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FEVEREIRO
O N D E , C O M O, Q UA N D O E P O RQ U Ê . O Q U E T E M OS PA R A PA RT I L H A R N E STA E D I ÇÃO.
14
O Mundo fora
do mapa
O Tibete é apenas um dos
países com reconhecimento
internacional limitado
R O M A N P I L I P E Y / E PA
70
26 78
31 86
1 2 3
14 36 48 78
Os não-países Hotlist Auroras boreais Goa
São dez mais uns quantos que nem Olhar para um embondeiro, ou bao- O guia Cristiano Pereira explica tudo Um grupo de portugueses
isso são mas gostariam. O viajante bab, já é uma experiência de monta. E o que importa saber para apaixonou-se pelo recanto de história
brasileiro Guilherme Canever guia- dormir nele? Ou num hotel de ouro? ir atrás das famosas “luzes do Norte”. lusa na Índia e escreveu um livro.
nos numa viagem genial. Ou mergulhar atrás de um museu?
Propostas fora da caixa. 68 82
26 Restaurantes lá fora Quirguistão
Neve 43 O Culler de Pau é um dos Portfólio de uma viagem ao país das
Abre, fecha, abre, fecha, em que é Paragens a 33 rotações estrelados que importa conhecer em montanhas numa bicicleta dobrável.
que a Europa das estâncias fica em Quando a música é viagem... Espanha.
era pandémica? a Nova Iorque. 90
70 Madeira
30 44 Passaporte VIP Vamos com a Evasões num roteiro
Planeta Verde Pela Lente de... O ator Ângelo Rodrigues pela Pérola do Atlântico
O que andamos a fazer aos paraísos Fotografar o Mundo é perceber que conta-nos a Amazónia.
atrás dos quais corremos? Provavel- nas diferenças somos todos iguais,
mente algum mal. mostra-nos Luís Godinho.
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EDITORIAL
E
voltaram a fechar-nos em casa. Era previsível, vinha acontecendo
lá fora, aos bochechos, tímidos ou não. A nós, deixaram-nos prati-
camente soltinhos, livres, quase despreocupados. Até nos deram o
Natal, vejam lá. Com um confinamento no sapatinho. Mas nós so-
A CAPA
mos mais teimosos do que o vírus. Podem pôr-nos atrás das fecha-
duras que quiserem, não nos manietarão a mente. E essa, quando
Uma paragem algures a
se tem a viagem entranhada no corpo, é quem mais ordena. Uma meio da Steese Highway,
voltinha pelas fotografias do passado – parece tão longínquo já – e damos por nós 200 km a Leste de
numa rua de Nablus, nas alturas do Quirguistão, na secura do Mar de Aral, no frio Fairbanks, no Alasca
da Islândia. E até nos damos ao luxo de sonhar. Fotografia: Cristiano Pereira
Foi a pensar nisso, nos sonhos, que desafiámos um ex-jornalista português a le-
var-nos pelo sonho dele, aquele que se concretiza sobre ele, muitos dos dias do ano.
Cristiano Pereira largou a carreira pela vida e deu por ele, a dada altura, a caçar au-
roras boreais no norte do Canadá. Convidámo-lo a ser a capa desta nossa “Volta ao
Mundo”, correndo com ele por esses rios de luz verde ou púrpura, que explodem no
firmamento como divindades – deve ser isto a divindade –, para nos fazer sentir mi-
núsculos neste nosso Mundo confinado. Ao deixar o olhar correr sobre as imagens
que o Cristiano nos enviou, esquecemo-nos de que estamos presos a um chão. Se-
guimos por ali adiante, quase sentindo o gelo da neve a cortar-nos os ossos, afastan-
do-nos das minudências dos queixumes. E fazemos planos. É o que mais fazemos
vai para uns meses. Uma viagem nasce, na maioria das vezes, da viagem anterior.
Este ano (2020 acabou?) nasce da imaginação, da mente, vamos acrescentando ao
planisfério as ideias que se atropelam, prometemos que vamos cumprir todos estes
sonhos como o Cristiano cumpre o dele. E vamos conseguir. Nem que seja guiados
pela pena de uns e pela objetiva de outros.
Até lá, viajemos sentados. E conheçamos o Mundo fora dos mapas que o viajante
brasileiro Guilherme Canever nos fez o favor de compilar em livro agora reeditado com
todo o tempo que a pandemia lhe deu. São países
que não existem, que, na maioria dos casos, não
figuram nos catálogos de viagens e que têm, ape-
sar disso, tanto para oferecer. A começar pelo
nome que alguns escolheram. E a terminar em
paisagens que não imaginaríamos. Ou apanhe-
mos a boleia de João Brás, fotógrafo português que
tem como tesouro uma bicicleta dobrável com
que cruzou frias montanhas da Ásia Central onde
se dorme em iurtes e se bebe simplicidade olhan-
do um céu tão limpo que quase julgamos ver au-
roras na vez de nuvens de estrelas.
Vamos das auroras à aurora que nos aguarda no
final desta provação, lendo, porque ler é o melhor SIGA-NOS EM:
remédio. Apetece-nos dizer assim.
voltaaomundo.pt
revistavoltaaomundo
IVETE CARNEIRO,
EDITORA @revistavoltaaomundo
Depósito Legal n.º 67 247 / 94. Registado na ERC sob o n.º 118 462
COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Ana Rita Costa, Cristiano Pereira, Emanuel Carneiro, João Brás Santos,
José Luís Peixoto, Kátia Catulo, Nuno Cardoso, Pedro Emanuel Santos,
Sara Oliveira e Rute Cruz
PRODUÇÃO, CIRCULAÇÃO E ASSINATURAS Nuno Ramos (diretor), Raul Tavares (diretor adjunto de circulação),
Jaime Mota, João Pires, José Gonçalves e Juvenal Carvalho
DATA PROTECTION OFFICER António Santos
Assinaturas: Atendimento ao assinante – Dias úteis, das 07h00 às 18h00. Tel.: 707 200 508.
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Impressão e acabamento: Lisgráfica, S.A. – Estrada Consiglieri Pedroso, Casal de Santa Leopoldina, 2745-553 Barcarena.
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PLANISFÉRIO
A L F R E D O Z U N I GA /A F P
sem luz e sanita feito trono, num espaço ne-
gro onde a lanterna só deixa aperceber o bal-
seiro de água que há de servir de autoclismo.
E de água do banho. Tudo serve. Pela madru-
gada, resta a corrida atrás do (único) auto-
carro para a Pemba das águas turquesas,
DE ONDE A PAZ BROTA DA TERRA porque o zelador não percebeu que avisar-
nos da carreira tinha de ser antes de ela se
apresentar na paragem... Um espanhol
Atravessar Cabo Delgado desde o rio-fronteira Rovuma é mergulhar menos carregado apanha-nos o passo e
na selva moçambicana, ver pegadas de elefante, mulheres de jerricã atira, voando, “tenha calma, eu vou mais
e guardas bonacheirões. É mergulhar na paz da simplicidade. Era. leve”. Dormira na mesma pensão.
Hoje, é antro de jiadismo. Lamentavelmente. Todo este cenário, imaginamos hoje, esta-
rá diferente. Estas terras de pegadas de ele-
P O R IVETE CARNEIRO
fantes entre a selva africana estão hoje aban-
donadas da sua alma. Quem pôde fugiu para
É
Pemba, para bairros de barracas sem condi-
daqueles momentos que colo- sentava. Pequenas aldeias, verde a perder de ções, mas mais seguras do que o inferno que
cam tudo no lugar certo. A tra- vista, mulheres com água à cabeça, um si- esconde a mata: o jiadismo. Cabo Delgado é
vessia da fronteira fizera-se lêncio absoluto para lá da lentidão do veícu- o nome desta província atravessada a sorrir,
numa barcaça puxada a vara lo, travado pela areia solta do trilho. Até um aos solavancos. É o nome da província que há
através do rio Rovuma, essa meio-carro a decompor-se anunciar um cru- dois anos persiste nas notícias tanto quanto
correnteza sem fundura que só zamento de vegetação mais alta, à sombra da a água da barcaça persistia contra a resiliên-
deixa aperceber as cabeças de hipopótamos qual estava “a fronteira”, já longe do Rovu- cia do menino. Onde se houve falar de mas-
mais afoitos, numa viagem longa apesar de ma. Um guarda fronteiriço bonacheirão aco- sacres de aldeias inteiras, de jazidas de gás a
curta, com um petiz agachado no fundo do lhe o passaporte, perscruta-nos o olhar e ati- que todos querem meter a mão, de um Go-
bote a bombear água a balde. Um estudante ra-nos, num português de que já tínhamos verno acusado de não tomar medidas fortes,
tanzaniano falante de inglês tratara de arran- saudade, um genuíno “É portuguesa, é irmã, de terroristas de origem incerta, de uma
jar a viagem, para que ninguém ousasse en- bem-vinda a Moçambique!” guerra que ninguém percebe numa terra de
ganar a “mzungo”. A branca. A bordo, um Depois de dias a atravessar a Tanzânia e cujas entranhas brota um ar quente de paz.
religioso muçulmano moçambicano de ca- de horas embrenhados na selva do norte de Uma paz assombrosa. A paz que nos dissera
belo branco e cego contava como vinha de Moçambique, foi inevitável sentir aquele “És irmã, bem-vinda a Moçambique”. Z
“visitar” Zanzibar, enquanto a criança per- arrepio que nos diz “estás em casa”. Os
sistia no balde tanto quanto a água em entrar olhares distantes de quem acompanhava
na embarcação. Na margem, uma fileira de suavizaram-se, tinham aberto as portas da CABO
DELGADO
jipes com carga até ao céu aguardava passa- pátria à portuguesa, restava-lhe contar o
geiros para o resto da viagem até ao posto caminho ao longo da terra que faltava até
fronteiriço... a umas horas valentes dali, por Mocímboa da Praia, com cruzamentos de
Maputo
uma picada marcada de pegadas de elefante poeiras com uma igreja no topo, um merca-
entre vegetação curta mas luxuriante. do dela para diante, casinhas de pedra e das
Garantido um lugar na cabine com o idoso outras, das gentes, a simplicidade servida
e uma criança filha de uma mãe que seguiu às mãos-cheias. E a selva, sempre, tanto
sobre a carga, o périplo foi atravessando uma verde, tão bonito. E, enfim, Mocímboa, MOÇAMBIQUE
pequena ideia da enorme nação que se apre- mais areia, noite já dentro.
●● ●●
E S TA M O S C O N S I G O T O D O S O S D I A S E M V O LTA A O M U N D O . P T
A sua revista de viagens leva diariamente os leitores para destinos diferentes daqueles que encontra na versão em papel.
Em especial nestes dias de liberdades restringidas, com toda a atualidade sobre a lenta retoma da atividade turística
e para que não sinta falta de nada quando for tempo de voltar a viajar. Não deixe de adicionar o nosso site aos seus Favoritos
e visite-nos todos os dias. Estamos cá para surpreender e fazer companhia.
