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Capitalismo de mercado e capitalismo de Estado

No capitalismo comum, das economias ditas de mercado,


as oligarquias estatais constituem um funcionalismo ao
serviço do engrandecimento do capital privado, que decide
sobre a redistribuição; No capitalismo de Estado esse
funcionalismo assume o poder, apropria-se do rendimento
gerado e decide e subalterniza o capital privado.

Sumário
1 - Estado, elemento essencial para o sucesso do capitalismo
2 - Onde nos conduziu um mundo de estados-nação
3 – O papel do Estado, na prática do socialismo

xxxxxxxxxx ooooo xxxxxxxxxx

1 - Estado, elemento essencial para o sucesso do capitalismo1

Se o Estado é um imprescindível elemento para a gestão e a acumulação do capital, com a


concomitante domesticação do trabalho, será estranho que numa URSS e noutros países onde foi
aplicado o modelo dito socialista o Estado tivesse assumido aquele papel? A existência de um
(aparelho) de Estado é um parâmetro técnico-administrativo ou, um elemento político, de
segmentação e hierarquização de uma população, entre governantes e governados?

Por Estado entende-se o aparelho gerado e destinado à afirmação do capitalismo como modo de
produção, a partir do século XVII, com a reforma protestante, num processo cuja maturidade foi
atingida com a Revolução Francesa; e a que se seguiu um fugaz ensaio de organização social
baseado na auto-organização, a Comuna de Paris.

O Estado afirmou-se como um aparelho essencial para delimitar um território (estado-nação) para
exclusivo uso dos seus capitalistas, dos seus produtores de têxteis para exportação, dos seus
armadores de navios comerciais, dos seus piratas/corsários, dos seus banqueiros, das suas colónias
e, para a própria defesa face à concorrência. Essas funções agregaram-se sob uma ideologia – o
nacionalismo – então simbolizado por um rei e, ainda, no norte da Europa, onde o capitalismo se
mostrou mais desenvolvido, por uma igreja nacional cujo símbolo máximo era, também o rei (uma
prática que vem sendo abandonada em tempos recentes). A forte concorrência externa, a
conquista ou a rapina dos recursos do resto do planeta exigia uma escala que se iria materializar
como a propiciada pelo aparelho de Estado, que constituía o topo e o elemento agregador do
estado-nação.

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Porque não há uma estratégia anticapitalista?
http://grazia-tanta.blogspot.com/2021/02/porque-nao-ha-uma-estrategia.html

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Na lógica do feudalismo o conceito de Estado não se aplica; a autoridade e a arbitrariedade vinha
do senhor feudal reinante; o menos mal para o povo seria que as suas casas e campos não fossem
assolados pela guerra e pela pilhagem, que os jovens não fossem capturados para servir na guerra
ou, que as raparigas não sofressem o estupro praticado pelas soldadescas de passagem.

O estado-nação e o Estado são instrumentos criados pelo capitalismo2, com base em grupos locais
de capitalistas, organizados para a exploração exclusiva de um território; ou melhor, para a
exploração do produto do trabalho dos desapossados de meios de produção. A posse e a
exploração desse território e da sua população exigia a vigilância das fronteiras por guardas
armados, tanto para evitar intrusões vindas de fora, como a fuga de mão-de-obra para o exterior; e
o Estado, com o seu aparelho de exação fiscal encarregava-se de arcar com essas despesas. Por
outro lado, a forte concorrência na rapina colonial obrigava a uma enorme mobilização de meios
financeiros e humanos no seio de cada estado-nação, em frequente estado de guerra com os
concorrentes: ou, na subjugação dos povos coloniais e dos escravos transplantados de África.

O fomento do patriotismo em cada estado-nação pretendia gerar o dever de defesa dos bens dos
ricos e do seu Estado, por parte da maioria dos seus habitantes que nada tinha de seu para
defender: esse dever incluía mesmo o supremo sacrifício da vida, na defesa dos bens dos
capitalistas. A ideia da pátria é uma imensa mentira que faz com que os desapossados de bens
defendam o património dos seus conterrâneos ricos.

