Você está na página 1de 52

JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE.

Doutor pela Faculdade de Direito da USP - Departamento de Direito Econômico' ,.'


e Financeiro; professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, da Instituição,
Toledo de Ensino (Bauru) e das Faculdades Integradas ~ntareira; membio.dó~
Instituto Brasileiro de História do Direito, do Conselho à~tífico da APET. do
IBDT e do IPT/SP; advogado em São Paul~.

I ERP E -
R TRIB T RI

2006
© José Maria Arruda de Andrade, 2006

Revisão Erika Sá AGRADECIMENTOS 11


Ilustração da capa Catedral de Colônia (Alemanha), à noite
Edição Pedro Barros PREFÁCIO 15
Diretor res]1(lnsóve! Marcelo Magalhães Peixoto Eros Roberto Grau

APRESENTAÇÃO 19
Prof. Dr. Humberto Ávila

ABREVIATURAS UTILIZADAS 25

INTRODUÇÃO 27
A567i
CAPiTULO 1. O DESENVOLVIMENTO DO TEMA NA TEORIA GERAL DO DIREITO 33
Andrade, José Maria Arruda de 1.1. As principais correntes do século XIX 35
Interpretação da norma tributária / José Maria
1.1.1. A Escola da Exegese (L'Éco/e de L'Exégése) 35
Arruda de Andrade. - São Paulo: MP Ed., 2006
1.1.2. A Escola Histórica do Direito 41
Inclui bibliografia. 1.1.3. A jurisprudência dos conceitos [Begriffsjurisprudenz] ou
ISBN 85-98848-33-6 pandectística [Pandektenwissenschaft] 46
1.1.4. A Jurisprudência dos Interesses [Interessenjurisprudenz] 52
1. Direito tributário - Interpretação e construção. 1.2. Considerações gerais acerca da hermenêutica jurídica tradicional 58
I. Título.
1.2.1. Essencia lismo e representacionalismo 58
06-1646. CDU 340.132.6:351.713 1.2.2. Características gerais 60
1.2.2.1. Objetivos 60
1.2.2.2. Elementos 61
1.2.2.3. Resultados 76
1.2.2.4. Flexibilizações comuns 77
1.2.2.4.1. Ca rga subjetiva 79
1.2.2.4.2. Ambigüidades e vaguezas (textura aberta) do texto normativo 81
1.3. Evitando-se uma hermenêutica tradicional 90
Todos os direitos desta edição reservados a
1.4. Tensões sobre o formalismo e o positivismo: o lastro
MP Editora metodológico dos séculos XX e XXI 93
Av. Paulista, 2202, c;j. 51 1.5. Método jurídico e direito público 98
São Paulo-SP 01310-300 1.6. A identificação com a teoria da obrigação 103
Tel./Fax: (11) 3171 2898 1.7. O desenvolvimento da teorização sobre a interpretação da
adm@mpeditora.com.br
norma tributária no Brasil 113
www.mpeditora.com.br
Um eine Praxis festzulegen, genügen nicht Regeln, sondem man
braucht auch Beispiele, Unsere Regeln lassen Hintertürten offen, und
die Praxis muss für sich selbst sprechen.
[São necessários, para estabelecer uma prática, não só regras,
mas também exemplos. As nossas regras têm lacunas e a prática tem
de falar por si mesma.]
LUDWIG WIITGENSTEIN

3.1. Limites e fluidez da dicotomia

Ao se escolher o direito tributário como objeto de estudo de


uma nova hermenêutica, seja do ponto de vista do subcapítulo di-
dático-científico denominado "interpretação da norma tributária"
(discurso sobre o direito), seja a partir do próprio ordenamento juri-
dico tributário (discurso do direito), o primeiro ponto a se enfrentar
é a dicotomia interpretação e integração.
A primeira geralmente é entendida como processo de desco-
berta e defmição do sentido e alcance da norma (um procedimento
cognitivo), e a segunda, como processo criativo no qual uma lacuna
da lei é colmatada.
Abandonando a noção essencialista e representacionalista de
interpretação, conforme desdobramentos dos pontos até aqui ana-
lisados, todas as outras dicotomias (interpretação e interpretação
extensiva, interpretação extensiva e integração) relativizam-se,
diante da natureza constitutiva desses procedimentos. O ser huma-
no constitui sua realidade, ao buscar descrevê-la; a relação que se
dá entre o (sistema nervoso do) intérprete e o meio ambiente tem