A N G O L A , PA R A A L É M D E LUA N DA
TEXTO E FOTOS PEDRO PONTES, PORTO
A
necessidade profissional Kungo, a chuva no Lubango, as
levou-me a viajar um curvas da Serra da Leba, o esplen-
pouco e foi assim que fiz dor do Deserto do Namibe, o calor
a minha primeira grande abrasador de Mbanza Kongo, a tro-
descoberta, a de que Angola não voada no Huambo e tantos e tan-
é só Luanda e os seus prédios ma- tos outros segredos mal guarda-
jestosos na baía. Claro que já não dos. Angola é fascinante e tem no
era só isso, mas testemunhá-lo foi seu território locais maravilhosos
outra coisa. As gentes, as culturas, que por momentos nos fazem
os modos de vida, mas acima de questionar se estamos mesmo ali,
tudo as magníficas paisagens que pois apenas nos lembramos da lin-
vamos retendo para a eternidade. díssima baía de Luanda e do seu
Uma das primeiras viagens que fiz, império de betão. Parti expectan-
e muito especial, por sinal, foi a te em relação ao que ia encontrar
Malange, onde passei pelas que- e, embora muitos me tentassem
das de Kalandula, no rio Lucala, passar as suas experiências, fui
que são as segundas maiores de com o espírito aberto, em branco,
África, e pude atentar nas Pedras e tentei evitar as ideias preconce-
Negras, de Pungo Andongo. O ba- bidas. Fui muito bem recebido por
rulho da força da água deixa-nos um país que tem ainda muito de
tão pequenos e humildes perante Portugal, que procura cada vez
a Natureza que só contrasta com mais a sua identidade, mas acima
o silêncio reconfortante das pe- de tudo que continua muito ferido
dras rochosas. Outras viagens se pelos traumas da guerra pós-colo-
fizeram. É impossível esquecer o nial. Ainda estou por cá e continua-
Miradouro da Lua, as praias de rei por cá. “Tamo juntos”, minha
Benguela, o manto verde do Wako querida Angola! Z
E N GA N A R A FO M E D E V I AG E N S
Viagem
pelos países
que não existem
O viajante brasileiro Guilherme Canever teve “uma ideia genial”.
Depois de passar por um ou outro daqueles territórios que só parte
(quase sempre muito pequena) do Mundo reconhece, decidiu que iria
conhecê-los todos. Porque são poucos os países que não existem, à luz
dos ditames das Nações Unidas. Existem (e existem mesmo, apesar dos
pesares) dez. E juntam-se-lhes seis que gostariam de existir, mas não
existem mesmo. E alguns são verdadeiros clássicos, como o Tibete.
Vamos com ele?
VA L D R I N X H E M A J / E PA
KOSOVO
1 ROTEIRO PAÍSES QUE NÃO EXISTEM
S
KASHGAR, XINJIANG
Transnístria
Abecásia
Inguchétia
Daguestão
Kosovo Karakalpakstão
Taiwan
Somalilândia
Palestina
R O M A N P I L I P E Y / E PA
18
O Potala é o símbolo
de Lhasa e do Tibete
e é a imagem do poder
recusado pela China.
Era a residência de
inverno dos Dalai-
Lamas, líderes de
um país que
não existe, apesar
de amplamente
reconhecido
19
NABLUS, PALESTINA
A L A A B A DA R N E H / E PA
quase cheia de semi-desconhecidos: Ossétia do rar o próprio território, que se organizou ao pon-
Nablus é Sul, Transnístria, Abecásia e a Somalilândia. to de ter eleições presidenciais multipartidárias e
provavelmente Depois, há quem almeje ou já tenha mesmo sido tudo o que é preciso para se ser um país. Exceto o
a cidade mais um país. Guilherme Canever percorreu cinco des- reconhecimento. Sem relações comerciais com
tes candidatos – Curdistão, Caxemira, Turquistão ninguém, sobrevive no esquecimento mundial
palestiniana Oriental (que também não sai das notícias, mas como pode, com a sua própria moeda, que se ar-
de todas. A dor sob outro nome – a Xinjiang dos uigures), Tibete, ranja – parece óbvio – em qualquer “banco” de
de um povo República de Karakalpakstão – e outros três, que rua: “caixas de arame” ou “esteiras” com monti-
podemos juntar no saco das repúblicas autónomas nhos de notas. E a origem do dinheiro é a possível:
reprimido da Federação Russa, ex-independentes e ocasio- as remessas da emigração.
sente-se ali nalmente belicosas: o Daguestão, a Chechénia e a Para lá da inusitada experiência de se estar num
como em poucos Inguchétia. Nomes que nem sempre nos dizem o não-país onde qualquer deslocação exige escolta
que quer que seja... (não vá acontecer algo de mau e a imagem deste
lugares não-país sair manchada), a Somalilândia oferece
FILHOS DA GEOPOLÍTICA mercados típicos, praias do Mar Vermelho, mergu-
“Talvez nunca tivesse parado para pensar nessa lho, deserto, pinturas rupestres, partidas de futebol
questão geopolítica.” Mas Guilherme parou. Na na areia com quem calha e “pessoas hospitaleiras
Somalilândia. Porque estava na Etiópia e – porque num lugar que existe como que num limbo”, numa
não? – ponderou ir à Somália. Mas outros viajan- luta que é “uma das maiores belezas do lugar”.
tes disseram-lhe que não era aconselhável e que,
isso sim, podia ir à Somalilândia. Nem nunca ou- OS CLÁSSICOS
vira sequer falar. Antes, fora Somalilândia Ingle- As histórias de luta são, de resto, o cerne da Histó-
sa, vizinha da Somalilândia Francesa (Djibuti) e da ria destes países que não existem. Falar do Tibete
Somalilândia Italiana, integrada com esta em 1961 seria dispensável, da Palestina porventura mais ain-
porque o colonizador britânico assim o entendeu, da, até pelas discussões acaloradas que ambos os
para dar existência à Somália. E a uma guerra ci- assuntos geram entre quem não vive lá nem sente
vil até à declaração unilateral da independência, na pele o facto de pisar chão que não existe. Mas
em 1991. A Somália ignorou-a, como parece igno- diga-se que ambas se tocam, até na forma como se
FA D E L S E N N A / A F P
Walled Off, com vista para o muro que concretiza
a dura fronteira que não existe, idealizado pelo ar-
tista de rua britânico Banksy.
Um muro como o que divide Nicósia, na ilha de
Chipre, separando cipriotas gregos (reconhecidos
e membros da União Europeia) de cipriotas turcos
(só reconhecidos pela Turquia). Onde a República
Turca de Chipre do Norte se fez recreio turco e pa-
raíso do jogo. Onde a população vive na casa de que
se apropriou após a debandada dos gregos. Porque
a história de Chipre é sobretudo a da Grécia e da
Turquia, que a primeira quis anexar alguns anos
depois de os britânicos a devolverem ao seu desti-
no e que a segunda invadiu para proteger os seus.
Porque Chipre só quer, no seu âmago, ser uma ilha
tranquila nas cálidas correntes do Mediterrâneo. O
MAR DE ARAL, passado recente é, até, parte do que há de curioso
KARAKALPAKSTÃO DR
para ver no Norte, para lá do património histórico
e religioso: há uma praia fantasma, Varosha, que
era a pérola da ilha e foi desertada pelos cipriotas
atravessam. Há multiplicidades de barreiras milita- gregos e é hoje um resort em ruínas, há semanas
res a controlar passaportes, a ausência de liberdade
As histórias de invadido por uma comitiva do Governo turco...
no ar é palpável, mais no Tibete, controlado pela luta são o cerne
China (onde é imposto um guia para sair da estação da História DA UNIÃO SOVIÉTICA, COM AMOR
ou do aeroporto, visitar monumentos e fazer expe- O uso de países que não existem como zonas fran-
dições fora de Lhasa), do que na Palestina, semi-
destes países cas de costumes pelos poucos que os defendem não
gerida por Israel (aqui, até as estradas principais es- que não existem. é raro. Guilherme confirmou-o na turística Abe-
tão vedadas a palestinianos). E só se entra em am- E a luta é “uma cásia, nascida da implosão da União Soviética, re-
bos os territórios com autorização das nações que os clamada pela Geórgia e usada como recreio balnear
reclamam como seus. Fora isso, tudo difere.
das maiores pelos russos, até porque faz fronteira com Sochi,
O Tibete é, sobretudo, um povo que ultrapassa belezas do lugar” esse paraíso russo do Mar Negro. Ao ponto de mui-
as “fronteiras” e cuja cultura colorida e devota se tos até desprezarem a falta de reconhecimento in-
estende a vários países, tal como se estende o om- ternacional – têm o da Rússia. Tal como a Ossétia
nipresente cheiro a yak, aquela espécie de bovino do Sul tem. Que também é reclamada pela Geórgia
peludo cujos subprodutos servem para tudo, da ali- e onde só se consegue entrar por um túnel vindo da
mentação ao chá (carne, leite e manteiga), passan- Ossétia nortenha, em território russo. Aliás, aqui
do pela roupa (lã e couro) e pelo reforço térmico como na Abecásia, qualquer cidadão pode tirar um
das paredes e a “lenha” para a fogueira (dejetos). passaporte russo. Fica tudo dito.
Já a Palestina é um livro de História, com o con- A Abecásia e a Ossétia do Sul são, de resto, duas
dão de nos explicar a todos, seja qual for o nosso das nações inexistentes, mas com estruturas insti-
credo, que muita da origem das coisas está naque- tucionais (a somar a uma terceira, a Transnístria,
le berço. Mas, mais uma vez, a divisão a régua e es- reclamada pela Moldávia e pasto para lendas sobre
quadro pensada pelos antigos senhores europeus máfias russas, já lá vamos) que reconhecem outra,
da terra deixou a região em pantanas, num futuro a agora famosa República de Artsaque, ou Nagor-
que parece eternizar-se assim, como futuro sem no-Karabakh. Uma terra de muito pouco que si-
presente. Apesar de este ser dos não-países com gnifica “montanha do jardim negro”, que a divisão
mais gente a reconhecê-lo internacionalmente. E da União Soviética deixou nas mãos do muçulma-
daqueles que é imprescindível visitar uma vez na no Azerbaijão, mas cuja população é maioritaria-
F OTO S : D R
ABECÁSIA
tente, gigantesca esta, hoje conhecida como pro- outros, com 40 milhões de apátridas e dezenas de
víncia de Xinjiang e que é o Turquistão Oriental, sítios históricos para descobrir, entre vistas de
terra de muçulmanos uigures, lagos em altitude, montanhas de cortar a respiração. E completa-
planaltos e iurtes. Uma continuação das paisagens mente diverso do destino que se segue, o árido
tibetanas ou quirguizes, de uma beleza esmagado- Saara Ocidental que o abandono de Espanha dei-
ra que chega a esconder o drama da perseguição e xou à mercê do gigante marroquino, a norte, e do
dos campos de detenção que Pequim intitula de mauritano, a sul. Porque aquela aridez esconde
“campos de educação”. Mas, como em qualquer minério. Marrocos fez como Israel com a Palesti-
lado na China, fazer de conta que não se passa nada na, criando espécies de colonatos e um conflito
é a melhor forma de assistir a um lugar imperdível. com a Frente Polisário que ainda há dias – com os
Como em Caxemira, encravada entre a Índia e o EUA a reconhecer a Rabat a soberania saariana –
Paquistão e que acolhe quem vem com uma placa a reacendeu as ameaças. E a Mauritânia desistiu.
avisar que está a entrar no paraíso. Para lá das ma- Resta uma estrada a cortar o deserto com
ravilhas como dormir numa casa barco num lago ou checkpoints e atritos. E a vida possível.
namorar num jardim exuberante, tem a repressão “Linhas imaginárias, talvez este seja um dos
indiana latente em Srinagar. E, agora, a semi-auto- grandes problemas de tantos conflitos. Também
nomia derrubada por Deli. Porque tem uma popu- as chamamos de 'fronteiras'. Decide-se que a par-
lação sobretudo muçulmana, desprezível aos olhos tir de certo ponto termina uma cultura, um Go-
dos nacionalistas hindus que governam a Índia. verno, um povo ou qualquer coisa e se inicia ou-
Caxemira nasceu da régua e do esquadro britâ- tro. Como se num passe de mágica houvesse uma
nico, como nasceram as fronteiras da Síria e do mudança, omitindo que mudanças possam ser
Iraque sobre as quais se estende o Curdistão, que graduais. Definindo preto e branco, esquecendo-
DADIVANK,
ainda ocupa território turco e iraniano. E vive en- -se das diversas outras cores e tonalidades”, es- NAGORNO-KARABAKH
cravado entre a repressão de uns e a ignorância de creve Guilherme. Z
Tentar entender
o Mundo
Porque, quando viaja, procura povos e os povos “são ligados à
terra, não a Estados”, Guilherme Canever encontrou não-países,
entidades unas e quase perfeitas no seu âmago, mas sem
existência. A “Volta ao Mundo” quis saber o que o motivou.
