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O mundo a meus olhos

Desenhar um cenário era-me difícil, que podia eu dizer?


As sombras como sempre escondiam segredos, pequenas
coisas que na verdade eram importantes para o desenrolar
desta história, e tudo aquilo que eu via não eram mais que
miragens, coisas tiradas da minha cabeça para me confundir,
tudo parecia fazer parte da trama, coisa que não sei se era do
divino ou mundano, nem posso alegar ser verdade, só a vivi,
como qualquer outra história que tenhas vivido e hoje não
saibas dizer se foi real, mas sentida.

Poderia escrever sobre tudo e nada dizer, de uma forma


aleatória onde te fizesse envolver na própria história, talvez
existas, talvez um bocado de ti aqui esteja, nas sombras, o
segredo é que ao ser vago deixo a que várias interpretações
aconteçam e aqui poderás incluir-te, poderás viver, saberás
que é sobre ti, sobre mim, sobre um todo, em que tudo e nada
se passou. Só vivemos do jeito que podemos.

O cenário era o mundo tal e qual como o conhecemos,


não existe nada a dizer sobre isso, às vezes parecíamos
antigos na nossa época, desejando outra mais antiga que nós
próprios. Nada contra, só achávamos que certos valores e
princípios tinham deixado de existir, tal como a privacidade,
não seria tudo isso culpa nossa? Estávamos numa meia
estação, as andorinhas tinham acabado de chegar, talvez

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O mundo a meus olhos

assim te situes no tempo e consigas imaginar o clima em que


vivia, aquela altura em que não se sabe se chove ou faz sol, se
frio ou calor e andamos assim, numa incerteza em que às
vezes acertamos noutras erramos.

Para te dizer a verdade ainda não sabia o que iria


escrever a seguir. A minha cabeça estava nublada, sei que
temos intimidade suficiente para te contar sobre os meus
medos, receios e até sonhos, não preciso de ter medo de o
fazer, mas factos são factos e com esses sim, serei julgado até
por ti, mesmo que digas que aceitas. Todo o cuidado é pouco e
cada pessoa guarda em si pequenas sombras, não de mistério
e sim de terror, de culpa, de vergonha. Não sou diferente nesse
aspecto.

Quantas primaveras já viveste? E de quantas te


lembras? Quantas vezes te deste conta da chegada das
andorinhas? Aqueles pássaros que procuram sempre os
mesmos sítios para fazer os ninhos, sabes? No fundo somos
como elas, gostamos de voltar às nossas raízes com novas
histórias para contar.

Eu sei, deves estar a perguntar-te o que quero dizer


com tudo isto, quando é que vou começar a história e o porquê
de te escrever directamente, como se soubesse o teu nome,

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O mundo a meus olhos

quem és, o que viveste. Procuro um pedaço de verdade para te


contar o quanto podemos ser iguais, onde e quando nos
cruzámos naquela primavera e, simplesmente não o encontrei.
À medida que escrevo vou procurando em mim pedaços de ti,
de todos, de uma ilusão em que possa dizer que vivi, que
estive ali, mesmo a saber que nunca estive, que nunca te vi, e
o mais provável é nunca te ver. Mesmo assim, espero que te
encontres aqui, só um pedacinho, quero que encontres a
desculpa, o perdão, que deixes para lá a revolta, a lágrima e
que só fique a saudade de ver as andorinhas chegar com as
suas histórias, que tu as queiras viver e sonhar com elas, não
posso desejar mais que isso.

A minha mente desdobrava-se sobre o mundo na


esperança de que um raio de sol me trouxesse a visão,
inspiração para te escrever, sabes? Já perdi amizades por este
motivo, por não escrever, desde então penso, não quero perder
ninguém e luto contra isso. Sei bem que vou perder sempre
alguém, independentemente do motivo, acho que eles sabem,
mantenho-os vivos em mim, recordando-os, como uma
homenagem por terem partilhado o seu tempo comigo, mesmo
que vivos, mesmo que estejam a uma dúzia de quilómetros de
distância, recordo-os, e vivem uma vida paralela com a deles

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O mundo a meus olhos

próprios. Só assim estou mais inteiro, só assim consigo


prosseguir.

Esperava por ti no final da tarde, naquele banco de


jardim meio deslocado do cenário, ainda hoje não sei se não foi
posto ali por engano, talvez fosse posto por alguém que sabia
que naquela altura do ano ali caías, Sol. Enquanto caminhavas
para a outra parte do mundo imaginei, talvez de uma forma
inocente, as coisas que irias ver, quem agora irias aquecer,
não nego a angústia que senti, tinha ciúmes, como iria viver a
partir do momento em que te deixasse de ver, como seria não
sentir-te no rosto, no corpo. Sabes? Quando respiramos
exclusivamente por alguém? Quando não nos questionamos o
que é o amor, até porque encontrarás de pessoa para pessoa
uma forma diferente de amar, um significado muito próprio de
tal palavra, apesar de hoje não gostar desse significado doentio
da palavra amor.

Tentei prolongar aquele momento, gravei-o em mim


para o poder escrever agora, apesar de saber que amanhã lá
estarias novamente a passar e eu novamente a ver-te partir,
num ciclo que tanto me dava como destruía, levando-me a
pensar em todas as outras coisas que se vão, mas não voltam.
Que patético, não sonhei que me importasse com a tua breve
despedida, não pensei sequer que fosse possível um dia

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O mundo a meus olhos

partires, sem que tivesses de voltar e lá estavas tu, a ir, para


outro lugar, aquecer um outro alguém, Sol.

Apesar de te observar não te absorvi, deixei que


existisses do jeito que eras e nem pensei por um momento em
te mudar, nem em te possuir, só queria que ficasses comigo
um pouco mais, as noites nesta altura costumam ser tão frias,
tão sozinhas e temo que, com elas, as sombras se
intensifiquem e não sei se consigo suportar esta solidão.

Em alguns momentos tirava os olhos de ti para dar


atenção a outros acontecimentos que ali se passavam, as
pessoas caminhavam em várias direcções mas nenhuma
parava para contemplar a tua passagem, a tua ida, talvez
soubessem melhor que eu que o amanhã viria. Para mim só
aquele momento importava, mais que qualquer outro, deixarias
saudades, mesmo que por uma noite, e se amanhã estivesse
nublado? Tal como eu, como me sinto, de pensamentos
contrários à razão de ser. Espero não o ficar a saber, que
amanhã ali estejas a passar e, mesmo que seja só por um
deslumbre de ti, eu vou lá estar.

Passaram-se dias, perdi em algum momento a força de


ali estar, hoje não me despedi de ti, acho que aprendi a lidar
com a tua ida, as noites já não são tão frias e dias atrás

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O mundo a meus olhos

conheci a Lua, não a procurei, acho que sempre ali esteve, só


agora me dei conta da sua beleza exótica, nesta altura
acompanha-me tanto de noite como de dia, grande parte do
dia, se olhares com atenção ela lá está, branca e no mesmo
patamar que tu, não é tão quente mas a sua cor deixa-me
tranquilo. Mas é de luas, tem fases que não a entendo, ora está
cheia, ora está vazia, talvez seja esse o fascínio, ao contrário
de ti não se mostra sempre igual, é um verdadeiro desafio para
a minha mortalidade, questionando-me se ela sempre existiu
assim e apesar de saber o risco que corro, corro-o, não tenho
tempo para ter medo, apesar de todas as sombras que ela
envolve, é a vida, assim, de riscos.

Semanas passaram e o verão acabou, os amores foram


crescendo mas muitos só ficaram amantes, as histórias
ficaram, e da perda à aventura, ficou a amizade. A vida
mostrou o final de um ciclo com o início de outro, onde somos
Sol e Lua, partimos e chegamos e, muitas vezes, sempre ali
estivemos à espera que nos vissem, somos amantes.

Perdi-me nas horas, apesar de as saber ver, não sei se


é tarde ou cedo, não sei se avancei, o que eu sei é que me
perdi por aqui, entre pensamentos, escrever é libertador, pior é

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O mundo a meus olhos

as coisas que passamos a ver, o relembrar de todas as coisas


que fazem de nós o que somos. Segredos e mais segredos,
todos temos, não divulgamos tudo e muitos dos nossos
pensamentos guardamos para nós, não será isso um segredo?

Guardo um sonho, é o meu segredo, como também


guardo muitos pensamentos destrutivos e não é que queira
destruir, é porque contrariam a educação que tivemos, de
preservar a vida. É exactamente aqui, sei que me saberias
dizer o que é a vida, mas será que me sabes dizer o que é
saber viver? Afinal somos animais e a nossa racionalidade não
nos serve de muito a não ser para tirar ainda mais prazer desta
vida, ou a balança pende e descobrimos que, de tanta coisa
que temos, não nos faremos gozar de nada, principalmente do
tempo.

Como gastas o teu tempo? Observo a garrafa de


cerveja, não é que tenha algum interesse aqui, observo-a e
páro um pouco de escrever, neste momento penso que
desperdicei todo o meu tempo, tempo esse que me levou
exactamente até aqui, para escrever, a inutilidade fez com que
desejasse sentir-me útil, não quer dizer que o esteja a ser,
talvez só esteja a tirar prazer deste tempo, em vez de o perder
novamente com coisas que outros criaram, que outros
disseram, que outros fabricaram. Agradeço ao inventor da

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O mundo a meus olhos

cerveja, apesar de que se não fosse ele seria outro, agradeço,


simples.

Será que ainda existem contadores de histórias? Queria


ter uma para contar, de tantas aventuras que vivi não achei
nenhuma que valesse a pena escrever, como que se eu
pudesse afirmar o que é ou não interessante aqui. Olho para o
relógio e dou-me conta que o tempo passa de maneira
diferente conforme o que estou a fazer. Talvez esteja a passar
demasiado depressa, talvez seja do prazer. Se fazer o que
gostamos trouxesse pão para a mesa acho que não faria nada,
é verdade, passaria os dias a planear sem executar, sofro
muito disso, posso contar pelos dedos as coisas que conclui.

Tempo, não te pedirei para voltares para trás e mudar


sete ou quinze coisas que aconteceram, não tenho interesse
em mudar a história, tenho interesse sim, e já to mostrei no
passado, em compreender-te. Não seria mais fácil não medir o
tempo em horas? Só em dias, com o nascer e pôr-do-sol?
Mecanizamo-nos a nós mesmos com isto do tempo, é triste
comportar-me como uma máquina, definida por um sistema
que uniformizou o que acha, sim acha, ser correcto ou errado,
carregado de dogmas e outras coisas que não entendo.

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O mundo a meus olhos

Voltando à fase inicial, não somos animais? Eu sei que


somos, somos muito mais que outros animais e temos o poder
de medir o tempo, ainda antes de nascermos já nos controlam
sobre o tempo, até decidem quando deves nascer sem pensar
que poderemos estar a mudar, é esta a nossa sina, quanto
tempo me falta para morrer? Será que me podem estender um
pouco esta vida? Já estou atrasado para aprender.

Gosto de divagar, já deves ter reparado, se não o


fizeste não sei o porquê de perderes o teu tempo, lembra-te
que é aquilo que tens de mais valioso visto já te terem roubado
tanto do teu tempo, não é que não seja útil, bem, direi
novamente que é o sistema que temos.

É egoísmo da minha parte estar a falar sobre o tempo,


sobre a perda de tempo e, no meu entender, fazer-te perder o
teu tempo. Sempre me disseram que ler não era uma perda de
tempo, mas nunca dediquei o meu tempo para o mesmo, a
verdade é que dizia que não queria ser influenciado, queria ter
ou desenvolver uma identidade própria na escrita, obviamente
que o mais provável é achares que escrevo como não sei
quem, se assim for terei que ficar contente, seja qual for o
escritor é sinal que concluíi a minha obra. Posso chamar-lhe de
obra?

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O mundo a meus olhos

Sempre que aqui venho, não são tantas vezes quanto


isso, não releio o que escrevi, apetece-me escrever
simplesmente e não tenho medo de parecer repetitivo, escrevo
o que me vier à cabeça, sou feito de tudo isto, de histórias e
pensamentos que se questionam do porquê de ser assim a
vida, um misto de revolta e condescendência, até porque, que
luta travo contra o que me revolta? Peço desculpa, desisti de
quase todos vocês, faltaram-me as forças para continuar a
lutar, até porque um dia ensinaram-me que eu estava errado,
eu sei. Cometo tantas asneiras que corrigir as coisas é-me
impossível, mais facilmente daria vida a um cadáver do que
mudaria a opinião que criaram sobre mim.

Costumo dizer que não tenho palavra, nem orgulho,


nem porra nenhuma, só a mania de poder ser, sem o ser, mais
que os outros. Uma coisa é certa, eu tenho de ser a pessoa
mais importante para mim mesmo, desprender-me do que é
correcto ou errado, cabe a ti dizer-me que sistema adoptaste,
como se tivesses de escolher entre a esquerda e a direita,
abstinência é por si só um abandonar de pensamento, és um

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ser pensante e moves-te tanto pelo pensamento como pelo


sentimento, não fossemos nós animais racionais.

Vou escrevendo à medida que bebo, não é nenhum


incentivo e muito menos sou alcoólico, mas se fosse não iria
dizer que o era, podes fazer-me render a próxima cerveja?
Talvez já esteja paga.

Ainda do tempo, da sua inconstante, entre dia e noite, a


chuva e o sol, há dias chuvosos com sol, nunca viste o arco-
íris? Esses dias são confusos até para mim, muitas vezes
acabo por não saber o que fazer, muitas vezes não faço nada,
deixando-me estar, e espero por um dia melhor, ele há-de vir.
Como também há aqueles dias que se tornam noites, bem
antes de darmos por isso já acabou o dia e pensamos nós,
acabei de acordar… E das noitadas, que terminam já com o sol
a nascer, sobrevivi, penso, deveria aproveitar para tirar uma
fotografia deste nascer, não sei quando o voltarei a ver.

