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F UTURO

A LVIN T OFFLER
E XPO MANAGEMENT 2003 Alvin Toffler

E X ATA M E N T E O Q U E É U M A S O C I E DA D E DE
I N F O R M A Ç Ã O DA T E RC E I R A O NDA ?

ALVIN E HEIDI TOFFLER

A
Primeira Onda de mudanças, sos deslocamentos sociais, culturais, ins-
inaugurada pela revolução agríco- titucionais, morais e políticos. A Terceira
la há 10 mil anos, provocou a tran- Onda ajuda-nos a explicar por que tantas
sição do sistema de caça e coleta para as instituições da era industrial – das gran-
grandes sociedades campesinas do passa- des corporações aos governos – torna-
do. A Segunda Onda de mudanças, provo- ram-se dinossauros prestes a dar o último
cada pela Revolução Industrial há cerca suspiro. É por causa dela que os Estados
de trezentos anos, engendrou uma nova Unidos enfrentam crises simultâneas em
civilização baseada em organizações fa- todas frentes – desde o sistema educacio-
bris. Ela ainda está se disseminando em nal, de saúde e familiar, até o sistema
algumas partes do mundo, pois centenas judiciário e político. Esses sistemas foram
de milhões de camponeses, desde o Mé- concebidos para funcionar numa socie-
xico até a China, continuam chegando às dade industrial de massa, mas nos Esta-
cidades em busca de empregos pouco espe- dos Unidos esse tipo de sociedade já fi-
cializados nas linhas de montagem das cou para trás.
fábricas. Movido pela competição global e por
Porém, ao mesmo tempo em que a outros fatores, os Estados Unidos estão
Segunda Onda se desenrola no cenário hoje completando a transição de uma
mundial, os Estados Unidos e outros paí- nação da Segunda Onda, com uma econo-
ses já estão sentindo o impacto de uma mia enferrujada de chaminés e linhas de
gigantesca Terceira Onda, baseada em par- montagem, para uma economia e siste-
te na substituição na economia da força ma social esguios, informatizados e den-
braçal pela economia da força mental. sos de informações e meios de comunica-
Contudo, a Terceira Onda diz respeito ção – que, surpreendentemente, possuem
a mais do que apenas tecnologia e econo- muitas das características do passado pré-
mia. A transição de uma economia basea- industrial. Empurrados pela Terceira
da na força bruta para uma baseada na Onda da história, estamos criando uma
força cerebral é acompanhada de doloro- nova civilização.
Veja nas páginas seguintes as diferenças en-
© Copyright de Alvin e Heidi Toffler. tre a Segunda Onda e a Terceira Onda.

ANOTAÇÕES

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Sistema Econômico
ERA DA SEGUNDA ONDA ERA DA TERCEIRA ONDA
1650–1955, aproximadamente 1955–?

Fatores de Produção
Terra, mão-de-obra, capital. Informação/conhecimento adequados
substituem todos os demais fatores.

Capital
Baseado em bens tangíveis Cada vez mais baseado em bens intangíveis
(exemplo: Bethlehem Steel). (exemplo: Microsoft).
Recurso escasso. Essencialmente ilimitado.

Moeda
Ouro, notas etc. Eletrônica, digital.
Estado detém monopólio de emissão. Emissores privados multiplicam-se. Moedas
alternativas surgem na Internet e em outros
lugares.

Trabalho
Trabalho físico predomina. Trabalho de conhecimento predomina.
Rotineiro, repetitivo, fundamentalmente Mais criativo, menos intercambiável.
intercambiável.
Lotes de produção. Horário fixo. Fluxo contínuo. Ininterrupto (24 horas).
Em fábricas e escritórios. Em casa, no carro, no avião etc.

Inovação
Intermitente. Constante.

Escala
Predomínio de grandes empresas e grandes As pequenas empresas e pequenas unidades
unidades de trabalho. de trabalho são mais importantes.

Organização
Vertical. Burocrática, rígida, duradoura. Virtual. Antiburocrática. Em forma de rede.
Flexível. Tarefas ad hoc.