191
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

como postulado uma lógica da coerência (e não da correspondên- da interpretação, algo que estaria além, inclusive, da própria ciência
cia), não permitindo dissociá-lo da realidade/texto que ele pretende do direito.
conhecer/ descrever. O jurista austriaco justifica o golpe que representou o último
As figuras metodológicas da interpretação e da integração pas- capítulo de sua obra citada (acrescentado à obra apenas na segunda
sam a não representar categorias absolutas e diferenciadoras 254 de edição dela, de abril de 1960, direto de Berkeley, após 26 anos da
essências. Toma-se impossível o ordena-
"'i--'HU'HC'U'-.GLU-.O.UH'-, primeira):
mento normativo em
já que a lacuna seria o principal fundamento do uso da "operação" A propósito importa notar que, pela via da interpretação autênti-
denominada integração. ca, quer dizer, da interpretação de uma norma pelo órgão jurídico que
Nesse sentido, mesmo diante da existência de uma legalidade a tem de aplicar, não somente se realiza uma das possibilidades reve-
codificada, comum aos sistemas juridicos de influência romana e ladas pela interpretação cognoscitiva da mesma norma, como também
européia, aos poucos constata-se que o direito realiza-se, consti- se pode produzir uma norma que se situe completamente fora da mol-
tui-se (há, aqui, uma "autonomia normativamente constitutiva", e dura, que a norma a aplicar representa [KELSEN, 1984:471].
não somente uma reprodução cognitiva). Daí a importância de se
reconhecer, no estudo da interpretação, sua função, sua feição "prá- Na dicotomia entre interpretação e integração, exposta em
tico-normativa de realização concreta", na expressão de CASTANHEIRA termos metodológicos mais desenvolvidos em SAVIGNY, e depois
NEVES [1995a:124]. aprofundada por outros juristas, e mesmo revolucionada na juris-
Assim, o texto normativo, outrora apontado como início, meio prudência dos interesses 255 , a separação era necessária para justifi-
e fim intransponível do que pode ser dito/decidido judicialmente, car as diferentes técnicas de resolução de casos.
passa a ser, para alguns, o início e o limite (o sentido possível em Sua rigidez, entretanto, flexibiliza-se de forma insustentável
LARENZ, a possibilidade de se atribuir ao texto normativo a norma- para sua manutenção. Ajurisprudência dos interesses, por exemplo,
decisão em MÜLLER). na ausência de lacuna defendia os mesmos postulados interpreta-
Essa última afirmação é mais problemática do que parece, pois tivos do positivismo anterior. Suas análises sobre o caráter criativo
ainda insuficiente. A metódica juridica ainda não conseguiu vin- da interpretação, a necessidade de se incorporar elementos da rea-
cular os vários sentidos possíveis da concreção normativa ao ponto lidade social e outros fatores relativizantes, eram apontadas como
de partida, que é o texto normativo positivo ou um princípio geral métodos restritos à integração de lacunas.
do direito. E o problema aqui é: quanto mais estrita for a interpretação,
Nesse ponto se confuma a felicidade da expressão cunhada por maior será o espaço destinado à integração, o que, em tese, aumen-
TERCIO FERRAZ JR., o "desafio kelseniano", ao se referir ao último ca- taria os recursos a formas alternativas de análise do caso. No caso
pítulo da Teoria pura do direito de HANs KELSEN e ao caráter volitivo brasileiro, isso estaria resolvido, em parte, pela proibição do uso
da analogia pelo art. 108, § 1°, do CTN. Mas isso foi alvo de mais
254.No direito tributário brasileiro, o grande critico do caráter absoluto da di-
ferenciação entre interpretação em sentido estrito e integração de lacunas é 255. Ver CASTANHEIRA NEVE~ [1995e:221 e ss,) e, sobre a evolução da dicotomia, ver
RICARDO LOBO TORRES [2000a). CASTANHEIRA NEVES [1995h:346].

192 193
JOSE MARIA ARRUOA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

de uma discussão entre vários professores de direito tributário/Fi- Problema mais grave é quando o direito, ao pacificar alguns
nanceiro da Alemanha, onde não havia essa proibição expressa, pontos, como os acima aludidos, vai buscar uma metodologia de
conforme relato de MAUS TIPKE [1983]. explicação de sua prática normativa e descobre que o século XX foi
Com a difICuldade de sustentação das premissas teóricas tra- o século dessa discussão, sendo seus resultados, para aqueles que
dicionais do positivismo/formalismo, tem-se, ao menos na teoria buscam a certeza jurídica, não muito promissores.
geral do direito, uma constatação de um verdadeiro continuum en- No caso brasileiro, salvo vozes isoladas, essa ligação entre o
tre esses dois momentos da A direito tributário, sua metodologia e a filosofia do direito parece
integração, outrora privilegiada pela Jurisprudência dos Interesses, não ter sido feita com freqüência. A discussão ainda fica adstri-
passa a significar não só procedimento para colmatar lacunas, até ta à subsunção restritiva, de um lado, e à tentativa de concreção
mesmo porque se aceitou, em vários lugares, a idéia de CANARIS de da igualdade por meio de análises antielisivas, de outro. O debate,
que o sistema jurídico seria aberto e constantemente atualizável. muitas vezes acalorado, se restringe à troca de acusações de autori-
O sistema positivo legal, com a constatação da multiplicidade tarismo (para quem defende a possibilidade de regras antielisivas) e
de significações atribuíveis aos textos interpretandos, passa a com- de liberalismo exacerbado (para os que criticam essa regra).
por um conjunto de critérios jurídicos formais a serviço de uma Apontados, no capítulo anterior, os pressupostos metodológi-
prática decisória que o ultrapassa. cos aqui adotados, passa-se, agora, a analisar a dicotomia interpre-
No âmbito tributário, toda a discussão que se iniciara com a tação e integração e a questão das lacunas no direito tributário.
autonomia ou não do direito tributário, a natureza da normajurídi- As críticas à dicotomia não justificam, necessariamente, o aban-
ca e quais os métodos que deveriam ser aplicados nos procedimen- dono dela, podendo sua utilização ser importante para alguns temas
tos de interpretação e integração, perdem muito do rigor a partir de direito tributário, sobretudo quando se delimitam alguns possíveis
desses novos pressupostos metódicos. modelos de análise, como um uso didático, descritivo ou normativo.
Naquela época, havia uma maioria que reconhecia o direito O entendimento aqui adotado sobre o uso dessa dicotomia corres-
tributário como dotado de uma autonomia meramente didática, que ponde ao enfoque geral de nosso estudo, qual s~a, a releitura pragmáti-
não o isolaria de outros ramos. Aceitava-se a idéia da natureza de ca, estruturante e não-representacionalista não deve servir tão-somente
norma material das leis tributárias e afastavam-se os métodos aprio- como ataque aos pressupostos metodológicos mais tradicionais do di-
risticos de in dubio contra ou pro fiscum. A questão era somente en- reito tributário e como mera proposta de novos vocabulários.
caixar esses apontamentos em termos mais ou menos savignyanos. Busca-se, antes, a crítica e a relativização daqueles pressupos-
Obviamente, muito restava nessa discussão, como a tentativa tos mais tradicionais aliadas a um novo uso daquele vocabulário já
dos positivistas de, ainda que reconhecendo a aplicação de todos consagrado pelos operadores e doutrinadores.
os métodos jurídicos hermenêuticos, buscarem regras restritivas em Em outros termos, não entendemos útil relativizar a herme-
nome da odiosidade dos tributos. Isso sem contar a discussão sobre nêutica jurídico-tributária, tentar propor uma leitura estruturante
a possibilidade de os fatos geradores serem apreciados com base nesse sub-ramo didático, como fizemos até agora, e, após, simples-
em considerações econômicas e sociais, o que iria contra os limites mente ignorar o uso sedimentado e elaborado de certos vocabulá-
estabelecidos pelo positivismo. rios, de certas expressões.