Com tantas incertezas sobre a vida vivíamos, tantos


sonhos, tantos desgostos, a vida é dura, alguém me dizia
baixinho com um olhar entristecido e eu sabia que realmente a
vida lhe tinha sido dura, as suas rugas expressivas e as suas
mãos ásperas mostravam exactamente que trabalhou até aqui,
até este preciso momento, nunca soube o que era férias, jurou-

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me a pés juntos que se não fez mais foi porque a coluna já não
aguentava. Perguntava-me se era justo, falava-me que gostaria
de ter tido as nossas oportunidades, só não iria aceitar o que
comemos, chama-lhe “comida de plástico”, disse-me num tom
tranquilo que já podia morrer e que morria sem saber o que é a
vida, apesar de ser uma pessoa vivida, senti-me confuso.
Perguntei que horas eram, olhou para o céu e disse-me que já
era tarde, não faltava muito para o sol se pôr, - são umas cinco,
questionei-a sobre o tempo e recebi a resposta que pretendia,
não ligava às horas, habituou-se aos dias e sabia mais ou
menos que horas eram, só se guiava pelo telejornal, sabia que
começava às vinte. Não seria assim tudo mais simples? Sei
que não, precisamos de medir o tempo, criamos essa
necessidade, de o saber, de nos guiarmos por ele e aqui
estamos nós, a olhar para as horas de dez em dez minutos, ora
passa demasiado depressa ora devagar consoante o prazer da
tarefa que estamos a fazer.

Despedi-me, sabia que o tempo não iria permitir uma


nova conversa, Adeus.

Os dias foram passando e os meus sonhos mudaram,


hoje já não quero ser nada, também não quero ser tudo, só
quero ser, melhor, sentir-me inteiro, programo a minha vida,
hoje não farei nada, amanhã tudo se revolve. Outro dia

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O mundo a meus olhos

passava e a mesma desculpa servia na perfeição, amanhã é


outro dia, que venha outro, já começava a ficar cansado de
falar sobre o tempo, tempo sem acção, sem a aventura, sem o
bater do coração, acelerado, que me fazia sentir realmente
vivo, só existia e não era para todos, só para alguns, não, não
questiono para quem farei falta, não temos de pensar que só
se lembram de nós quando precisam, esse tipo de pensamento
é recíproco, haverá alguém que tu só te lembras quando
precisas, nem que seja para sair da tua zona de conforto,
também há aqueles que preferem a solidão, por vezes acho
que sou uma dessas pessoas, apesar de saber que também
preciso da companhia de um amigo.

Sou a favor de que por vezes temos que sair da nossa


zona de conforto e dar a oportunidade a novos mundos, o estar
sujeito a coisas menos boas faz parte e eu já estive envolvido
numas quantas, sobrevivi, não irei contar a história.

As folhas desprendiam-se das árvores, quereria dizer


alguma coisa, hoje já ninguém se fazia passear até tão tarde, o
conforto da casa era bem melhor que o anoitecer naquele
jardim, afastei as folhas do banco e sentei-me a observar a
natureza por si só, ali sozinho, a mente viajava para outro
lugar, assimilei uma música qualquer dos anos noventa e
cantava só para mim, a minha voz nunca foi muito boa para ser

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O mundo a meus olhos

partilhada. Enquanto cantarolava a música passeava em


memórias que pensava já esquecidas, uma folha poisou sobre
o meu colo e apressei-me a afastá-la, sorri, que mal tinha em
ela querer colo, será que sente como gente? Que interessa,
fechei os olhos, sentia-me tranquilo, com frio, poderia ser a
minha casa e fazer daquilo uma rotina se não fosse logo, logo
chover.

Passou-se uma meia hora e ouvi passos, abri os olhos


calmamente para ver quem se atrevia a incomodar o meu
descanso, lá vinha ele, um jovem de cabeça baixa, sentou-se
um pouco mais afastado de mim e olhava para o céu,
observava o sol, ali ficou, até anoitecer. Tentei compreender,
será que se sentia como eu? Só ali estava porque tinha tempo,
demasiado tempo, será que também o tinha? Quem se
interessa? Somos só estranhos a cruzar-se na rua, sem o
interesse de querer saber realmente dos outros, como a velha
pergunta, está tudo bem? Diz-me que sim, não quero ouvir os
teus queixumes, egoísta da minha parte, eu sei.

Há quem realmente se importe, há pessoas que


realmente se importam com o bem-estar dos outros, uma parte
de mim é essa pessoa, que se importa, a questão é, até
quando me vou importar? Até quando posso ver a mesma
pessoa a não estar bem, muitas vezes com coisas miudinhas,

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sem se aperceber que está a dar importância a algo que na


verdade é uma futilidade, como o que vou vestir? Será isso
importante? Prefiro dizer que me importo quando me importo e
dizer que não quero saber quando não quero saber, muitas
outras vezes, faço a pergunta só pela etiqueta, como estás?
Outrora diria, como te sentes?

Até podemos voltar à revolta, ou à abstinência que


dizem praticar, pergunto vezes sem conta, mas tens opinião?
Respondem-me muitas vezes, quase todas, são todos iguais,
admito-o, como se fará a diferença num mundo todo igual? A
parte pior é quando me dizem que mesmo ficando no silêncio
podem comentar, fico sem entender, vivem para criticar, tal
como eu, mas participo, dou voz e corpo à minha luta, até
porque, ninguém lutará por mim se não mostrar interesse
nessa mesma luta.

Tem, porque tem de existir sempre alguém que dê o


primeiro passo, como também tem de haver sempre um
perdão, um pedido de desculpas ou um simples obrigado, o
orgulho cega, - fomos enganados, dizem eles todos os anos,
há quem o seja todas as semanas se formos a pensar nas
juras de amor eterno que se fazem. Ok, ok, se há coisa que
não tenho vontade de falar é sobre amor, até porque sinto que
penso de maneira diferente, como penso? Penso que só

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O mundo a meus olhos

saberemos falar de amor já em velhos, se lá chegarmos, que


vamos amadurecendo esse sentimento que apesar de ser
enorme não o sabemos medir, basta pensar, não morreria por
ninguém, sacrificava-me por muitos, de outra forma, sejamos
robóticos, quem merece ser salvo? Espero nunca o saber,
colocar-me numa situação extrema requeria uma solução
extrema e já provei a mim mesmo que muitas vezes falho, logo,
teria que ser robótico e pensar numa calmamente, por isso não
me perguntes se daria a minha vida, pede-me só um rim,
poderei recuperar de outro alguém.

Passei demasiado tempo a tentar perceber os outros,


muitas vezes olhando-me para dentro, cheguei a algumas
conclusões, muitas delas foi que as pessoas não admitem que
vivem de determinada forma, mas quando postas em prova a
maioria falha. Talvez por isso seja um revoltado, estou bem
obrigado, o tempo passa e uma pessoa vai-se habituando a
este estar, sei que não estou errado da mesma forma que não
estás correcto, encontrarmo-nos no meio é impossível e assim
cada um segue a sua filosofia, voltando novamente ao sistema
e aos dogmas, aquela teoria de todos unidos não existe, existe,
quando vencemos, quando perdemos temos que arranjar o
bode expiatório, - lá vem o carrasco, grita alguém do alto,
aplausos, que se faça a festa, como a manifestação em que

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não pode faltar o vinho e o chouriço, as harmónicas e os


tambores, que se faça a festa do povo mais uma vez, saíram
de casa, hoje é dia de luta e votar meus amigos?

Enganas-te, não sou contra as manifestações, sou


contra muitos que as fazem, desde aos que praticam e
instigam à violência, aos que vão em passeio até à capital.
Nem me dou bem com partidos políticos, que injusto, mesmo
sem os conhecer a todos, o único que tive o prazer de
conhecer mostrou-me o quão frios conseguem ser com os seus
camaradas, também não quero falar mal, mas ninguém me
contou, estava lá, chamem-lhe propaganda política, podem
ficar descansados, muitas vezes o meu voto foi para vocês,
não porque mereciam, ensinaram-me que devia votar sempre
de uma forma consciente e inteligente, tornar o meu voto útil,
usando-o para fortalecer os pequenos, ou dar a vitória a
alguém que eu ache que vale a pena, como o último presidente
da República.

Maiorias é que não, aqui até eu me torno um crente


religioso de uma seita qualquer, prego aos sete ventos que o
mundo vai acabar a cada três meses e preocupo-me com a
evolução do mercado de bolsa do cereal, a fome adivinha-se
bem antes de cada fim do mês, não estamos muito diferentes,
maiorias é que não. É só a minha opinião.

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O mundo a meus olhos

O tempo continuava a passar ferozmente, estaria isto


pronto na data planeada, um dia destes… voltava-me para
outras coisas, tanto para fazer, dizer que estou a escrever é a
desculpa perfeita para não fazer nada, - deixa-me estar, estou
a escrever, a consola parecia chamar por mim, um pedaço de
mau caminho, sabia que se ali me sentasse mais nada seria
feito. Perdi o número de horas que ali passei, até que fui feliz,
desligado do resto do mundo, arriscando a minha vida sem a
meter em causa, no conforto do sofá. Muitos acharão estranho
isto, muitos outros dirão que é perda de tempo, não discordo,
só são opções, cada um usa o seu tempo da forma que quer,
ou pode. Lembrando que nem todos somos livres e muitos que
julgam ser já não o são, entraram naquele sistema a que nos
habituaram e dificilmente vão sair dali.

Falemos de créditos, dos cartões, dos empréstimos, da


facilidade com que hoje todos conseguem colocar a corda à
volta do pescoço, temos tudo o que há de melhor, existem
limites não? Concordo, existem certas coisas que não nos
deixam outra opção senão a de recorrer a um crédito, só que
hoje em dia todas as empresas nos dão a facilidade dos
famosos cartões e muitas pessoas, na sua consciência
pequenininha em querer ser o que não são, fazem colecção
dos mesmos, usando e abusando até que a bolha rebente, não

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O mundo a meus olhos

entendes? Volto a concordar, fiz algumas análises e cheguei à


conclusão que o uso de alguns cartões (quando à promoção)
até pode sair em nosso benefício mas só o devíamos usar para
essa função e tendo o dinheiro desse uso para liquidar a
dívida, não é conversa de quem tem tudo, é conversa de quem
cometeu erros e aprendeu com eles. Jogadas mal feitas e o
desleixo do pensamento amanhã é outro dia. Volto a dizer, até
podemos usar alguns cartões em nosso benefício, para ganhar
isto ou aquilo, mas há que saber usar, é como se estivessem a
planear uma viagem e descobrissem que se usarem
determinado cartão ganham o último topo de gama de
telemóvel, aí, talvez concorde, fazem o cartão, pagam a
viagem com o cartão, ganham o telemóvel e pagam logo de
seguida a viagem, isto é, liquidam a dívida, os ricos fazem
muito isto, eles não andam com cartões de crédito porque são
uns tesos, é porque ganham pontos, prémios, que outra
utilidade para eles teria? Se são ricos é porque usam estas
pequenas coisas a seu favor e nunca o oposto.

Divago, queria poder escrever tudo o que me vai na


alma, por vezes são só gritos, outras vezes risos, também
chorava, podia dizer que a minha alma chorava. Se temia,
temia, muitas coisas, havia tanto para não dar certo, tal como
isto, ou tudo o resto que pensava fazer. Tenho tempo, não

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O mundo a meus olhos

preciso de fazer tudo hoje, eu sei, se há coisa que sei é que o


tempo também se esgota, que a oportunidade de hoje não será
a oportunidade de amanhã e hoje, hoje talvez já fosse tarde
para o que tinha decidido fazer há anos, temia falhar, não fui
concebido para ter a confiança como uma aptidão, apesar de a
ter muitas vezes, em circunstâncias onde muitos falharam. O
mundo já era preenchido por tanto, que me perguntava se
ainda haveria espaço para mim, para que me ouvissem, queria
realmente mudar tudo, já disse que sou revolucionário? Este
revolucionário nasce da revolta em que o mundo existe, não é
que tenha algum problema com isso, só mesmo a injustiça, ou
o abuso de poder, como que se fossemos imortais, como se
não defecássemos todos do mesmo modo.

A busca por sentir-me útil era por vezes doentia, não


que me quisesse sentir útil para os outros, é mais para mim
mesmo, colocar a mente e as mãos num processo de criação,
de exteriorização das minhas visões, posso dizer que muitas
vezes falhei nesse sentido, a busca pela perfeição deixava-me
frustrado, sem contar com outros contratempos que acontecem
sempre a cada passo que damos, às vezes é um recuo e o
tomar balanço para avançar não é assim tão certo quanto isso.
Mudo a direcção, pior, desisto e deixo-me ir ao sabor do vento,
nunca lhe tomei o sabor, que se há-de fazer?

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O mundo a meus olhos

Isto não será algo de auto-ajuda, muito menos para


mostrar que se tentares realmente e te focares em algo que
queiras o vais conseguir, isto é para mostrar que eu posso-o
fazer só porque despendi algum tempo, foquei-me em mim
mesmo e criei algo, que talvez nem goste do resultado, mas
ficará para um dia mais tarde ver o quanto aprendi desde
então. A ajuda vem muitas vezes de onde menos esperamos,
dizia alguém não sei onde, a ajuda só vem realmente quando
queremos ser ajudados, quando conseguimos entender o
nosso problema, quando sabemos que o temos, não sou
depressivo, talvez doentio por coisas que nem eu sei bem
quais são.