O surgimento de empresas transnacionais e do capital financeiro globalizado, em crescimento e


com um poder também ampliado, torna as fronteiras irrelevantes3 - menos para pessoas e mais

2
Sobre este tema:
https://grazia-tanta.blogspot.com/2019/12/estado-nacao-nacionalismo-instrumentos.html
https://grazia-tanta.blogspot.com/2019/12/estado-nacao-nacionalismo-instrumentos_28.html
https://grazia-tanta.blogspot.com/2020/01/estado-nacao-nacionalismo-instrumentos.html
O futuro precário do estado-nação – 1, 2, 3, 4
https://grazia-tanta.blogspot.pt/2017/11/o-futuro-precario-do-estado-nacao-1.html
https://grazia-tanta.blogspot.pt/2017/12/o-futuro-precario-do-estado-nacao-2.html
https://grazia-tanta.blogspot.pt/2018/01/o-futuro-precario-do-estado-nacao-3.html
https://grazia-tanta.blogspot.pt/2018/01/o-futuro-precario-do-estado-nacao-4.html
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A crise do coronavírus veio a estabelecer procedimentos oligárquicos, autoritários e empobrecedores por parte dos
Estados que tanto vinham promovendo a livre circulação. Em contrapartida, os Estados promoveram os confinamentos, o

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para mercadorias (físicas ou sob a forma digital) - e tende a reduzir os aparelhos de estado
nacionais, essencialmente, ao papel de cobradores de impostos e à pacificação da força de
trabalho. Mesmo as gloriosas forças armadas dos estados-nação passaram a ser constituídas por
profissionais e mercenários, já não através de um serviço militar obrigatório, inadequado para a
sofisticação do armamento.

A relevância do aparelho do Estado mostra-se na sua constante procura de tornar competitivo o


território, atraindo o investimento, mormente externo e de empresas transnacionais; de reduzir os
rendimentos e os direitos dos trabalhadores para proceder ao apoio a empresas, ao reforço da sua
capitalização, uma vez que na lógica do capital, os deuses criaram primeiramente o capitalista e, de
seguida, o escravo, o assalariado para o servir e gerar a riqueza; esta, sinteticamente referida e
desejada pelas classes políticas, como os acréscimos ad aeternum, de um nebuloso PIB. Como em
todos os Estados está presente essa preocupação materializada por uma miríade de instrumentos
para o cumprimento desse desiderato, observa-se uma concorrência feroz entre os estados-nação,
através de guerras (em nome próprio ou, por procuração), destruição ambiental, colunas de
refugiados, pobreza, epidemias; perante o ar otimista e sorridente dos Gates, dos Zuckerbergs, dos
Bezos e afins, colecionadores de riqueza e preocupados com a grande dimensão da Humanidade.

Entre os precursores da atual situação, Rousseau, como ideólogo da burguesia, gerou a ideia de
contrato social entre os possidentes e os destituídos de posses, todos conformados com a sua
situação social e económica; esse contrato, embora já não referido nos dias de hoje, é o que releva
na situação atual em que o Estado e a classe política se encarregam de manter a lei e a ordem,
envolvendo o trabalho na volúpia salvítica sinteticamente representada pelo crescimento do PIB.

Do conceito de contrato social emana o de coesão social, como instrumento de sedimentação de


uma estrutura política, económica e social cuja articulação propicie uma maior acumulação de
capital e perpetue uma pacífica estratificação social. O aparelho zelador desse contrato é o Estado,
cujo monopólio do poder coercivo é a maior garantia da continuidade da acumulação de capital, de
uma massa de explorados como instrumentos daquela. Para funcionar, esse aparelho precisa de
um funcionalismo – a classe política - produtora de ideologia e tecnocrática; e tanto quanto
necessário, rapace e repressiva, com a intervenção massiva de polícias várias, leis limitativas de
direitos ou, pejadas de obrigações, carga fiscal regressiva, etc. E, focada em apresentar serviço –
junto de capitalistas, trabalhadores e das instâncias do capital global – através de medidas como o
referido crescimento do PIB, atração do investimento externo, baixo custo do trabalho, etc.