Infra-Estrutura
Ênfase no transporte. Ênfase na comunicação.
(Ruas, estradas, pontes, portos.) (Sistema neural eletrônico baseado em
redes superinteligentes.)

Velocidade das Transações


Rápida. Próxima do tempo real.

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Sistema Social
ERA DA SEGUNDA ONDA ERA DA TERCEIRA ONDA
1650–1955, aproximadamente 1955–?

Indivíduo
Produção, distribuição, educação, mídia e Produção, distribuição, educação, mídia e
entretenimento massificados criam entretenimento desmassificados criam
sociedade de massa altamente homogênea. sociedade desmassificada altamente
A individualidade é suprimida. heterogênea.
A individualidade é incentivada.

Família
Família despojada de funções como Trabalho e outras funções-chave retornam
educação, saúde, cuidar do idoso etc. O ao lar – educação, compras, assistência à
trabalho é transferido para fora do lar. saúde, cuidados com os idosos e serviços
bancários por computador.

Sociedade Civil
Enfraquecida à medida que as funções do Fortalecida à medida que as funções do
governo se multiplicam. governo são reduzidas.

População
Altamente urbanizada. Cada vez mais pós-urbana.
Cidades gigantescas, onde estão os Os centros das cidades se esvaziam à
empregos. medida que os empregos se dispersam
geograficamente.

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Sistema Político
ERA DA SEGUNDA ONDA ERA DA TERCEIRA ONDA
1650–1955, aproximadamente 1955–?

Conflitos econômicos dominam a política. Questões ligadas a cultura, religião, sexo e


(“É a economia, idiota!”) estilo de vida tornam-se mais importantes
(exemplos: “É proibido fumar!”, “Salvem a
família.”)

Nacionalismo. Localismo e transnacionalismo.

Conflitos entre a maioria e minorias. Conflitos entre minorias e minorias.

Governo grande. Burocracia do funcionalismo Governo menor. Burocracia reduzida.


dominante impede mudanças na estrutura Funcionários públicos eleitos ganham poder
governamental. em relação à burocracia.

Corrupção grosseira. Corrupção sofisticada.

Partidos fortes. Partidos enfraquecidos à medida que a mídia


interativa e grupos populares de protesto
proliferam.

Movimentos de massa, democracia de massa Coalizões temporárias de minorias.


e pseudodemocracia.

Democracia indireta – isto é, representação e Democracia semidireta – feedback eletrônico


pseudo-representação. dos cidadãos combinado com representação
tradicional.

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O E S TA D O A TUAL DA R E VO L U Ç Ã O D I G I TAL –
UM M O M E N TO M A RC A N T E NA H I S T Ó R I A

ALVIN E HEIDI TOFFLER

T
rês eventos inter-relacionados tor- quelas semanas deram nova vida à dis-
naram a primavera de 2000 um cussão que fazia muito tempo vinha se
momento decisivo na história da desenrolando discretamente entre investi-
revolução digital. O primeiro foi o pânico dores, funcionários governamentais, líde-
provocado pelo colapso dos preços das res empresariais e o público em geral no
ações de empresas ligadas à Internet na mundo inteiro, de Seul a São Paulo. Será
Nasdaq e outros mercados de ações. O que a “nova economia” existe de fato?
segundo foi o encontro de cúpula, reali- De um lado, ainda encontramos fun-
zado em clima tenso, dos líderes euro- damentalistas financeiros que insistem
peus em Lisboa. O terceiro foi a dissemi- que o colapso no preço das ações de
nação explosiva do Love Bug, o “vírus do empresas de alta tecnologia prova que a
amor”, nos computadores do Parlamento nova economia é mais exagero do que
britânico, da Câmara de Representantes realidade. Os preços ensandecidos das
dos Estados Unidos, da CIA e de milhares ações de tecnologia avançada eram ape-
de empresas – inclusive algumas das maio- nas uma bolha, semelhante à tulipoma-
res e, supostamente, mais seguras. nia holandesa do século 17. A economia
Juntos, esses três eventos, comprimi- das ponto.com e os planos de comércio
dos em algumas poucas semanas, revelaram- eletrônico seriam apenas um aperitivo e o
nos que a adolescência da revolução finda- verdadeiro colapso ainda estaria por vir:
ra e que um novo patamar fora alcançado. punição divina por uma exuberância in-
justificada.
ANSIEDADE NO MERCADO DE AÇÕES O outro lado argumenta que está
As tremendas oscilações nos preços dos acontecendo uma verdadeira revolução –
mercados de ações em toda a parte na- a mais profunda desde a Revolução In-
dustrial. Cada vez mais, a riqueza está
baseada no conhecimento, não nos fato-
© Copyright de Alvin e Heidi Toffler. res clássicos de terra, trabalho ou capital,