194 195
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

A dicotomia interpretação e integração justifica várias análi- Dessa forma, pretendemos, aqui, na medida do possível, nos
ses específicas do direito tributário, que vão desde a utilização de valermos do vocabulário já desenvolvido pelo direito tributário de
técnicas como a analógica, a própria elaboração de planejamentos forma tão específica, muitas vezes quase alheia aos construtos me-
fiscais e, por que não?, a própria produção de novos textos norma- todológico-constitucionais do século XX, mas que, por outro lado,
tivos (por exemplo, evitando situações consideradas elisivas).256 apresenta técnicas que possibilitam maior previsibilidade na rela-
Por outro lado, tão-somente apresentar as clássicas conceitua- ção entre contribuintes e Fisco.
ções do que é interpretação, lacuna e ser o uso desse entretanto, deverá ser feito com base
feito, para depois apresentar pequenas flexibilizações conceituais nos subsídios teóricos até aqui defendidos, o que acarretará algu-
(com base em uma ou outra decisão judicial, por exemplo), é des- mas divergências com uma visão mais tradicional, sobretudo quan-
perdiçar a oportunidade de se tentar fugir, de um lado, de um irrea- do se afasta de alguns valores liberais norteadores dos postulados
lismo metodológico (discurso jusfilosófico hermético e destacado científico-dogmáticos do direito tributário.
da análise concreta - conforme elaborado por MENEZES CORDEIR0 257 ) e, Sobre as possibilidades de uso da dicotomia analisada, vale
de outro, do discurso dogmático meramentejomalístico, a defender apresentar três formas nas quais essa tradição da ciência tributária
os interesses de uma das partes de uma lide, conforme lembrado não deveria ser desconsiderada.
por F. MÜLLER. 258
3.1.1. A dicotomia e seu uso meramente didático
256.Por exemplo, o art. 74 da MP n° 2.158-34/01, que determinou que os lucros
auferidos por coligadas ou controladas no exterior devem ser tributados no Esse uso compreende a referência, em uma comunidade (de
encerramento do periodo-base a que se referem e não somente no momento juízes, de advogados, de juristas, ou de vários deles, por exemplo),
de sua efetiva disponibilização juridica ou econômica, conforme previsto na
a conceitos que geram uma compreensão básica, mas suficiente a
Lei n° 9.532/97 e alterações posteriores. Vale comentar que há uma ADIn
(2.588-1) em trâmite no STF, sob relatoria da Ministra ELLEN GRACIE. O voto um propósito de entendimento comunicativo. Em outras palavras:
da Relatora julgou procedente, em parte, o pedido, para declarar a inconsti- o vocabulário, aqui, funciona como redutor de complexidade, per-
tucionalidade da expressão "ou coligada".
mitindo a fácil contextualização da matéria ou dos fatos analisados
257. "Talo dilema da ciência do direito no final do século vinte: perante pro-
blemas novos, ou se intensifica um metadiscurso metodológico irreal, ina- no âmbito de um discurso.
plicável a questões concretas e logo indiferentes ao direito, ou se pratica (i) interpretação funcionaria aqui como processo descobridor
um formalismo ou um positivismo de recurso. Em qualquer dos casos, as e declaratório de significados, mesmo quando eles não se "encon-
soluções são ora inadequadas ora assentes em fundamentações aparentes,
escapando ao controlo da ciência do direito" [1989:XXVlII]. tram" necessariamente no texto da norma.
258.PAULO BONAVIDES, ao prefaciar a obra Métodos de trabalho do direito consti- (ii) integração como forma de solução de litígios em casos nos
tucional, de FRIEDRICH MÜLLER (2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 14), quais há lacunas que não se referem a espaços propositadamente
cita uma passagem do texto Gerechtigkeit und Genauigkeit, desse jurista
alemão: "A ciência do direito ou será racional e honesta em termos de
ajuridicos [Steuerrechtsfrei Raum].
Metódica, ou não será. Ela existirá, só que não enquanto ciência, mas, na
sua parte dogmática, como estudos juridicos [Rechtskunde] empenhados em notas de rodapé, como publicação de meras opiniões e ciência jurídica das
coletar e inventariar, em desculpar a dominação, em aquietar objeções; e, partes interessadas. ,Ciência do direito somente tem chance de ser o que não
na sua área de atuação juspolítica, como jornalismo de fIm-de-semana com se toma papel velho sob as penadas do legislador."

