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“[...] Nos casos de raiz determinável, mas sem associação direta a uma palavra existente em
português, latim ou outra língua, convencionou-se anotar apenas o radical, ainda que vazio.
Dessa forma, para carpinteiro, o étimo preferível é carpint- e não carpintaria [...]” (p. 15)
“[...] é uma pratica tão antiga quanto abusiva indicar o étimo pelo acusativo latino, uma vez
que as formas no acusativo refletem apenas palavras do latim vulgar, mas nem todas as
palavras de origem latina tiveram um único modo de transmissão. [...] Quando não se sabe
exatamente qual foi o processo de transmissão [...] preferiu-se a indicação no nominativo,
mesmo para os casos semieruditos.” (p. 15)
“Obviamente, surgem situações em que há certa duvida. São comuns palavras com mais de
um étimo dentre os quais um deles contém a condição de analisabilidade e os outros não.” (p.
18)
“[...] cada verbete tem três tipos de significado: o significado da base (quando for detectável),
o significado do sufixo e, por fim, o significado da palavra toda. [...]” (p. 22)
“[...] um sufixo é apenas qualquer elemento que vem depois do radical, mas isso parece
subordinar o objeto de estudo da morfologia à sua composicionalidade.” (p. 28)
“[...] Na direção de soluções para problemas, sem que sejam feitos recortes ou classificações
demasiadamente rígidas na triagem de dados, será possível que enxerguemos aspectos da
linguagem numa inédita riqueza de detalhes, a qual as atuais teorias dedutivas acabam
involuntariamente por esconder.” (p. 28 - 29)
“[...] O léxico ‘patrimonial’ da língua portuguesa espelha a evolução, por vezes sinuosa, das
muitas unidades lexicais que do latim transitaram para o português, e também o léxico
‘emprestado’ espelha o conjunto de unidades lexicais, nomeadamente de origem greco-latina,
que foram importadas por esta língua românica.[...]” (p. 31)
“[...] devemos distinguir dois níveis de abordagem: (i) o do uso não reflexivo da linguagem e
portanto, da gramática interiorizada do falante e (ii) o da descrição, análise e entendimento de
como funcionam as estruturas linguísticas, ou seja, o da gramática explícita. Em quaisquer
dos casos, conhecer a história e as mudanças que as línguas acusam ao longo dos anos é
crucial para explicar o seu funcionamento na contemporaneidade.” (p. 33)
2.2.1 Bases e afixos [±eruditos] cognatos
“Algumas bases e alguns afixos do português são marcada(o)s como [±erudito]: a sua
configuração contemporânea é semelhante à do latim e/ou do grego [...]” (p. 33)
“Esse fato é bastante saliente, uma vez que as línguas germânicas são caracterizadas pela
coexistência de um fundo greco-latino e de um fundo germânico, que funcionam
disjuntivamente em muitos aspectos relacionados com os padrões e os recursos derivacionais.
[...]” (p. 35)
“[...] as propriedades combinatórias e de seleção dos afixos e das bases são determinadas por
características que se enraízam na história de cada unidade e que se refletem na sua
configuração atual. Por consequência, o conhecimento das motivações históricas do
funcionamento de cada constituinte morfolexical é crucial para que a produção de novas
unidades lexicais ocorra em consonância com as restrições gramaticais que sobre elas
impendem.” (p. 36)
“A competência lexical dum falante contempla [...] dados atinentes às marcas formais
historicamente determinadas das unidades que se usa. [...]” (p. 36)
“[...] Sendo conhecido que o processamento linguístico acaba por variar, dentro duma mesma
língua, de falante para falante, em função de características várias de cada um, e que o modo
de processamento das palavras complexas varia também em função da natureza e da
configuração (±transparente, ±regular, ±erudita) estas e dos processos que as geram, não há
como ignorar que todas as variáveis têm repercussões na gramática interiorizada dos
falantes.” (p. 37)
2.3 Palavras complexas, palavras derivadas e palavras compostas
“[...] fatores que regem a percepção que o falante tem da complexidade interna da estrutura
duma palavra destacam-se:
“Os nomes toponímicos de tipo (9) exibem um componente de origem celta, -briga ‘castelo’,
atualmente não disponível, mas presente no seguintes nomes de antigas cidades
portuguesas.”(p. 41)
“(9)
Cetóbriga, Conímbriga, Lacóbriga, Longóbriga, Miróbriga, Talábriga, Tameóbriga,