Perdi-me na linha do raciocínio, queria ser lógico, não


tomar partidos e muito menos queria dizer algo que me
favorecesse, não sou feito para me proclamar alguém que
mereça ser visto, acho que é o oposto, quero merecer poder
conhecer-te e esta é a forma que tenho para demonstrar que
talvez até seja interessante. Talvez até seja interessante entrar
na cabeça de um estranho e saber como pensa, o que sente, o
que não o deixa dormir. Seria isto uma contradição? Passei a
vida a fazê-las, hoje gosto, amanhã nunca gostei e juro a pés
juntos que nunca comi, como sei que não gosto sem provar?

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O mundo a meus olhos

Porque não gosto, interiorizei que não gostava e isso basta


para mim, não deves fugir muito deste pensamento.

Sou grato por não sofrer de vertigens, o único medo que


carrego quando estou lá no alto é os óculos caírem-me, será
que iria atrás deles, só para ter um vislumbre desfigurado de
mim, quase igual ao jeito em que me vejo no espelho muitas
vezes, aquele monstro de poucas feições, onde apesar de me
reconhecer sinto-me desconfortado com aquele olhar vazio, é
aqui que o meu pensamento grita, que ando eu a fazer?
Avança, avança, mas para onde? Não posso deixar o destino
encaminhar-se disso? Dizem, dizem tantas coisas que existe
desculpa para tudo e colocaram o perdão como divino, é a
desculpa perfeita para não se desculpar, somos humanos,
feitos para errar, já o perdoar, o perdoar é algo superior, é algo
digno de um santo, peço desculpa, não querereis ser santo?

Peço desculpa, tantas vezes perdoei sem o ter que


fazer que fiquei neste estado, julgo, as ligações que criamos
com os outros é mais importante, há que torcer o braço, até
mesmo o pescoço, dou valor a todas as ligações que criei,
porque perdi algumas, perdi porque fui orgulhoso, porque não
sabia sobre a vida, porque distorci a história e tornei-me no
injustiçado, não percebendo que eu é que estava a ser injusto.
Não é que tivesse de existir uma vitima, não é esse o caso, só

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O mundo a meus olhos

sei que estive mal, que podia ter feito algo mais para manter
essa pessoa na minha vida, não falo de amores, falo de
amizades, falo de pessoas que ainda hoje me importo, mesmo
sem saber o que é feito delas, sei que vivem, sinto-o em mim e
sei que um dia mais tarde poderei novamente pedir desculpa,
dizer que lamento ter-me afastado, da mesma forma que vou
aceitar não me quererem mais nas suas vidas, só irei pedir,
como pedi a muitas outras pessoas, deixem-me saber se estão
bem, vivo melhor assim.

O mundo dava tantas voltas, fosse qual fosse o sentido


da frase, a verdade é que a terra girava realmente, fazia dos
dias noites e das noites dias, era a maior prova de que o tempo
passava, sempre avante, num sentido que talvez não fosse só
eu a não conseguir prever, onde iríamos parar a continuar
desta forma, se por um lado me preocupava por outro lado não
ligava, só podia temer pela descendência, pela nossa
descendência, será que me podiam garantir que todas as
nossas preocupações não eram só medo do futuro? Somos a
praga deste planeta, como a podemos combater? Continuamos
a dizer, há terra para todos, ninguém tem de passar fome, ela
sempre existiu, como as doenças, as injustiças, os corruptos,
adoptamos um pouco de cada animal, basta ver com atenção,
canibalismo, homossexualidade, abandono, isto existe no

23
O mundo a meus olhos

mundo animal, discordo completamente, nós somos racionais e


mesmo assim tão estúpidos, é preciso voltarmos aos sistemas?
Aos valores? A todas as histórias de bruxas más e de lobos
maus, em que esperamos por um lenhador ou um ser divino
capaz de mudar o rumo da história? Sejamos honestos, somos
seres tão magníficos que não prestamos para nada, um dia
disse que a nossa condição como humanos era criar, aprender,
evoluir e destruir, muitas coisas criámos sem saber
exactamente para o que serviam, no fim vimos o desastre que
essas mesmas criações nos fizeram, para não falar de todas as
coisas criadas para nos ajudar e que no fim serviram para nos
destruir.

Queria dizer, mesmo considerando-me uma pessoa


inconsciente sobre muitos temas, desleixado em muitas coisas,
que estava atento às mudanças, aceitava, aceitava a nossa
condição como animais, aceitava o sistema em que vivia,
embora revoltado, ainda existiam lacunas que podia explorar, o
mudar o mundo desisti bem antes de tentar, não tenho a
paciência necessária para mudar o pensamento
individualmente e por outro lado, talvez o mais certo, estou
errado sobre tudo isto e isto não passa de mais uma
conspiração, como tantas outras que existem sobre todo o tipo
de temas, até o desaparecimento dos dinossauros. Quem terá

24
O mundo a meus olhos

vindo primeiro, o Adão ou o T-Rex? É coisa que não tenho


interesse em discutir, só o coloquei aqui porque fazia todo o
sentido.

Não tenho o costume de dizer as coisas para agradar a


alguém, do mesmo jeito que estou habituado a desistir das
coisas, porque haveria de dar certo? Voltemos novamente lá
atrás, sou feito de sonhos, muitos desses sonhos são mesmo
isso, não servem para ser realizados e sim para me manter
vivo, num mundo em que poucos entenderiam, em que muitos
não me dariam a oportunidade de me explicar, até porque em
algum momento me iria contradizer, é como eu dizer que cada
um de nós individualmente tem direito à escolha e escolher
morrer é uma escolha nossa não dos outros, pior, é uma
condição, se vivemos, morremos, o achar que temos a
obrigação de manter os outros vivos é já por si só tirar o poder
de decisão, tens toda a razão, existem casos em que temos de
ajudar, o que fazemos nós? Será que damos as ferramentas
para poderem sobreviver ou simplesmente estamos a colocar
comida na boca dessas pessoas? A dignidade ainda existe,
para alguns, claro.

Eu disse sobreviver? As pessoas querem é viver,


acham que sobreviver lhes basta? Quem se contenta com tão
pouco quando hoje podemos ter tanto? Tanto existe para nos

25
O mundo a meus olhos

ajudar a passar aqui o tempo, como a consola que ali está a


gritar por mim e a dizer, pega no comando, pega, pega, isso
não te trará fortuna. O meu pensamento abranda e eu sei,
sinto-me bem, já não escrevia há tanto tempo que sentia esta
necessidade, mais que outra qualquer. Hoje perco tempo aqui,
bem aqui, junto de ti, partilho um pouco de mim, não tudo,
neste momento em que me lês espero ter visto algo novo, ou
sentir-me um pouco menos revoltado, de bem com a vida.

Não é que me queixe, a vida não foi totalmente boa,


também não direi que foi má, ingrata, também eu fui com
muitas pessoas, até comigo próprio. Corri o mais que consegui,
saltei o que pude, brinquei, ainda hoje brinco, acho que brinco
mais hoje, ou fujo de mim, é este tipo de contradição que estou
sempre a sofrer, como a frieza que é só para não mostrar o
coração mole que existe por detrás de muitos, temos que ser
duros, quase que diria que temos de ser cruéis. Em muitas
alturas disse que sou a sombra de mim mesmo, com tanto para
mostrar, com tanto para dizer e que não sou só em tons de
cinza, não, não farei nenhuma referência a nenhum livro,
apesar de saber que inconscientemente já o foste buscar. Não
tem qualquer importância, talvez tenha, se for falar em
explorares-te a ti mesmo, em largares os dogmas e

26
O mundo a meus olhos

preconceitos e procurares o que te poderá dar prazer, talvez


seja um assunto para se ter mais tarde, talvez.

Falávamos de mim, que perda de tempo sem o ser, que


sem importância, mesmo eu sendo a pessoa mais importante,
para mim como é óbvio, e se o sou, não entendo o porquê do
sacrifício pelos outros, terei eu ganho realmente algo em troca?
Ou será o sentimento de culpa que carrego que agora me faz
querer ser diferente? Continuando, é verdade, não sou nem
metade de mim e nem vivo no meu pleno, quem viverá assim?
Muitas pessoas se acham loucas sem o ser, mas dizer que a
loucura é uma doença também está errado, que razão existe
para dizer que tudo o que não vai conforme o estipulado pelo
sistema é doente? Pergunto-me, e se vivêssemos noutro
tempo, seria assim tão igual a este? Apesar de a esta hora
estar a escrever em papel ou na pedra, o mais certo seria não
estar a escrever, faria um desenho, sim, hoje saber ler ou
escrever já não é um luxo mas já foi, destinado a um pequeno
grupo de pessoas, muito pequeno, na altura eles entendiam
que o facto de se saber ler era dar poder aos indivíduos,
tinham razão, hoje temos à nossa disposição muitas
ferramentas que nos podem dar o conhecimento necessário
para lutar só que isso não significa que te dêem a coragem
para o fazer.

27
O mundo a meus olhos

Houve uma altura em que me preocupava com o que se


passava no mundo, é preocupante, chocante, é normal, não
entendo, juro que não entendo, não vou dizer que isto é
propaganda politica, não direi nada, o que posso dizer é que
desde que existimos lutamos contra nós mesmos e arranjamos
sempre um desculpa, Deuses, poder, opinião e até ignorância.
A diferença é que as noticias correm o mundo em tempo real, a
diferença é que hoje conhecemos o mundo, a diferença é que
falar num mundo global é eliminar as diferenças, todas elas, é
o interferir no modo de vida de muitas pessoas, é explorar o
que ainda não foi explorado, é reivindicar o que não é nosso só
porque sim, tal como as cruzadas, ou a pide, e muitas outras
coisas que existem para nos manter no caminho, não o nosso,
o que eles querem que seja o nosso.

É verdade, isto já parece um texto de conspiração, é só


a minha opinião, é a forma como vejo o mundo, nunca foram
postos de parte por um grupo de pessoas só porque não
partilhavam da mesma opinião? Como me aconteceu há alguns
anos, tentarem aliciar-me a adquirir um cartão cheio de
vantagem e que me faria rico em três tempos, todos se
gabavam dos seus feitos, das suas roupas, carros, pensei logo,
uau é assim tão fácil, compro o cartão e de seguida vendo-o a
amigos, esses amigos vendem a amigos e quando der por mim

28
O mundo a meus olhos

estarei rico, no intervalo vieram ter comigo, - que achaste?


Respondi de imediato que teria mais dignidade em vender
aspiradores, apesar do seu preço eles realmente cumprem o
que prometem, afastaram-me dos outros e tentaram dar-me a
volta, a minha curiosidade prendeu-se no preço que custaria
entrar para aquela seita, sim, para mim é como qualquer outro
grupo religioso, onde a lavagem cerebral é o primeiro passo,
depois de perderes o teu dinheiro só existe uma forma de o
recuperares, levando os teus amigos ao mesmo erro e
gozando das ofertas, que não o são verdadeiramente, que o
cartão te oferece. Sentiram-se ofendidos com o que disse,
tentei ainda saber o preço mas esse valor foi-me negado,
acabou o intervalo, tu não voltas a entrar, perdi nesse dia a
oportunidade de ficar rico como também a amizade da pessoa
que perdeu o dinheiro que não ajudei a recuperar
compactuando com aquela seita. Não, não irei dizer bem de
algo, compactuar seja com o que for só para que seja aceite,
só se tiver algum interesse, se eu soubesse que me iriam
expulsar eu teria dito algo maravilhoso, bora ouvir mais só para
ficar a saber quanto custaria aquele maravilhoso cartão que
tanto nos dá, tudo nos tira.

Era assim a vida, meio mundo a tentar enganar meio


mundo, o pior é que depois de sermos enganados vamos

29
O mundo a meus olhos

querer enganar outro alguém, não posso dizer que sou vitima
aqui, já enganei, também já me arrependi, como disse, faz
parte do crescimento, só não serve como desculpa.

A educação era algo que perante a lei, a nossa claro,


era um bem, uma necessidade, uma obrigatoriedade, certo e
errado, ouvia algo na internet, um senhor já velho que falava
sobre a educação das mulheres, falava a favor, concluindo que
na altura só podíamos controlar os homens e que assim
também seria possível controlar as mulheres, dizer o que
deviam vestir, falar, ser… falava das mulheres no mundo do
trabalho, concluindo que assim já podiam consumir, pensei,
que ideia genial, atenção, não estou a dizer que as mulheres
são menos que os homens, nada disso, estou a dizer que
perante a luta das mulheres os homens da altura tiraram
partido disso. Não fizeram um mundo mais justo, a
desigualdade continuou, só que agora disfarçada. Voltando à
educação, como se obriga alguém a ser educado se a força
não é forma de o fazer? Os pais são responsáveis pela
educação dos filhos, quando os pais falham como se deve
punir? Pune-se os pais ou os filhos? Gostava de ter a resposta
para vos dar, não a tenho, só sei que a vida hoje em dia não
tem qualquer valor, do mesmo jeito que falamos que somos

30
O mundo a meus olhos

números no mundo do trabalho, já não o éramos na escola?


Um número?

Cada vez mais se fala sobre os direitos, só agora


descobrimos que todos têm direito, as crianças têm direito às
birras, aos gritos, a maltratar os pais, sim os pais, até porque
não se pode punir os filhos pelos seus desassossegos,
dramas, crises existenciais, penso, será que este é o caminho
correcto a seguir? Será que estamos realmente a defender as
crianças de hoje em dia?

Depois, depois vem a “bonecada”, não podem ver nada


porque contém violência, dou o benefício da dúvida, as
crianças sabem ou deviam saber diferenciar o que é certo e
errado. Não me lembro dos meus pais me explicarem isso,
como também não me lembro de uma palmada me ter feito mal
e nem todas foram merecidas, acho.

