o processo de abertura


comercial. As políticas macroeconômicas praticadas beneficiavam as
importações; estabeleceram paridade da moeda nacional com o dólar
americano (1994 a 1998); alta taxas de juros, impactando
negativamente o crédito e positivamente o capital especulativo;
privatizações; etc.. Tratou-se de uma política que acabou por
aprofundar a crise interna e promover uma intensa desnacionalização
de empresas.

A abertura do mercado produziu profundas transformações no setor de


autopeças que passou a sofrer forte concorrência com a produção
externa. Enquanto a produção de automóveis no período de 1991-1995
passou de 79% para 148%, para o setor de autopeças esta proteção
passou de 16% para -15%. O segmento passava por um forte
movimento de concentração, similar ao que ocorria no resto do
mundo13. A indústria automotiva mudava o seu paradigma produtivo
do modelo fordista para o Toyotismo.

A partir de 1988, o País inicia experiência com as Câmaras Setoriais.


Tratava-se de foro voltado para as discussões de política industrial no
plano das cadeias produtivas. Inicialmente, eram instancias de
negociação e monitoramento de preços. Em 1991, adquiriu uma
configuração tripartite (governo, empresas e sindicatos) que
pactuavam acordos setoriais, normalmente em respostas às sucessivas
crises.

Em 1995 foi extinta a Câmara Setorial da Industria Automotiva e o


mercado se abriu para o investimento estrangeiro. Era instituído um

13
Entre 1989 a 1999, de 38 mil empresas de autopeças no mundo, restaram apenas 8 mil. (Luedmann,
2003, p. 139)
novo regime automotivo14, reduzindo as tarifas de importação sobre
veículos, autopeças e insumos industriais. Entre 1989 e 1999, a
participação das importações no consumo aparente de autopeças teria
passado de 5% para 32,5%. Estima-se para o período de 1994 a 1999
uma desnacionalização de cerca de 70% da indústria de autopeças.

A década de 1990 é marcada pela intensificação das montadoras no


desenvolvimento tecnológico e a aceleração do ciclo de vida dos
veículos. Em razão da saturação dos mercados desenvolvidos,
passaram a se localizar em mercados emergentes. Influenciavam como
vantagens locionais, o fim de barreiras comerciais à importação, o
tamanho do mercado e a redução de incertezas macroeconômicas. Os
centros selecionados tornavam-se plataformas regionais de produção
e comercialização de veículos.

A indústria automotiva no Brasil encontrava-se relativamente defasada


tecnologicamente a de outros países. Internacionalmente, a produção
nipônica ganhava competitividade, pressionando a indústria a
direcionar esforços para o desenvolvimento tecnológico, visando
defender suas posições nesses mercados, em detrimento da
atualização das unidades instaladas em economias menos
desenvolvidas (Latini, 2007, p. 279-281). A conjuntura nacional era de
profunda crise (crise da dívida externa, hiperinflação, estagnação
econômica, juros elevados) e a indústria vivia sob um protecionismo
que inibia a ameaça concorrencial de montadoras instaladas fora do
Brasil. Esses fatores somados constrangiam realização de
investimentos e a atualização tecnológica do setor15.

14
O Regime Automotivo foi instituído através da MP 1,235 d 15/12/1995 e pelo Decreto 1.761, de
27/12/1995. Posteriormente regulamentado pelo Decreto 2072/1996 e pela Lei 9449/1997. Entre os
objetivos estabelecidos pelo Regime Automotivo, estava aumentar a produção de 1,8 milhões para 2,5
milhões até o ano 2000.
15
Sobre o tema diz Kupfner (1998, p.58): “as condições internas aos investimentos eram adversas, mas a
proteção à indústria impedia a ameaça à sobrevivência das empresas, desestimulando a realização de
gastos em elevação da produção e atualização tecnológica”.
HENKIN (2015), distingue dois processos vivenciados pela indústria
automotiva entre 1989 e 2013. O período de 1989 a 2003 teria sido
marcado pela reestruturação produtiva do setor. Não obstante às
adversidades macroeconômicas, a exposição das subsidiárias
automotivas á concorrência externa, através da redução dos Impostos
sobre importação de veículos16, acabou induzindo a modernização do
parque industrial. O Gráfico 4 mostra a evolução dos licenciamentos de
veículos importados entre 1989 e 2016. O bom desempenho das
vendas de veículos importados em fins de 1990 e início dos anos 2000,
e o potencial de mercado, contribuiu para que as montadoras
passassem a enxergar o País de forma promissora para investimentos
e a instalação de novas unidades fabris.

Gráfico 4

Fonte: Anfavea. Agosto/2017


Elaboração própria. 2017

Com a melhora do ambiente macroeconômico, a partir de 1994 (Plano


Real), inicia-se uma segunda etapa do projeto de reestruturação
produtiva, implicando basicamente dois processos: a instalação de

16
A tarifa de importação de veículos foi reduzida em 50 pontos percentuais, passando de 85% em 1990
para 35% em 1993. Em setembro/1994 atingiu a alíquota de 20% e de 32% em fevereiro/1995.
Posteriormente, foi praticada a Tarifa Externa Comum do Mercosul, (inicialmente de 70%), que retorna a
20% em 1995.
novas montadoras no mercado e a intensificação de investimentos das
montadoras tradicionais, visando não perderem mercado para os
entrantes. Conforme pode ser visto no Gráfico 5, a produção nacional
de veículos totalizava 955 mil em 1989, 2,12 milhões em 2004 e 3,7
milhões em 2013. O status da indústria instalada também muda a
partir de 2004, quando o País se credencia como plataforma de
desenvolvimento de produtos e de fabricação e distribuição regional de
automóveis.