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e, portanto, as antigas maneiras de deter- mudanças que estão ocorrendo no pró-


minar o valor de uma ação deixaram de prio capital. Não só o capital na velha
ser adequadas. Não só os mercados de economia era tangível, como também
ação se recuperarão como podemos espe- implicava “rivalidade”. Na Primeira
rar um prolongado boom – uma geração Onda, ou sociedades agrárias, a principal
de prosperidade sempre crescente baseada forma de capital era a terra. Se eu cultivas-
numa produtividade também sempre se a minha terra, você não podia cultivar
crescente. a sua plantação na mesma terra ao mes-
Ambos os lados desse debate estão mo tempo. Era ou você ou eu, nunca
equivocados. Ambos estão errados por- ambos. O mesmo era – e ainda é – verda-
que o mercado de ações, sendo movido de para o capital nas economias indus-
por uma mentalidade de rebanho, não é, triais da Segunda Onda. Você e eu não
de modo algum, espelho ou medida das podemos usar a mesma linha de monta-
realidades econômicas subjacentes. gem ao mesmo tempo.
Os fundamentalistas financeiros Tudo isso se inverte nas economias
também estão errados porque não che- da Terceira Onda, nas quais o conheci-
gam a entender a profundidade da trans- mento é a principal forma de capital.
formação que está ocorrendo nas empre- Você e eu podemos usar o mesmo conhe-
sas e nas economias. Em todas as cimento ao mesmo tempo e, se o usar-
empresas, mesmo em algumas das maio- mos com criatividade, podemos até mes-
res organizações da “velha economia”, mo gerar mais conhecimento.
vemos mudanças de alto a baixo não Esse fato, por si só, derruba o alicerce
apenas na tecnologia, mas também na dos pressupostos tradicionais acerca do
estrutura organizacional; nas cadeias de capital e abre um rombo na própria defi-
valor e canais de distribuição; na nature- nição de economia como “a ciência da
za, horário e localização do trabalho; na alocação de recursos escassos”. A econo-
ruptura dos mercados de massa; nas rela- mia, a despeito de suas pretensões, não é
ções financeiras; nas linhas de autoridade uma ciência. E o conhecimento não é um
no local de trabalho; na vida cada vez recurso escasso. Portanto, vovôs e vovós,
mais curta dos produtos; e, sobretudo, na existe, sim, uma nova economia. E ela é,
velocidade acelerada das transações e do sim, verdadeiramente revolucionária.
ritmo das mudanças em si. Porém, é precisamente por isso que o
Somem-se a isso a reestruturação dos outro lado da discussão também está er-
serviços e instituições financeiras, as mu- rado. Os defensores da nova economia
danças nos sistemas de pagamentos, o usam pomposamente a palavra “revo-
rompimento das antigas fronteiras que lução”, mas, ao que tudo indica, não
definiam os diferentes setores da econo- sabem o que ela significa. Se soubes-
mia, o achatamento da hierarquia, a cria- sem, não estariam prognosticando cres-
ção de alianças estratégicas em escala cimento econômico contínuo, suave e
mundial, o avanço rumo à globalização e constante.
não podemos senão concluir que descon- Revoluções não avançam suavemen-
siderar todas essas transformações simultâ- te. Elas viram e se retorcem sobre si mes-
neas e cumulativas é muita ingenuidade. mas. Dão saltos para frente, param subi-
E é duplamente ingênuo ignorar as tamente, recomeçam a todo vapor. O