196 197
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

o USO
didático tem a grande virtude de estabelecer padrões e não se desenvolve nesse rumo. Trata-se, entretanto, de uma opção
standards de comunicação. Permitem-se o aprendizado e a análise metodológica.
de procedimentos metodológicos complexos, o que é sempre pro- U:na ressalva, no entanto, deve ser feita, justamente para o
dutivo e útil. uso talvez mais interessante dessa perspectiva (normativa), qual
Essa abordagem, contudo, não pode ser confundida com a seja, o uso do discurso sobre o direito (doutrina, petições) como
possibilidade de apontar para a distinção dos elementos da dico- fundamento de uma tese específica a ser utilizada em um processo
tomia de forma plena, e a "U.U,'-Á"'.Á, por (defesa e contra-razões, em sentido amplo),
antecipação e a classifICação de todos os sentidos do texto ou mesmo uma decisão juridica (motivação, persuasão das razões
normativo interpretando. que justificam a parte dispositiva da norma-decisão).
Em outras palavras: a partir do momento em que se abandona
3.1.2. Interpretação e integração e seu enfoque normativo o caráter descritivo (a posteriori ou simulado, conforme se verá) da
interpretação da norma, partindo-se para uma concreção ou um
Trata-se de teorias que almejam determinar os métodos e os entendimento cujo conteúdo se pretende aceito (impõe-se, retorica-
limites para a atividade do jurista. Não visam ao conhecimento da mente), como nos casos de petições feitas por advogados em juízo
concreção normativa efetiva, da realização do direito, preocupam- ou mesmo decisões juridicas que visam não ser reformadas, tem-se
se, antes, com a sistematização de métodos a serem seguidos. 259 As- um campo indispensável ao direito, a partir do momento que se
sim, têm-se modelos interpretativos que, ainda que abstratamente, trata de uma ciência de caráter normativo.
intentam mostrar como deve ser o trabalho do julgador. Nesse caso Daí não se estaria falando de uma teoria sobre a interpretação
se enquadram as teorias que tratam dos métodos de interpretação de caráter normativo, mas de um uso normativo de uma determi-
(gramatical, lógico, sistemático, teleológico) não como instrumen- nada opção de decisão.
tos, mas como etapas preestabelecidas para se alcançar a verdade,
ou, ao menos, a resposta correta. 3.1.3. Interpretação e integração e seu enfoque descritivo
No caso da dicotomia interpretação e integração, preestabele-
ciam-se todas as hipóteses nas quais ora se aplicaria um método, Nessa hipótese, a referência à interpretação e à integração fun-
ora outro. Seriam predeterminadas, ainda, as técnicas utilizadas em ciona no sentido de, a posteriori, ou mesmo por abstração (casos
cada situação, muitas vezes, com hierarquia entre elas. hipotéticos), examinar normas-decisão, separando os componentes
Como esse enfoque pouco mostra das limitações epistemológi- argumentativos delas e os enquadrando nestes dois padrões refe-
cas da formulação de qualquer teoria da interpretação, nosso texto renciais (interpretação ou integração).
Note-se que, aqui, a descrição funciona como análise a poste-
259.Devo a JOSÉ AUGUSTO FONTOURA COSTA a idéia de abordar as teorias interpre-
riori de julgados, ou ainda de soluções hipotéticas de casos.
tativas a partir de duas categorias, teorias normativas e descritivas, o que Nesse sentido, o uso descritivo permite o exame de normas-
pode ser visto em FONTOURA COSTA [2000:107-211]. Com ele discuti, ainda, decisão [Entscheidungsnormen] já exaradas, possibilitando a aná-
o último capítulo da Teoria pura do direito e algumas impressões sobre a
lise da estratégia de justifIcação delas. Veja-se que a riqueza desse
autopoiese biológica.