Temos direitos, todos temos direitos e mesmo assim


temos menos direitos do que as pessoas que não contribuem
para a sociedade, já pensei em ser toxicodependente só para
não pagar taxas moderadoras, até mesmo tentar viver do ar, se
passasse necessidades, como fome, viveria como criminoso,
seria a garantia de que teria três refeições por dia sem fazer
nada, o estar preso, todos estamos, não é por poderes sair de

31
O mundo a meus olhos

casa que te podes considerar livre, é o mesmo que contratares


um serviço de televisão e pagares a taxa de audiovisuais na
factura da luz, é o mesmo que comprares uma casa e todos os
anos pagares o IMI, a liberdade é muito subjectiva, eu entendo,
temos que pagar, mesmo assim fica a dúvida, porque temos
nós de pagar pelos erros de outros, porque se fala mais do
dever que do direito?

Porquê?

O sistema tem falhas, muitas falhas, seria justo todos


nós usarmos essas mesmas falhas a nosso favor?

Desvio o assunto, apareceu-me uma carta de um


imposto de selo de um carro que mandei para abate já há um
ano, dirigi-me ao serviço das finanças com a papelada toda
para corrigirem a situação, disseram-me que não podiam fazer
nada, que teria de ser eu a tentar saber quando é que o carro
entrou para abate nos serviços do IMTT, ainda tinha umas
semanas e, como sempre, deixei esse tempo passar, nem
tentei porque senti-me enganado pelo sistema, se tinha tudo
porque teria que ir à procura de erros, no último dia dirigi-me ao
departamento das finanças para pagar o imposto, não me
queria chatear, não queria mesmo e da mesma forma que eu
quis pagar imagino a quantidade de pessoas que pensaram

32
O mundo a meus olhos

igual. Antes de pagar, perguntei à pessoa que me estava a


atender, que era a mesma que me tinha dito que não podia
fazer nada, para onde devia reclamar, o discurso dela mudou,
agarrou em todos os meus papéis, tirou cópias, escreveu para
Lisboa e resolveu-me o problema, simples, afirmo, logo após
isto era mesmo de reclamar com a pessoa que me atendia,
mas a culpa não é dela é do sistema, que está feito para
funcionar mal, porque se funcionasse bem como se poderiam
desculpar com tantos erros que cometem?

Problemas deste tipo não existem só aqui, existem em


qualquer canto da terra, em alguns casos até posso considerar
que vivo no paraíso, pelo menos posso sair de casa sem medo,
não é que esteja livre de azares, já os tive, fui assaltado, e
apesar de ainda não saber como ficaram as coisas, sei que
não vou recuperar o dinheiro que perdi, a ignorância tem
destas coisas, só não entendi o porquê de me pedirem o valor
e as facturas do que “perdi” nessa madrugada e depois
dizerem-me que teria que ter feito outra queixa à parte para ser
indemnizado, concluo dizendo que metade da justiça foi divina
e não mundana.

Existem injustiças, muitas, em todos os lados, afectando


todo o tipo de pessoas, seja pela cor de pele, orientação
sexual, religião e até mesmo pela capacidade financeira, como

33
O mundo a meus olhos

se estas coisas nos definissem realmente, pessoas más


existem em todo o lado, acho que não devemos julgar, não sou
diferente, também julgo mas tento ser mais tolerante a cada dia
que passa.

Se há algo que não gosto é das pessoas que se fazem


de vítimas, é que vítimas todos somos e passado algum tempo
de ouvir as mesmas coisas começo a guardar-me um pouco
sobre certos assuntos, como por exemplo pessoas de cor que
dizem que foram mal atendidos e justificam isso com a cor da
sua pele, poderá ter acontecido um ou outro caso não duvido,
mas também já fui maltratado e não me justifiquei com isto ou
aquilo, fomos porque a pessoa que estava lá do outro lado não
prestava, estava sem paciência, sentia-se frustrada e nós
temos a mania de descarregar nos outros a nossa frustração
porque isso nos alivia. Não se trata de racismo, acho que falar
sobre descriminação é fazer publicidade a isso mesmo, é dar
força às diferenças que existem.

Da mesma forma que existe descriminação contra os


homossexuais, peço desculpa aqui, não tenho nada contra a
vossa orientação sexual, mas se existe uma coisa que não
gosto é de espectáculo gratuito, quando quero ver teatro vou a
uma sala de teatro e vejo, digo isto porque sim, sou contra
aquelas pessoas que não conseguimos saber o que são, são

34
O mundo a meus olhos

uma coisa que foge do padrão e que querem ser vistos, devia
ter dito vistas, é que nem falo dos chamados flores de estufa,
são jeitos, que se pode fazer, agora os outros, “mascarados”,
esses são para mim os culpados da descriminação que existe,
dado ao espectáculo que muitas vezes oferecem, podiam
andar assim, podem, se gostam, até devem, mas o chamar a
atenção, é como estar a entrar na privacidade dos outros e isso
não posso tolerar. Lá está, é o nosso sistema, são os nossos
dogmas, é a forma como fomos habituados a ver o mundo,
porque homossexualidade existe desde sempre, na
antiguidade era vista como uma coisa normal.

Da religião, só posso dizer que tens razão, seja ela qual


for, concluindo que aquela figura que está lá no topo é Senhor
de tudo isto, não direi o nome Dele porque não se pode dizer
em vão, ou então a tua crença dá-lhe outro nome que não se
adequa ao padrão normal que estamos habituados a ouvir. Só
direi que no meu leito de morte, Ele me irá perdoar tudo o que
fiz e vai-me receber de braços abertos, afirmando que nem
todos encontram o caminho até Ele da mesma forma ou na
mesma altura, eu vou encontrar o meu no meu último suspiro,
direi “perdoa-me” e como já disse anteriormente, perdoar é
divino, ficarei bem, descansa.

35
O mundo a meus olhos

Não quero com isto criar um conflito, é a minha opinião


e como não sou ninguém e muito menos faço parte de um
movimento não terá qualquer importância, também não quero
que penses igual, não aqui, aqui quero que penses por ti
mesmo e cries a tua própria opinião.

O mesmo acontece se fossemos falar de futebol ou de


política, uma coisa não tem nada a haver com a outra, sobre o
futebol, nem sempre o melhor é o que ganha, a vitória será de
quem durante aqueles noventa minutos tiver mais sorte.
Podemos dizer que a equipa A foi roubada, ou que não era
golo e por aí afora, mas faz parte da vida e talvez por isso os
desportos, agora falando no geral, se tornam interessantes
porque não existe uma forma de se prever quem vai realmente
ganhar. Sobre a política, aqui mudámos de figura, vivemos da
aparência e temos por costume votar muitas vezes com base
na aparência, concluindo que os partidos que têm mais
dinheiro e fazem transparecer sinais de riqueza à partida sairão
vitoriosos, é como aquela palestra onde me queriam vender o
cartão, aqui compram o teu voto com base na gestão de
linguagem e querendo transparecer que se tenho boa
aparência seria incapaz de prejudicar todos aqueles que votam
em mim. Sem contar com a diferença entre a direita e a
esquerda, sinceramente? Não podemos defender os direitos

36
O mundo a meus olhos

das empresas e dos trabalhadores ao mesmo tempo? A


resolução do problema é todos trabalharem sob as mesmas
regras, as mesmas leis e deixarem-se de tretas.

Sobre isto tenho muito a dizer, tanto que perco a


vontade, de quem é a culpa sobre as injustiças no mundo do
trabalho? Acho que se fosse pedir às chefias que já tive para
falarem sobre mim só me iria tramar, a verdade é que lutei
pelos meus direitos, a verdade também é que sempre defendi
os interesses da empresa, a empresa não comete crimes nem
erros, a empresa não me pede para mudar relatórios, são as
pessoas, por isso o meu pensamento inicial é defender os
interesses da empresa e em segundo os meus, se existe algo
que as chefias não querem fazer, como pagar horas extras aos
colaboradores devem saber queixar-se às entidades
competentes, são estas que dizem quanto deves receber pelo
teu trabalho. Sobre ser colaborador, mais uma estratégia para
que as pessoas se sintam mais inseridas no meio, quase uma
forma de te obrigar de forma inconsciente a colaborar. Não é
que isso seja mau, devemos colaborar naquilo que é legítimo.

Um dia disse a um chefe que se tivesse de passar por


cima de uma ordem dele em prol da empresa que o faria na
hora, sei que isto pode prejudicar o meu trabalho, pode ser a
diferença entre ter ou não ter um trabalho, a verdade é que

37
O mundo a meus olhos

apesar de dizer isto não me ando a gabar quando o faço e


tento sempre fazer com que a ideia ou a tarefa realizada tenha
partido do chefe, da mesma forma que o informo logo do que
penso fazer ou já fiz.

Depois também existem as pessoas mal formadas, as


pessoas que sobem com as palmadinhas nas costas, as
cunhas… Este tipo de pessoas só prejudica as empresas, não
pensem que lhes estão a acrescentar valor, pessoas assim não
prestam simplesmente.

Vivemos muito da ameaça, se não fazes vou buscar


alguém que faça, pergunto-me quem pune este tipo de coisas,
que punições existem para este tipo de abuso, que tipo de
pessoa faz este tipo de ameaça, decerto que não é nenhum
familiar dele que está do outro lado.

Trabalhei numa fábrica, morreu um trabalhador, de


quem terá sido a culpa? Eu sei de quem foi, todos ali sabem de
quem foi a culpa, ninguém o matou é verdade, mas será que a
chefia tem alguma sensibilidade para o trabalho? Obviamente
que terei de medir cada palavra, não quero que procurem a
partir do que escrevo razões para agarrar novamente nessa
história, até porque o mais provável era perder ou ser acusado
de difamação. Perdia porque os próprios colegas são de facto

38
O mundo a meus olhos

e somente colegas, não são amigos, não agem em prol de um


bem comum.

Temos que ter em conta que quem faz a empresa são


as pessoas que lá trabalham e muitas vezes são todos
prejudicados por duas ou três pessoas, é como que te pedirem
para fazer algo que não devias fazer, até te podes negar mas
haverá sempre alguém que aceita, no fim tu és o mau da fita,
não o és, é caso para se dizer que também existe bullying no
trabalho, não passas a ser menos, passas, mas não devias,
não estás errado e nem tão pouco te tens de juntar ao
movimento de faço tudo o que me pedir.

É verdade, sou de facto prejudicado pela minha opinião,


mas como disse anteriormente eu defendo os interesses da
empresa, só não aceito o abuso, a inconsciência, a
descriminação. Como profissional, até me considero muito
bom, muito melhor que todos por não me sujeitar ao que me
dão, por querer melhorar, por querer ver as coisas crescerem e
é aqui onde me separo dos demais, que se limitam a estar, a ir
fazendo, a não se importar com a qualidade do trabalho que
estão a fazer, gosto essencialmente de ver as empresas
crescerem.

39
O mundo a meus olhos

Ainda batendo na mesma tecla, não trabalhei assim em


tantas empresas, não posso dizer que não gostei de trabalhar
nesses mesmos sítios apesar de algumas divergências, coisas
que vão sempre existir e se saí das mesmas foi porque quis,
fosse qual fosse o motivo, levei comigo o conhecimento que
adquiri e nesse sentido tenho que agradecer a todas elas.

O mundo continuava, tanto havia para ser feito que não


sei se iria terminar alguma coisa a tempo, ou bem antes de
acabar o tempo. Novamente muita coisa mudou na minha vida,
é verdade, podem não entender essas mudanças, nada do que
tinha tenho agora, sem ser a playstation e a namorada que
agora é noiva.

Abri neste momento um novo capítulo, casa nova, terra


nova, novas oportunidades, sou quem quiser ser aqui, ninguém
me conhece. Começa a busca por trabalho e o meu lado
confiante diz-me para ter calma, para procurar algo do meu
agrado, a desgraça começa, a revolta cresce. Juro que não
entendo o porquê de certas coisas.

Escrevo isto porque nas ofertas de emprego vejo uma


porrada de coisas onde pedem comerciais, o problema não é
esse, é a forma como o fazem, gestor empresarial, descrição
de tarefa, angariar clientes, delegado comercial, descrição de

40
O mundo a meus olhos

tarefa, angariar clientes e inventam uma quantidade de nomes


nas ofertas para a mesma função, comercial. Pergunto-me,
será que na hora do contrato de trabalho dirá que é gestor
empresarial, falta saber se a tabela salarial depois seria igual
ou não.

Apesar de sentir que tenho jeito para a venda e até


gostar, não gosto da venda agressiva, existem formas
melhores de promover o produto ou serviço.

Existe muito disso no mundo do Marketing, podes não


precisar de determinada coisa mas nós faremos com que
sintas a necessidade de a adquirir. Daqui nasce toda uma
estratégia, algumas muito boas outras nem tanto, desta parte
adoro, até porque estudei Marketing, é daqui que nasce o meu
instinto de defender os interesses da empresa.

Volto a dizer, não acho que esteja correcto em tudo o


que digo, talvez daqui a cinco anos ao ler tudo isto vou achar
que sou um verdadeiro idiota, quer dizer, eu sou um idiota, só
por pensar, só por achar que posso fazer a diferença num
mundo onde todos se querem iguais e é que nem quero fazer a
diferença, quero é sentir-me útil e construir algo, sentir que não
deixei o tempo passar simplesmente sem que tivesse feito algo
verdadeiramente meu.

41
O mundo a meus olhos

Como disse, vou casar e até nesse dia tão maravilhoso


queria poder usar a ironia ou o sarcasmo mas poderia entrar
em choque com a minha cara-metade, existe todo um conjunto
de coisas para se fazer, convites, boda, fotógrafo, fato, florista,
banda e estas foram as coisas fáceis, as difíceis passam pela
lista de convidados, onde excluir alguém é-me difícil, e a
certidão de baptismo talvez ainda se vá mostrar um grande
desafio. Tenho sorte, nestas coisas ela é tão prática quanto eu,
deixamos as paneleirices de lado e vamos ao que interessa, o
que é realmente importante? Não vamos dizer que é a comida
e a bebida que pode parecer mal, o importante é estar rodeado
das pessoas de quem gostamos, o importante é gostarmos um
do outro, o importante é a construção de algo juntos.