Esse contrato social seria, de facto, para Rousseau, o instrumento de garantia de uma coesão social
que mantivesse no poder de então, as oligarquias nobres e burguesas, tendo como símbolo dessa
unidade, um rei. O terceiro estado era a enorme e heterogénea multidão de excluídos do poder
que servia de complemento aos acima referidos, para se ter o total dos habitantes do estado-
nação. O Estado, portanto, representava e apoiava os interesses das oligarquias, no cenário interno

doentio teletrabalho, o fecho de escolas, o desemprego, a pobreza, a arrogância policial, as multas, as discriminações dos
mais pobres atulhados em transportes públicos, a par com limitações de circulação para todos. E, eventualmente
condicionando a circulação a quem não for vacinado e recuse engordar bases de dados sobre os humanos para gáudio do
Big Pharma e dos manipuladores de informação. Tudo isto para um vírus que até agora atingiu 1.52% da população
mundial e que matou 2.2% daqueles infetados entre os quais dominam os mais velhos, há muito empurrados, pelo
capitalismo para lares que mais parecem prisões… uma vez que não são competitivos!

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ou na arena internacional e, garantia a utilização da coerção necessária para com a plebe, cujo
dever seria trabalhar e obedecer. Esse era, sumariamente, a principal razão de ser do Estado
surgido do desenvolvimento do capitalismo e até hoje.

Essa imposta coesão social é um cuidado, uma preocupação, uma coerção, inerente à própria
noção de Estado, tendo como agente concreto, uma classe política. Mais tarde, Durkheim, para
evitar os problemas causados pelas resistências dos desapossados, susceptíveis de prejudicar a
desejada acumulação de capital, inventa um Estado neutro, gerador de consensos mas sempre
atento e pronto para usar a repressão, sob a forma de lei ou do cacete, sobre os trabalhadores. A
ladainha do crescimento do PIB ainda não tinha surgido como o elemento definidor da unidade e
da felicidade do povo.

O Estado neutro não existe, nem nunca existiu. As camadas sociais que mais beneficiam da sua
existência e atuação procurarão, se não aumentar os seus privilégios, pelo menos mantê-los,
procurando neutralizar, ou cooptar parte da concorrência, se necessário; para isso, contam com a
atuação de um ou vários partidos – um género de funcionalismo especializado em tráfico de
influências - que se encarregarão de utilizar o poder estatal para benefício partidário e dos estratos
económicos mais empenhados para essa cooptação partidária4.

Assim, o Estado é um aparelho coercivo que visa garantir, por natureza, a estabilidade das
hierarquias no seio de um estado-nação; a segmentação conveniente do ponto de vista social e
político, através de uma articulação estável, aceite por ricos e pobres; evitando, através da classe
política, conflitos resultantes de desigualdades sociais; mantendo a narrativa do patriotismo como
forma de canalização para outros povos ou, outros estados-nação, das responsabilidades e
animosidades quanto a problemas que, de facto, são internos.

Onde há Estado não há democracia; ou, de modo menos lapidar, apenas fórmulas truncadas ou,
falsas da mesma. O Estado surge como um instrumento do estado-nação em geral, sob o controlo
de camadas sociais possidentes, gestoras dos principais canais de controlo social.

Nas sociedades de hoje, designa-se um estado-nação como democrático apenas porque há eleições
regulares e várias possibilidades de voto; ainda que pouco diferenciadas, no âmbito de uma
definição estreita e capciosa de democracia que permite a perpetuação das oligarquias, com baixos
níveis de conflitualidade para que não haja prejuízos para a acumulação de capital.

Como se estabeleceu, historicamente, o engrandecimento do poder estatal:

 O desenvolvimento do capitalismo, sinteticamente ancorado na revolução industrial teve


efeitos vários, conducentes a uma maior complexidade das relações económicas e a uma
maior diversidade das classes e camadas sociais. As conexões entre as pessoas tornaram-se
mais densas, sobretudo com o grande crescimento das cidades e da população urbana; essas
multidões de trabalhadores pobres, de desempregados famintos e de recém-chegados à
cidade na procura de uma vida melhor, conduziam a frequentes motins, greves e protestos

4
A situação vivida em Portugal – centrada no tempo de mudança do regime (1974) - é muito clara quanto às desigualdades
https://grazia-tanta.blogspot.com/2018/07/a-longa-marcha-das-desigualdades-1-o.html
https://grazia-tanta.blogspot.com/2018/08/a-longa-marcha-das-desigualdades-2-da.html

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que tinham como contrapartida forte repressão policial. Isso, exigia um grande esforço
financeiro para a manutenção de efetivos policiais, por parte dos entes estatais – governo ou
municipalidades - quando não de grupos de arruaceiros ou criminosos pagos para quebrar
movimentos de reivindicação dos trabalhadores.