198 199
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

uso diz respeito à possibilidade de análise da aplicação de diversos competentes para tal), seja como instrumento de formulação de
e distintos métodos interpretativos, conforme a posição adotada. resultados hipotéticos (operação que iria dos dados comunicativos
Esse enfoque permite, ainda, o estudo da interpretação (em seu reais e lingüísticos até o âmbito normativo, porém sem produzir
sentido amplo, aqui identificado como concreção nomlativa) como a norma e a norma-decisão real). Isso, não em termos do trabalho
uma relação que se estabelece entre o texto normativo (e, após, jurídico, mas quanto ao resultado, se assemelha ao papel a ser rea-
programa normativo) e o ilmhito da norma. Isso altera, em muito, o lizado pelo cientista do direito kelseniano.
enfoque baseado tão-somente na A grande entre o uso desclitivo da dicotomia e uma
no texto normativo. visão essencialista é que, sem fugir à tradição jurídico., não se bus-
261

Pode-se trabalhar, ainda, no contexto do uso descritivo como ca relativizar essa herança por meio de subterfúgios discursivos.
formulação de hipóteses de concreção normativa, a partir de dados Em outras palavras, a elaboração de possíveis e hipotéticas
lingüísticos e reais, mesmo que relativos a descrições de situações normas-decisão, ainda quando se assume a possibilidade de dife-
fáticas simuladas. Nesse caso, ter-se-ia algo próximo ao proposto rentes resultados partindo-se dos mesmos textos normativos, pode
por HANs KELSEN, ao definir a tarefa do jurista como a de apontador ser mais satisfatória do que a mera flexibilização (daí o subterfúgio
das hipóteses cognitivas cabíveis dentro da moldura da norma (até discursivo mencionado) dos métodos interpretativos ou integra-
porque o ato de vontade característico da decisão dentre as hipó- tivos sem a conseqüente releitura dos pressupostos metodológi-
teses da moldura é a tarefa política que o jurista austríaco entende cos que os embasam, como se vê hodiemamente (ver sub capítulo
como não sendo a função precípua do cientista). 260 1.2.2.4.).262
Convém deixar claro que as invocações kelsenianas realiza-
das não pretendem buscar a identificação dos pressupostos teóri-
cos aqui adotados com os fundamentos cognitivos neokantianos 3.2. Proposta de enfoque (perspectiva decisionista e pragmática)
desenvolvidos pelo jurista austríaco. Não se intenta sequer com-
parar o vocabulário utilizado na teoria estruturante do direito com Outra delimitação do enfoque utilizado em nosso trabalho
o da teoria pura do direito. Busca-se, antes, ressaltar que o uso deve ser explicitada e se refere, de um lado, à escolha da perspecti-
descritivo de um vocabulário adotado freqüentemente pelo direito va subjetiva e, por outro, a um método de análise decisionista (que
tributário brasileiro, como a dicotomia interpretação e integração, privilegia o momento da formação da norma-decisão).
por exemplo, pode ter um uso interessante, seja como ferramenta
de análise a posteriori de normas-decisão produzidas (por órgãos 261. Aquele que busca, desde modelos representacionalistas (palavras que apon-
tam para objetos existentes na natureza ou nas idéias, razão), apreender a
260. "A questão de saber qual é, dentre as possibilidades que se apresentam nos verdade e o conteúdo preexistentes no objeto de estudo.
quadros do direito a aplicar, a 'correta', não é sequer - segundo o próprio 262. "Portanto, nem mesmo dizendo que o homem é tanto sujeito como objeto,
pressuposto de que se parte - uma questão de conhecimento dirigido ao pour-soi tanto como en-soi, estamos apreendendo nossa essência. Não es-
direito, positivo, não é um problema de teoria do direito, mas um problema capamos ao platonismo dizendo que 'nossa essência é não ter essência', se
de política do direito. [... ] então tentamos usar essa percepção como base para uma tentativa constru-
A interpretação juridico-científIca não pode fazer outra coisa senão estabele- tiva e sistemática de descobrir verdades ulteriores sobre os seres humanos"
cer as possíveis signiflcações de uma normajuridica" [KELsEN, 1984:469-72]. [RORTY, 1994:371].

