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Aqui ainda não nos referimos à ideia do Eu no filósofo Emannuel Lévinas, mas à ideia de um Eu hegemônico
herdado de uma filosofia na qual se principia numa essência metafísica desencarnada da própria humanidade da
pessoa.
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Também aqui não queremos ser pessimistas a esse sistema econômico, mas àquilo que o mesmo se tornou nos
tempos atuais, a supremacia dos pequenos detentores de grandes fortunas e o empobrecimento da maioria.
Marcado por um contexto de pós-guerra, no qual se viu a figura humana nos níveis
mais extremos, os que matam e os que morrem, Lévinas se vê numa sociedade em crise e em
busca de uma reconstrução. Para ele a guerra é um grande empecilho para a construção de
uma alteridade, pois ela (a guerra), na medida em que se realiza, é consequentemente a forma
mais cruel do individualismo.
No prefácio da obra Totalidade e Infinito Lévinas demonstra que
―a violência não consiste tanto em ferir e aniquilar como em interromper a
continuidade das pessoas, em fazê-las desempenhar papéis em que já se não
encontram, em fazê-las trair, não apenas compromissos, mas a sua própria
substância, em levá-las a cometer actos que vão destruir toda a possibilidade
de acto. Tal como a guerra moderna, toda e qualquer guerra se serve já de
armas que se voltam contra quem as detém. Instaure-se uma ordem em
relação à qual ninguém se pode distanciar. Nada, pois é exterior. A guerra
não manifesta a exterioridade e um outro como Outro; destrói a identidade
do Mesmo‖. (1980, p.09-10)
Nesse sentido, para Lévinas, o outro não é somente um alter-ego, um outro com o qual
o Eu estabeleça uma identidade e, portanto, possa dominá-lo. Ele é aquilo que eu não sou. O
outro é para o Eu como um estranho, pois não pertencendo-lhe causa incômodo, e o Eu não
pode ter poder sobre ele. Transpondo-lhe sua extensão o outro ocupa um lugar seu e é pela via
da alteridade que se pode alcançar essa sintonia afetiva entre o Eu e o outro.
O filósofo, na concepção do outro, costuma apresenta-lo com um rosto, que é a
possibilidade fenomênica na qual o outro se revela ao Eu. É o que se manifesta diferente. ―O
rosto de Outrem destrói em cada instante e ultrapassa a imagem plástica que ele me deixa, a
ideia à minha medida e à medida do seu ideatum — a ideia adequada (...) O rosto, contra a
ontologia contemporânea, traz uma noção de verdade que não é o desvendar de um Neutro
impessoal, mas uma expressão‖ (Ibdem, p. 38)
Pode-se compreender com isso que o rosto do outro rompe com todo e qualquer
totalitarismo do ser, com os invólucros e generalidades, e expõe sua forma e a totalidade do
seu conteúdo por si, eliminando assim a distinção de forma e conteúdo gerados pela totalidade
do ser. O ser já não é critério de verificação absoluta, pois o outro e seu rosto já são
expressões próprias de si mesmos.
O rosto do outro, com já havíamos dito acima, incomoda. E este incômodo não pode
ser somente entendido como um sentimento de estranheza, de aversão. Se a filosofia
Ocidental favoreceu uma predominância de um ser fechado em si mesmo, e
consequentemente excluiu o outro de sua composição, na contemporaneidade é por demais
urgente sair dessa compreensão e se apegar à dimensão do sair de si para o outro.
Some-se a essa definição dos direitos humanos fundamentais o fato de eles serem
garantidos exatamente pela diversidade com a qual é formada a sociedade. O espaço social,
destituído daquela compreensão de ser totalitária, é lugar do diferente. Querer estas condições
necessárias para todos não significa uma uniformização dos sujeitos. A unidade não designa
uniformidade, mas ser sociais na diversidade de entes. Dessa forma, a abordagem dos Direitos
Humanos em termos plurais, universais e relativos, faz-se necessárias, pois: o ―pluralismo é
uma características de sociedades livres, em que há a convivência pacífica e respeitosa entre
pensamentos diferentes, atualmente encontrada nos Estados Democráticos de Direito‖. (REIS,
2004, p. 8) ―Não se pode declarar um pensamento melhor que outro, posto que todos são
dignos de respeito. O pluralismo combate o pensamento único, o que contraria uma das
tendências do processo de globalização, que é justamente a homogeneização das culturas‖.
(SPEREMBERGER e RANGEL, 2013, p. 246)
O processo multicultural das sociedades, para os tempos contemporâneos, deve ser
salvaguardado; e é exatamente o que o ideal da alteridade propõe. Onde ao rosto do outro foi
negado seu direito de ser como é, a alteridade lhe garante tal direito. É preciso pois imbuir
nossa compreensão dos Direitos Humanos com tal perspectiva. Só tendo consciência da
pluralidade das sociedades e das pessoas é que podemos garantir sua existência.
O que se expõe, claro, não significa uma supremacia das culturas, perdendo de vista as
identidades próprias em vista de uma multicultura. Não se anula a identidade do eu de cada
uma, pois como já sabemos esse cada uma representa o outro para além do eu mesmo, a
identidade do ―cada uma‖ está resguardada, não se perde na pluralidade, mas também não se
sobressai sobre ela.
A identidade cultural possui uma ligação com a pertença: pertencer a uma
cultura é também se sentir parte de uma comunidade; é estar seguro, pois
nela, segundo Soriano, apresentam-se mais facilmente oportunidades de
vida, especialmente se o grupo for próspero; as relações sociais são mais
leais, há mais contato entre as pessoas do grupo, sendo que a formação da
identidade da pessoa está ligada ao grupo que pertence. (Ibidem, p. 252)
Portanto, se faz exigente repensar os Direitos Humanos Fundamentais por tal ótica. É
redescobrindo o outro, e este na sua existência própria, desacorrentado de todo totalitarismo,
livre de todo pré-juízo, que será possível uma aplicação efetiva daqueles direitos. Pensa-los
não como privilégio de alguns, mas como direitos de todos em sua diversidade. Construir uma
sociedade embasada na Alteridade é possibilitar um caminho dialógico, que implica
consequentemente aceitação da diversidade e compreensão da humanidade do ser e este como
ser-para-o-outro.
BIBLIOGRAFIA
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