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ENSINO DE HISTÓRIA1
INTRODUÇÃO
Esses silêncios passaram a ser legalmente contestados (no que tange a educação) a partir da
criação da lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da História e cultura afro-brasileira e
africana e do parecer e resolução que instituíram as Diretrizes curriculares nacionais para a educação
das relações étnico-raciais e para o ensino de história e da cultura afro-brasileira e africana em 2004.
Tais resoluções segundo Abreu e Mattos (2008) foram resultados das lutas e questionamentos do
movimento negro desde a década de 1980 por uma pedagogia antirracista.
Segundo Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva as Diretrizes têm como objetivo oferecer, na
área da educação, respostas às demandas das populações afrodescendentes, através do
estabelecimento de “políticas de ações educativas afirmativas, isto é, de políticas de reparações e de
reconhecimento e valorização de sua historia, cultura e identidade” (2004, p.10). Nesse sentido o
ensino de história possui um papel fundamental para a superação do racismo e a promoção de uma
sociedade mais justa e democrática. Guimarães corrobora com tai ideia, segundo ela:
Diferente do que se acreditou por algum tempo que a escola era um local de vulgarização,
redução ou apenas transposição do saber científico, á algumas décadas diversos autores acreditam
que o ambiente escolar produz uma cultura e um saber próprio, dialogando com o saber acadêmico.
Chervel (1990) é um desses autores que afirma que a escola produz um conhecimento específico,
tendo uma dinâmica e uma lógica própria. Fourquin (1992) contribui para tal debate afirmando que a
escola é um local de produção, gestão e transmissão de saberes, que dialoga tanto com o saber
acadêmico, quanto com uma história massiva.
No dia quinze de fevereiro deste ano foi lançado o primeiro filme de um herói negro em
Hollywood nos moldes das Histórias em Quadrinhos, Pantera Negra da Marvel Comics foi um
sucesso de bilheteria e lançou luz sobre uma discussão cada vez mais atual e necessária para a
construção de uma sociedade plural e igualitária. Onde estão os heróis negros na história do Brasil?
O que torna determinado sujeito um herói? Onde estão estes personagens? Eles nunca existiram ou
foram invizibilizados? Essas são algumas questões que nortearão esse projeto.
Segundo GOMES (2006) a escola como sendo uma instituição social de transmissão do
conhecimento e da cultura, tem se revelado nesse processo como difusora de representações negativas
sobre o negro, porém nesse mesmo espaço estas representações podem ser desconstruídas e
problematizadas, logo discutir tal tema é de suma necessidade para a formação identitária dos alunos
e para a construção de uma sociedade mais democrática e multicultural, onde os diversos sujeitos são
representados, o que justifica e torna imprescindível a discussão de tais aspectos citados
anteriormente, pois ao debater sobre o silêncio dos personagens negros está se discutindo
representação e ausência de narrativas, ou seja, racismo estrutural.
Se consciência é memória e futuro, quando e onde está a memória africana, parte inalienável
da consciência brasileira no currículo escolar? Onde e quando a história da África, o
desenvolvimento de suas culturas e civilizações, características do seu povo, foram ou são
ensinadas nas escolas brasileiras? Ao contrário, quando há alguma referência ao africano ou
negro, é no sentido do afastamento e da alienação da identidade negra. (NASCIMENTO,
2017. p113).
As ausências e silêncios acerca das tradições africanas e indígenas foram comuns no ambiente
escolar brasileiro, a história do ensino de história nos mostra que desde quando a ciência histórica se
tornou ensinável, em meados do século XIX, que esse vazio existe (MATTOS, 1998). Na ânsia de
tornar o país em uma nação “civilizada” os dirigentes e intelectuais brasileiros, no século XIX na
figura do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (1938), vincularam a história do país à chegada
dos portugueses, desqualificando e infantilizando, respectivamente, os africanos e povos indígenas.
Sendo a história um elemento decisivo para “formar as almas2”, consolidar e legitimar novos
regimes, o que fazia com que as escolhas sobre qual história ensinar fossem de suma importância, o
Estado brasileiro sempre zelou pelo conhecimento histórico comunicado pela escola
(BITTENCOURT, 1998). As inúmeras reformas no currículo no qual a história foi comumente
protagonista mostram a preocupação do Estado brasileiro quanto ao conhecimento transmitido por tal
disciplina, causando para um grupo glória e memórias e para outros silêncios e esquecimentos.
A história escrita pelo IHGB seria divulgadora em larga medida:
“de uma historia do Brasil que cumpriria o papel de não apenas legitimar a ordem imperial,
mas também e sobretudo de pôr em destaque o lugar do Império do Brasil no conjunto das
Nações Civilizadas, permitindo assim a construção de uma identidade.”
(Mattos, 1998, p.32).
