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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
MARIANA CECÍLIA XAVIER LEITE

ATIVIDADE

Recife
2020
1) Explique e caracterize, com suas palavras, o período pós-independência, incluindo o fenômeno
do Caudilhismo. Entre 2 e 3 laudas digitadas. Caso necessite copiar trecho do autor, use aspas.

Para compreender o período de pós-independência da América Latina, é antes necessário


compreender o contexto do processo de independência em si: a elite crioula se encontrava
insatisfeita com a Coroa Espanhola devido a reforma proposta pelos Bourbons que minava o desejo
crioulo de ampliar seu poder, provocando um certo ressentimento na elite da colônia. Esse processo
se iniciou nesse período em que Napoleão Bonaparte invade a Espanha e depõe Carlos IV, coroando
José Bonaparte como rei da Espanha e de suas colônias, e provocando um certo clima de
instabilidade na colônia. A elite burguesa espanhola, diante disso, propõe uma constituição, numa
tentativa se reproduzir a Revolução Gloriosa inglesa, no entanto esta não é aceita. Em contrapartida,
a elite consegue expulsar Napoleão e seu irmão da realiza hispânica, coroando Fernando VII da
dinastia Bourbon. Na América colonial, surgiam dois grupos que se posicionavam sobre os
acontecimentos: os realistas, favoráveis a volta do rei absoluto e a monarquia constitucional, e os
patriotas, que buscavam a independência. No entanto, com a volta de Fernando VII, conhecido por
um governo terrorista, e a negligência das demandas econômicas pelo grupo aliado ao rei
absolutista, o grupo realista passa a apoiar a separação da colônia da metrópole. Essa insatisfação
alinhada as ideias iluministas difundidas nas universidades e ao apoio da Grã-Bretanha, motivado
pela busca de novos mercados que surgiriam com o fim do mercantilismo, possibilitaram a luta pela
independência.
Diversos grupos sociais se empenharam em prol dessa causa, sendo importante ressaltar que
esses grupos tinham objetivos diferentes: para as classes mais altas, seria a oportunidade de se
consolidar no poder sem a interferência dos espanhóis; para as camadas populares, a independência
poderia vir a significar uma mudança do sistema vigente e uma melhoria das condições de vida;
para os negros e indígenas, era a possibilidade de retomar suas terras. Vale destacar que dos grupos
mencionados acima, apenas a elite crioula se realizou na independência, frustrando os demais
grupos ao dar continuidade ao sistema vigente apenas substituindo a elite peninsular.
A frustração das camadas populares vai além da sua manipulação como “massa de manobra”
por parte da elite e pela marginalização do grupo com o fim do processo de independência—
frustrando o desejo por ganhos sociais, distribuição agrária e melhoria de vida— e exclusão da
formação do Estado, a população se vê prejudicada pela série de medidas implantadas pela elite no
pós-independência, que acaba sendo considerado pior do que o próprio período colonial.
O processo de independência é acompanhado da desintegração da América Latina, que, ao
perder a unidade político-administrativa vigente, ao contrário do Brasil, se fragmenta. Segundo
Marcos Kaplan,
“A ideia nacional e a vontade de construir o novo Estado sobre e dentro de
grandes marcos geográficos conservam um caráter de abstração e
impraticabilidade até hoje. Difundem-se e concretizam-se de modo lento e
incompleto. Não encontram o sustento sociopolítico, os quadros territoriais
e demográficos de que necessitam para se efetivar. A independência formal é
acompanhada pela desintegração da América Latina como conjunto”
(p.113).

Lembrando, ainda, que a independência do país foi pautada, sobre tudo, nos interesses da
elite e que a mesma esteve a frente do processo de formação do Estado. Além disso,
“As divisões administrativas legadas pela colônia correspondem a divisões
geográficas naturais ou a periferias e zonas dependentes de algumas cidades
(Buenos Aires, Lima, Bogotá, México), mas não expressam necessidades
imperiosas nem fortes sentimentos nacionais dos respectivos povos, e,
portanto, não conseguem resposta, adesão ativa ou acatamento destes
povos” (Kaplan, p.114).