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fator acaso está sempre presente. Elas vão Existem 70 milhões de telefones celu-
às alturas. Sobem repentinamente. Des- lares nos Estados Unidos e a ITU prevê
pencam. Põem abaixo todas as antigas que 1 bilhão de pessoas estarão portando
definições, modelos e parâmetros. E de- um aparelho dentro de alguns poucos
voram seus próprios filhos. anos. Acesso a Internet logo estará dispo-
A idéia de que a revolução digital irá nível para todo tipo de dispositivos por-
gerar anos de prosperidade sem extrema táteis. E grandes investimentos já estão
turbulência e grandes convulsões é, por- sendo feitos para oferecer banda larga a
tanto, tão ingênua quanto a noção de que preços bastante acessíveis.
a nova economia não existe. Será que todos os usuários de telefo-
nes celulares irão simplesmente jogar
A NOVA ECONOMIA EXISTE fora seus aparelhos? A transformação di-
Existem hoje mais de 20 bilhões de chips gital vem acompanhada de exagero, efei-
de computador no planeta, cada um com tos de fumaça e espelhos, vigarices, diver-
mais de 1 milhão de transistores. Isso timento e jogos. Mas será que isso
significa mais de 3 milhões de chaves significa que a universalização da banda
digitais para cada ser humano da Terra. larga irá parar? Que todos os dispositivos
Há também mais de 300 milhões de portáteis irão evaporar? E será que al-
microcomputadores no mundo – cerca guém realmente imagina que o comércio
de um para cada vinte seres humanos. De eletrônico entre empresas e consumido-
acordo com a International Communica- res, entre empresas e empresas, e também
tion Union (ITU), dentro de alguns anos exclusivamente entre consumidores irá
a proporção chegará a um computador acabar? Ou que não transformará as eco-
para cada 13 ou 14 seres humanos. Nos nomias do futuro?
Estados Unidos, a proporção já é 1 micro- A revolução do conhecimento da Ter-
computador para cada 2,5 pessoas. ceira Onda já está reestruturando as eco-
E mesmo essas cifras logo deixarão de nomias em seu âmago. Muitos empregos
ter significado. A convergência acelerada já deixaram o local de trabalho. Hoje
entre microcomputadores, televisores e mais de 30 milhões de trabalhadores
telefones, associada à queda livre dos pre- norte-americanos realizam todo ou parte
ços do poder de computação e da banda do seu trabalho em casa, em hotéis, em
larga, significa que em breve qualquer aviões – na realidade, em qualquer lugar,
indivíduo com um televisor disporá, na a qualquer hora. As transações econômi-
realidade, de um computador e uma co- cas e as atividades produtivas estão dei-
nexão com a Internet. xando de ser intermitentes e se tornando
Mais da metade dos norte-america- contínuas – dia e noite, no mundo inteiro.
nos adultos já estão on-line. Mais de um Ou, como se diz, tudo agora está aberto
quarto – cerca de 28% – usa a Internet em 24 horas por dia, 7 dias por semana.
suas casas todos os dias. A Ford Motor Company está ofere-
Alguém realmente acredita que todos cendo computadores e acesso à Internet
esses chips, computadores e conexões por uma taxa simbólica a todos os seus
com a Internet irão simplesmente desa- 350 mil funcionários ao redor do globo.
parecer porque o preço de algumas ações Após anos resistindo à passagem da Se-
caiu? Ou em virtude do “vírus do amor”? gunda Onda para a Terceira Onda, o mo-

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vimento sindical norte-americano – e, da Internet e do comércio eletrônico no