Os meus amigos dizem que, de muitas pessoas, seria


eu que não me veriam a casar, dou-lhes toda a razão do
mundo, por mim não casava, não cresci com esse sonho, ela
cresceu e repito isto tantas vezes que por vezes já me sinto
cansado, sou a única pessoa que pode ajudar a realizar esse
sonho visto que ela está comigo, então, quem sou eu para lhe
roubar esse sonho?

Se me negasse a tal que futuro teria esta relação? O


amar só por si não chega, é preciso muito mais que isso, terá
que haver sempre cedências de parte a parte para que as

42
O mundo a meus olhos

coisas funcionem, mais que um casal, temos que ser


companheiros, não quero dizer com isto que temos que seguir
a mesma direcção, ou gostar das mesmas coisas, querer ir aos
mesmos sítios, mas se temos a capacidade de fazer a outra
parte feliz, mesmo que para nós aquele momento seja um
pouco desconcertante temos esse dever, não em tudo claro,
neste caso especifico, tenho o dever, em tom de brincadeira
quando me perguntam quando o farei, digo que ainda tenho
esperança que o mundo acabe antes, coisa que não
acontecerá.

Os olhos brilham, todos eles, quando entramos numa


loja e falamos que vamos casar, enganem-se, não brilham de
felicidade, todo o preçário da loja parece mudar e é aqui que a
revolta nasce, caro, tudo muito caro e penso, como é que
podemos casar nos dias de hoje, como é que podem querer
começar uma nova vida logo a pendurar uma corda ao
pescoço? A razão é especial mas cuidado, há que fazer contas
e saber quais são as nossas prioridades, há que negociar, há
que poupar onde se pode, existem outras em que nada haverá
a fazer, mas poupar umas largas centenas de euros em
algumas coisas poderá fazer com que a vida de casado
comece como pé direito. Bem, se tiverem o dinheiro para fazer
o casamento como quiserem, fogos de artificio e insufláveis,

43
O mundo a meus olhos

façam mas lembrem-se, e aqui falo por mim, o que levo


realmente é se comi e bebi bem, não me lembro da decoração,
não sei a marca do vestido ou do fato dos noivos, não sei se as
alianças são caras ou baratas e o convite, o convite já se
perdeu há muito. O povo quer é comer, beber e dançar, o resto
será isso mesmo, resto.

Obviamente, hoje também desejo que esse dia chegue


e quero que seja perfeito, até porque vão lá estar todas as
pessoas de quem gosto e fazem de mim o que sou hoje.

Havia algo de extraordinário, isto nada tem a haver com


o casamento, política ou outro assunto que já tenha falado e
apesar de me forçar para não falar sobre isto, terei que o fazer,
até porque a vida ensinou-me que aprendemos sempre algo a
partir daqui, pelo menos eu aprendi. A dor, não uma dor física,
a dor da perda, não interessa o que a causou, na generalidade
as pessoas identificam-se sempre quando falamos da dor,
aquela dor que nos corrói por dentro, que nos sufoca, que nos
faz não olhar mais para a frente e sim para o chão ou para o ar
e nos perguntarmos porquê. Um dia todos nós passaremos por
essa dor, o mais certo é passar mais que uma vez, seja por um
amor perdido, por um familiar ou amigo que partiu, sempre que
a sinto fecho-me, não quero transparecer que me dói, nestas
alturas sinto-me doente, procuro alternativas para combater

44
O mundo a meus olhos

essa dor e a que mais tem efeito é criar, quando falo em criar é
escrever, é pintar, é colocar as engrenagens do cérebro a
funcionar, pelo menos nessas alturas não sinto que doa, ao
mesmo tempo que imortalizo a minha dor. Não crio só quando
me dói, só é quando tenho mais necessidade de o fazer.

Falo da dor porque tenho plena consciência que em


novo me prejudicava, não pensava nas consequências dos
meus actos, a vida realmente não tinha sentido e existir não
era assim tão importante, se pensei? Posso dizer que sim,
morrer é bem melhor, mas isso é distribuir a nossa dor pelas
pessoas que gostam de nós, é criar traumas de impotência, é
roubar um pedaço de alguém que não poderemos restituir e
seria a solução fácil de acabar com a dor, a revolta, ou tudo o
resto que esteja a acontecer com as nossas vidas, então um
dia assumi que a minha vida iria ser difícil, que iria aguentar
tudo, que tentaria suportar o peso de todos nas costas e
mesmo assim conseguir andar. Na realidade não foi bem isso
que aconteceu, cheguei a um ponto em que tive de pensar só
em mim, no que era realmente importante para mim e
desprender-me um pouco desse peso que eu próprio coloquei
às costas.

Quando perdemos um amor a vida não acaba, quando


perdemos um ente querido a vida também não acaba, sei que

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O mundo a meus olhos

agora é fácil falar sobre essas coisas, estou bem, sinto-me


bem, só que este pensamento tem que estar entranhado em
nós, como um ciclo que tem início e fim, já sabemos que a vida
não é justa e só por isso não valerá a pena massacrarmo-nos
com isto.

Não adianta matar a fome agora a alguém, amanhã


voltará a ter fome, com esta base de pensamento pensei que
se deveria ensinar a plantar, isto é, dar as ferramentas para
que consigam sobreviver sem nós em vez de simplesmente
satisfazer as necessidades. O mesmo acontece com os
problemas que vamos enfrentando no nosso dia-a-dia, tive que
aprender que não posso resolver tudo, se ontem queria ter
esse cargo porque assumi que era meu dever proteger, hoje
assumo que é um erro, que faz com que muitas pessoas se
tornem dependentes de outras.

A dor, palavra tão pequena e mesmo assim tão pesada,


dizer que dói é por vezes um afugentar de pessoas, é um
esquivar de responsabilidade, é algo errado, tanto para quem o
diz como para quem o ouve. E agora? Que fazemos? Voltando
ao assunto de quando perguntamos se “está tudo bem”, o que
queremos ouvir é um “está tudo bem”, se dizem dói nós
dizemos “pois tens que ter calma”, “com o tempo passa”,
injusto não?

46
O mundo a meus olhos

Todos sentimos as coisas de maneira diferente, como o


teste que se faz sobre a tolerância de dor, será que podemos
julgar? Se esta dor fosse de feridas reais também não a
saberia medir, já fiz golpes fundos que não me doeram nada e
outros que eram simples arranhões que me doíam à brava. O
problema está na aceitação, também não aceito, não quero
perder ninguém para a morte ou para outra coisa qualquer,
queremos viver como imortais quando não o somos, não tem
mal nenhum doer, só quero que aprendam, tal como eu, a tirar
prazer dessa dor, a fazer algo que tenha significado para
vocês, passado uns tempos ao olhar para o que foi feito vão
ver como a dor diminuiu e existe um sentimento de
contentamento.

Observei a vida do lado de fora, quase como um Deus,


que muitas vezes permanece quieto face às injustiças que
acontecem por cá. Pergunto-me quantas vezes não poderia ter
agido em prol de outros, afinal somos semelhantes, afinal
somos seres vivos, sim seres vivos, não podemos colocar uma
hierarquia quando se trata de vida. É verdade, aqui nada de
justo existe nas minhas palavras, basta ir ao supermercado e
ver toda uma exploração de vidas, onde a dignidade é coisa
que não existe, pior, pior é quando nos vemos no meio do
consumismo de outras espécies de uma forma descontrolada,

47
O mundo a meus olhos

mesmo assim vejo-me de fora de muitas coisas, mesmo


participando deste bando, mesmo ajudando à proliferação
desta injustiça que hoje achamos lógica. Aqui a ignorância é o
nosso maior aliado, simplesmente não queremos saber como
certas coisas chegam até nós, queremos imaginar que o bife
teve uma vida boa, que viu pastos verdes até se perderem de
vista e que foi feliz como vaca.

Observei, tanto quanto podia, e muitas vezes assisti ao


desenrolar das coisas para saber se o seu fim ia ser trágico ou
não, perceber até onde podemos ir, aqui nada de bom se pode
esperar, ainda temos entranhada em nós a palavra superior,
independentemente do sexo, da raça, da nacionalidade. Posso
incluir-me aqui, em muitos aspectos me acho superior, em
muitos outros me rebaixei por ter este pensamento, fugi do
confronto por saber que não haveria lição nenhuma.

Observava a rua pela janela, um casal passava


agarrado até que ele disse que estava tudo acabado, não me
fez sentido aquilo, ela agarrou-o e perguntou porquê, ele pedia-
lhe para o largar e em certo ponto sei que a magoou para se
libertar, fiquei atento, talvez no momento em que pensasse agir
já seria tarde, só que, num primeiro momento pensamos se
devemos colocar-nos a nós em problemas por causa de
terceiros, sei bem que isto custa todos os anos centenas de

48
O mundo a meus olhos

vidas e mesmo assim, mesmo que digam que não, em parte


agiriam igual. Ele foi-se afastando dela, murmurando algo do
género que ela sabia como ele era, que ela sabia que ele não
batia bem da cabeça e que era violento, ela seguiu atrás dele,
talvez implorando um pouco disto tudo.

Talvez, nesta história, esteja a ser injusto, talvez, é


certo, mas temos que admitir que existem pessoas que gostam
de ser o saco de pancada de outras pessoas,
independentemente do sexo ou da relação que têm, talvez por
isso existam estes dois antónimos, masoquismo e sadismo.
Agir, agir seria como já aconteceu a muitas pessoas, colocar a
“vítima” como agressora ao defender-se do seu companheiro.
Sei que é confuso, pergunto-me como agir todos os dias em
certos casos? A resposta que obtenho é esperar pelo abuso, é
esperar até ter a certeza que existe realmente uma vítima, é
tentar naqueles breves momentos conhecer a história.

Já disse que o mundo se movimenta para zonas que


não estamos habituados? Isto é, talvez hoje dê novamente
mais atenção às noticias e tento fazer uma selecção das
mesmas, até porque com esta coisa da tecnologia da
informação o que mais existe é notícias falsas, ou notícias que
dão enfâse ao drama, à violência, à tragédia, tudo isto para
captar a nossa atenção, tudo isto para nos controlar, não direi

49
O mundo a meus olhos

que não são dias negros, o que digo é que nunca saímos
deles, não fiz nenhum estudo para chegar a esta conclusão, o
que digo é que todos estes crimes sempre existiram, todas as
mortes, todos os dramas, a diferença é a densidade
populacional e mais que isso, a velocidade a que viaja a
informação, hoje podemos saber o que está a acontecer em
qualquer parte do mundo em tempo real, pior mesmo, podemos
prever o que vai acontecer, esta previsão não tem nada a
haver com esoterismo e sim um cálculo de risco.

Aonde vamos parar? Gostaria de dizer a lado nenhum,


gostaria de dizer que um dia vamos encontrar a paz em
qualquer canto do planeta, é mentira, faz parte da nossa
condição humana, não nascemos para a guerra é verdade,
nascemos para conquistar e esta conquista significa que temos
obrigatoriamente de rebaixar outros, sei que muitos não irão
concordar comigo e também não espero que o façam, em novo
dizia que quero ser contrariado, quero que me tirem a razão,
quero que me digam que são diferentes, mas o dizer não
bastará, mostrem-me, mostrem-me como são. É certo que
daqui a dez anos o meu pensamento será um pouco diferente,
talvez por causa da guerra, ou da paz, talvez porque alguém
me bateu e até pode acontecer que alguém me tenha
estendido a mão quando o mais comum seria ignorar-me.

50
O mundo a meus olhos

Fosse como fosse, neste momento a minha opinião é esta,


mesmo sem saber aonde vamos parar, tento de uma forma
vaga desenhar vários desfechos para o meu fim, usar este fim
no plural seria, por assim dizer, estender o tempo, coisa que
iria acrescentar uns quantos fins, coisa que não quero fazer
neste momento, até porque quem iria imaginar nos anos trinta
que hoje em dia, passados oitenta anos, teríamos tudo isto,
toda esta tecnologia, e se for a avaliar a evolução nestes
últimos vinte anos, como poderei imaginar como estará a
mesma daqui a oitenta anos? Muitos diriam que os carros
voarão, deixarão de consumir combustíveis fósseis, que
existirão coisas que hoje só ainda são vistas nos filmes de
ficção científica, dito isto, o meu fim será o desejado, pelo
menos é esse o meu desejo, mesmo que a guerra expluda,
seja por que motivos for, políticos ou religiosos, uma guerra
económica é-me difícil imaginar, apesar de ter consciência que
essa guerra está a acontecer neste momento, quem fornece os
terroristas? Melhor ainda, se não existirem guerras como é que
as empresas, em que basicamente o seu sector é o
armamento, obtêm vendas? Seria giro ver um monte de
terroristas armados de arco e flecha a avançar na Europa,
como podemos ver, isso não acontece, eles estão bem
armados, estão bem apoiados, estão organizados e tudo isto
só acontece porque têm empresas por detrás deles, para não

51
O mundo a meus olhos

falar de governos, que beneficiam também com estes


confrontos.