 O papel do Estado na manutenção de frequentes situações de conflito exigia, em permanência,


recursos financeiros avultados, por vezes obtidos por empréstimo dos banqueiros, para o
financiamento de exércitos, adestramento de oficiais e recrutamento de jovens para a guerra.
Esses conflitos tanto podiam resultar da redefinição de fronteiras na Europa, como da disputa
do domínio sobre recursos e povos nas áreas coloniais, como ainda para defesa dos navios
mercantes face à pirataria. O surgimento dos EUA lançou um concorrente de peso nesse
processo, com um vasto e rico território aberto a Oeste e a Sul, cujos defensores não
ofereceram uma resistência vigorosa. Por seu turno, as independências das colónias dos países
ibéricos constituíram, essencialmente, mais uma área de negócio para as potências
dominantes - o que se poderia já chamar de neocolonialismo. Estes conflitos entre estados-
nação obrigavam ainda a elevados custos estatais com a existência de um corpo diplomático
competente.

 A pulsão concorrencial do capitalismo obrigava a investimentos no ensino e na investigação,


nas ciências naturais, na astronomia, na engenharia, na navegação, no armamento, na
geografia ou, na geopolítica com Mahan ou Mackinder a expressarem as ambições das grandes
potências; mas também exigia a preparação de gente com conhecimentos de ordem prática,
administrativa e contabilística dos estados-nação, em acelerado processo de estruturação, de
criação de uma identidade nacional. Mais tarde, outros conhecimentos se tornaram
necessários, com a utilização da energia do vapor e da eletricidade, do desenvolvimento das
vias ferroviária, rodoviária, das transmissões, etc. Os cuidados de saúde tornavam-se
essenciais, para a existência de uma mão-de-obra qualificada, numerosa e saudável
(recordemos a pioneira ação de Bismark no campo da saúde dos trabalhadores). Em todas
estas áreas se verificava um forte empenho estatal, cujos gastos exigiam uma contrapartida
em receitas. Ainda que não existisse o conceito de PIB, pretendia-se uma estratificação social
estável, não conflituosa e, uma desigual repartição da riqueza e dos rendimentos aceite sem
tergiversões nem conflitos; superiormente gerida pela classe política e mantida pelo aparelho
de Estado e pelos seus recursos materiais, legislativos e ideológicos.

2 - Onde nos conduziu um mundo de estados-nação?

Como é bem visível, o mundo dos estados-nação de hoje carateriza-se por:

 Uma geral subalternização face ao capital global, mormente financeiro, no âmbito de uma
escala onde se destacam, em patamares distintos, os que têm poder para estabelecer formas
de unilateralismo e, a esmagadora maioria dos restantes, totalmente despojada desse poder,
cuja igualdade face aos poderosos se resume a terem um hino e uma bandeira;

 A existência de estados-nação continua a ser uma forma de divisão dos seres humanos, de
geração e aproveitamento de antagonismos, no âmbito de uma macro-estrutura política, na
qual a maioria desses estados-nação tem escassa ou nula margem de viabilidade ou de

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afirmação. A sua constituição, na maioria dos casos, resultou dos arranjos e das convenientes
partilhas entre as potências coloniais na fase de ascensão e expansão geográfica do
capitalismo;

 Nas últimas décadas a multiplicação de empresas transnacionais e do seu poder, agindo numa
lógica global, segmentando a produção de componentes, inúteis de per si, para melhor
dominarem a cadeia produtiva, tornaram dependentes os países onde aqueles se produzem,
destruindo naqueles qualquer lógica de integração racional a nível nacional. E, portanto,
tornando muitos estados-nação como meras plataformas logísticas, com a captura das
respetivas classes políticas, como funcionalismo local;