mais especificamente, o gigantesco sindi- país – chegando a mencionar um progra-
cato AFL-CIO – agora está vendendo ma para ensinar 1 milhão de donas de
computadores e serviços de Internet para casa a acessar a Internet. Outros progra-
seus membros a baixo custo. mas foram criados visando fazendeiros e
Essas mudanças não irão cessar nem pescadores. Além disso, as cem maiores
desaparecer. A revolução da Terceira agências do correio terão centros de ensi-
Onda e a nova economia são essencial- no de informática e uso da Internet.
mente irreversíveis – e não apenas nos Mesmo com os preços das ações na
Estados Unidos. Nasdaq subindo ou caindo loucamente,
o Financial Times noticiou que a Internet
EUROPA DIGITAL? invadira o Japão como um verdadeiro
Em março de 2000, em Lisboa, os líderes tsunami (maremoto). Depois de um início
da União Européia, que até então haviam lento, o Japão subitamente está avançado
basicamente ignorado ou até ridiculariza- a passos largos rumo à nova economia.
do a nova economia, subitamente anun- Novas empresas ponto.com estão proli-
ciaram que até o ano 2010 a Europa ferando e o capital de risco começa a
montará uma estrutura jurídica para o emanar.
comércio eletrônico: A China, por sua vez, está ampliando
aceleradamente o uso da Internet, ainda
■ o mercado das telecomunicações será que ao mesmo tempo tente controlar o
totalmente aberto à livre concorrên- seu conteúdo. Ao contrário de seus cole-
cia; gas europeus, muitos líderes asiáticos –
■ todas as escolas serão conectadas à Kim Dae-Jung, da Coréia; Lee Kwan Yew,
Internet; ex-primeiro-ministro de Cingapura; e
■ todos os professores serão instruídos Mohamed Mahatir, presidente da Malá-
no uso da Internet; sia – há muito tempo perceberam o papel
■ todos os serviços públicos poderão crucial que a tecnologia da informação
ser acessados via Internet. terá de desempenhar no desenvolvimento
econômico.
E, com presunção semelhante à de O mesmo, porém, não vinha aconte-
Khruschev ameaçando “enterrar o Oci- cendo nas Nações Unidas e na maioria
dente”, prometeram que até o ano 2010 das agências de desenvolvimento. Agora,
a Europa irá superar economicamente os no entanto, ouvimos o secretário-geral
Estados Unidos. Kofi Annan falar sobre o divisor digital e
Pouco depois, durante a Conferência declarar que a Internet e a tecnologia da
de Cooperação Econômica da Ásia-Pacífi- informação são vitais para o desenvolvi-
co em Seul, nos reunimos com dez em- mento econômico.
presários coreanos de novas empresas de Quase ao mesmo tempo, o Banco
alta tecnologia com rápido crescimento. Interamericano de Desenvolvimento
Também conversamos sobre a Internet (BID) conclamou a América Latina a ace-
com o presidente Kim Dae-Jung, que se lerar o desenvolvimento da Internet e das
comprometeu publicamente a ampliar de telecomunicações. Segundo Enrique V.
maneira robusta o uso de computadores, Iglesias, presidente do banco, “nossa re-

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gião não pode ignorar essa revolução”. E falso senso de segurança, mas essa tran-
o diretor da International Telecommuni- qüilidade está acabando. O sangue frio
cations Union advertiu a América Latina de muitos executivos que acreditavam ser
para que se ampliassem os esforços de al- possível ignorar questões de segurança de
cançar as economias mais avançadas – o computador, desde que tivessem algum
que já começou a acontecer. tipo de seguro contra lucros cessantes,
No Brasil, 85% dos formulários de talvez esteja enfim começando a esquen-
imposto de renda são entregues via Inter- tar. O certo é que líderes políticos e em-
net. No México, os dois principais candi- presariais passarão a reagir à medida que
datos à presidência em 2000 – Francisco se for tornando inequivocamente eviden-
Labastida e Vicente Fox – discutiam não te que a malha elétrica, a produção de
se o México precisava se digitalizar, mas petróleo, as finanças, os satélites e outras
como. infra-estruturas críticas são, na realidade,
altamente vulneráveis a um ataque sis-
O VÍRUS DO AMOR têmico.
Por fim, mais ou menos na mesma época, De repente, até mesmo alguns dos
o mais avassalador vírus de computador líderes políticos mais dedicados à Segunda
já lançado atacou muitas das mais pode- Onda estão despertando para o fato de
rosas corporações do mundo, provocan- que a revolução da Terceira Onda veio
do prejuízos avaliados em centenas de para ficar, a despeito do descontrole dos
milhões, ou mesmo alguns bilhões, de preços das ações e dos devastadores vírus
dólares. Por ter se disseminado naquele de computador. Na realidade, podería-
exato momento, o vírus, conhecido mos afirmar que a primeira primavera do
como Love Bug, serviu para ressaltar o novo século trouxe consigo um despertar
quanto a economia mundial está depen- político e cultural em todo o mundo: foi
dente da infra-estrutura eletrônica e da o momento em que, pela primeira vez,
Internet. políticos e líderes empresariais, e até
O fato de que o novo século começou mesmo economistas, não puderam mais
sem o grande colapso do Bug do Milênio, ignorar as transformações da Terceira
que muitos haviam previsto, fez com que Onda e a nova economia que vem a galope
várias grandes empresas adquirissem um em nossa direção.