Sem me querer alongar muito sobre este assunto, até


porque não tenho nenhuma base de estudos para dizer o que
digo, é meramente a opinião de alguém que não tem mais
nada que escrever e vale o que vale, tudo serve para nos
manter na linha, é o mesmo que te dizerem que deves ter
opinião mas guarda-a para ti e caso te perguntem sobre algum
tema delicado, tenta fugir do mesmo, só se quiseres entrar
numa discussão onde chegarás à conclusão que tu não
percebes nada de nada sobre que assunto for. Tudo isto
porque temos sempre que prevalecer seja sobre quem for,
caso exista argumentação científica sobre os assuntos e
provas de tais assuntos, esqueçam tudo aquilo que disse,
ganha a melhor argumentação mesmo que daqui a cinquenta
anos se prove que estava tudo errado.

Tento manter uma linha temporal, como já devem ter


reparado não a consigo manter, o pensamento é realmente
livre, só o tento acompanhar com os dedos, muitas vezes, e
considero este acto normal, apago tudo por me ter perdido no
raciocínio que estava a ter, ou até por ter viajado para outras
paragens que nem eu próprio sei.

52
O mundo a meus olhos

Tudo, tudo o que acontece no mundo tem uma razão,


mentira, nem tudo, não tem qualquer gravidade para o mundo
a morte de meia dúzia de pessoas, como também não tem
qualquer interesse para o mundo o salvamento de uma
centena de pessoas no mar do mediterrânio, até porque quem
te garante a ti que essas pessoas foram realmente salvas?
Talvez no fim só tenham prolongado o seu sofrimento, a meia
dúzia de pessoas que morreu pode simplesmente ter terminado
o seu sofrimento. A meu ver, e peço desculpa aos seres mais
sensíveis, não tem qualquer influência para o mundo, até
porque este tipo de acontecimentos sempre aconteceu e
sempre fomos vivendo. Admitam, gostamos do drama, da
mesma forma que os media sabem que o que vende realmente
são os acontecimentos tristes deste mundo, acham mesmo que
dar notícias boas tem vendas? Cliques? O que é que isso
interessa? É isso mesmo, não tem interesse saber quem está
melhor que eu, não quero saber, quero é saber quem é que
está pior, queremos no fundo é sentir pena, ao mesmo tempo
que tentamos restaurar a nossa fé com vídeos virais sobre o
estender de mão a um sem-abrigo, pior, é a necessidade da
câmara estar lá, mesmo que depois sejamos uns merdas,
como todas aquelas épocas do ano que temos de demonstrar
afecto a todos, cumprimentar, desejar tudo de bom, volto a
dizer, é a minha opinião.

53
O mundo a meus olhos

Ainda tentarei contar a história, apesar de achar que ela


se vai escrevendo aos poucos, uma parte de mim acredita que
esta é a história, a história de um jovem que nada sabia da vida
e que com os seus constantes erros tentava compreender o
que faz de nós especiais, únicos e diferentes das outras
espécies, já que as nossas atitudes são para lá de animalescas
em muitos casos, já que em todos os reinos, e entenda-se, falo
do mundo animal e vegetal, poderemos ver demonstrações de
amor, contrariando o que muito se diz, que nós somos os
únicos seres racionais e que todos os outros agem por instinto
e nós? Partimos para a violência mesmo sem ter razão porque
somos racionais, certo?

Tentei de muitas formas fazer de advogado de defesa


de muitos erros, não pelos que cometi, esses facilmente
assumia a culpa e desculpava-me culpando a natureza
humana, mas pelos dos outros, em que utilizava a mesma
desculpa, somos humanos, é do ambiente social em que vive,
foi uma vez sem exemplo e muitas vezes coloquei-me no papel
dessas pessoas para tentar compreender a razão. A alguns só
chamava de burros, costumo dizer que se é para fazer tem que
se fazer bem feito, embora eu mesmo nem sempre tenha feito
as coisas bem feitas, como já assumi anteriormente, cometi
inúmeros erros e na verdade não me irei desculpar mais por

54
O mundo a meus olhos

eles, quero acreditar que faz parte do processo de


aprendizagem e que todos os acontecimentos me farão
amanhã uma pessoa melhor, mesmo não sabendo o que isso
significa. Um dia disse às pessoas que queria mudar o mundo?
Esse pensamento morreu depressa, tinha e tenho tanto para
mudar no meu mundo que pensar em mudar o mundo em geral
é algo impossível, pior mesmo é o meu nome, é o meu
pensamento, não querendo fazer nenhuma ligação a isso
acredito que só se pode mudar alguma coisa sendo-se radical,
isto porque nós em geral não gostamos da mudança, é como
hoje em dia fazermos o IRS pela internet onde tudo já está feito
e nós só temos que colocar o nosso nif e palavra-chave, para
jovens isto não fez qualquer diferença mas para as pessoas
mais velhas isto foi uma grande barreira, se disséssemos a
essas pessoas que a partir deste momento só têm esta opção
era como qualquer outra decisão radical que por vezes se
toma. Claro, ser radical não é ser extremista, procurar justiça
não é condenar à toa.

O sol estava no seu ponto mais alto do dia, nesta hora


ao contrário de muitas outras queixava-me da ausência de
sombras, não me sentia eu só por estar coberto de luz, é aqui
que chego à conclusão que nunca estarei satisfeito com nada
do que acontece, é aqui que mais uma vez entendo a minha

55
O mundo a meus olhos

natureza dada a ausência de uma parte de mim. Alguém me


disse uma vez que tentava ser quem não era, que fugia de
mim, atribui-lhe a sua razão, até porque não sabia quem queria
ser na altura, quando fecho os olhos sou uma pessoa
totalmente diferente daquela que sou quando tenho os olhos
abertos, sou mais feliz mesmo quando os sonhos não são os
melhores, talvez porque uma parte de mim sabe que estou a
sonhar. Enquanto uns sonham que estão a cair eu sonho que
estou a voar e a sensação que isso me traz é realmente
satisfatória. A parte boa de sonhar é que passo semanas com
o mesmo sonho, como uma história contada bem antes de
adormecer, a sua continuação faz com que me sinta realmente
vivo dentro do sonho, que existo num outro plano mas mais
despreocupado sobre todos os acontecimentos à minha volta.

Como disse, quando o sol está no seu ponto mais alto é


quando todos se escondem, é quando todos procuram o
refúgio de sombras e não é por ter medo da luz que os cerca, é
por ser quente, é por ser demasiado quente, tão quente que se
torna difícil suportar, da mesma forma que é difícil de suportar
quando estamos rodeados de dor ou sofrimento, é igual a ir a
um funeral por respeito a quem está vivo e não por quem
morreu, o meu silêncio que faz contraste com os gritos ou
choros de quem sofre realmente, raramente alguém percebe

56
O mundo a meus olhos

que acabou a dor da pessoa que morreu, raramente se aceita


essa perda, em muitos casos acho que somos egoístas e
somos, queremos obrigar essas pessoas a permanecerem
vivas, mesmo que desgastadas, mesmo que já não sejam elas
mesmas, pelo menos do jeito que as conhecíamos. Não falo de
quem partiu prematuramente, mesmo que parta, onde está a
dignidade da vida? Sei bem que isto é um assunto delicado e
quem sou eu para falar se a pessoa estaria melhor morta ou
não mas também não se trata disso, que viva, caso morra, que
morra bem, tenho medo de falar da morte, poderia dizer que
não conheço a dor de perder alguém apesar de já ter perdido
muita gente e nem sempre perdi para a morte, muitas vezes
perdi para a vida, o que torna tudo muito mais frustrante, é
difícil, mais difícil ainda é ser eu a tomar essa decisão, de ter
de perder alguém só porque me faz mal, só porque a forma
como existe hoje já não é aquela que existiu ontem.

Novamente, também me disseram que vivo no passado,


concordei, para algumas pessoas eu vivo exactamente lá, onde
elas existiram, os anos passam e tanto o carinho como a
amizade permanecem, passe o tempo que passar. Podem não
entender, mas entendam, as coisas não têm que mudar só
porque o tempo passou, só porque cada pessoa na sua
individualidade traçou um caminho diferente, devemos

57
O mundo a meus olhos

reconhecer que essas decisões todos nós tomamos


independentemente do que sentimos. Acredito que haverá
sempre o dia em que nos voltaremos a cruzar e quando esse
dia chegar porque não brindar à vida? Porque não brindar a
esse reencontro? Já me senti ofendido por passarem por mim
e não me dizerem nada, não queria nenhuma festa, só não
queria ser um estranho, ser-se um estranho em tantos rostos
conhecidos faz com que metade das nossas lembranças não
existam mais, ou se preferirem só existiram para nós mesmos.
Muitas outras vezes fui eu atrás desse cumprimento, talvez
cambaleasse, talvez não estivesse tão sóbrio quanto deveria,
mas disse e disse, disse que fico triste quando sou um
estranho.

Dos muitos dos sonhos que tenho existe um que ficou


registado como se de uma memória real se tratasse, corria e
saltava pela cidade, apesar de poder voar, essa cidade era-me
desconhecida, não direi que a conheço neste mundo real, ao
mesmo tempo que reconhecia cada rua do sonho e apesar de
poder voar limitava-me a saltar, eram saltos fingidos já que
muitos deles eram por longos metros, sorria, tinha um
sentimento de liberdade, de não ter qualquer responsabilidade,
de não ligar para o que os outros iam pensar de mim, fazia de
mim uma pessoa realmente feliz, sentia-me inteiro. Até que fui

58
O mundo a meus olhos

mandado parar, no meu próprio sonho, achei estranho mas


aproximei-me da pessoa que me chamou pelo nome,
reconheço-a, sei exactamente quem ela é mesmo sem saber
nada sobre a mesma, um nome me veio à cabeça, chamava-se
Bruna, pelo menos ali, no meu sonho, conhecia-me desde
sempre e chamava-me à responsabilidade, perguntava-me o
que fazia ali a correr e a saltar feito maluco, pelos seus traços
sabia que estava realmente aborrecida, desiludida comigo.
Tentei desculpar-me, este sonho é meu e podia fazer o que
quisesse, disse que não queria saber o que iam pensar de
mim, que só me estava a divertir já que ali o podia fazer, com o
pensamento que após acordar nada daquilo teria sido real. A
Bruna, apontou o dedo para tantas outras pessoas que ali
estavam, que faziam a sua vida como se tudo aquilo fosse
verdade e disse-me com uma voz serena, achas que eles
sabem que são uma projecção tua? Tudo isto pode ser um
sonho, mas as tuas decisões continuarão a influenciar os
acontecimentos que aqui vão ocorrer, tal e qual ao mundo real,
não podes, só porque achas que tens o direito de fazer o que
quiseres sem pensares nos outros.

Passei algumas noites a voltar ao mesmo local, queria


encontrar-me novamente com ela, parecia que ela sabia mais
sobre mim do que eu próprio, tornou aquele sonho tão real que

59
O mundo a meus olhos

me ficou guardado como que uma memória e hoje, toda aquela


cidade desapareceu, como as suas gentes o que me faz
questionar se ela não teria razão em tudo aquilo que disse.

É comum sonhar, mais comum ainda é projectar


mundos inteiros onde sou livre para os explorar, ao estar
consciente de que aquilo é um sonho dá-me liberdade para
vaguear sem medo, apesar de hoje tomar atenção a todos os
que vivem por lá. Isto faz-me questionar qual é o limite da
criação Humana, qual é o nosso limite? Para além disso,
pergunto-me sobre o tempo, quanto tempo terá um sonho caso
durma oito horas? Sei bem que não permaneço nestes sonhos
oito horas, é um espaço de tempo demasiado curto, na nossa
mente pode ser um dia ou mais, para além de poder rever
certos acontecimentos como um loop infinito só mesmo para
entender certas coisas, para além disto tudo, a capacidade de
ver certos acontecimentos nos sonhos em que não estamos
realmente presentes é fantástico, é como que se fossemos um
narrador de uma história, só estamos ali a assistir, muitas
vezes ao terror que os outros estão a passar, não é a cena que
é maravilhosa, maravilhosa é a sensação de parecer estarmos
a assistir um filme em 3D.

Prender-me a estes sonhos era a coisa mais fácil, até


porque aceitei como parte de mim, diria mais, alguns dos

60
O mundo a meus olhos

valores que tenho hoje foi a partir dos sonhos que os adquiri, é
como ouvir-me a mim mesmo, é a passagem de um
pensamento por impulso para um pensamento controlado, de
saber exactamente o que quero para mim, é a liberdade de
poder voar e saber que não vou cair e caso isso aconteça vou
cair bem.

A vida em si mostra-se mais difícil, como já é de


calcular, essa dificuldade é de alguma forma maravilhosa e
peço desculpa, peço desculpa a todas as pessoas que
gostariam de saber o que aí vem, ao mesmo tempo que
gostava de as questionar sobre o que fariam caso soubessem
o dia de amanhã, será que teriam vontade de viver? Faço esta
pergunta porque de uma forma estranha já me senti assim, em
tempos, onde as perguntas que colocava eram muito maiores
que nós, questionava-me sobre se existia destino, se já
teríamos o nosso caminho traçado, não vou falar sobre as
minhas conclusões, o que posso dizer é que quando sabemos
tudo o que vai acontecer a seguir a este momento passamos a
não viver, tornamo-nos desleixados e desinteressados sobre
muitos assuntos. A verdade é que o existir ou não deixa de
fazer parte de nós e a revolta cresce, cresce e cresce rápido,
tão rápido que nos consome por dentro, tentamos de tudo para
mudar o que achamos que vai contra os nossos desejos, sejam

61
O mundo a meus olhos

eles quais forem, é como um cancro que se alastra dentro de


nós e nos vai destruindo, onde vamos perdendo tudo só porque
sabemos o que os outros não sabem e todos os nossos gestos
podem ser vistos como um acto egoísta já que não sabem o
que nós sabemos. Concordo, a nossa vida torna-se mais fácil,
só que esta facilidade não nos trará nada de mais, nenhuma
felicidade virá com isto, antes pelo contrário, repito-o
novamente, deixamos de viver.