200 201
INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE

Quanto à escolha de perspectiva, optou-se, no âmbito deste sobre o papel de quem decide (operador máximo) e da função da
trabalho, por eleger, como elemento orientador, ou ao menos cen- dogmática e da teoria do direito neste contexto (em sua busca de
tral, o aplicador competente. 263 decisões que apresentem como justificativas argumentos juridicos
Não se trata, necessariamente, de uma perspectiva inovadora, e que sejam produzidas por meio de um procedimento previamente
mas as formas tradicionais de ver o direito partem de um observa- estabelecido l.
dor extra-sistêmico. um obsenrador que não participar da Pretende-se, assim, constatar essas limitações cognitivas tra-
composição efetiva do zendo-as para a dogmática e para a teoria do direito, buscando, no
processo de descrição da metódica juridica, o abandono da cisão
Nossa proposta, porém, considera a cisão básica não aquelajurí- teoria-prática, ou mesmo entre ser e dever-ser, elegendo como pers-
dico-não jurídico ou a observador científico-objeto, mas o decisor-sis- pectiva privilegiada a obtenção da norma-decisão juridica e evitan-
tema global. Assim, o jurídico deixa de ser um dado prévio à decisão, do questões que almejem os fundamentos últimos dos elementos da
mas passa a ser constituído por esta. Os contextos concretos passam a ciênciajuridica, ou mesmo questões como: a residência do conteúdo
preponderar sobre os teoréticos e a arbitrariedade do delineamento é da norma, a autonomia intencional normativa, a natureza lógico-
reduzida (FONTOURA COSTA, 1997a: 1_2).264 causal-científica tradicional da racionalidade do sistema juridico
(sobretudo no enfoque das fontes do direito).
Esse tipo de abordagem se ajusta com os apontamentos da E, no caso específico da interpretação jurídica (em seu sentido
teoria biológica da cognição (autopoiese biológica - sub capítulo mais amplo), esse enfoque aponta, basicamente, para a constatação
2.1.1.5.). Nesse sentido, o intérprete não conhece seu objeto de es- (ou a hipótese) da interpretação como processo criativo-decisório,
~tudo como algo meramente externo a ser captado por seu sistema que se refere antes a adestramentos do que a processos de compre-
nervoso e depois reconstruído parcialmente. No contexto em que ensão mentaP65
se pretende trabalhar aqui, a realidade e os textos normativos não Especificamente sobre a interpretação fiscal, conforme já vis-
são dados, dependem do intérprete, não por mero capricho dele, to, a legalidade tributária, determinada pelo art. 151, I, da CF e
mas porque o que é relevante juridicamente é inseparável do que a pelo art. 97 do CTN, impõe ao intérprete a existência de uma lei em
estrutura do intérprete é [VARE LA, 1995:23]. sentido formal para que se aumente, institua ou prescreva qualquer
Outra hipótese de trabalho será a forma pragmática da análise, elemento da hipótese de incidência tributária abstrata.
essa como maneira de abandono das razões, essências e funda- No caso brasileiro, conforme depois se verá, o art. 108 do CTN,
mento do ordenamento juridico, da racionalidade jurídica, em prol em seu § 10, vedou a aplicação da analogia gravosa ao contribuinte
de outra perspectiva, que, ainda que delimitadora da racionalidade (imputação de tributo por meio de analogia).
humana, permita, a partir desses limites, traçar elementos críticos
265. Enfoque derivativo de uma leitura da concepção do "seguir uma regra" e do
263. Intérprete autêntico kelseniano (investido de competência para criar normas). "sistema referencial" em LUDWlG WmGENSTEIN (PhU e ÜG, respectivamente),
264. O texto citado foi apresentado no "lI Encontro sobre as Transformações do além dos subsídios da teoria biológica autopoiética (fenômeno semântico-
Direito", evento coordenado pelo professor Eros Roberto Grau em setembro interpretativo e arcabouço ad hoc, conforme já abordado, em ambos os
de 1997. casos, no capítulo 2).

202 203
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

Dessa forma, o trabalho do intérprete de textos normativos tri- Esse ressarcimento era regulado pela Instrução Normativa do
butários, baseado em um domínio de técnicas e de seus instrumen- Secretário da Receita Federal n° 21, de 10.3.1997. As empresas que
tos, será, mediante recursos interpretativos, produzir o programa requeriam tal ressarcimento por meio de pedido de restituição em
da norma, elaborando a área da norma para a devida constmção dinheiro, não conseguiam a aplicação dos juros SELIC. A Receita
da norma-decisão, conectada com a realidade própria do caso de- Federal tem defendido a tese de que não se deve aplicar o precei-
cidendo. to estabelecido no art. 39, § 4°, da Lei n° 9.250/95 266 nos casos de
Nesse procedimento de e ressarcimento. Sustenta-se, dessa forma, a ausência de dispositivo
mesmo da área da norma, o intérprete formará sentidos, cons- normativo expresso espaço ajuridico tributário contrário ao
tmindo-os. A própria decisão sobre o que será considerado mera contribuinte).
interpretação, interpretação extensiva e o que, ao contrário, será Há três formas básicas de se resolver essa questão.
defendido como integração diante de lacunas, dependerá da decisão A primeira forma vale-se do método sistemático, ou seja, de-
e da justificação que o intérprete fizer. clara a inexistência de lacuna, entendendo ser devida a aplicação
Nosso enfoque será o da análise da norma-decisão, quando dos juros SELIC. Nessa situação, o ressarcimento seria apenas o
a decisão se encontra formulada em forma textual (muito embora, motivo ensejador da restituição (cuja sistemática adota a aplicação
como norma que é, contenha elementos não-lingüísticos - a vio- da SELIC).
lência constitucional aludida por MÜLLER e já tratada no capítulo A segunda alternativa é reconhecer a lacuna e buscar uma for-
anterior). Isso sem esquecer, obviamente, que a análise da norma- ma de colmatá-Ia pelos métodos considerados idôneos. Nos casos
decisão também é uma leitura e, portanto, uma interpretação. analisados, a forma será a analogia e/ou aplicação do princípio da
Inúmeros podem ser os exemplos de decisões tributárias que igualdade e da vedação do enriquecimento ilícito.
foram apontadas como fruto de um procedimento de integração A terceira será considerar que a ausência de disposição ex-
e que poderiam, ao contrário, ser fundamentadas como mera in- pressa não autoriza a aplicação de SELIC por esse índice de juros
terpretação sistemática, o que comprova seu caráter decisório e não refletir recomposição patrimonial (correção monetária), e sim
problemático. Utilizaremos aqui um exemplo que tem sido constan- um "plus".
temente julgado por um tribunal administrativo, a saber, o Conse- Na primeira hipótese, vale ressaltar que o crédito concedido
lho de Contribuintes do Ministério da Fazenda. pode ser utilizado de várias formas, seja pela compensação com o
Trata-se da situação enfrentada por empresas que exportam próprio IPI (art. 40 da Lei n° 9.363/96 ou arts. 30 e 80 da IN 21/97),
produtos industrializados, tendo direito à imunidade prevista na pela transferência para outro estabelecimento da mesma empresa
CF (art. 153, § 3°, III). Como havia um interesse em privilegiar (art. 2°, § 3°, da Lei n° 9.363/96), pela compensação com outros
ainda mais as exportações, a Lei n° 9.363, de 13.12.1996, e as
266. "Art. 39. [...] § 40 A partir de lo de janeiro de 1996, a compensação ou res-
medidas provisórias que a antecederam instituíram o crédito pre- tituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema
sumido do IPI, como forma de ressarcimento da contribuição ao Especial de Liquidação e de Custódia - SELrC para títulos federais, acu-
PIS e da COFINS incidentes na aquisição de insumos utilizados mulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido
ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1010
naqueles bens destinados à exportação.
relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada."