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A C O R R I DA PA R A C L O N A R O V A L E DO S I L Í C I O

ALVIN E HEIDI TOFFLER

E
m 1981, do alto de uma colina ao variações inspiradas ou copiadas do mo-
sul de São Francisco, nós dois e delo do Vale do Silício.
uma equipe de TV observávamos a O original amadureceu e tornou-se
região hoje conhecida como Vale do Silí- um centro que hoje possui não apenas
cio. “Este foi o local de nascença de uma uma força de trabalho altamente especia-
nova civilização vindoura”, declaramos lizada e cara, com uma cultura hipercom-
na frente da câmera. Passados quase vinte petitiva e laboriosa própria, mas também
anos, uma pesquisa que realizamos iden- todo um circuito de capitalistas de risco,
tificou nada menos do que 35 projetos ao advogados, negociadores, intermediários
redor do mundo que são, em essência, e outros serviços de apoio. Por outro
tentativas de clonar o Vale do Silício. Um lado, as pessoas e a comunidade vivem
estudo mais aprofundado provavelmente hoje sob a pressão de um estresse exces-
teria revelado um número três vezes maior. sivo. Os custos de moradia são astronô-
De Bangalore, Índia, a Hong Kong, de micos, o trânsito impossível. À medida
Israel à Irlanda, e em cidades de várias que essas desvantagens se acumulam,
regiões dos Estados Unidos, foi dada a outros centros vão se tornando compara-
largada para replicar as maravilhas do tivamente mais atraentes.
Vale do Silício. Não há nenhuma garantia de que
O Vale do Silício tornou-se o símbolo esses novos projetos de “Siliclones” pipo-
mundial da inovação e da nova econo- cando em todo o mundo terão sucesso e
mia. Cidades, Estados e nações estão pro- muitos deles carecem dos pré-requisitos
movendo e até financiando pólos de pes- culturais e políticos – para não falar das
quisa, núcleos de alta tecnologia, precondições econômicas – para serem
incubadores de novas empresas e outras bem-sucedidos. O ambicioso projeto do
Supercorredor Multimídia da Malásia,
por exemplo, atraiu empresas do Japão,
© Copyright de Alvin e Heidi Toffler. Estados Unidos e outros países com uma

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gama impressionante de promessas bem Em seus primórdios, o Vale do Silício