TEXTO I VETE CARNEIRO
D
e onde surge a ideia de Estava à espera de encontrar algo em drasticamente, e a própria visão ética/moral
conhecer países que não concreto? No capítulo sobre Caxemira de dominação era percebida de maneira di-
são reconhecidos inter- fala da placa que acolhe quem chega: ferente. Nem tudo é simples. A própria Car-
nacionalmente? “Bem-vindos a Caxemira, o paraíso na ta das Nações garante o direito à autodeter-
G.C. Demorou a amadure- terra”. Ora, muitos destes territórios es- minação dos povos, mas refere a inviolabili-
cer. Inicialmente nem foi tarão longe de ser paraísos e alguns têm dade dos territórios. Parece bastante contra-
uma ideia, foi acontecendo naturalmente. Na estado nas notícias… ditório, mas é uma forma de tentar normali-
primeira viagem por África, atravessei o con- G.C. A minha motivação inicial das viagens zar as segregações de maneira pacifica. Tan-
tinente por terra da África do Sul até Djibuti. é sempre cultural. Nestes casos acaba por to a União Soviética como o Império Otoma-
A ideia inicial era ir até ao Cairo, mas a dado misturar-se muito com geopolítica, mas, sal- no eram multinacionais e exerciam o poder
momento descobri a possibilidade de conhe- vo uma ou outra exceção em que o motivo da central de maneira dura, tirânica e inegociá-
cer a Somalilândia e não quis deixar a opor- segregação foi económica, a autodetermina- vel, mas várias regiões tinham autonomia lo-
tunidade passar. Foi o meu primeiro contac- ção aconteceu pelo facto de os povos não se cal. Aconteceu de forma mais reduzida com
to com um país com esse estatuto. E logo um identificarem com a cultura predominante a ex-Jugoslávia: as diferenças etno-religio-
que não tinha apoio de nenhuma outra na- (e tratamento recebido) do Estado a que per- sas-culturais conviviam bem no período de
ção, o caso mais grave. Foi como mergulhar tenciam. Toda esta luta para manter a cultu- Tito, mas foram-se rebelando uma a uma e
num universo paralelo. Comecei a questio- ra e os próprios conflitos originados passa- ainda falta acharem uma solução para o Ko-
nar-me sobre o que era um país, a ler a esse ram a interessar-me muito. Acredito que a sovo. A autodeterminação é genuína, mas o
respeito. A Somalilândia é independente minha busca era algo filosófica, tentar enten- que fazer com os sérvios que moram na re-
desde 1991 e, mesmo assim, ninguém a reco- der o Mundo. A guerra destrói lugares, so- gião desde sempre? Não se pode deslocar
nhece. Foi onde a semente do projeto foi nhos e dilacera o futuro. Tanto Caxemira pessoas para outros lugares. Os povos são li-
plantada, mas demorou a germinar. Segui como Nagorno-Karabakh poderiam ser pa- gados à terra, não a Estados. O Estado-Na-
para o Iémen, o Sudeste Asiático, a Índia por raísos. São regiões belíssimas de montanhas, ção é um formato passado. Se as minorias
mais de um ano, até regressar ao Médio com cultura marcada e atrativos turísticos. fossem respeitadas, não se rebelariam. Mas
Oriente e visitar a Palestina. Apesar do am- Mas definitivamente... muitas vezes os governos usam-nas, fazem
plo reconhecimento internacional e de ser Muitos dos “países” em causa resultam delas um inimigo para justificar a incapaci-
membro da UNESCO, percebi que tinha des- do colapso da União Soviética e, antes, dade de apresentar propostas sólidas ou re-
vantagens face à Somalilândia, que tem ins- do Império Otomano. Outros da desco- sultados económicos satisfatórios.
tituições, moeda própria e controlo das fron- lonização a régua e esquadro. Fala de Qual das fronteiras que não existem mais
teiras. Estive com refugiados palestinianos e uma espécie de “clube dos excluídos”? o marcou?
deparei-me com uma nova questão: a des- G.C. É sempre uma luta pela libertação do G.C. A primeira, da Somalilândia. É daque-
locação de povos nativos ao criarem-se no- jugo de Estados dominantes. A grande difi- las que proporcionam um frio na barriga.
vas fronteiras. Ainda visitei a porção do Saa- culdade é que os povos tentam apoiar-se no Apresentar o visto, trocar dinheiro e procu-
ra Ocidental ocupada por Marrocos antes de passado para justificar a sua narrativa. Ao rar transporte num “país que não existe” é
criar o projeto que se transformou em livro. longo da história as fronteiras mudaram um passo na incerteza. E para a Abecásia,
O LIVRO
“Uma viagem pelos países
que não existem” e toda
a bibliografia do autor
(“África”, “Rota da seda”,
“Destinos invisíveis”) está
disponível em Portugal em
livrariavirtual.pt
A DOCE TERNURA
DA NEVE DERRETEU
O MEDO
A EUROPA DIVIDIU-SE NA HORA DE ENCERRAR, OU NÃO, AS
ESTÂNCIAS DE INVERNO. PAÍSES HOUVE QUE CONTINUARAM
A PROPORCIONAR ATIVIDADES PRÓPRIAS DA ÉPOCA, OUTROS
G I A N E H R E N Z E L L E R / E PA
26
Em Falera, na Suíça,
a pandemia só se percebe
nas máscaras dos
esquiadores e na redução
dos meios mecânicos
27
1 ESQUIAR
As medidas de
distanciamento social
transformaram a espera por
uma cadeira no circuito em
Villars-sur-Ollon, Suíça
F
átima Moreira e Mi- dados extra e reduzido a procura por razões
guel Além, ela 49 evidentes).
A SUÍÇA, QUE NÃO
anos, ele 51, conhe- “Medo de viajar? Nem pensar! Com as de- PERTENCE À UNIÃO
ciam o prazer de umas vidas precauções e tudo bem organizado EUROPEIA MAS
férias na neve. De vá- acabou por correr na perfeição”, afiança Fá- BENEFICIA DAS
rias, aliás, as que pas- tima, técnica superior no Instituto Nacional REGRAS DE LIVRE
saram juntos, apenas de Estatística e professora universitária, por- CIRCULAÇÃO
os dois, quase sempre ta-voz de um relato feliz ainda bem fresco na
durante o período da memória das emoções e afetos pintados de
COMUNITÁRIA,
viragem de ano. Mas os filhos de ambos ape- neve e vividos a quatro. ABRIU ESTÂNCIAS
nas ouviam dos pais histórias e histórias des- A rota foi percorrida em quatro rodas, de
ses tempos, dessas aventuras, dessas marcas automóvel, “até para minimizar contactos e
que ficaram dos invernos de tanto contenta- garantir mais segurança sanitária”. O GPS
mento testemunhado por cenários brancos conduziu os quatro estrada fora até Espanha,
de montanhas de Itália ou de França. No fim depois França, finalmente Suíça e um mun-
de 2020, Fátima e Miguel ponderaram e do novo para Pedro e Maria. “Tiveram aulas
quase não hesitaram. Planearam tudo, pre- de esqui, ainda por cima com um professor
pararam um plano surpresa e zarparam com que falava português. Adoraram e diverti-
Pedro e Maria, 16 e 11, respetivamente, de ram-se imenso”, rebobina Fátima.
Oeiras, onde residem, rumo a Villars-sur- “É um modo de contacto com a Nature-
Ollon, estância de esqui a quase 1 300 me- za que eles nunca tinham experimentado e
tros de altitude, plantada em plenos Alpes, de que desfrutaram bastante. Eles e nós,
na Suíça, chamariz de milhares de turistas porque se trata de uma experiência única”,
europeus de inverno todos os anos (em 2020 diz com evidente emoção. “A envolvência
e neste início de 2021, também, mau grado das montanhas, os chalés, a neve, o conví-
a pandemia de covid-19 ter obrigado a cui- vio... É tudo especial num ambiente com-
os restaurantes fechados.
FA B R I C E C O F F R I N I /A F P
I
gnorada durante décadas, a agitação das
águas causada pelo tráfego marítimo nos
lagos e canais de Veneza corrói em silêncio
a estrutura morfológica na qual a cidade
italiana está sustentada. O fenómeno, co-
nhecido entre os venezianos como moto ondoso,
agrava-se todos os dias com a chegada de mais de
70 mil visitantes, a maioria desembarcando nos
cruzeiros que quintuplicaram nos últimos 15 anos.
O turismo de massas é a maldição da città più bella
del Mondo e assombra também a maioria dos pa-
raísos na Terra. As viagens low-cost abriram hori-
zontes para milhões de viajantes, mas provocam
uma enorme pressão sobre os recursos, o conges-
tionamento rodoviário, a destruição de habitats na-
turais e do património histórico.
A pegada de carbono do turismo representa
hoje 8% do total das emissões, dois terços da in-
dústria agropecuária (12%). Os transportes, in-
cluindo o avião, valem 3% nestas contas. O resto
é tudo o que fazemos nas férias. Do saco de plás-
tico para as compras aos petiscos nas esplanadas,
passando pelas filas ou pelas lembranças para
quem ficou em casa. Cada gesto, multiplicado pe-
los 1 500 milhões de turistas que viajaram em
2019, entrou nesta equação. Entretanto, veio a
G E S M A N TA M A N G /G E T T Y I M AG E S
30
Paraísos
esmagados
B E N E D E K /G E T T Y I M AG E S
J
nidade para repensar sobre como podemos ser via- A praia da Baía Maya, na ilha tailandesa de Koh As regras para visitar
jantes mais éticos e sustentáveis”, adverte Susan- Phi Phi, está fechada desde 2018, podendo reabrir a Red Light District
estão mais apertadas
ne Etti, especialista em impactos ambientais da In- neste verão, mas com fortes restrições. Ao longo de e fazem parte de um
trepid Travel, a agência australiana que foi a pri- duas décadas, ela foi visitada todos os dias por cer- pacote de medidas
para regular o fluxo
meira do Mundo a tornar-se, em 2010, neutra em ca de cinco mil turistas que quiseram conhecer o de cinco milhões de
carbono. As praias idílicas estão a desaparecer, os destino popularizado no filme “A Praia”, com Leo- turistas que, por ano,
visitam Amesterdão
monumentos desmoronam-se, as cidades estão nardo DiCaprio. Agora, ela precisa de tempo para
submersas sob luzes e lixo e definham com a espe- recuperar 80% do coral destruído pelo lixo e pelos
culação dos preços. Ao colocar o turismo em pau- motores dos barcos.
sa, a covid-19 permite-nos inverter o caminho. “O turismo de massas é um problema real nos
lugares mais bonitos do Mundo”, diz Susanne
POSTAIS TURÍSTICOS ARRUINADOS Etti. O “antídoto” estará na pedagogia que os
A alternativa é muito pior. Bastará olhar para os ca- agentes têm de fazer junto dos viajantes, alertan-
sos extremos. Machu Picchu, nos Andes peruanos, do para os perigos e oferecendo alternativas:
sobreviveu à queda do Império Inca, mas está em “Sempre procurámos levar os nossos clientes para
risco de colapsar. No Monte Evereste, umas 18 to- longe dos pontos lotados, proporcionando expe-
neladas de entulho largado pelos montanhistas são riências mais autênticas e trazendo benefícios
recolhidas todos os anos pelas autoridades nepale- económicos para áreas normalmente esqueci-
sas. Na Antártida, as visitas aumentaram de 6 700 das”. Reparar os estragos e virar o foco para um
em 1993, para 56 mil em 2019, comprometendo o turismo sustentável é o caminho que se prepara
frágil ecossistema da região, que também enfren- para a era pós-pandémica. As estratégias podem
ta os efeitos das alterações climáticas. incluir taxas cobradas aos visitantes, ou a limita-
K E L LY C H E N G /G E T T Y I M AG E S
Noutros continentes, as atrações mais populares
estão igualmente sob vigilância. Machu Picchu, fe-
chado quase um ano na sequência da pandemia,
reabriu, mas sem alterar as regras impostas em
2019. Antes com mais de um milhão de visitas
anuais, as entradas na cidade perdida dos incas es-
tão agora limitadas a 2 500 por dia. O Governo do
Peru, juntamente com a UNESCO, impôs cami-
nhadas em grupos pequenos, com tempo contado
e escolta de guias oficiais.