Pela perspectiva da cadeia de suprimentos, a organização industrial


dos fornecedores se dá forma hierárquica, em três ou quatro níveis,
dependendo do grau de relação com a montadora. As empresas do
primeiro nível, os sistemistas (ou tier 1) são responsáveis pelo
desenvolvimento de sistemas e componentes de maior intensidade
inovativa. Já as empresas de 2° nível (tier 2) não possuem capacitação
de tecnologia de produto, mas tem conhecimentos em engenharia de
processo e operação de plantas. Por fim, no terceiro e quarto nível (3º
e 4º tiers) estão os fornecedores de peças isoladas e matérias primas.
Com a introdução dos sistemas de just in time e kan ban, eliminam-se
os estoques e as empresas passam a ter necessidade de atuar de forma
mais integrada e mais próximas. Nesse sistema produtivo, os
fornecedores passam a desempenhar papel mais estratégico para as
montadoras.
Gráfico 5

Fonte: Anfavea. Agosto/2017


Elaboração própria. 2017

Ao longo da primeira década dos anos 2000 foram editadas três


políticas industriais: a "Política Industrial, Tecnológica e de Comércio
Exterior" – PITCE (03/2004); a "Política de Desenvolvimento
Produtivo" – PDP (05/2008) e "Plano Brasil Maior" – PBM (08/2011).

A PICTE surgiu em um contexto na qual o país vivia os efeitos da crise


cambial no final da década anterior. A política delineou 03 vertentes:
“Linhas de ação horizontais (inovação e desenvolvimento tecnológico,
inserção externa/exportações, modernização industrial, ambiente
institucional), setores estratégicos (software, semicondutores, bens de
capital, fármacos e medicamentos) e em atividades portadoras de
futuro (biotecnologia, nanotecnologia e energias renováveis) ” (ABDI).
Ainda que não houvesse relação direta com o setor automotivo, os
incentivos à inovação, desenvolvimento tecnológico e setor de bens de
capital beneficiariam indiretamente a indústria.

O nível da taxa de juros praticada e a melhora dos termos de troca do


pais, à época, gerou ruptura com o cenário sob o qual foi pensada a
PICTE. Um dos maiores méritos da política foi colocar a indústria na
agenda nacional e, de forma sistemática, explicitar os seus problemas
e desafios. Também, deixou legado no campo institucional, a exemplo
da criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial
(CNDI); da Agencia Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI),
da Lei da Inovação, da Lei do Bem, etc..

A PDP possuía como principais objetivos a elevação da capacidade de


inovação das empresas nacionais e estimular o investimento industrial.
Foi elaborado um mapa de ações abrangendo 25 setores, dentre eles,
alguns aptos a se consolidarem como líderes mundiais. Vale lembrar
que em 2008 o capitalismo adentrou em uma das maiores crises da
sua história (crise do subprime). Com isso, a PDP, ao lado do Programa
de Aceleração do Investimento (PAC)17, acabou por cumprir uma
função anticíclica, contribuindo para produzir taxas pujantes de
crescimento econômico.

O PBM teve vigência entre 2010 e 2014. Conforme Lima (2016), o


Plano adotou medidas em três dimensões:

i) estímulo ao investimento e à inovação (desonerações


tributárias; financiamento ao investimento e à inovação e
marco legal para inovação);
ii) comércio exterior (desonerações das exportações, defesa
comercial; financiamento e garantias; e promoção
comercial) e;
iii) defesa da indústria e do mercado interno (desoneração da
folha de pagamento; regime especial automotivo; compras
governamentais; e políticas de financiamento).

Paralelamente ao PBM, foi lançado o Inovar-auto, programa com um


ciclo de cinco anos, voltado para a inovação tecnológica e o

17
O PAC implicou medidas orientadas para elevação dos investimentos em infraestrutura no período
2007-2010. O setor público foi o grande promotor destes investimentos.
adensamento da cadeia produtiva de veículos no país, o novo regime
automotivo.

O inovar auto foi instituído pela Lei 12.715/2012 e regulamentado pelo


Decreto 7.819/2012. O Programa prevê incentivos tributários para
novos investimentos, elevação do padrão tecnológico dos veículos,
eficiência energética e inovação. A aplicação do Inovar auto implicava
na elevação em 30 pp o IPI sobre auto veículos e um crédito tributário
presumido de IPI (até 30 pp), desde que cumpridas as suas metas
específicas no que se refere a: investimentos mínimos em inovação;
dispêndios em engenharia, tecnologia industrial básica (TIB) e
capacitação de fornecedores; produção de veículos mais econômicos e
aumento da segurança veicular. A partir de 2017, as montadoras
poderão faz jus a descontos do IPI, na ordem de 1pp e ou 2pp, desde
que os produzam veículos mais eficientes e que consumam 15,46% ou
18,84% menos, respectivamente. Por fim, deve-se esclarecer que o
Regime institui multas para as empresas habilitadas que não
alcançarem um grau mínimo em eficiência energética.

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