pensadas, que incluíam a absoluta liber- teve pouquíssima concorrência como
dade de informação e a garantia de que centro mundial de produção de tecnolo-
empresas nacionais malásias não seriam gia da informação. Boston orgulhava-se
injustamente favorecidas na concessão da sua Rota 128, mas a região em torno
dos grandes contratos de infra-estrutura dessa estrada logo ficou para trás com a
para construir o que, para todos os efei- ascensão do Vale. Hoje, com novos cen-
tos, é uma cidade inteiramente nova. tros surgindo ou despontando em tantos
No entanto, a crise financeira asiática outros lugares, com a Costa Rica e a Índia
de 1997 deflagrou no país uma crise po- vendendo software para os Estados Uni-
lítica interna, que acabou levando à regu- dos, e com a própria Índia comprado soft-
lamentação forçada das comunicações ware do Vietnã, a situação competitiva
via Internet, à prisão do vice-primeiro- está mudando radicalmente.
ministro Anwar Ibrahim e a mudanças Por mais valiosas que possam ser es-
nas regras do jogo em favor das empresas sas zonas de produção digital, a criação
domésticas. Obviamente, nada disso foi de mais um Siliclone num mundo já com
bom para o projeto. tantos locais concorrentes de alta tecno-
Um mapa que mostre a localização logia não é mais garantia do mesmo ím-
dos vários projetos de Siliclones existen- peto competitivo que Cingapura e outros
tes é esclarecedor. Por exemplo, dos 35 centros pioneiros desfrutaram.
que constatamos em nossa pesquisa, dois Na realidade, hoje a chave do desen-
estão no diminuto Israel e dez na Ásia, volvimento avançado talvez não esteja
mas não há nenhum na África, embora o mais na capacidade de um país produzir
Egito e a Jordânia estejam mostrando, tecnologia da informação, mas sim na
pela primeira vez, um vivo interesse pelo sua capacidade de usá-la de maneira cria-
desenvolvimento nos moldes da Terceira tiva e estratégica. Foi exatamente isso que
Onda (e isso seria particularmente signi- fez o Japão por volta do final dos anos
ficativo caso os dois países, que têm fron- 1960. Ele se tornou o primeiro país a im-
teira com Israel, conseguissem cooperar plantar o uso maciço da tecnologia da
com o Estado judaico numa estratégia informação na produção, muito antes de
regional). tornar-se um importante produtor de TI.
Até recentemente, nós dois, de modo Seus automóveis, televisores e gravadores
geral, éramos favoráveis a tais projetos e pré-digitais inundaram o mercado norte-
atuamos no conselho consultor interna- americano. O Japão foi tão bem-sucedido
cional do projeto malaio. Entretanto, in- em melhorar a qualidade de seus produ-
dependente de quaisquer questões políti- tos e tão inovador na introdução de no-
cas, nossa pesquisa, por menos científica vos modelos que subiu em disparada
que tenha sido, levantou uma questão para uma posição de liderança entre as
crucial: será que clonar o Vale do Silício potências econômicas do planeta.
ainda é uma boa estratégia para países Entretanto, o Japão também fracas-
que buscam chegar a uma economia sou, pois não aplicou a tecnologia da in-
avançada? Ou será que algo muito mais formação com a mesma amplitude e inte-
abrangente é essencial para um desenvol- ligência no setor de serviços – e, em
vimento realmente moderno? particular, nos serviços financeiros. E

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hoje está pagando um alto preço, à medi- revolucionar o seu sistema educacional –
da que empresas mais digitalmente sofis- não aos poucos, mas mediante uma pro-
ticadas de serviços financeiros dos Esta- funda mudança na sua concepção de
dos Unidos estão comprando as corretoras educação. Pode estar numa reestrutura-
e bancos japoneses. ção fundamental das instituições públi-
Assim, nem todo país precisa produ- cas de tal modo que, por exemplo, o rit-
zir chips, software, computadores, pagers mo das decisões políticas e legislativas
ou telefones celulares para enriquecer. A acompanhe o ritmo cada vez mais acele-
adoção rápida e estratégica da tecnologia rado das decisões empresariais.
da informação pode ser igualmente im- Ou pode estar em modificar a dinâ-
portante. Por exemplo, alguns países po- mica risco/recompensa no que diz res-
deriam exportar ciber-educação e serviços peito à inovação. Pode estar em desco-
de telemedicina via satélite, mesmo que brir maneiras criativas de indenizar
eles próprios não produzam satélites. aqueles que forem deixados para trás
Seja como for, o fato é que qualquer tec- com a ascensão para a nova economia.
nologia – digital ou não – só será econo- Em suma, num mundo repleto de Vales
micamente útil na medida em que a cul- do Silício, a criação de mais um centro
tura e instituições do país permitirem que similar pode ser útil, mas não será sufi-
ela o seja. Não pode haver uma nova ciente. Países e regiões têm de abordar a
economia sem uma nova sociedade; e questão do desenvolvimento de maneira
não pode haver uma nova sociedade sem muito mais ampla e bem mais sofistica-
novas instituições. da. Precisam começar a pensar para além
A vantagem competitiva de um país da nova economia e considerar a nova
no mundo de amanhã talvez esteja em sociedade.



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