O parque nacional de Zion, no estado america-
no do Utah, com quatro milhões de visitas por ano,
prepara um pacote de medidas a implementar após
a pandemia para abrandar a erosão das paisagens
naturais. A redução do número de caminhantes e
de viaturas terá um impacto profundo nos acessos
aos locais mais conhecidos, como Zion-Mount
Carmel Highway ou os Angels Landing, a formação
rochosa da qual se tem uma vista panorâmica so-
bre os desfiladeiros de Zion.
M I G U E L M E D I N A /A F P
75% 20%
devem-se aos transportes estadias
10%
refeições
54%
aviação 6%
dormidas
3,5%
13% museus,
comboios e autocarros parques
temáticos, tende não só estimular a economia local, como
compras, combater a fuga da população. Dos 164 mil habi-
Gramas de co2 por km etc.
tantes da década de 1930 sobram pouco mais de
Passageiros 50 mil. E a estimativa é que, a este ritmo, Vene-
(média)
za fique deserta em 2030.
Comboio (156) 14
A medida certa entre turismo e sustentabilida-
Carro/classe 1 (4) 42 de é um jogo intrincado de prós e contras, mas
Carro/classe 2 (4) 55 será sempre uma meta que nenhum país pode
Autocarro (12,7) 68 “perder de vista”, avisa Susanne Etti. Alcançar
Moto (1-2) 72 este equilíbrio, contudo, não é um desafio peque-
Carro/classe 1 (1,5)
no. É certo que a travagem brusca na economia –
104
e, consequentemente, na poluição – durante o
Carro/classe 2 (1,5) 158
confinamento levou, por exemplo, a que várias
Avião (88) partes da Índia vissem os picos dos Himalaias pela
FONTES: NATURE CLIMATE CHANGE (2018) primeira vez em décadas.
AGÊNCIA EUROPEIA DO AMBIENTE
“Por outro lado, a falta de turistas exacerbou
problemas como a dificuldade em financiar a con-
285
servação da vida selvagem em boa parte dos paí-
ses africanos.” Antes da pandemia, o setor era
responsável por um em cada dez empregos no
Mundo, relembra a especialista da Intrepid Travel.
Mas a recuperação não pode deitar por terra o J
combate às alterações climáticas: “Precisamos Em cada 14 dias, quatro
navios turísticos podem
emergir desta crise com um foco muito maior na desembarcar nas ilhas
sustentabilidade, se quisermos que o Planeta con- Galápagos. O arquipélago
poderá receber até 245 mil
tinue a ser explorado pelas futuras gerações de visitantes/ano sem causar
viajantes”.Z danos na vida selvagem
E R N E STO B E N AV I D E S /A F P
G U I A P R ÁT I C O D O T U R I S TA E X E M P L A R
Como os pássaros,
numa casa-árvore
Um recém-inaugurado lodge no Delta do Okavango propõe experiências únicas
na Natureza, como uma noite num embondeiro de aço no meio da savana.
P
assar a noite sob o céu estrelado, principal, mas sempre com um guia por perto, a
na Baobab Treehouse, uma estru- Baobab Treehouse assegura o isolamento neces-
tura em aço que evoca a forma de sário para imergir na Natureza. A experiência é per-
um embondeiro, é uma das expe- sonalizada e pode começar ao final da tarde, com
riências criadas à medida pelo Xi- um piquenique ao pôr do sol no deck no topo da
gera Safari Lodge para conhecer “árvore”, um poleiro sossegado de onde se obser-
mais de perto o mundo natural afri- va a vida selvagem e ouve os sons da avifauna que
cano. O alojamento acaba de abrir portas no cora- habita as redondezas.
ção do Delta do Okavango, classificado Património O Xigera Safari Lodge é a mais recente proprieda-
Mundial pela UNESCO. de a juntar-se ao The Red Carnation Hotel Collec-
A casa-árvore, escultura que se ergue dez me- tion. O resort nasceu com a missão de recriar um
tros no ar e cujo design foi inspirado numa icóni- safari africano, assumindo uma responsabilidade
ca pintura do artista sul-africano Jacobus Hendrik ambiental e de proteção do ecossistema e da vida
Pierneef, oferece vista panorâmica de cada um dos selvagem, levando os hóspedes em caminhadas,
seus três níveis. No “tronco”, uma escada em espi- excursões para a observação de fauna e até pas-
ral dá acesso a uma espaçosa casa de banho no seios de canoa pelos braços de água do delta.
primeiro andar. No segundo piso encontra-se o Ana Costa
quarto, que, à semelhança de todo o resort, é de-
corado com peças que celebram a arte, a cultura Quartos a partir de 1 900 euros por pessoa por
F OTO S : D. R .
HOTEL BOUTIQUE
SOBRE ÁGUA
Os cruzeiros da Kontiki
Expeditions levam numa viagem
imersiva pelas culturas locais.
U
ma semana a bordo de um
iate boutique de 39 metros
de comprimento e uns exclu-
sivos nove quartos e que per-
mite visitar pequenos portos e conhe-
cer os locais menos turísticos da cos-
ta do Equador é a proposta ideal para
quem procura uma aventura distinta e
longe de aglomerados. A Kontiki Expe-
ditions – um dos mais recentes mem-
bros do Small Luxury Hotels of the
D. R .
World e o primeiro a operar na água –
nasceu a pensar numa forma sustentá-
vel e única de explorar o património
natural e cultural da região.
Os viajantes têm à escolha dois itine-
rários de oito dias, com uma dezena
BUCHETTE DEL VINO | ITÁLIA
de paragens por praias, salinas e par-
VINHO À JANELA ques naturais, onde podem fazer ca-
m i n h a d a s , s n o r ke l i n g , k ay a k i n g ,
paddle e ter experiências gastronómi-
cas. Durante o cruzeiro, têm ainda
Os “portões do Paraíso” voltaram a abrir-se em Florença. As oportunidade de ver espécies endémi-
pequenas janelas eram usadas para vender vinho no século XVI. cas, como a patola-de-pés-azuis,
leões-marinhos e macacos bugios. A
bordo, promete-se o luxo. E pratos de
P
asseando pelas ruas de Florença A estratégia voltou a uso com a pandemia um chef local com ingredientes locais.
a contemplar as obras de arqui- de covid-19. Muitos destes pequenos bu- O primeiro iate boutique, o Kontiki
tetura renascentista será difícil racos tapados ao longo dos séculos rea- Wayra, lança-se em viagem a 30 de
não reparar nas pequenas jane- briram, recuperando a tradição ancestral maio. AC
las em arco na fachada de antigos palá- de vender vinho (e não só) à janela.
cios nobres. São as chamadas “buchette As históricas “buchette del vino” volta- A partir de 5 920 euros por pessoa
(pensão completa e atividades)
del vino” (janelas do vinho), ou “portões ram ao quotidiano da cidade, com diver-
kontikiexpeditions.com
do Paraíso”, utilizadas originalmente no sos restaurantes, bares, cafés e gelata-
século XVI para as famílias abastadas ven- rias a usar as janelas para servir bebidas,
derem o vinho excedente das suas pro- gelados e refeições em take-away. A ge-
priedades. Quem quisesse comprar batia lataria Vivolo e os restaurantes Babae,
à pequena porta de madeira e passava Osteria delle Brache e Il Latini foram pio-
uma garrafa para encher e o pagamento. neiros.
Este processo repetia-se um pouco por A associação cultural Buchetta del Vino
toda a Toscânia, mas sobretudo na capi- de Florença calcula em 180 as janelas em
tal regional. Florença, 150 das quais no centro históri-
Um século depois, as janelas seriam usa- co, e pelo menos outra centena em San
das para evitar o contacto entre compra- Gimignano, Cortona, Siena, Pisa, Pistoya
dor e vendedor durante a pandemia de ou Montepulciano. AC
peste bubónica, espalhada por Itália en-
D. R .
V I S I TA R U M M U S E U
S U BAQ UÁT I C O
O
Parque Nacional Marinho de Alonissos e Espórades do
Norte, no mar Egeu, é uma das maiores áreas marinhas
protegidas da Europa e também o lugar de repouso de
um sítio arqueológico apelidado de “Panteão dos Nau-
frágios”, onde abriu o primeiro museu subaquático da Grécia.
Mergulhando a cerca de 25 metros de profundidade é possível
observar os destroços do Peristera, um navio mercante naufra-
gado no séc. V a.C. ao largo da ilha de Alonissos e descoberto
por um pescador local em 1985. Durante anos, os achados do na-
vio – a que foi dado o nome de uma pequena ilha desabitada das
imediações –, só estavam acessíveis a arqueólogos e a visitantes
com uma autorização especial. Agora, mergulhadores recreati-
vos acompanhados por instrutores certificados vão poder visitar
o local do naufrágio e as quatro mil ânforas de vinho que o bar-
co transportava, depositadas no fundo do mar. A fase piloto do
projeto decorreu entre agosto e outubro de 2020 e a inaugura-
ção oficial do museu está agendada para junho.
Quem não pratica mergulho pode fazer uma visita de realidade
virtual em 3D no Centro de Informação e Consciencialização na
vila de Chora, em Alonissos. A imagem chega através de uma câ-
mara subaquática que transmite vídeo em tempo real. AC
n
Dormir num brilho
dourado custa
pelo menos 206 euros
E M B E RÇ O D E O U RO
O
novo Dolce Hanoi Golden Lake de 25 andares, quem for dar um mergu-
sobressai na paisagem da capi- lho na piscina infinita com vista panorâ-
tal vietnamita pela sua opulên- mica é surpreendido por um revestimen-
cia. É dourado, da cabeça aos to de azulejos folheados a ouro, o que va-
pés. O luxuoso edifício, construído jun- leu ao hotel um certificado da Internatio-
to do lago Giang Vo, a dez minutos do nal Union of Records em como é o único
centro de Hanói, está coberto com 120 no Mundo com essa característica.
metros quadrados de tijolo revestido a O alojamento de cinco estrelas dispõe de
ouro de 24 quilates. 342 quartos e suítes com vista para a ci-
No total, para a decoração do hotel terá dade ou para o lago, spa, ginásio, bar e
sido usada cerca de uma tonelada do casino. Também não escapam à febre
LU O N G T H A I L I N H / E PA
L
ou Reed só podia ter nascido em
Nova Iorque. Como ela, impre-
visível, tolerante e cruel, doce
e impetuoso, jovial e depri-
mente, intenso e simples, den-
so e acolhedor. Noite e dia. De um desespe-
ro absoluto e de expectativas irrealistas. Ex-
cessivo. Viu pela primeira vez a luz do céu
em Brooklyn e despediu-se dela em Long Is-
land, também na mais europeia das cidades
norte-americanas.