204 205
INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE

tributos federais (art. 5° da IN 21/1997), pelo ressarcimento em es- portanto, a semelhança necessária se quisessem justificar a analo-
pécie (art. 4°, parágrafo único, da Lei n° 9.363/96). Assim, deve-se gia, qual seja, trata-se de um ressarcimento que será efetuado por
lembrar que ressarcimento e restituição não são conceitos compará- restituição, o que justifica a adoção do mesmo regime.
veis entre si. Ressarcimento é a razão que fundamenta a origem ao Outras duas formas de integração de lacuna previstas no art.
crédito presumido. Restituição é uma das formas de satisfação desse 108 do CTN (inciSOS II e III) são a aplicação dos princípios gerais de
crédito. ao lado da comnensação. 267 direito tributário e de direito público. Esse método, ao ser confron-
Portanto, não se tem ausência que tado com o caso, reclamaria a aplicação do princípio nor-
preveja a aplicação dejuros SELIC. A Lei n° 9.363/96 simplesmente mativo constitucional da isonomia e da vedação do enriquecimento
não previu a forma de compensação e de restituição (ambas devido indevido. 268
ao ressarcimento) porque não precisava, estando esta matéria já Por fim, tem-se a hipótese de aplicação da eqüidade, nos ter-
regulada pela Lei n° 9.250/95. Assim, a Lei n° 9.363/96 deveria ser mos do art. 108 do CTN. Nesse caso, a única vedação (art. 108, § 2°,
interpretada em conjunto (sistematicamente) com a Lei n° 9.250/95. do CTN) à utilização da eqüidade seria a de dispensa de pagamento
Portanto, pode-se alegar que não se trata de lacuna (ausência de de tributo, o que não aconteceria aqui. JosÉ SOUTO MAIOR BORGES, por
prescrição), mas de equívoco ao se entender o ressarcimento como exemplo, defende a aplicação desse método para solução de casos
algo que não se efetua por meio de restituição. semelhantes [1999:48-9].
A segunda hipótese é a de existência de lacuna e a possibili- Na terceira hipótese, a lacuna não deveria ser colmatada, por
dade de se valer dos métodos hermenêuticos de solução. Um deles falta de dispositivo expresso estendendo o direito à aplicação dos
seria o recurso da analogia, não vedada nesse caso (o art. 108, § juros SEUe. Na verdade, ter-se-ia aqui um espaço ~uridico que ftm-
. 1°, do CTN veda somente a analogia gravosa), por não se tratar de cionaria como ausência de norma de autorização à Administração.
imputação de tributos. Segundo esse entendimento, quando se tratou normativamente do
Para a devida aplicação do método analógico, deve haver se- crédito presumido por ressarcimento de PIS e COFINS, não se prescre-
melhança entre a regulação paradigmática a ser adotada e o caso veu a adoção dos juros SEU C ou do art. 39, § 4°, da Lei n° 9.250/95.
não regulado. No presente caso, de crédito de IPI, o paradigma a ser Pois bem, esse foi o resumo da questão. O Segundo Conselho
ressaltado é a aplicação dos juros SELIC na restituição/compensa- de Contribuintes tem julgado freqüentemente tal discussão. No pro-
ção de tributos federais (art. 39, § 4°, da Lei n° 9.250/95). Haveria, cesso n° 10920.000797/98-68 (Recurso n° 110.677, de 15.9.1999),
por maioria de votos, a Primeira Câmara decidiu de acordo com a

267. RlCARDO LOBO TORRES esclarece as situações em que o crédito flscal aparece na
primeira hipótese acima descrita:
forma subsidiária de restituição: "[ ...] há incentivos que podem operar al-
ternativamente através de créditos flscais ou restituições. [...] A restituição, 268.Ver ATALlBA [1993:43]: "Não pode haver correção para o fISCO e não para
portanto, é o mecanismo subsidiário para a atuação do direito ao crédito o contribuinte. A relação tributária é bilateral. As partes são iguais. Os
flscal, já que este perderia a eflcácia se não fosse garantido por aquela" índices devem ser os mesmos. É inconstitucional a lei que vede ao con-
[1983:188-9]. Mais adiante, completa: "A restituição, portanto, é dupla- tribuinte correção que deve ao Fisco. Se a lei só mencionar o fISCO, como
mente funcional. Garante subsidiariamente a eflcácia do crédito-incentivo benefIciário da correção, não será inconstitucional, mas estender-se-á ao
incondicionado. E, cumulativamente com este, serve de instrumento de efl- contribuinte autoIllaticamente". Seguindo essa mesma idéia, ver GRECO
cácia de isenção (ou imunidade, ou alíquota zero)" [1983:194-5]. [1999:163] e BORGES [1999:46].