 A dimensão das migrações por razões económicas, conflitos étnicos ou militares mostra a
falência do modelo estado-nação como entidade una e homogénea, entre iguais, criando
parcelas significativas de convenientemente excluídos, de vastas áreas tribalizadas ou
entregues ao banditismo:

 Esses antagonismos resultam de vários tipos de artificialidade presentes em muitos estados-


nação e das suas fronteiras que, por efeito da herança colonial, são entidades pluriculturais,
pobres, desconexas, hegemonizadas por uma delas e ao sabor dos interesses de empresas
globais que exploram os seus recursos. Outras situações incluem a existência de monarquias
de tipo feudal que, pela sua riqueza são cortejadas pelo sistema financeiro;

 As plataformas digitais atuando numa lógica global, ultrapassam as fronteiras e os Estados


nacionais gerando poderes de caráter monopolista e formas agressivas de atuação e de evasão
fiscal, perante as quais os governos nacionais conjugam a sua impotência com fórmulas de
subserviência e ou associação;

 A existência de instituições internacionais (OMC, FMI…) visa a definição das regras da


economia, da formação de rendimentos e da sua distribuição, montando uma constante
insuficiência do crescimento e um eterno garrote com a dívida, imposta à esmagadora maioria
dos estados-nação;

 Todos os estados-nação têm um Estado, uma classe política, uma burocracia, que representam
o capital nacional e, também as representações do capital global, todos empenhados no
“crescimento” que, no entanto, pouco toca a esmagadora maioria da população; a qual, pelo
contrário, é assolada pelo saque fiscal, pelo assalto aos rendimentos recebidos e, pela
normalidade da detenção de grandes dívidas; mormente para terem acesso a uma habitação,
uma vez que os Estados há muito entregaram o assunto à gula da especulação imobiliária e
financeira.

3 – O papel do Estado, na prática do socialismo

No 18 Brumário, Marx refere que a máquina do Estado é um corpo autónomo e parasitário gerido
pelo poder executivo, surgido na transição do feudalismo para o capitalismo. Nesse longo processo,
os especialistas do Ancien Regime – juristas, padres, soldados – foram-se adaptando à nova
situação, servindo o aparelho do Estado capitalista e já não como servos de um rei.

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Marx ao centrar-se no capitalismo vigente nos países mais avançados da Europa – Inglaterra,
França e Alemanha - mostrou um determinismo optimista e linear baseado no desenvolvimento
das forças produtivas e, daí que não tivesse imaginado que a primeira revolução anticapitalista
surtisse na atrasada Rússia; mas, admitia que o resto da Humanidade se libertasse acompanhando
a evolução daqueles países mais avançados social e economicamente.

Só nos seus últimos anos de vida Marx travou conhecimento da existência dos coletivos agrários na
Rússia que ocupavam 3/5 da terra cultivada, como sementes de formas autogestionárias e alheias
ao espírito capitalista; e, apercebeu-se também que a satisfação das necessidades humanas deveria
ter a primazia sobre o abstrato processo de acumulação capitalista. Trotsky, na sua visão autoritária
e militarista da ação política, viria a esmagar aquelas estruturas económicas e sociais depois da
revolução de Outubro.

Vimos anteriormente que o desenvolvimento de um aparelho de estado seguiu a par com a


edificação do estado-nação, ambos destinados para suprir as necessidades de desenvolvimento do
capitalismo, nos campos político, económico, social, de segurança, no plano internacional, etc.
Nesse contexto, os capitalistas usavam (e usam) o aparelho de Estado e os seus burocratas para o
engrandecimento da acumulação privada de capital, escolhendo, sob a forma de concursos
eleitorais entre os vários grupos partidários, aqueles que melhor possam servir para esse
engrandecimento. A este modelo político deu-se o nome de democracia, democracia liberal, social-
democracia… ou democracia de mercado, como habitualmente costumamos dizer. Na realidade,
trata-se de um modelo oligárquico que coloca fora das decisões, a esmagadora maioria da
população, em proveito de um conjunto de oligarquias políticas.