Tongóbriga.” (p. 41)
“Esses topônimos são semanticamente não transparentes para aqueles que não conhecem a
historia dos seus constituintes. [...]” (p. 41)
“Segundo Schreuder e Baayen (1995, p. 142), uma palavra pouco frequente tem de ser
decomposta para ser percebida; uma palavra frequente e/ou estruturalmente transparente tem a
sua própria representação lexical. Assim, quando nos confrontamos com uma palavra
complexa com que nunca nos deparamos antes, apenas um processo de computação estaria
disponível.” (p. 42)
“Os topônimos que contêm os radicais importados -briga e -lândia são nomes [NN] formados
por um processo tradicionalmente conhecido por composição morfológica. Este processo
permanece atuante no português [...], recorrendo a estruturas do tipo -fonia, -grafia, -metro,
entre outras. [...]” (p.44)
“[...] a exposição a uma palavra não torna necessariamente menos opaca, se os seus
constituintes não forem transparentes para o falante, como acontece com Bracalândia ou com
Conímbriga. Em todo o caso, quanto mais transparente e frequente for o constituinte, mais
probabilidade de sucesso no seu reconhecimento há [...]” (p.46)
“[...] podemos afirmar que se os verbos [...] são internamente decomponíveis, então podem
ser percebidos como palavras complexas; mas não se trata de produtos lexicais de processos
portugueses contemporâneos. Caso contrário, eles são vistos como unidades indecomponíveis.
A opacidade e a história desempenham um papel importante no seu reconhecimento.” (p. 47)
“Esses constituintes são de grande interesse não apenas para os modelos de processamento
mas também para as teorias morfológicas: uma morfologia baseada em morfemas
(morpheme-based morphology) uma entrada lexical autônoma para cada um deles, enquanto
que um modelo de tipo morfologia baseada em lexemas (lexeme-based morphology) ou de
entrada lexical independente (independent lexical entry) sugere a sua integração numa lista
fechada de palavras complexas.” (p. 47-48)
“[...] Como muitas das características dos constituintes lexicais estão correlacionadas com a
sua história, tal perspectiva teórica fortalece as correlações que interligam o passado com o
presente. [...] uma vez mais, uma diferença deve ser estabelecida entre conhecimento explícito
e consciente sobre essas correlações e o uso de tais informações históricas. [...]” (p. 49)
“[...] A rede relacional de informação morfológica que sustenta o nosso léxico mental é
certamente capaz de assegurar a analisabilidade de um substantivo deverbal com o sufixo
-ção ou -dor, os sufixos mais produtivos e disponíveis dos nomes deverbais eventivos e
agentivos. Estes nomes são marcados como frequentes [...] e têm uma forte representação
lexical. É por isso que seria muito interessante avaliar se e como a frequência de base reversa
[...] é ativada, especificamente em relação às suas bases, com frequência acumulada [...] uma
vez que, sendo transparentes, são dispensadas de computação.” (p.50)
“Se as correlações entre as palavras e os constituintes dependem da frequência e da
transparência da palavra, apenas os nomes sufixados em -dor e -ção são percebidos como as
palavras morfologicamente complexas.[...]” (p. 52)
“[...] observa-se que (i) palavras compostas, nomeadamente quando marcadas por uma
estrutura [+erudita], são percepcionadas como simples e/ou de modo holístico, e que (ii)
palavras importadas ou com constituintes importados são tanto mais processáveis como
derivadas quanto mais os sufixos são produtivos e/ou as estruturas transparentes: as palavras
em -lândia são tanto menos opacas quanto menos eruditos são os constituintes, e os nomes
afixados [...], também são tanto mais representados como derivados quanto a sua estrutura
interna é transparente. A génese e a história da palavra são, pois, muito relevantes na sua
percepção nomeadamente na medida em que tendem a torna-las mais opaca.” (p. 52-53)
“Conhecer a história da língua e do léxico é extremamente útil para fins múltiplos, tais como a
aquisição, a aprendizagem e um conhecimento mais preciso dos padrões lexicais de cada
língua. [...]” (p.53)
“[...] o processamento rege-se por critérios de transparência, e estes estão fortemente ligados
ao caráter erudito dos constituintes. Mas uma razão para se intensificar o estudo formal e
sistemático destes, que a ninguém prejudica.” (p.55)