É nesse contexto de vácuo de poder que surgem o Caudilhismo, sistema que se aproxima do
Coronelismo no Brasil devido a relação paternalista com os mais pobres. Os caudilhos passam a
ocupar regiões de forma política através dessa relação paternalista, criando assim uma espécie de
tradição política onde não havia uma, ocupando os locais onde o Estado se encontrava ausente. Esse
regime era caracterizado pela perspectiva de troca desigual e pelo autoritarismo do caudilho, tendo
em vista que não existiam instituições para regular sua atuação e que o mesmo era considerando “a
lei”. É interessante comentar, ainda, que o Caudilhismo se difere do Coronelismo principalmente no
que se refere à relação com o Estado, já que no Caudilhismo o Estado é considerado um inimigo,
uma ameaça a soberania do caudilho, chegando até a ser motivo de guerras civis, enquanto no
Coronelismo o coronel é uma extensão do Estado.
Em oposição aos caudilhos, havia a elite liberal, que defendia a necessidade da criação de
um Estado Nacional tendo em vista as relações externas. Os caudilhos, diante dessa ameaça, que
vinha acompanhada de capital externo, se conciliaram com essa elite em uma tentativa de manter
seu poder através da ocupação de cargos políticos nesse novo sistema. Vale comentar, ainda, que o
clientelismo vai permanecer dentro da estrutura estatal, sendo uma prática comum canalizar
benefícios do governo para amigos e clientes.
É importante dizer, também, que a elite se dividia em Centralistas, aqueles que defendiam
uma ideia próxima ao Federalismo norte-americano, onde o território seria organizado em unidades
federativas que responderiam a uma Constituição Nacional e a uma união soberana, enquanto os
Federalistas, “entendiam o Federalismo como exercício autônomo da política e da economia, em
suas próprias propriedades ou regiões. Não admitiam obediência a um poder central que unificasse,
através de Leis e Instituições, os costumes políticos, sociais e, principalmente, econômicos” (trecho
retirado do esquema de aula da prof. Dra. Patrícia Pinheiro). O conflito entre os grupos, também
compreendidos como conservadores (federalistas) e liberais (centralistas), foi chamado de “Era do
Caos”, se relacionando também com a frustração das classes mais baixas por suas expectativas
sobre a independência que não atendidas. Essa guerra civil, que durou décadas, resultou no
retardamento da construção do Estado Centralizado orientado por uma Constituição.
Um outro aspecto do período Pós-independência que é importante mencionar é o Pan-
americanismo defendido por Simon Bolívar, que se utilizava das ideias de Saint Pierre e Jean
Jacques Rousseau de Pan-europeu para criar essa doutrina. Tal doutrina foi defendida pela primeira
vez na Carta da Jamaica em 1815 (Dozer, p. 296) e defendia que “a liberdade de seu país só se
consolidaria se todos os países do continente fossem livres e houvesse uma integração entre eles,
constituindo uma grande nação soberana capaz de enfrentar as ameaças externas.” (BUENO;
OLIVEIRA, 2015, p. 238). Essa ideia se baseia na teoria rousseauniana de que uma sociedade unida
pelos interesses em comum como forma de organização política seria mais forte contra as ameaças
externas, garantindo que um governo confederativo asseguraria a estabilidade e a soberania desse
grupo. Seria, assim, uma forma de manter o direito de soberania e a paz, tendo em vista que o
fortalecimento de uma organização continental tornaria improvável ataques de outras nações.
Pensando agora na chave de Simon Bolívar, a ideia de uma organização de dimensão continental no
período pós-independência garantiria que os espanhóis, e nem outras nações, não tentariam retomar
o continente.
Bolívar leva essa proposta para o Congresso do Panamá em 1826, onde se fazem presentes
os representantes do México, da Bolívia, do Peru e América Central, da América Latina, e da Grã-
Bretanha e dos Países Baixos. Dessa forma, de oito países convidados, apenas quatro
compareceram. Segundo Donghi, Bolívar não compreendia a realidade da sociedade latina no
período pós-independência (Bueno, Oliveira apud Donghi, 2015, p. 258), sendo essa um dos
possíveis motivos para o fracasso do Pan-americanismo naquele momento. Outros possíveis
motivos mencionados no texto de Elen de Paula Bueno e Victor Arruda Pereira de Oliveira passam
pela fragmentação da estrutura hispano-americana e pela influência estrangeira, que não via com
bons olhos a doutrina bolivariana. Suspeita-se que principalmente devido a influências externas de
nações como Grã-Bretanha e Estados Unidos da América, que temiam a consolidação desse projeto
por motivos diferentes. A Grã-Bretanha temia que essa união política alterasse as relações
comerciais entre as economias, impondo uma situação de paridade nas relações econômicas. Já os
EUA, temia que a proximidade entre a Grã-Bretanha e essa nova união, somadas a ideias
expansionistas, pudesse comprometer suas alianças. (Kaplan, Marcos).