Não era tarde para se mudar, acho que nunca é tarde


para se mudar, pelo menos quando se trata de nós mesmos,
vamos sempre a tempo, só que quando se trata de mudar o
que pensam de nós é bem diferente, bem dizem e é verdade, a
primeira opinião é a que fica, muito raramente conseguimos
fazer alguém mudar a ideia que criou inicialmente sobre nós. O
que pensam de mim? Creio que as opiniões são bastante
diferentes, tanto pela altura em que me conheceram como
também pelas circunstâncias em que isso aconteceu. Do
mesmo modo que cada leitor terá um ponto de vista sobre mim,
para alguns simplesmente escrevi um monte de tretas, para
outros um pouco do meu objectivo inicial foi atingido e viram-se
em algumas partes do que aqui vou escrevendo. Algumas
pessoas diriam que sou um monstro disfarçado, outros um
palhaço sem razão e talvez até exista quem pense que sou um

62
O mundo a meus olhos

falhado, uma experiência de mim mesmo. O que penso sobre


mim? Penso que sou tudo o que disse anteriormente, porque
reconheço que de pessoa para pessoa a minha postura muda,
não tem que ver com falsidade e muito menos com o ser uma
boa ou má pessoa, gosto de pensar que tenho de ser o que for
preciso na altura.

Fiz um teste psicológico, de entre as setenta e duas


perguntas algumas eram de certa forma desafiadoras de
responder, perguntaram se ouvia barulhos e não sabia de onde
vinham, respondi que não, a verdade é que como qualquer
outra pessoa ouço barulhos e respondi que não porque procuro
sempre a origem desses barulhos. Perguntaram-me se me
achava especial mas nunca ninguém tinha notado, respondi
que sim, obviamente que sou especial, primeiro porque me
adapto e segundo porque reconheço os meus limites e só isto
já faz de mim especial, até porque a pessoa que conheço que
sofreu mais até hoje fui eu, não é dizer que não haja alguém
que tenha sofrido mais mas é-me impossível calcular a dor dos
outros, só a minha. Podes imaginar uma dor de costas mas
não podes sentir a intensidade de dor que determinada pessoa
sente, é como um luto, cada um de nós sente as coisas de
maneira diferente, logo, só consigo reconhecer a minha dor, a
dos outros é algo imaginário, desvalorizado.

63
O mundo a meus olhos

O que pensam sobre mim? Esta pergunta prende-se a


muitas coisas que fogem do meu controlo, fico preocupado,
regra geral querem que tenhamos uma opinião uniforme, isto é,
querem que todos pensemos de maneira igual sobre
determinada pessoa, eu ao contrário até que gosto que a
opinião seja diferenciada, isto faz com que exista um choque
de egos e não é comigo. Sou uma boa ou má pessoa?
Depende a quem perguntares. Verdadeiro ou falso? Depende a
quem perguntares. Obviamente, quero ser uma boa pessoa, e
este quero ser é porque reconheço que nem sempre fui bom,
nem sempre sou bom, admitir os meus erros é tão natural
como ter de dormir, isto também se reflecte no orgulho, acho
que o orgulho é um dos sentimentos que mais desprezo, nada
contra o orgulho quando a pessoa o deve sentir, não gosto é
do orgulho que na verdade nada trás de bom à pessoa, eu
próprio me considero orgulhoso, até mesmo quando baixo a
cabeça para receber uma ordem, ou quando falam mais alto
que eu só porque pensam que têm esse direito. O orgulho
muitas vezes está associado à superioridade, a minha pergunta
é, não podemos ser superiores de cabeça baixa? Atenção aos
extremos, obviamente que muitas vezes temos que nos impor,
temos que gritar, temos que bater o pé, falta saber quando o
devemos fazer, quando é que não vamos perder mais do que
ganhamos, bater o pé só para mostrar uma posição sem

64
O mundo a meus olhos

ganhar nada não adianta, peço desculpa, se quiseres agir


como mártir e inspirar os outros todos que estão nas tuas
costas a coisa muda de figura, bate o pé, morre, sê um herói,
inspira todos os outros, vence a guerra. Tudo por esta ordem,
talvez sobrevivas e serás um herói momentâneo, talvez não,
podes sempre continuar a inspirar os outros, podes sempre
continuar com a luta, mesmo assim, não somos como os heróis
gregos que parecem durar uma eternidade.

À medida que vou escrevendo muitas coisas ocorrem


em mim internamente, revijo um conjunto de acontecimentos
que me deixa inseguro, deixa-me inseguro porque percebo que
deveria ter agido de outro jeito, revejo três situações em que
gritei, gritei realmente, todos os meus poros libertavam raiva,
ódio e é aqui, aqui mesmo que ponho em causa quem sou, se
sou uma pessoa a fingir que sou má, ou uma má pessoa a
fingir que sou boa, de qualquer das formas penso sempre que
o preço a pagar é e será sempre alto, seja pelo que for,
também cheguei à conclusão que nada me será dado e que eu
próprio prefiro assim e mesmo tendo essa consciência continuo
a ser uma pessoa desleixada, despreocupada e com um olho
posto no futuro que um dia se mostrará mais risonho. É
verdade, nada tem que ver com drama, é a vida, simplesmente
isso, como também é verdade que um dia as coisas melhoram

65
O mundo a meus olhos

apesar de não estarem más, é, não me posso queixar, estou


bem, podiam estar melhores, estou bem, repito isto as vezes
que forem precisas, como também peço desculpa por nenhuma
razão, tento reflectir sobre muitos assuntos, muitos
acontecimentos e não escrever sobre eles é devido à diferença
de opinião que iria surgir daqui.

Se cada um vê o acidente de ângulos diferentes


dificilmente o vão contar da mesma forma, o mesmo se passa
com as histórias que trago comigo, cada um a viveu de
maneira diferente, até eu a senti de maneira diferente, talvez,
aconteceu mesmo, em muitas ocasiões não vi a dor que
poderia estar a causar aos outros, do mesmo modo que muitas
pessoas não viram o quanto me estavam a afectar. Do que
adianta agora? É passado, certo? Volto a dizer, foi tudo isso
que me levou até aqui, como posso desvalorizar o passado
dessa forma? Como posso esquecer? Como posso dizer que
vivi se querem que esqueça o passado? Continuo a pensar que
ele vive connosco, lado a lado e que todas as nossas decisões
futuras têm uma influência directa sobre o que passamos, esta
influência que recebemos do nosso passado conta, é como ir a
uma entrevista de trabalho e perguntarem a nossa experiência
profissional, não vão dizer que os sítios por onde passaram
não contam, que só conta o agora e o amanhã. Sim, vou a um

66
O mundo a meus olhos

extremo para que me entendas e este entendimento pode ir


realmente contra tudo o que nos é dito.

Sou eu que estou errado em tudo o que escrevo,


comecei com uma história e passei a falar sobre mim, sobre o
que pensava e agora começo a pensar como tudo acaba,
pensar num final é ainda mais complicado, podia passar os
dias a escrever, quando não existisse assunto comentava o
que acontece no mundo, na minha rua, sim, na minha rua
acontecem coisas que normalmente não se vê por ai, como o
senhor que é maluco, e digo que é maluco porque já o vi a falar
sozinho. A primeira vez que o vi foi de alguma forma chocante,
não me sentia preparado para o que ele ia fazer, foi em
direcção à estrada, que por acaso é de sentido único, e mijou
no meio da estrada, podia ter mijado no canto do prédio mas
não, teve que ir para a estrada, exactamente virado no sentido
em que os carros vêm, este sujeito, é maluco só pode, agora
questiono-me com quem ele conversa.

Na minha rua habitam muitas pessoas, acontecem


muitas coisas e por vezes quando estou na janela assisto a
todas elas, é como ver a vida a acontecer diante dos meus
olhos e eu sou novamente um narrador dessa história, sem
conhecer o que aconteceu anteriormente. Talvez exista aqui
inspiração para uma nova história, talvez ainda exista

67
O mundo a meus olhos

esperança de fazer o certo, talvez ainda o termine antes do


ciclo lunar. Observar os outros na sua vida sem que seja
notado é realmente tentador, não tanto pelo interesse que
tenho nas pessoas mas sim pelas reacções e atitudes que têm.
Sabes aquele tipo de pessoa que parece estar sempre com a
mão na buzina pronta a buzinar? Por tudo e por nada, sempre
que ouço uma buzina penso logo, já bateu, quando na verdade
é só usada como protesto, é a arma de quem conduz por assim
dizer. O que é que isto tinha a haver com o que estava a falar?
Nada, só o facto de na minha rua usar-se a buzina para tudo e
para nada, só porque sim, vivemos a contar o tempo, pergunto-
me, contamos o tempo para que fim?

Às vezes sou acusado de ser demasiado apressado,


isto é, de preferir chegar meia hora antes do que chegar em
cima da hora, se faço isto é porque evito as probabilidades de
acontecimentos que surgem todos os dias que nos
impossibilitam de chegar à hora combinada, detesto atrasos,
detesto quando me atraso e apesar de dizer muitas vezes que
não tenho palavra, não gosto de falhar com os meus
compromissos.

Lembrei-me agora que me devia estar a despachar,


devia sair de casa e ir para aquela rotina que a maioria de nós
tem que se chama trabalho. Quando se fala de trabalho o

68
O mundo a meus olhos

primeiro pensamento que vem à cabeça é obrigação, depois


vem uma panóplia de pensamentos tais como, escravidão,
maus ordenados, roubo, exploração, maus patrões, más
empresas. Sabes? Numa aula qualquer em que se falava sobre
empresas, em que para o estado era uma pessoa colectiva,
perguntei algo, como é que uma empresa comete um crime, a
resposta que obtive foi que nenhuma empresa comete crimes,
quem comete crimes são as pessoas que fazem parte daquela
empresa. Agora pergunto, existem más empresas? Existem
empresas que exploram as pessoas? Não estaria na hora de
apontar o dedo às pessoas? Em vez de se dizer que
determinada empresa não presta dizer que fulano tal faz isto ou
aquilo? Relembrando tudo aquilo que escrevi lá em cima sobre
o mundo do trabalho, maus profissionais existem em todo o
lado.

Por vezes sei que me estou a afogar em pensamentos


que me destroem, é aquela revolta inicial de que falei, quantos
passos seriam precisos para chegar a bom rumo? Nem sei se
deva ir pela corrente, sei é que no fundo já não se faz sentir
com tanta intensidade mas sinto a pressão, aquela que me
aperta os pulmões, quem diria, a luz mesmo aqui me alcança,
quanto tempo serei eu capaz de me manter no fundo? Não me
debato, talvez o faça, não fui feito para permanecer morto

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O mundo a meus olhos

enquanto vivo e muito menos fui feito para sobreviver enquanto


achar que posso viver. Talvez, talvez tudo isto seja demasiado
confuso, repara, os pensamentos surgem assim, desta forma,
mesmo quando não se pode dar forma a eles, ou a única forma
que eles tomam é a partir de gestos, voz, cores.

Lembrei-me agora, estava eu sentado numa esplanada,


pedia cerveja artesanal e escrevia, embora estivesse sozinho
tinha muito para observar, já eu detesto ver as pessoas
agarradas ao telemóvel e ali estava eu, com o mesmo cenário
que critico tantos outros. Escrevia, escrevia sobre ninguém, um
pouco de mim, escrevia porque é aquilo que faço quando mais
nada me ocorre para fazer, escrevia porque assim evitava
olhares cruzados e também, assim não estava só, estava,
estava ali sozinho, talvez estivesse desconfortado com a
situação, talvez não quisesse estar só, embora goste e
necessite de às vezes estar só. Degustei as três cervejas que
ali havia, arranjei uma desculpa, se não conhecia nenhuma das
três tive que as provar, assim da próxima já saberia qual pedir.
Escrevi, escrevi no telemóvel enquanto ia chegando gente, em
breve anunciavam o encerramento do bar e lá fui eu para outra
paragem.

“A tarde amanhece sem que te dês conta, a noite foi


passada na euforia, alegria essa que é fingida. Desperta para

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O mundo a meus olhos

esta realidade de que foges, afoga-te nas lágrimas em silêncio


ou grita, desabafa, não abafes a tua voz, manifesta-te.

Os teus olhos estão inchados, a tua garganta seca e


sentes, sentes que os teus lábios foram tocados por quem pela
noite passaste.

Pergunto-me a mim o que ganhaste? Se não o corpo


frio e a alma ferida.

Desculpa-te, do que levas deste mundo? Tanto


sacrifício, tanta dor engolida, quantos sonhos deixaste por
alguém querido…

Enquanto o teu corpo se desgasta, a tua alma aprende,


um objecto sem propósito, nas mãos de um servente.

Que propósito podíamos ter? Se não chegar a


aprender, que esta vida só se faz, quando estamos a sofrer.

Não é que conheça a dor, nem sei o que isso é, a vida


até que me foi grata, até conheço o amor.

Da existência fingida, em que nada acontece, é certo


que o mundo gira e o meu pensamento grita, que estou eu aqui
a fazer?”

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O mundo a meus olhos

Não me perguntes no que pensava, não pensava em


nada, talvez pensasse nos enganos, nos erros, nas desilusões
que a noite causa.

Era sábado, apesar de ser terça-feira, obviamente que


este tipo de informação só serve para te confundir, da mesma
forma que posso dizer que o sol já se tinha ido há muito apesar
de neste momento o sol me bater na janela da sala,
exactamente onde me encontro, a cerveja repousa ao meu
lado e está a chegar a hora de ir trabalhar. Lá está, sabes
aquele assunto de que falei ali em cima, sobre o sacrifício do
trabalho? Talvez não tenha usado estas palavras, duvido disso
e duvido porque embora pense em muitas coisas há uma que
normalmente não penso, no sacrifício que é trabalhar, não
interessa se gosto ou não, o que interessa é que quando acaba
o meu dia me sinta satisfeito com o que fiz naquelas horas em
que dediquei o meu tempo a determinada tarefa.