Se quiséssemos complicar, diríamos que o
fundador dos magistrais e influentíssimos The
Velvet Underground mais não fez – ao longo
de uma carreira de cerca de meio século de
rock – do que cantar Nova Iorque. Fica para
DAV I D D E E D E LGA D O/A F P
44
45
2 PELA LENTE DE
TEMPO DE EXPOSIÇÃO
1/640 s
ISO
400 ABERTURA
f/4
DISTÂNCIA FOCAL
200 mm
Luís Godinho
MOSTRAR OUTRO MUNDO
Açoriano de gema com interesse vincado pelos direitos humanos, tem acumulado prémios e menções
honrosas depois de uma viagem à Índia lhe confirmar as suspeitas de que a fotografia era o caminho
A
primeira máquina fotográfica dos Sony World Photography Awards 2017.
de Luís Godinho foi conquista- Seguiu-se a Guiné-Bissau e o “desfecho ine-
da num desafio de uma loja de vitável”: deixar o emprego. “No dia seguin-
fotografia, que premiava os pri- te a despedir-me marquei viagem para São
meiros clientes do dia a revelar Tomé e Príncipe.” Na mesma altura, fundou
um rolo. “Fui às seis da manhã para a porta a DAR – Dreams Are Real, organização sem
da loja para ter direito à minha primeira câ- fins lucrativos que apoia crianças em África.
mara.” Porque a fotografia sempre lhe pare- Todo este percurso é contado no livro
ceu algo de mágico. Gostava de folhear os ál- “A Mudança”, que dedica ao avô, o seu ídolo.
buns de família quando era criança e deu os O interesse pelos direitos humanos levou-
primeiros disparos com as câmaras do avô e trabalhos de fotografia que iam surgindo. Até -o ao fotojornalismo. “O que me mobiliza aci-
do tio. “No último ano de faculdade comprei à primeira grande viagem fotográfica, à Índia. ma de tudo são as pessoas” e há-as “do outro
a minha primeira reflex”, e, desde então, E mudou de trajeto. “Comecei a gostar mui- lado do Mundo que têm as mesmas brinca-
deixou correr a paixão e até ganhou o con- to de fotografar pessoas e ruas, o quotidiano. deiras e maneiras de estar que nós e que tam-
curso Paisagens de Portugal, com uma foto- E percebi que a fotografia era o meu sonho.” bém tiram macacos do nariz”, como esta me-
grafia da ilha Terceira, conta o fotógrafo de As dúvidas – se ainda as houvesse – eva- nina, fotografada em 2014 no norte da Tailân-
37 anos, natural de Angra do Heroísmo. poraram-se com a viagem seguinte, ao Se- dia. “Quem nunca o fez? A fotografia também
Durante oito anos, conjugou o emprego na negal, com a Assistência Médica Internacio- tem esse poder, que é mostrar que apesar das
área de Engenharia e Gestão Ambiental com nal (AMI). Um dos disparos fê-lo vencedor diferenças somos todos iguais.” AC Z
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Mark III mm f/2.8L IS II USM luisgodinho.com
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E SS E S R I O
DO CHOQUE DOS VENTOS SOLARES COM O CAMPO
MAGNÉTICO DESTA NOSSA CASA REDONDA NASCE
UM DOS FENÓMENOS MAIS INDIZÍVEIS DA NATUREZA:
A AURORA BOREAL, FESTIVAL DE BAILES EXPLOSIVOS
DE CORES PÚRPURAS E ESVERDEADAS AOS QUAIS HÁ
QUEM DEDIQUE A VIDA. AO PONTO DE SE METER ÀS
QUATRO DA MANHÃ POR UM TRILHO QUE NÃO LEVA
A PRATICAMENTE LADO NENHUM – LEVA AO ABSOLUTO.
MAS TRATA-SE DE UMA CAÇA. DIFÍCIL. COM REGRAS.
E NEM SEMPRE BEM-SUCEDIDA.
48
OS D E LUZ
49
3 TEMA DE CAPA CAÇAR AURORAS BOREAIS
M
J
uitas vezes é assim que acontece: a noite cai, acen- Uma das tendas
teepee da
dem-se estrelas e isso é bom – é sinal de que o céu Aurora Village,
está limpo e a visibilidade é boa. Uns minutos ou Yellowknife,
Canadá
umas horas depois, um arco começa a desenhar-
se numa parte do céu, muitas vezes no lado norte.
É muito ténue, pouco brilhante, até parece mais
vapor branco do que propriamente verde, costuma
passar despercebido a olhos menos treinados. Mas,
aos poucos, vai ficando cada vez mais brilhante e
começa lentamente a expandir-se, a ganhar volu-
me, a ganhar vida. Isto dura umas dezenas de mi-
nutos até que, de repente, boom – desengatilha-se
um caudal de luz verde que se estende a outros
pontos do céu, acima das nossas cabeças, e parece
um rio de luz a bailar, a reluzir de um lado enquan-
to se sacode no outro; e por cima, no centro, levan-
tam-se clarões. Quem vê isso pela primeira vez, ja-
mais se esquece: essa imagem ficará na memória o
3
A aurora ergue-
se em forma de
pássaro em
Prelude Lake,
Yellowknife,
Canadá
resto da vida. Permanecerá nítida até ao último sus- Numa manhã de janeiro, estava eu no meio do
piro, se calhar até depois disso – ninguém sabe. trânsito na selva urbana de Vancouver, o meu te-
Yellowknife, nos Territórios do Nordeste, Cana- lefone tocou e, do outro lado, chegou a solução
dá, tem a fama de ser o melhor local do Mundo para ideal: um emprego em Yellowknife a guiar grupos
ver auroras boreais. São duas as razões principais: de turistas para noites de auroras boreais. Até bu-
uma localização em excelente latitude magnética zinei.
(mesmo debaixo da aurora oval) e uma imbatível Poucos dias e muitos quilómetros de estrada de- CRISTIANO PEREIRA
quantidade de noites com céu limpo. Diz-se que pois, cheguei a essa terra isolada no interior do Ca- Ex-jornalista em Portugal, passou
em Yellowknife é possível – mas não garantido, nadá, 400 km a sul do Círculo Polar Ártico. É uma um inverno no Alasca a realizar o
claro – ver auroras durante 240 noites por ano (nos cidade pequena, 19 mil habitantes, que vive mui- documentário “Sarapanta”, sobre
restantes, a noite é curta e demasiado clara). Eu to da indústria mineira. Nos anos mais recentes, a auroras boreais, de acesso livre na
plataforma Vimeo. Plantou milhares
desconfiava dessa informação porque vivi um in- economia local começou a ser dinamizada por ou-
de árvores nas florestas e guiou
verno a caçar auroras boreais no Alasca para um tra riqueza: o turismo. De agosto a abril ali ruma
mais de mil turistas às auroras no
documentário (“Sarapanta”), onde testemunhei gente de todo o Mundo com o único objetivo de Canadá, onde reside e trabalha
uma dose considerável de luzes no céu noturno. olhar para o céu à espera de detonações coloridas. rodeado de ursos e alces em
Melhor seria impossível – julgava eu – mas dei por O meu trabalho passava por ajudar essas pessoas a parques naturais.
mim a não descansar até arranjar maneira de ir vi- terem uma boa experiência. Instagram: https://www.insta-
ver uns tempos para Yellowknife. O ritmo era este: todas as noites, por volta das 20 gram.com/cristiano_saturno/
52
Um aguaceiro de luz dança
no Prelude Lake Territorial Park,
Yellowknife, Canadá
53
3 TEMA DE CAPA CAÇAR AURORAS BOREAIS
VENTANIA
SOLAR
n As auroras boreais são
Na superfície causadas pela colisão
gelada do Great dos ventos solares com
Slave Lake,
Yellowknife, o campo magnético da
Canadá, onde terra. O Sol projeta esses
aterram aerona- ventos, que são plasma,
ves com skis e que, em média, duram
dois ou três dias a viajar
até nós. A colisão das
partículas desses ventos
com os átomos da
atmosfera converte-se
em luz a cerca de 100
ou 200 km de altitude –
e é essa luz que vemos
cá em baixo, em redor
dos polos magnéticos
dos hemisférios norte
e sul (aqui são chamadas
auroras austrais).
A maior parte das vezes
essa luz é verde,
frequentemente com
apontamentos de
púrpura, mas por
vezes também vemos
amarelo, vermelho ou,
mais raro, azul.
É possível prever a
chegada desses ventos –
e as auroras que
poderão provocar.
Existem vários sites e
aplicações de
meteorologia espacial
com previsões das
melhores noites para ver
auroras. É importante ter
em conta que as
previsões a longo termo
são pouco ou nada
fiáveis; só as previsões
com três dias de
horas, eu recebia uma lista com nomes, fazia uma Meia hora de estrada depois, o autocarro chega- antecedência merecem
ronda por cinco hotéis e reunia toda a gente den- va a um local absolutamente mágico no meio da alguma credibilidade.
tro de um autocarro. Podia ser um grupo pequeno, floresta, uma espécie de parque com tendas teepee Todavia, a libertação de
uma grande quantidade
de seis ou oito pessoas, ou um grupo grande, de – as tendas dos nativos, de forma cónica – com le- de plasma em direção
mais de 40. A maior parte das vezes, rondava as 20. nha a arder dentro, onde esperávamos pela chega- à Terra não garante,
Daí arrancávamos para uma estrada que nos levas- da das auroras boreais e eu ia respondendo a todas por si só, a formação
se para longe da poluição luminosa da cidade. Pelo as perguntas e ajudando na preparação das câma- de auroras.
caminho eu explicava a ciência da aurora boreal e ras fotográficas. É uma matéria complexa
para explicar em poucas
o que podíamos fazer para maximizar as nossas linhas: também
chances em observá-las. Naquele autocarro, sen- O RISCO DE DESESPERAR depende, por exemplo,
tia-se, sempre, uma enorme expectativa e ansie- Não se julgue, contudo, que basta estar num sítio da inclinação do campo
dade no ar. E ares esgazeados, atarantados com o bom e estalar os dedos para que as auroras apare- magnético. O site
frio extremo. É que ali, de janeiro a março, é nor- çam. Não é assim que as coisas se passam – isso só (ou a sua aplicação)
spaceweatherlive.com
mal os termómetros descerem aos 40 graus nega- acontece em momentos de muita sorte. Na maior é a melhor fonte para
tivos: cheguei, inclusive, a ouvir russos queixa- parte do tempo, está-se à espera que algo aconte- acompanhar as
rem-se do frio. ça. E essa espera pode ser longa, prolongar-se por condições.
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AMBAS TAXADAS AO SEGUNDO APÓS O 1º MINUTO. VALORES SUJEITOS A IVA.
3 TEMA DE CAPA CAÇAR AURORAS BOREAIS
58
59
3 TU
A E RMOAR ADSE BCOAR P
EA CAÇAR AURORAS BOREAIS
AIS
Ivalo (Finlândia)
Em plena Lapónia finlandesa, Ivalo
tem o aeroporto mais a norte da
Finlândia e onde todos os dias
aterram aviões provenientes de
Helsínquia. Não longe do aeropor-
to fica o Näverniemi Holiday Cen-
ter, um parque com bungalows
junto ao rio e a partir do qual já se
consegue observar auroras. O
mais aconselhável será procurar
no Airbnb bungalows um pouco
mais a norte, sobretudo na zona do
lago Inari. Se preferir ter o acom-
panhamento de um guia e fotógra-
fo, vá a Utsjoski, junto à fronteira
com a Noruega, e contacte Rayann
Elzein: www.rez-photography.com
OW E N H U M P H R E YS /G E T T Y I M AG E S
Reiquiavique
(Islândia)
É verdade que até pode ver auroras a
partir do centro da capital islandesa,
mas o melhor é mesmo fugir da polui-
ção luminosa e apanhar a estrada.
Teoricamente, todo o território da Is-
lândia é ótimo para as auroras (e não
só) desde que as nuvens não estra-
guem os planos. Ainda assim, a penín-
sula Snæfellsnes, com a montanha
Kirkjufell, costuma ser dos sítios mais
escolhidos. Agências como a Traveo
(traveo.is) podem ser uma boa ajuda.
Em Portugal, a agência de viagens de
aventura Nomad tem duas viagens
H E N D R I K O S U L A /G E T T Y I M AG E S
Tromsø
(Noruega)
É provavelmente o destino
europeu mais popular para as
auroras boreais, com tudo o
que isso tem de positivo (oferta
e infraestruturas) e negativo
(multidões). Existem dezenas
de agências com todo o tipo
de propostas. O mais recomen-
dável será optar por saídas em
grupos pequenos. A Wandering
Owl (www.wanderingowl.com)
tem boa reputação, mas tam-
bém se recomenda a Northern
Shots, (northernshots-
tours.com/), que conta com
o português Hélder Neves.