“pelos órgãos do poder, o governo a lei, o capital, as forças armadas, a polícia, as classes
dominantes brancas têm à sua disposição poderosos implementos de controle social e
cultural: o sistema educacional, as várias formas de comunicação de massa – a imprensa, o
rádio, a televisão e a produção literária, todos esses instrumentos estão a serviço dos
interesses das classes no poder e são usados para destruir o negro como pessoa e como criador
de uma cultura própria.” (NASCIMENTO, 2017. p112).
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Utilizo tal termo tendo como base o trabalho de Kátia Maria Abud, “Formação da alma e do caráter nacional:
Ensino de História na Era Vargas”. Apesar de a autora utilizar o termo para o século XX acredito ser possível
utilizá-lo neste momento histórico também.
No final do século XIX a história passa a ser vista como ciência por utilizar métodos rigorosos
para a sua aplicação, percebida como aquela que conduz ao progresso, a mestra da vida. A história
era utilizada para legitimar os Estados Nações, pois ela fazia as genealogias destes. Tal mentalidade
também era manifesta no ensino, segundo Mattos (1998) nas aulas de Macedo, o Brasil era visto
dentro da trajetória ou da genealogia das Nações civilizadas.
Essa história mutilada e mutiladora, não se resumiu ao século XIX, em todo o século XX, de
maneiras diferentes, o ensino de história foi utilizado para “civilizar” a nação e criar uma identidade
nacional, gerando silêncios. Neste momento a educação e o ensino de história eram largamente
utilizados para gerar uma unidade nacional, uma integridade territorial, administrativa e cultural do
Brasil. Segundo Abud (1998) as várias etapas da educação como a elaboração dos conteúdos, o
trabalho pedagógico e a metodologia, durante o governo Vargas:
Kátia ainda vai afirmar que valorizava-se nos manuais de ensino o avanço português na
conquista do território indígena, com o objetivo de criar um sentimento nacional que facilitaria o
projeto centralizador de Vargas. Tal concepção utilitarista da história como disciplina escolar “servia
à formação do cidadão ideal para o estado” e para isso ocorrer vinculava-se a história do Brasil às
civilizações europeias, silenciando desta feita a trajetória anterior à chegada destes.
O negro era visto como um elemento que “degenerava a pureza das raças”, logo devia ser
afastado do imaginário de construção da sociedade brasileira ou quando isso não era possível,
misturado à raça branca para o “bem” da sociedade, causando o efeito chamado de branqueamento.
Kátia Abud considera que:
Um livro que inspirou diversos manuais de ensino tendo sua primeira edição em 1943 e a
última em 1963 é “A cultura Brasileira: introdução à cultura no Brasil” de Fernando de Azevedo, nele
Azevedo busca construir uma síntese da cultura brasileira, considerando o negro como aquele
responsável pelo avanço econômico da nação. O negro seria os braços enquanto o português o
responsável por organizar e pensar o processo político e administrativo. Entretanto, “existia uma
luz no fim do túnel”, a solução era a miscigenação. Essa visão da população negra se popularizou,
pois é comum encontrarmos referencias destes apenas em relação á escravidão, como se não
existissem antes.
Mesmo nas reformas educacionais Francisco Gomes de 1931 e Gustavo Capanema de 1942,
onde a história do Brasil passou a ter mais espaço e autonomia, este ensino estava vinculado
diretamente á história universal europeia, relacionando a difusão da historia do Brasil aos marcos
europeus. A história universal passa ser a imagem e semelhança da Europa, conforme aponta
Guimarães (2012).
Tal sujeição tinha como objetivo “colocar o Brasil na história”, para isso segundo Ferro (1989,
pp.24-28), era necessário se subordinar aos valores eurocêntricos, que definiam a civilização, estes
eram: “a unidade nacional, centralização, obediência à lei, industrialização, instrução pública e
democracia”.
Já nas décadas de 60 e 70 a influência americana dava o tom dos debates educacionais,
concretizando um modelo de ensino e de gestão centralizador, tornando o professor apenas um
executor e o aluno um receptáculo. Nesse momento segundo Guimarães (2012), o ensino de história
foi transformado na disciplina de estudos sociais diluindo a sua especificidade e sua criticidade.
Percebe-se que a trajetória da história como disciplina escolar desde os meados do século XIX
até o final da ditadura militar com a criação da constituição cidadã de 1988, está encharcada da lógica
eurocêntrica, da necessidade de vincular o Brasil a Europa a fim de civilizá-lo. Essa lógica
eurocêntrica e colonizadora chamada por Santos (1998) de razão indolente3gerou, reafirmamos,
ausência e silêncios sentidos até hoje.
Acreditamos que assim como foi largamente utilizado para formar almas e legitimar novos
regimes, o ensino de História tem o poder para contribuir com a superação da formação racista e para
a construção de um projeto de educação inclusiva, democrática, libertadora e plural, que deve ser
realizado não apenas pela força da lei, mas a partir de um posicionamento crítico dos educadores.
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