Posso concluir, está calor, a cerveja não repousa o


suficiente, como a poderia deixar aquecer? Se quisesse uma
bebida quente teria feito um chá. Eu sei, gosto de passear pelo
pensamento, como disse, é-me difícil continuar um raciocínio
durante muito tempo e pior mesmo é criar um cenário. Que
importa? A vegetação está verde, ou negra dos fogos, as
pessoas parecem desesperadas, tal e qual a altura do Natal

72
O mundo a meus olhos

mas por outras razões que infelizmente não são as melhores,


querem dizer que ajudaram, querem mostrar que são
solidárias, serão mesmo? Peço desculpa, não posso discutir
isto até porque não participei, da mesma forma que não o farei
no Natal. Até porque ainda não sei quem são as vítimas, pior,
não sei quem merece ser ajudado. Sabes? Aquele julgamento
que fazem no funeral das pessoas, era tão boa pessoa, não
prestava para nada mas como morreu já era boa pessoa. Peço
desculpa, sei, tenho consciência para reconhecer as vítimas,
do mesmo jeito que tenho consciência para achar os culpados
e os culpados são todos, todos os que não pensam nas
consequências dos seus actos. “Oh coitados”, não somos
todos? Deste sistema? Volto a dizer, de um outro jeito, é um
assunto de que não me atrevo a falar, é um assunto em que
muita gente sofreu, é um assunto em que os culpados somos
todos nós, mas se eu tenho de cumprir a lei, quem é que faz
cumprir a lei em tantos casos? Esquece a lei, falemos de
consciência, imagina, construir uma cidade mesmo abaixo de
um vulcão a pensar que nunca vai entrar em erupção. É
exactamente isso, é o nosso jeito de viver, o pensar que só vai
acontecer aos outros e se achas que no futuro estaremos mais
preparados para lidar com este tipo de situações enganas-te,
só se criarem um aplicativo com um manual de sobrevivência
para que a população possa usar. Como é óbvio estou a

73
O mundo a meus olhos

ironizar o uso da tecnologia, como também das ferramentas


que muitas vezes se criam. Não interessa, falar é fácil, quando
as coisas acontecem as pessoas agem de forma totalmente
diferente, pelo menos é o que dizem e em parte é verdade,
sangue frio, sangue frio, é, repeti propositadamente.

As ideias esgotam-se, é o que faz querer escrever


sobre o vazio que sinto, mentira, é o que faz querer escrever
mais um pouco sem planear o que vou dizer, pensei, pensei
em algum momento falar sobre determinado assunto, mas se
fosse falar como é que poderias ler? Escrever é bem diferente
do que pensar no que vou dizer, até porque aqui não gaguejo,
é verdade, por vezes gaguejo, muitas vezes, ‘inda mais quando
não devia, ‘inda mais quando tenho de pensar na resposta que
vou dizer, o melhor exemplo disso é quando me perguntam o
nome, ou quando tenho de fazer um determinado pedido,
“quero um pastel de nata”, é quase certo que irei gaguejar em
algum momento. O grande problema, não sendo eu
verdadeiramente gago, é os problemas que isso me causa no
meu dia-a-dia, falta de confiança? Claro, claro que quero ser
muitas vezes invisível, a parte boa é que quando me enervo
não gaguejo, nada de nada, aprendi a contrariar o normal por
assim dizer. Numa discussão onde as pessoas têm tendência a
levantar a voz eu chego a determinado momento e começo a

74
O mundo a meus olhos

falar baixinho de uma forma muito pausada, talvez para


provocar ainda mais a outra pessoa. Gosto de brincar com este
tipo de situações, analisar o comportamento das outras
pessoas, se me dou mal? Claro, nem sempre, mas faz parte da
aprendizagem.

Sinto que ainda não escrevi nada de jeito, da mesma


forma que sinto que ainda vou a tempo de o fazer, estou
sempre a tempo de mudar, não? Não tenho o costume de ler,
pelo menos livros, é verdade, escrevo um livro sem nem ter o
costume de o fazer, nem sei se já falei disto aqui, tinha uma
desculpa para não ler, dizia que não queria ser influenciado
sobre a forma como escrevo, deves notar essa falta de
capacidade que só se adquire lendo, muitas palavras repetidas,
frases mal construídas e até mesmo um discurso pouco fluído,
até na parte de tanto falar no singular ou no plural. Talvez
queira cometer estes erros todos, talvez depois entregue isto a
alguém para me corrigir todo o texto e irá ter contigo todo
bonitinho, pode servir para ser entregue aos alunos de
português para que corrijam os erros gramaticais. Olha que
ideia genial… Estás a ver, existe sempre um propósito para
tudo o que fazemos, talvez não tanto assim, ainda não entendi
a aplicação do isqueiro para telemóvel como também não
entendi tantas outras aplicações que podemos encontrar.

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O mundo a meus olhos

Falemos das coisas, só mesmo por falar, o não


concreto, indefinido, invulgar, sei lá, não gostas daquelas
conversas que começam às vinte horas e terminam já quando
o sol está a nascer? Onde se falou de tudo e nada, da vida e
da morte, uma passagem por aqui e ali em que sentes que a
amizade foi reforçada? Mesmo que não tenhamos aprendido
nada, mesmo que não tenhamos chegado a nenhum ponto,
mesmo que todas as teorias que arquitectamos não tenham
passado disso mesmo, teorias. É aqui onde eu entro, é aqui
onde esta história começa, numa dessas conversas em que
nada de novo aparece, nada de velho se manifesta, quer dizer,
só o desejo e a vontade de escrever, de desabafar contigo,
visto que ultimamente não tenho tido muito tempo para mim.
Peço desculpa, cresci, os afazeres são mais que muitos, e
desculpo-me novamente por não ter desculpa melhor, vamos
beber café? Ou subir uma árvore, qualquer uma daria para pôr
a conversa em dia. Que história? Ainda a procuro, de tantas
aventuras que vivi nenhuma me apetece contar, sabes? Não
estavas lá nesse dia, nem em nenhum outro, como poderias
saber desta história, como poderás saber, sentir, vivenciar o
que vivi, o que todos sentiram se não estavas lá? Como
poderás saber se o que conto é verdade?

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O mundo a meus olhos

“Já não se via sinal dos demónios há vários meses,


pensamos por momentos que a paz estava restabelecida,
inocentemente voltamos a abrir as janelas de casa, a ver o
nascer do dia, a pensar no futuro. Cultivar, estava na hora de
olhar em frente e reconstruir o futuro. Voltara a ouvir os risos
das crianças que brincavam nos campos verdejantes, os
animais comiam o pasto e estávamos felizes, não esquecendo
o terror que tínhamos passado, estávamos esperançosos de
que agora podíamos ser felizes, livres.”

Esta é a visão de uma história como muitas outras e,


como disse no início, era limitado, não tinha qualquer vontade
ou vocação para desenvolver algo que já tinha sido feito, por
isso decidi parar por aqui e escrever simplesmente o fim, entre
becos e travessas é e será sempre aqui onde vamos chegar,
ou nem chegamos a lado algum, ao fim com certeza.

Já escrevi mais dois parágrafos e só agora digo, tinha


deixado de escrever, talvez não o faça há dois meses, talvez
três. Casei, é verdade, até eu, que por breves momentos sou
entregue à loucura, consegui tal feito, casar, passado duas
semanas de o ter feito ainda me pergunto o que mudou? Nada,
a minha relação continua igual, continuo a sentir que somos
dois com uma vida em comum, duas pessoas dentro de um
bote a remar na mesma direcção. Quando me perguntam o que

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O mundo a meus olhos

mudou falo sobre a inflação que teve o meu dedo, visto que
agora carrega um anel.

Casar, assumir um compromisso, fazer juras de amor


eterno, terei que medir cada palavra para não ter problemas
imediatos, se repararam, não falei sobre o amor, não é que não
exista, ele existe e está presente mas foi algo que aprendi,
talvez de forma errada, o que é o amor afinal? O que é ser-se
amado num mundo onde não se conhece a carícia e sim a
violência? O que é retribuir amor quando a única coisa que a
pessoa conhece é os maus-tratos? Não é que tenha passado
por isso, nada a ver, falo disto para desculpar muitas outras
pessoas que não sabem ou que só conhecem o amor de uma
forma destorcida, ao que a sociedade em geral fala, o que é o
amor afinal? Ou outro sentimento qualquer?

Sou feliz, ainda posso ser mais, desejar mais não se


trata de ser ambicioso, trata-se de ver o potencial que temos
para determinada coisa, neste caso a vida, só não gosto de
trabalhar, apesar de saber que nada me será dado, apesar de
saber o preço que pagarei por cada coisa, apesar de tudo, sou
feliz, ainda o posso ser mais.

Certo dia, cansado de dizer amo-te em vão coloquei na


cabeça que só o iria dizer às vezes, não dando mais força à

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O mundo a meus olhos

banalidade que esta palavra se tornou, um adoro-te ou um


gosto de ti bastará e só em alguns momentos, reforçarei esse
sentimento com um amo-te, esse amo-te vai surgir quando
sentir essa mesma necessidade, esse amo-te vai surgir quando
sentir que estás desemparada, esse amo-te surge todos os
dias em pequenos gestos, porque te amo.

Ao contrário de outros amores e peço desculpa aqui,


hoje sinto um amor mais adulto, como posso dizer, este amor
não me destrói, este amor alimenta os meus sonhos, este amor
é o resultado de tudo o que passei e pelo que passei era deste
amor que precisava, sei que precisava porque ainda não existiu
um dia que duvidasse dele, de ti, amor.

Esta será a minha história, onde tanto digo sem nada


dizer, é exteriorizar o que sinto e sobre o que sentimos acho
que a tarefa mais difícil que temos é manifestar isso para com
os outros. É a batalha que travo comigo mesmo, é o dar a
conhecer ao mesmo tempo que eu próprio me vou
conhecendo. Uma história que o narrador é a própria
personagem, é libertar-me de todos para os voltar a ganhar.

Existe algo que tenho de contar, faço anos exactamente


hoje, é verdade, neste dia normalmente me sinto vazio, se há
algo que dou valor é às ligações que vamos criando durante a

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O mundo a meus olhos

vida e esse deve ser o mesmo motivo de me sentir vazio neste


dia, porque queria receber aquela prenda que há tanto espero,
prenda essa que não é física é sentida, queria que muitas
pessoas se lembrassem de mim do mesmo jeito que me
lembro delas, sei que pode parecer egoísmo da minha parte
sentir-me assim, talvez seja, mas é como disse, se as
memórias só viverem em mim será que as vivi? Como posso
partilhar algo tão meu se essas pessoas já não vivem
presentes? Como posso sentir-me alegre se passou mais um
ano em que não reconquistei essas pessoas? Que não as
encontrei novamente? Que não pedi desculpa? Queria que o
meu aniversário fosse como o Natal, juntar todas as pessoas
que vivem em mim e comemorar a vida, as memórias, acho
que neste dia sei bem que perdi e perdi para mim, não foi para
mais ninguém. Por isso faço um pedido, valoriza as pessoas
que te rodeiam, valoriza a amizade, as ligações que crias, não
deixes que as memórias só vivam em ti e se me conheces, não
me trates como um estranho, diz-me olá, basta.

Contar algo tão pessoal assim é-me doloroso, é expor


as minhas fragilidades como ser humano ao mesmo tempo que
me torna mais forte, sim mais forte, mais forte porque costumo
dizer que reconhecer as nossas fraquezas faz com que

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O mundo a meus olhos

criemos defesas para as mesmas, existe todo um ajuste mental


e físico para que continuemos a viver.

Sendo hoje o meu dia de anos, em vez de sair de casa,


de procurar os meus amigos, família, abri o computador para
escrever, para ficar um pouco mais perto de mim e de ti, até
porque muitos já só vivem aqui, em mim, não é isso ser-se
imortal? Viver, mesmo que seja no pensamento das outras
pessoas? Isto é triste, é real.

Esta história é sobre um jovem que sempre se


questionou sobre tudo, o “é assim porque sim” não faz
qualquer sentido, do mesmo jeito que vermos algo a trabalhar
mal e não fazemos nada para que trabalhe melhor, a velha
desculpa, isto já trabalhava assim, vais querer mudar agora?
Sobre o trabalho, não sei se já o disse aqui, se há algo que
detesto em todo e qualquer sistema é ver-se que existem
falhas e nada se faz para as combater, não direi que é culpa do
patrão e se pensam assim estão completamente errados, a
culpa é de todos os que participam na acção, posso chamar-
lhe assim? Há que evoluir, há que aceitar a mudança, há que
aceitar a nossa natureza.

Sabes? De tanta coisa que queria contar ficarei por


aqui, fico por aqui porque o essencial está feito, chego aqui a

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O mundo a meus olhos

pensar que contei uma história, a minha. Sei que tanto disse
sem nada dizer, sei que te fiz viajar desde o passado até
exactamente este dia, sei que tiveste de pausar para pensar
sobre ti, sobre todos, sei que te prendi por memórias e
sentimentos que queres abandonar, também sei que em algum
momento achaste que não estavas a viver o teu potencial todo
e não estás, podes muito mais, basta lutares contra ti. Se tens
tempo? Tens todo o tempo, apesar de ele se esgotar, faz do
tempo teu aliado.

O mundo seguia o seu rumo natural, eu aqui estava,


passado tanto tempo no mesmo sítio, a única coisa que mudou
foi a cadeira, agora, de madeira que me obrigava a tomar uma
posição muito pouco confortável, o importante é que seguia,
vivam inteiros.

Ligações

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