R O B E R TO M O I O L A /G E T T Y I M AG E S
Z
Na Lapónia sueca,
Kiruna (Suécia) as auroras boreais
têm muitas vezes
A hora e meia de distância do aeroporto de espectadores
Kiruna situa-se o parque de Abisko (há táxis diferentes
ou comboios), conhecido por um microclima
que proporciona céus mais limpos do que no
resto da Lapónia. É precisamente aí que se si-
tua a Lights Over Lapland, uma das mais con-
ceituadas agências do turismo de auroras
boreais da Europa. Tem vários programas di-
ferentes, alguns em regime de “tudo incluí-
PAT R I C K J. E N D R E S /G E T T Y I M AG E S
10
1| VÁ EM SETEMBRO OU 3| EVITE DORMIR
(MELHOR AINDA) EM MARÇO EM HOTÉIS NAS CIDADES
No hemisfério norte, as auroras Ficar hospedado no centro de
podem ser avistadas de meados uma cidade significa estar rodea-
de agosto a meados de abril. do de candeeiros de rua, carros,
De maio a julho, as noites edifícios, enfim, cenário urbano
são demasiado claras e é e poluição luminosa. Isso é um
DICAS praticamente impossível.
As melhores alturas costumam
obstáculo para ver auroras. É certo
que todas as noites até poderá sair
ESSENCIAIS ocorrer durante as semanas em
torno dos equinócios do outono
em excursões para caçar auroras
fora da urbe, mas o mais provável
PARA e da primavera. Setembro é um
bom período para as pessoas que
é que esteja de volta ao hotel por
volta das duas ou três da manhã.
CAÇAR não se dão bem com o frio.
Mas eu costumo recomendar
E as auroras podem aparecer de-
pois disso. Se optar por um aloja-
AURORAS março: é, estatisticamente, o mês
com os céus mais limpos e o
mento fora da cidade e longe da
iluminação artificial, poderá ter
Norte está todo branco de neve. acesso às auroras boreais durante
Ou seja, se de noite se caçam a noite inteira – se aparecerem,
auroras, os dias podem ser bastar-lhe-á abrir a porta ou olhar
aproveitados para atividades pela janela. É também importante
bastante recomendáveis, como escolher uma área que fique a nor-
passeios em trenós puxados por te da povoação, de maneira a que
cães ou pesca em lagos gelados. a poluição luminosa esteja nas
1|VÁ EM SETEMBRO OU A recomendação de março deve- suas costas e não entre si e as au-
(MELHOR AINDA) EM MARÇO se à minha experiência pessoal: roras boreais. Uma sugestão: es-
No Hemisfério Norte, as auroras foi sempre em março que vi as preite plataformas como o Airbnb
podem ser avistadas de meados melhores auroras. Fevereiro anda e vá pesquisando através do
de agosto a meados de abril. De lá perto, mas o risco de apanhar mapa. Clique nas hipóteses e leia
maio a julho, as noites são dema- céus nublados já é um pouco as críticas de hóspedes anteriores:
siado claras e é praticamente im- maior. As primeiras duas semanas fazem referência a auroras boreais
possível. As melhores alturas cos- de abril também são muito observadas a partir da porta? Exis-
tumam ocorrer durante as sema- recomendáveis, apesar de as tem fotografias que o confirmam?
nas em torno dos equinócios do noites já serem mais curtas.
outono e da primavera. Setembro Não faça planos para datas
é um bom período para as pes- posteriores a 10 de abril. 4| ALUGUE A ROUPA
soas que não se dão bem com o DE INVERNO
frio. Mas eu costumo recomendar Diz-se que a roupa é o equipa-
março: é, estatisticamente, o mês 2| FIQUE O MÁXIMO mento mais importante do caça-
com os céus mais limpos e o Nor- DE DIAS POSSÍVEIS dor de auroras e faz todo o senti-
te está todo branco de neve. Ou Isto é muito importante e não me do: é praticamente certo que vá
seja, se de noite se caçam auro- canso de aconselhar: tente pro- apanhar temperaturas negativas
ras, os dias podem ser aproveita- longar a sua estadia para o máxi- durante várias horas ao ar livre, e
dos para atividades bastante reco- mo de noites possíveis. Só assim de noite. O mais provável é que
mendáveis, como passeios em tre- aumentará as suas probabilida- se depare com temperaturas ex-
nós puxados por cães ou pesca des de ver (boas) auroras e mini- tremas, na ordem dos -20 ºC ou
em lagos gelados. A recomenda- mizará o risco de frustrações. -30 ºC. Se for para Yellowknife,
ção de março deve-se à minha ex- Muitas pessoas optam por ficar Canadá, prepare-se para -40 ºC.
periência pessoal: foi sempre em duas ou três noites e não che- É fundamental estar protegido.
março que vi as melhores auroras. gam a ver as luzes porque apa- Nos destinos do Norte é habitual
Fevereiro anda lá perto, mas o ris- nham céus nublados. A solução alugar-se a roupa mais adequada.
co de apanhar céus nublados já é pode passar por aqui: faça o seu Quase todos os viajantes o fazem.
um pouco maior. As primeiras planeamento de maneira a cana- De nada vale comprar, por exem-
duas semanas de abril também lizar uma maior fatia do seu orça- plo, botas da neve das grandes
são muito recomendáveis, apesar mento para as dormidas, cortan- superfícies de desporto em Por-
de as noites já serem mais curtas. do, portanto, noutras despesas. tugal, vai estar a deitar dinheiro
Não faça planos para datas poste- Por exemplo: fique alojado num sí- ao lixo: a “roupa para ir à Serra da
riores a 10 de abril. tio onde possa cozinhar a sua pró- Estrela” não serve, estamos a falar
pria comida comprada no super- de um frio completamente dife-
mercado e evite os restaurantes, rente. Tenha especial cuidado
quase sempre bastante caros. com os pés e as mãos. Não facili-
te nisto, a falta de roupa adequa-
da pode arruinar-lhe a viagem.
64
5| LEVE UMA CÂMARA COM 7| ESPREITE A METEOROLOGIA mais confortável: o normal é es-
perar num sítio quente com uma
OBETIVA GRANDE ANGULAR E DECIDA EM CONFORMIDADE
fogueira ou uma cabana. A se-
Até podem existir outros fenóme- Viajar para ver auroras significa
gunda é mais aconselhável nas
nos naturais no Mundo mais inte- stressar com as nuvens. É inevitá-
noites nebulosas, pois o objetivo
ressantes para fotografar, mas, vel, faz parte do jogo. E é isso
é fugir das nuvens e procurar
assim de repente, não estou a ver que lhe vai acontecer: chegado
céus limpos.
nenhum. Perante uma aurora bo- ao destino, vai querer acompa-
real, queremos fotografar e eter- nhar a meteorologia várias vezes
nizar o instante. Quase toda a
gente o tenta, exceto os maluqui-
ao dia, vai olhar para o céu cen-
tenas de vezes, vai sofrer. Se as
9| POUPE ENERGIAS
DURANTE O DIA
nhos que julgam que a fotografia previsões forem más para o local
Sendo uma atividade noturna por
arruína a magia do momento (há onde se encontra, tente perceber
excelência, a caça às auroras bo-
sempre um cromo desses). onde é que poderão ocorrer
reais requer ânimo madrugada
Não arruína nada, pelo contrário, aberturas. Não desanime caso
fora. É fundamental gerir a ener-
até amplifica a experiência: as não consiga fugir das nuvens,
gia diária de maneira a não ceder
câmaras, se bem usadas, conse- isso é perfeitamente normal e só
ao cansaço quando a noite ainda
guem captar a aurora boreal com os mais sortudos é que encon-
é uma criança. A aurora boreal
um brilho e uma cor mais visíveis tram céus claros durante todas
tanto pode aparecer às nove da
do que a olho nu. Isto acontece as noites. Nós não controlamos
noite como, se for marota, só se
quando fazemos uma longa ex- a Natureza. Medite nisto: três noi-
mostrar às quatro da manhã. O
posição e a aurora encarrega-se tes seguidas de céus nublados
objetivo é estabelecer a noite
de se autorretratar, provocando fazem com que a aurora boreal,
como prioridade. Dormir de ma-
longos arrastamentos. As auroras à quarta noite, tenha um sabor
nhã será muito bem pensado; e
podem ser fotografadas com ainda mais especial. Se continuar
durante a tarde não convém pu-
qualquer câmara que tenha um a desesperar, talvez a ajuda este-
xar muito pelo corpo. À noite, o
obturador controlado manual- ja na dica seguinte.
café, o chá e as bebidas energéti-
mente. As DSRLs e a nova gera-
cas também podem ajudar. Aci-
ção das Mirrorless costumam ser
as melhores. Recomenda-se uma 8| VÁ EM EXCURSÃO GUIADA ma de tudo, se o céu estiver lim-
po, não se deixe dominar pelo
objetiva grande angular luminosa NEM QUE SEJA UMA VEZ
sono, corre o risco de perder um
(f/2.8). Alguns telemóveis mais Já leu tudo isto e páginas na Inter-
espetáculo que pode começar
recentes também conseguem net, já viu vídeos no YouTube e
a qualquer momento.
captar a aurora, desde que consi- até pode ter comprado um livro
gamos controlar o obturador. To- sobre a matéria. Vai aterrar no
davia, nada disto lhe valerá muito
se não seguir a recomendação
Norte convencido de que sabe
muito sobre as auroras boreais.
10| AFASTE-SE DA INTERNET
E SINTONIZE-SE NO CÉU
que se segue. Aqui fica uma novidade: nada
A ideia é abrir-se à Natureza e
sabe até ver a primeira aurora na
testemunhar algo que é muito
vida. A ajuda de alguém versado
6| LEVE UM TRIPÉ no assunto será muito relevante
maior do que nós. Esperar por
uma aurora, no silêncio, longe da
E BATERIAS EXTRA nessa primeira experiência. É por
cidade, no meio de um lago gela-
Já ajudei centenas de pessoas a isso recomendável o acompanha-
do ou numa floresta pintada de
fotografar as auroras e posso ga- mento de um guia na primeira
branco é uma experiência que
rantir uma coisa: não se conse- noite. Ele poderá dar-lhe uma aju-
abre espaço para a contempla-
gue uma fotografia decente sem da preciosa para detetar a aurora
ção. Há quem diga que é quase
a ajuda de um tripé. As auroras no céu – que nem sempre é assim
uma experiência religiosa – e, se
são captadas com a câmara em tão evidente e visível a olho nu –
tiver a sorte de ver um bom espe-
exposições longas – oscilam, ou a encontrar os parâmetros
táculo, vai perceber que essa
quase sempre, entre 2 a 15 se- mais indicados na sua câmara.
afirmação não é assim tão desca-
gundos – e isso requer a estabili- O guia irá levá-lo a locais novos.
bida. Evite, pois, o ruído do Mun-
dade de um tripé. Também vai É também provável que trave co-
do. Limite o seu acesso à Internet
querer baterias extra se as auro- nhecimento com viajantes de ou-
às consultas à meteorologia. Es-
ras aparecerem. As temperaturas tras partes do Mundo com quem
tamos empalidecidos pelos ecrãs
negativas fazem com que as ba- partilha algo em comum: a vonta-
dos smartphones, subordinados
terias se descarreguem muito ra- de de observar o céu a dançar.