Posteriormente esses mesmos elementos de estruturação do estado-nação ocorreram também em


países de menor desenvolvimento económico, com uma classe de capitalistas pequena e débil,
sobressaindo, em consequência, o poder da burocracia estatal, unificada sob a forma de um partido
de gestores sob o nome de operário, comunista5 ou outro emblema semelhante, em íntima ligação
com burocracias sindicais, igualmente oligárquicas. Na maioria desses casos, as burocracias estão
presentes e controlam todas as instâncias económicas, sociais, laborais, culturais, artísticas,
desportivas, policiais, militares. A herança de frágeis estruturas políticas, sociais e económicas veio
facilitar a constituição desses poderes hegemónicos, auto-ungidos como fonte única de todo o
saber politico, alardeando uma superioridade incontestável, institucional e de experimentações
sobre toda a população, pobre, pouco instruída, tomada por forte espírito religioso, habituada à
marginalização e à brutalidade do poder. Como consta de um provérbio português “mudam as
moscas, a merda é a mesma”.

A noção de aparelho de Estado assumiu grande relevância em torno da constituição de um Estado


soviético, na sequência de ideias sobre a passagem do capital monopolista (financeiro) para capital
monopolista de Estado, na visão aproximada de Hilferding e Boukharin; ou de um aparelho de
direção geral da produção e da repartição de acordo com Lenin. Este não colocava a questão da
utilização do Estado como aparelho repressivo, burocrático e militar mas da sua utilização
racionalizada ao serviço da revolução; e Trotsky acentua essa tendência defendendo a militarização
da economia (v. Dictionnaire Critique du Marxisme pag. 51/52).

5
Ou, de uma cosmética coligação como o SED, na República Democrática Alemã

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Na realidade, na URSS tratava-se de proceder ao desenvolvimento capitalista com um objecto
focado num acelerado “crescimento económico” de tipo keynesiano, concentrado em unidades
produtivas de grande dimensão, estatizadas, que garantissem adequados aumentos da
produtividade; por outro lado, a pequena propriedade, na indústria, no comércio e no campo, era
residual. Esperava-se que daí resultaria uma melhoria substancial do nível de vida da população e
uma saudável convivência política e social.

Na URSS a decisão técnica cabia aos membros do partido, no quadro das orientações detalhadas do
omnipresente e omnisciente Plano, produzido e de cumprimento vigiado pelas altas estruturas do
partido-estado – uma inovação política que unificava o aparelho estatal com a classe política, ao
qual todas as estruturas nacionais, da arte às minas, se enquadravam. Nessa estrutura era
fundamental cumprir à risca as orientações superiores para se singrar nas estruturas do Partido e
na vida.

Como sabemos, nas democracias de mercado o aparelho de Estado é parasitado periodicamente


pelos membros do partido que ganhar as eleições mas, a lógica é a da rotatividade no acesso ao
pote, entre dois partidos gêmeos, ambos bem cotados junto dos capitalistas locais e das
transnacionais; importa é transmitir à plebe a ideia de que há diferença entre escolher um burro
preto escuro ou um burro preto claro.

Resumindo:

a) No modelo ocidental inicial, o aparelho de Estado apoia os capitalistas locais (nacionais) no seu
processo de centralização e acumulação de capital, ajudando a vencer a concorrência dos
capitalistas estrangeiros; e, inversamente, procura apoiar os capitalistas nacionais para a conquista
de mercados externos. Posteriormente, no capitalismo atual em que o papel das fronteiras se dilui,
as grandes empresas e a alta finança enlaçam-se com os capitalistas de raiz doméstica num
contexto globalizado, monitorando ou corrompendo a elite governamental de serviço.

b) No antigo modelo soviético o Estado constitui-se ele próprio como um capitalista coletivo, como
gestor da atividade económica, para superar a debilidade do capital privado nacional; e, por outro
lado, defende-se face ao investimento estrangeiro, só admitido com parcimónia ou em parceria,
nos casos em que a estrutura económica nacional(izada) não tem os meios, mormente
tecnológicos, adequados.

No primeiro caso fala-se de economia de mercado; o segundo designou-se socialismo embora se


tratasse, de facto, de um capitalismo de Estado.

Este e outros textos em:

http://grazia-tanta.blogspot.com/

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http://www.slideshare.net/durgarrai/documents

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