“Com a consolidação do processo de independência, novos Estados foram


criados ao longo do século XIX, confirmando o nascimento da personalidade
jurídica dos Estados do continente latino-americano (Calvo, 1826, p.144). As
guerras de independência confirmaram as divisões internas da |América
espanhola desde o período colonial, marcando um cenário de
desmembramento. As tentativas de evitar tal desmembramento tornaram-se
infrutíferas com o passar do tempo, sendo a tentativa mais importante
empregada por Simon Bolívar” (Bueno; Oliveira, 2015, p. 254).

É importante comentar, no entanto, que o Congresso do Panamá, embora não tenha atendido
à construção de uma união soberana como defendido por Bolívar, o evento se tornou um marco para
o Direito internacional ao lançar bases para a construção do mesmo. São inauguradas novas ideias
relacionadas a temas como a cidadania hispano-americana, a codificação do Direito Internacional,
questões relacionadas ao comércio preferencial entre países da liga e solidariedade entre as nações
(Bueno; Oliveira, 2015, p.259).
2) Explique, com suas palavras, a importância do Congresso do Panamá para o moderno Direito
Internacional. Entre 1 e 2 laudas digitadas. Caso necessite copiar trecho do autor, use aspas.
Para compreender o que foi o Congresso do Panamá, é necessário entender primeiro o Pan-
americanismo defendido por Simon Bolívar no século XIX. Pensada sobre a chave do Pan-
Europeismo de Saint Pierre e Jean Jacques Rousseau, essa doutrina defendia que para que um país
fosse livre de fato, seria necessário que os demais países do continente também fossem, e que
houvesse uma espécie de integração entre o continente, sendo formada, assim, uma espécie de
federação. Segundo Rousseau, outras potências externas se afugentariam diante de uma sociedade
unida pelos interesses em comum como forma de organização política seria, de forma que a união
do continente (nesse caso, Europeu) asseguraria a estabilidade e a soberania desse grupo. Assim, a
união das nações se daria sob o pretexto de garantir o direito de soberania e a paz, tendo em vista
que o fortalecimento de uma organização continental tornaria improvável ataques de outras nações.
O filósofo acreditava, ainda, que a defesa da vida humana e a defesa da mesma através da
solidariedade seriam princípios norteadores da república. E quando questionado sobre a estabilidade
interna tendo em vista que uma união continental garantiria apenas a paz externa, Rousseau afirma
que cabe ao governo confederativo unir, através de vínculos coletivos e da lei, as diferentes nações
(Bueno, Oliveira, 2015). O legislativo é considerada uma importante faceta da proposta
rousseauniana uma vez que é através das leis que se consolida o pacto social, e que seria justamente
devido à ausência dessas que levaria ao contante estado de guerra no continente.
Já Saint Pierre defende que essa união por si só não seria uma ameaça forte o suficiente para
impedir os inimigos do continente europeu de entrarem em guerra, e que a maior vantagem de um
Estado Pan-Europeu seria a preservação da paz interior da organização, tendo como principal
motivação o vínculo político, e entre nações católicas. Para ele, o equilíbrio de poder proporcionado
pela Pan-Europa não seria o suficiente para garantir o cumprimento do tratado, de forma que seria
preferível uma união entre os países católicos para relações mais sólidas. “Uma vez concluído o
projeto, os signatários alcançariam uma aliança perpétua que propiciaria de forma sucessiva e
contínua uma absoluta e total segurança coletiva. A conquista da paz representaria, para Saint
Pierre, uma clara renúncia ao estado de natureza e o ingresso ao estado social” (Bueno, Oliveira,
2015, p. 242). Sendo o catolicismo o valor comum responsável pela estabilidade para Pierre, ele se
opõe de Russeau, que por sua vez defende a compreensão da natureza política individual das
soberanias para que possa haver uma relação entre os Estados.
Simon Bolívar, por sua vez, transporta a ideia de uma organização de dimensão continental
para o contexto de pós-independência da América Hispânica, compreendendo que tal união imperia
uma tentativa de recolonizar o continente por parte dos europeus.
É pensando em tornar essa ideia realidade que Bolívar organiza o Congresso do Panamá em
1826, convidado representantes das nações da América Latina e de outras importantes potências
para discutir a possibilidade. De oito países convidados, apenas quatro compareceram: México, da
Bolívia, do Peru e América Central, da América Latina, e da Grã-Bretanha e dos Países Baixos. O
Brasil, embora tenha sido convidado e sofrido uma pressão por parte do congresso, não se