à conexão na grande rede. Con-
pidamente. É também importan- Normalmente, existem dois tipos
vém dinamitar a dependência do
te que guarde as baterias num lo- de excursões guiadas: uma em
wi-fi, das notificações, dos
cal quente (no bolso mais junto que é levado para um determina-
emails. É fundamental reconquis-
ao corpo ou dentro do carro, por do sítio e aí ficará à espera da au-
tar o espaço para uma miscelâ-
exemplo) até às auroras chega- rora; outra em que se movimenta-
nea colorida no interior das nos-
rem. Numa noite de boas auro- rá numa carrinha (ou autocarro)
sas cabeças, procurar o caminho
ras, duas baterias podem não ser por diferentes locais, à procura
das coisas puras. Precisamos de
suficientes. Leve três ou quatro. das condições ideais. A primeira
sentir o ar frio na cara e encher
Fica a dica. opção costuma ser melhor em
os olhos de infinito. Bater asas.
noites de céu claro, porque é
65
3 GASTRONOMIA Onde comer em Portugal:
SKY VALLEY
ESPOSENDE
BAOS: DE TAIWAN O japonês que abriu há quase meia década em
Esposende e entretanto se estendeu a Vilamoura
PARA O MUNDO e Lisboa tem no sushi o seu principal pilar.
Mas na carta há também espaço para os baos,
Uma das bandeiras dos mercados de rua asiáticos, os pãezinhos taiwaneses como o de caranguejo-real.
Avenida Engenheiro Arantes e Oliveira,
cozinhados a vapor foram adotados pelo Mundo. Práticos, saborosos
Esposende
e versáteis, comem-se à mão ou à mesa, com um leque infinito de recheios,
913947843. Preço: dois baos por 25 euros
a qualquer hora do dia.
São a consequência natural do enraiza- dos, são uma derivação dos baozi, os
mento da comida de rua e dos mercados pães cozidos a vapor, fechados, rechea-
no quotidiano asiático e da forte cultura dos e em forma de saquinho, cuja ori-
da cozinha a vapor nestes territórios. Prá- gem se associa ao período dos Três Rei-
ticos e saborosos, para comer à mão em nos na China, no séc. III. Conta a lenda
qualquer circunstância, à mesa ou ao ar que Zhuge Liang, um militar e estrate-
livre, os baos são os pãezinhos taiwane- ga, terá mandado fazer massas de pão
ses de massa fofa e leve, ligeiramente cozidas a vapor, do tamanho de uma ca-
adocicada, que foram entretanto adota- beça humana, para atirar à água e for-
dos pelo Mundo. Hoje, não só são pre- mar um caminho que ajudasse o seu
sença fixa e habitual na restauração à es- exército a atravessar um agitado rio.
cala global, como inspiram espaços fo- Nos últimos anos, as crescentes popu- BOA-BAO
cados só neste petisco. laridade e democratização do produto PORTO
Cozinhados a vapor, têm por base uma vieram trazer um infinito leque de com- O concorrido restaurante pan-asiático tem seis
massa feita de farinha, água, sal, açú- binações proteicas de recheio dos baos, variedades de baos, que se juntam a caris, sopas
e salteados. Pato à Pequim, camarão doce, frango
car e fermento, mas, no que toca ao re- usando-se muito o choco, o caranguejo
crocante, robalo, barriga de porco e beringela são
cheio desta pequena sanduíche orien- de casca mole, o frango, o pato, o sal-
as bases dos recheios.
tal, a imaginação é o limite. O mais tra- mão ou cogumelos shitake, por exem- Rua da Picaria, 61, Porto
dicional leva barriga de porco, adorna- plo, mas também na massa, como os 910043030. Preço: baos desde 5,50 euros
do com algumas ervas e especiarias baos negros, feitos com adição de tinta
como coentros, gengibre, malagueta e de choco. Muitos asiáticos preferem co-
cebolinho, e em alguns casos pode ser mer os pãezinhos a vapor logo pela ma-
selado levemente na frigideira depois nhã, ao pequeno-almoço, mas, como
de passar pelo vapor. com qualquer bom e rápido petisco que
Acredita-se que os baos, tal como hoje se preze, qualquer horário é adequado
os conhecemos, abertos e ensanduicha-
ensanduicha para saborear um bao. Nuno Cardos
Cardoso
Z
Os baos de hoje
são uma deriva-
ção dos baozi,
pães cozidos a
vapor, fechados
e recheados
e em forma de
saquinho,
com origem
no séc. III
R E S TA U R A N T E S E M A LTA
Os restaurantes Bo.Tic (Girona), Cinc Sentits (Barcelona) e Culler de Pau (Pontevedra)
ascenderam à segunda estrela Michelin e foram os protagonistas da constelação
do Guia Michelin 2021, que ficou aquém da atribuição de anos anteriores. NC
de altura.
Uma aventura
na selva
Os dias que passou na Amazónia ficarão para
sempre na memória de Ângelo Rodrigues como
uma aprendizagem que lhe mudou a vida.
De mochila às costas, o ator foi protagonista
de uma expedição que se tornou documentário.
POR SARA OLIVEIRA
J
F OTO S : D. R .
N
ão foi a viagem mais recente, mas é ciou e que, reconhece, “podia ter corrido franca-
aquela que mais marcou Ângelo Ro- mente mal”. Ângelo soma-lhe outros inesquecíveis,
drigues e, por isso, a que quer parti- como ter de pescar dez piranhas para fazer uma sopa:
lhar, levando os leitores até à Amazó- “Horas passaram e só pescámos três... Num outro
nia, no noroeste do Brasil. A escolha dia, o Rambo avistou algo que aparentava ser uma
do destino surgiu quando, em 2015, o enguia. Aproximámo-nos com o barco, calmamen-
ator fazia Erasmus na UNIRIO, a Universidade Federal te, desligámos as lanternas quase todas, e assim que
do Estado do Rio de Janeiro. “Já tinha, desde aí, a von- o Rambo conseguiu perfurar a cabeça do peixe sen-
tade de me aventurar na Amazónia e registar a expe- timos um enorme choque no barco, como se tivesse
riência num documentário. Só que, como qualquer ini- acabado de ser eletrocutado. Era um peixe elétrico”.
ciante no documentarismo, precisava de meios. Como Está tudo no documentário “Não há espelhos na
a produtora com quem reuni na época não quis inves- Amazónia”, recentemente estreado na plataforma de
tir no projeto, avancei eu.” Com o amigo e também ator streaming Opto.
Paulo Vintém, numa aventura de sete dias que foi “a Ângelo foi acolhido no seio de uma tribo indígena e,
viagem que produziu mudanças mais significativas” na na memória, guarda a conversa com o cacique, “o che-
vida do protagonista. fe Piño”, que sonhava que os filhos expandissem hori-
No bolso, Ângelo levava “apenas o contacto de um zontes, mesmo que isso significasse menos um habi-
guia turístico com nome de herói de cinema: Rambo”, tante numa comunidade em risco de extinção.
mesmo a jeito de uma expedição pouco comum pen- Cada vez que pega na mochila e parte à descoberta
sada à luz das necessidades de produção do desejado de novos mundos, o artista de 33 anos procura fugir dos
projeto documental. Mesmo sendo um roteiro ao alcan- circuitos comerciais. “A identidade dos lugares mais re-
ce de qualquer um, o ator nota que “é aconselhável, quisitados, em países tradicionalmente pobres, tende
pela natureza da experiência, que se tenha uma boa pre- a viciar-se na relação que tem com o turismo.” Ângelo
paração física”. Porque os imprevistos estão em todo prefere o contacto “com pessoas reais, sem interesses
lado na floresta, onde “adormecer com os sons da Na- acoplados”, porque “as ligações genuínas, sem expec-
tureza é poesia”, descreve o também DJ, evocando “um tativas, são as mais transformadoras”.
murmúrio de singular tranquilidade e, ao mesmo tem- A Amazónia Ao ponto de, regressado a Portugal, Ângelo ter ter-
po, de uma calma ensurdecedora”. “A Amazónia é um é uma bacia que minado o relacionamento que tinha na altura, saído de
se estende por
gigante que nunca dorme e deixa muito claro que so- nove países e casa, vendido o carro e ido viver para o Rio de Janeiro
mos apenas visitas.” cobre sete milhões antes de se mudar para Moçambique e dar aulas de tea-
de quilómetros
“Carregar uma anaconda de seis metros às costas, quadrados, tro a crianças. Por agora, é o trabalho que mais o tem
ignorando a força colossal que ela aplicava no pesco- 5,5 milhões ocupado. Até poder meter-se ao caminho para nova in-
dos quais de
ço”, foi dos momentos mais complicados que viven- floresta tropical cursão Mundo fora. Z
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3
1 De como
co
a) La Paz
o enquadramento de uma fotografia pode anular as referências
a um lugar bem conhecido. Trata-se de um miradouro muito frequentado,
numa cidade não menos frequentada. De que urbe falamos nós?
b) Caracas c) Barcelona
Num ano em q
4
Sabe qual o único sítio do
Mundo onde pode encontrar
A L E J A N D R O GA R C I A / E PA
este animal no estado selva-
gem?
a) Sichuan, China
2
b) Simien Moutains, Etiópia
c) Madagáscar
Dão
Dão-se alvíssaras a quem
conseguir identificar à pri-
cons
meira vista o que é isto. Só
meir
depois lhe podemos per-
depo
guntar onde fica...
gunt
a) Uma
Um igreja gótica
Polónia
na P
b) A Sagrada Família
E PA
5
de Barcelona, em Espanha
Esta
Es cadeira estranhamente virada de costas
c) Uma estação ferroviária
para
pa o mar indica o ponto mais austral de um
na Roménia
país,
pa mas sobretudo de um continente. Conse-
E PA
gue
gu identificar qual?
a) África do Sul, África b) Grécia, Europa
SOLUÇÕES c) Chile, América do Sul
te o toque.
1214, parando abruptamen-
do K-pop. dos invasores mongóis, em
zado “Parasita” e da moda na garganta por uma flecha a Sagrada Família.
reagem a estímulos. cidas. Por causa do oscari- dor de trompete atingido de marca da cidade:
cia. Portanto, na Europa. los gritos agudos com que coreana, é das mais apete- guardam a lenda do toca- sem sombra da imagem
na ilha de Gavdos, na Gré- dos quais se distinguem pe- Airbnb, Seul, a capital sul- torres de altura diferente do miradouro de El Carmel,
visitantes na praia de Tripiti, famosos lémures, alguns no motor de alojamento em Cracóvia, na Polónia. As concretamente vista
b) Esta cadeira descansa os c) Madagáscar. Trata-se dos b) Segundo as pesquisas a) Basílica de Santa Maria, c) Barcelona, mais
5 4 3 2 1
5
ROTEIRO ÍNDIA
SEGREDOS PARA
DESCOBRIR EM GOA
A
vontade de sentir Goa levou 21 portugueses a rumar
até ao Oriente em 2017. Longe de imaginarem a for-
ma como seriam marcados por esta experiência, cin-
co deles partilham agora as memórias de 18 dias ines-
quecíveis no livro “GGoa – Roteiro de uma viagem”.
João Coutinho, Conceição Zagalo, Constança Vasconcelos, Graça Pa-
checo Jorge e Ana Bela Mendes querem transportar o leitor para um
universo único de gentes maravilhosas, cheiros, cores e sabores, no
cruzamento das culturas oriental e ocidental, com palavras, fotogra-
fias e desenhos aguarelados. Relatos que a uns faz querer descobrir o
estado indiano pela primeira vez e a outros regressar aos locais pou-
co prováveis de uma Goa única e desconhecida, mesmo de quem já
lá esteve. Sobejamente conhecida pelas igrejas, templos, fortalezas,
praias e feiras das pulgas, eis Goa em cinco tesouros bem guardados.
3
tos de casca de coco prensada e
sentir as especiarias que tão sa-
biamente temperam a refeição.
“Houses of Goa”
3 SALVADOR DO MUNDO, BARDEZ, MAPUÇÁ
Da autoria do arquiteto Gerard da Cunha, este bloco de edifícios constitui um museu etnográfico, de que
faz parte uma casa principal em forma de barco, com a quilha marcando o início de duas ruas, uma de
cada lado. Nos três pisos com níveis diferentes está representada a história da arquitetura de Goa, única
no Mundo, pois foi o primeiro local de cruzamento entre o Oriente e o Ocidente, que mutuamente se in-
fluenciaram e enriqueceram. A incomparável obra de Mário Miranda é acolhida noutro edifício deste
conjunto, que conta ainda, do outro lado da rua, com uma escola primária extraordinária. Utilizando
materiais locais e reciclados, Gerard da Cunha investiga a identidade da arquitetura goesa, recusando o
“estilo internacional”.
4
As Cataratas de Dudhsagar
Sim, em Goa é possível encontrar cataratas e fazem lembrar África.
Para chegar às de Dudhsagar, o percurso é acidentado, irregular e
atravessa várias extensões de água. Trilhos por águas ora cristalinas,
ora avermelhadas da poeira do saibro, numa montanha selvagem, de
temperaturas bem mais baixas, cortada ao meio por uma linha de
comboio. É difícil a descrição da beleza aqui encontrada. Curvas e
contracurvas, pontes e trilhos de pedras, à chegada um local paradi-
síaco, com quedas de água cor de leite com que, reza a lenda, uma
princesa cobriu o corpo ao ser surpreendida pelo amado.
ATRÁS DE DIAS
SEMPRE DIFERENTES
Uma bicicleta dobrável, os alforges que é possível pendurar nela, um arsenal
de material fotográfico, um mapa e o desejo de ver. Ver é a palavra que move
João Brás, fotógrafo que deixa Lisboa muitas vezes em solitário atrás de
imagens que o marquem. Nestas páginas, mostra-nos o Quirguistão e quem
o habita e conta-nos como um padre lhe pagou um bilhete de autocarro
para a Geórgia e como lhe nascem as ideias para estas viagens “visuais”.
T E X TO D E I V E T E C A R N E I R O
J
oão pedalava havia algum tempo, a tino da elite soviética. Chegou a casa, comprou o
caminho da Geórgia, ficou “farto” da- voo para Tiblissi e desatou a estudar. Daí desceu
quela estrada arménia, esticou o bra- à Arménia, abeirando a fronteira com o Irão e os
ço e acenou. Parou uma carrinha Su- check-points, antes de voltar à Geórgia, onde
baru, com uma autêntica mercearia na chegou com a vista do Irão, apercebido do lado
caixa aberta. João juntou-lhe a bicicleta dobrável e de lá de um rio, gravada na retina. Porque a me-
a sua carga – tudo o que implica acampar e foto- mória de João é “visual”.
grafar como um profissional, sem horário e em au- A viagem seguinte foi, não podia deixar de sê-lo,
J
Nómadas tonomia – e aconchegou-se no banco do passagei- ao Irão. E daí brotou o Quirguistão, que nestas pá-
e iurtes no lago ro. Estava a ser conduzido por um padre ortodoxo ginas nos mostra. E a ideia peregrina de juntar tudo
Song-Kul,
a 3 016 metros que arredondava o magro salário fazendo entregas num percurso para ser cumprido aos trechos, ao
de altitude nas aldeias. A companhia estendeu-se pelo dia in- longo dos anos que for preciso, de mota talvez, le-
teiro, o motorista mostrou-lhe gente e mosteiros vá-la de Portugal “até onde conseguisse”, largá-la
pelo caminho, João mostrou-lhe outros que o pa- em casa de um amigo feito no desfiar das aventu-
dre desconhecia, porque preparar uma viagem lhe ras, regressar a Lisboa, voltar mais tarde, prosseguir
dá tanto gozo como cumpri-la e ler, ler, ler é a me- no mapa. Turquia, Irão, por aí acima, Ásia Central,
lhor bagagem. “Pediu-me desculpa por não poder até à Rússia, aos episódios, com a mota a marcar o
levar-me para a Geórgia. Comprou-me o bilhete compasso de espera, na paragem que o cansaço ti-
para a travessia e deu-me um saco cheio de comi- ver decidido. E essa viagem pode começar já, por-
da. Entrei na Geórgia numa viagem paga por um que não?, basta pegar na mota e partir.
padre que não quis que eu passasse fome.” “Sou capaz de viajar com uma bicicleta presa a
Simples na descrição, João guarda os pormeno- um cavalo, pedalar e perceber que estou numa
res para a fotografia. É defeito de profissão, é sobre- zona que não me interessa, pedir boleia e acabar
tudo pela fotografia que viaja, mas é também para numa carrinha cheia de brita.” Ou engolir quiló-
estes registos de memória. “Compro muitos guias, metros, às largas centenas, num táxi. Ou num au-
mas os meus verdadeiros guias são as pessoas.” tocarro. E andar de burro e conhecer gente que lhe
Arranca de Lisboa sozinho, muitas vezes, e vai mostra outros caminhos, dormir numa aldeia quir-
pelo destino que lhe ficou na memória na aven- guiz e aprender a dizer cabo de alta tensão em rus-
tura anterior. A Geórgia fora uma ideia surgida so. Sempre atrás de uma fotografia e daquilo que
porque, na Lituânia, lhe falaram desse antigo des- não espera. De dias nunca iguais.Z
COM O APOIO
DA REVISTA
U M A VA R A N D A
PARA O
AT L Â N T I C O
Não é por acaso que a ilha da eterna primavera ainda segura o
título de Melhor Destino Insular da Europa. Nela cabem colinas
verdejantes e paisagens rochosas, banhos de sol e de mar.
Cabe aventura e tranquilidade, e um restaurante Michelin
que lhe escreve cartas de amor.
T E X T O S ANA COSTA
F O T O G R A F I A S DR
OS JARDINS SUBTROPICAIS
DEBRUÇADOS SOBRE O
ATLÂNTICO SÃO UM DOS
ATRATIVOS DO ALOJAMENTO
T
emperamental, mas assíduo ain-
da assim. Costuma chegar ra-
diante logo pela manhã, saindo
de trás das colinas vestidas de
verde. Durante a tarde, não são
raras as vezes em que se esconde,
amuado, além do nevoeiro e até de alguma chu-
va, para logo voltar risonho ao final do dia e se
despedir no horizonte.
As varandas voltadas para o mar do Belmond Construído
Reid’s Palace, no Funchal, são um lugar de privi- em 1891,
légio para assistir a este espetáculo. Haverá mais o Reid’s Palace
por toda a ilha, com toda a certeza, mas este hotel recebeu várias
debruçado sobre o Atlântico oferece lugar na pri- personalidades,
meira fila. Por entre as palmeiras que povoam os desde a
maravilhosos jardins subtropicais do Palace, vê-se imperatriz Sissi
o sol lançar os seus braços dourados sobre o mar, a Churchill
tranquilo, e dar as boas-vindas às noites amenas
do arquipélago, eleito em 2020 – pela sétima vez –
como o Melhor Destino Insular da Europa nos
World Travel Awards.
UM ITALIANO Não houvesse mais motivos para conhecer o alo- quartas e domingos –, um ritual que remonta aos
AUTÊNTICO jamento, este seria o suficiente. Mas há. O Reid’s é primeiros tempos do hotel histórico, com tudo a
Embora faça parte do um dos hotéis mais antigos da ilha e tem uma his- que se tem direito: uma longa lista de chás e infu-
Reid’s, o Villa Cipriani é
tória tão rica quanto a estadia que proporciona aos sões, champanhe, scones, sandes, macarons, do-
um restaurante com vida
própria e uma referência no seus hóspedes, evocativa de uma elegância intem- cinhos e até uma manta para enfrentar o humor
que diz respeito à comida poral e até de um certo romantismo saudosista. imprevisível do tempo. Ir ao Belmond Reid’s Pala-
genuinamente italiana. Foi construído em 1891 sobre uma falésia pelo ce e não participar no chá da tarde é, como se diz,
Que o diga a voluptuosa
escocês William Reid e recebeu, ao longo dos seus o mesmo que ir a Roma e não ver o Papa.
parmigiana de beringela
gratinada com queijo quase 130 anos, hóspedes ilustres. “Pela sua en- É também sacrilégio não tirar partido de pelo
parmesão. Uma entrada trada majestosa, agora uns metros ao lado da re- menos uma das quatro piscinas do hotel e do aces-
à medida de prato principal. ceção original, passaram reis, políticos, pensado- so privilegiado ao mar.
Nessa categoria entra
res e artistas, entre hóspedes desconhecidos de Na lista de experiências mandatórias está ain-
também o linguine com
molho de lavagante e gambas todo o Mundo”, conta o diretor-geral, Ciriaco da uma refeição no William, o restaurante estre-
salteadas. Exemplos de Campus. A imperatriz Sissi da Áustria, John Hus- lado do Reid’s, onde o chef Luís Pestana celebra
uma carta feita com os ton, o rei Umberto de Itália, vários membros da os produtos da ilha em pratos sazonais que dei-
frescos da ilha, mas que
sabe a Itália. Além da comida,
família real britânica e Winston Churchill são al- xam os olhos, o nariz e o paladar muito felizes.
o Villa Cipriani seduz pelo guns dos exemplos. Fica na memória a sopa de castanha com abóbo-
terraço idílico com vista Este último dá nome a uma das suítes presi- ra e feijão-verde, que aquece e reconforta, a rein-
para as falésias e o mar. venção do cozido à madeirense com lagostim
denciais – a outra foi batizada em homenagem a
É o lugar mais procurado do
restaurante para ver descer Bernard Shaw, também ele hóspede do hotel –, braseado, e a deliciosa sobremesa de banana,
o sol, com um copo de vinho vestidas de papel de parede delicado, tecidos flo- chocolate e Madeira Bual.
na mão. Quando a noite cai, rais e mobiliário em madeira escura. Uma deco- O charme que caracteriza o Reid’s até aos dias
a luz frouxa das velas no
ração clássica que se repete em todos os quartos, de hoje também se faz dos bonitos recantos,
centro da mesa torna tudo
ainda mais encantador. assim como as varandas, com cadeiras de vime como o salão de baile e o bar, carregados de his-
para apreciar a vista. tórias. E das memórias eternizadas nas paredes
Falando de varandas, há que referir o terraço sob a forma de fotografias dos momentos mais
principal do hotel, aberto para o mar e palco do marcantes e das pessoas que por ali passaram ao
concorrido “afternoon tea” – servido todas as longo de mais de um século.
UMA CARTA DE
AMOR GOURMET
O menu FAUNA & FLORA – ou
apenas Flora, para os vegetaria-
nos – é uma das novas expe-
riências gastronómicas do Bel-
mond Reid’s Palace. O chef Luís
Pestana criou um menu de de-
gustação que é uma espécie de
carta de amor à ilha da Madeira.
Cada momento foi pensado ao
pormenor para homenagear os
produtos da terra e do mar.
A dedicatória abre com um
cocktail inspirado na Jade, uma
das plantas que cresce no jar-
dim do hotel, e segue com uma
entrada de tártaro de novilho
com funcho, requeijão e mara-
cujá. No prato principal, brilha
o cantaril (ou boca negra, como
é conhecido na Madeira) com
ovas de espada preta, caldeira-
da de batata e pimentos. E a so-
bremesa de banana, erva-doce,
limão e hortelã sela a carta com
uma saudosa despedida.
Uma refeição
no William
é experiência
mandatória
no Reid’s
NA ILHA HÁ VÁRIOS
PERCURSOS ENTRE O
MAR E A MONTANHA,
ENTRE O VERDE E O
ÁRIDO DA PONTA
DE S. LOURENÇO
O ESTRANHO
PASSEIO
AO GLACIAR
MORIBUNDO
Para quê ir a pé pela lentidão
da neve quando se pode ir
de autocarro? Foi o que pensou
uma agência de turismo
islandesa. Criou o “Bus Glaciar”
para levar turistas às paisagens
brancas já não tão eternas
de Langjokull, o segundo maior
glaciar da Islândia, com
H A L L D O R KO L B E I N S /A F P
desaparecimento programado
para o final deste século…