apresentou no evento, o que pode ter ocorrido numa tentativa do império se distanciar de ideais
republicanos.
Dessa forma, o Congresso do Panamá foi considerado um fracasso por não reunir todas as
lideranças necessárias para chegar a um acordo. As principais justificativas estipuladas para tal
acontecimento variam entre a ideia de que Bolívar não compreendia a realidade da sociedade latina
no período pós-independência (Bueno, Oliveira 2015), a ideia de que a fragmentação da estrutura
hispano-americana impediria essa união ou que outras nações fora do território da América Latina
não viam com bons olhos a doutrina bolivariana e passaram a exercer uma pressão contrária ao Pan-
americanismo. Nações como Grã-Bretanha e Estados Unidos da América, que temiam a
consolidação desse projeto por motivos diferentes. A Grã-Bretanha temia que essa união política
alterasse as relações comerciais entre as economias, impondo uma situação de paridade nas relações
econômicas. Já os EUA, temia que a proximidade entre a Grã-Bretanha e essa nova união, somadas
a ideias expansionistas, pudesse comprometer suas alianças. (Kaplan, Marcos).
É importante comentar, no entanto, que o Congresso do Panamá, embora não tenha atendido
à construção de uma união soberana como defendido por Bolívar, o evento se tornou um marco para
o Direito internacional ao lançar bases para a construção do mesmo. São inauguradas novas ideias
relacionadas a temas como a cidadania hispano-americana, a codificação do Direito Internacional,
questões relacionadas ao comércio preferencial entre países da liga e solidariedade entre as nações
(Bueno; Oliveira, 2015, p.259).
Para o campo da ciência do direito, as condicionantes políticas que levaram
ao fracasso do Congresso do Panamá possuem pouca relevância. Em
matéria de Direito Internacional Público, o Congresso do Panamá lançou
bases para a construção e fortalecimento do Direito Internacional Regional e
consagrou princípios relevantes hodiernamente considerados como pulares
da Ordem Jurídica Internacional. (Bueno; Oliveira, 2015, p. 258).
Assim, “em outras palabras, o Congresso do Panamá não constitui um fracasso na história do
regionalismo latino-americano, pelo contrário, estabelece os primeiros passos de um novo sistema
que, embora lento e gradual, servirá de base para os regionalismos do século XX” (Bueno; Oliveira,
2015, p.259).
Em 1848, é assinado o Tratado de Confederação entre Bolívia, Chile, Equador, Nova
Granada e Peru, considerando essas repúblicas como parte de uma nação com base em vículos
como origem, idioma, religião, costumes e posição geográfica. Em 1856, o Tratado Continental
passa a apresentar características que remetem ao Congresso do Panamá ao garantir avanços no
Direito Civil e reforçar a parceria entre as nações sob o contexto da ameaça hegemônica estado-
unidense. Em 1964-5, é convocada uma nova reunião e são assinados tratados de paz e comércio
entre nações, visando promover o estreitamento das relações e a paz entre as nações. Nessa
perspectiva, nota-se mesmo que esses tratados não tenham sido ratificados, houve uma grande
influência deles na política externa da América Latina (Bueno; Oliveira, 2015). “No continente
americano, os princípios relativos à soberania e a não-intervenção foram aperfeiçoados e
constantemente reafirmados na construção jurídica das jovens nações da América” (Bueno;
Oliveira, 2015. p. 261). Assim, “o continente europeu desenvolveu inúmeros institutos, tornando-se
o berço de múltiplas doutrinas de Direito internacional… vale mencionar [também] que a América
tem defendido uma igualdade jurídica entre os Estados em um sentido mais amplo do que qualquer
outra parte do mundo (Mello, 2004).” (Bueno; Oliveira, 2015, p. 262).
Por fim, é imprescindível mencionar a Doutrina Monroe e a tentativa estado-unidense de
renovar o conceito de Pan-americanismo de forma a favorecer a si mesmo. O Pan-americanismo a
partir da Doutrina Monroe seria uma forma dos Estados Unidos de garantir sua hegemonia sobre a
América Latina, resultando no apagamento do conceito original e da sua história.

RFERÊNCIAS

BUENO, E. de P.; ARRUDA PEREIRA, V. (2015). O Congresso do Panamá (1826): perspectivas


políticas, teóricas e jurídicas nas relações internacionais. Papel Político, Bogotá (Colômbia), vol.
20, N. 1, 235-265.
DOZER, Donald. América Latina: uma perspectiva historiográfica. Globo, 1974.
KAPLAN, Marcos. Formação do Estado nacional na América Latina. El Dourado, 1974.

OBS: Para além das referências bibliográficas mencionadas acima, foram utilizadas ainda anotações
feitas durante as aulas da disciplina História da América II.

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