206 207
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

TAXA SELIC - NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO expressa previsão legal (Parecer AGU n° 01/96). O artigo 66 da Lei n°
- Incidindo a Taxa SELIC sobre a restituição, nos termos do art. 39, 8.383/91 pode ser aplicado na ausência de disposição legal sobre a
parágrafo 4°, da Lei n° 9.250/95, a partir de 01.01.96, sendo o ressar- matéria, em face dos principios da igualdade, finalidade e da repulsa
cimento uma espécie do gênero restituição, conforme entendimento ao enriquecimento sem causa. Precedentes do Colegiado. Recurso pro-
da Câmara Superior de Recursos Fiscais no Acórdão CSRFj02-0.708 de vido (Primeira Câmara do Segundo Conselho de Contribuintes, proces-
04.06.98, além do que tendo o Decreto n° 2.138/97 tratado restituição so n° 11065.000249/97-10, Recurso n° 114.010, de 06.7.2000).
e ressarcimento da mesma
sobre o ressarcimento. Noutro caso semelhante, a correção monetária é assegurada,
mediante aplicação analógica, mas não a taxa de juros SELIC, por
Em outro julgado, dessa vez da Segunda Câmara do Segundo não representar mera correção monetária, e sim "um 'plus' que exi-
Conselho de Contribuintes (processo n° 13839.001331/98-42, Re- giria expressa disposição legal", o que confirmaria a terceira hipó-
curso n° 119.637), o mesmo direito foi reconhecido, mas por meio tese acima descrita:
do recurso analógico (segunda hipótese, portanto):
IPI - RESSARCIMENTO - I) CORREÇÃO MONETÁRIA - Aplica-
IPI - RESSARCIMENTO - CORREÇÃO MONETÁRIA E TAXA SEUC se a atualização dos ressarcimentos de créditos incentivados de IPI,
- Aplica-se à atualização dos ressarcimentos de créditos incentivados de por analogia ao disposto no § 3° do art. 66 da Lei n° 8.383/91, até
IPI, por analogia, o disposto no § 3° do art. 66 da Lei n° 8.383/91, até a data da derrogação desse dispositivo pelo § 4° do art. 39 da Lei n°
a data da derrogação desse dispositivo pelo § 4° do artigo 39 da Lei n° 9.250, de 16.12.1995. lI) TAXA SELIC - Em sendo a média mensal
9.250, de 26.12.95. A partir de então, por aplicação analógica deste mes- dos juros pagos pela União na captação de recursos através de títulos
mo artigo 39, § 4°, da Lei n° 9.250/95, sobre tais créditos devem incidir lançados no mercado financeiro, é evidente a sua natureza de taxa
juros calculados segundo a Taxa SEUe. Recurso provido. de juros e, assim, imprestável corno índice de correção monetária, já
que informados por pressupostos econômicos distintos, constituindo
No caso de aplicação de índices de correção monetária aos um "plus" que exigiria expressa disposição legal para a sua adoção
valores de IPI ressarcidos em outros casos, o próprio Conselho de no ressarcimento de créditos incentivados. Recurso provido em parte
Contribuintes já aceitava a idéia consagrada pelo SIF (entre outros, (Segunda Câmara do Segundo Conselho de Contribuintes, Processo n°
no RE 89.791-RJ, RTJ 96/781) de que sua aplicação constitui mera 10630.000143/93-86, Recurso n° 112.533, de 10.5.2000).
atualização. No caso abaixo citado, é constatada uma lacuna, mas
aplicam-se os princípios da igualdade, finalidade e da repulsa ao Este exemplo mostra como vários são os sentidos possíveis de
enriquecimento sem causa para colmatá-Ia: ser construídos a partir dos mesmos dispositivos normativos. Aliás,
a questão de se saber se se tratava ou não de um caso de lacuna foi
IPI - RESSARCIMENTO - CORREÇÃO MONETÁRIA - A atualiza- ao menos consensual.
ção monetária dos ressarcimentos de créditos de IPI constitui simples A metódica juridica tributária deve se preocupar com esse tipo
resgate da expressão real do incentivo, não constituindo plus a exigir de situação. As três hipóteses foram baseadas em procedimentos

208 209
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRmÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

predeterminados (recursos administrativos no Conselho de Contri- o estudo das lacunas não prescinde, entretanto, de uma rápida
buintes) e se valeram de argumentos juridicos. anotação histórica. Conforme já visto, se no âmbito da escola exe-
Nesta sumária apresentação, não houve, de nossa parte, é verda- gética francesa pós:-revolucionária, cujo objeto de análise era um
de, um aprofundamento dos argumentos juridicos apresentados pe- ordenamento juridico codificado e posto, baseado em um projeto
los julgados ou mesmo referência a outros. Não se buscou, também, racionalista do Iluminismo, a mera idéia de lacuna soaria absurda.
construir um esquema de h'Py"rrml entre eles, ao menos nesse caso Esse legalismo buscou, no jusracionalismo, uma racionalidade
concreto. Por ora, bastou a referência como sistemática a fundamentar a necessidade de criação de códigos que
demonstração do que até então expusemos (a da ligidez da fossem não apenas uma compilação de leis, mas um corpo racional
dicotomia e a possibilidade de várias construções normativas).269 e unitário, que representasse uma razão juridica escrita e acabada.
Percebe-se, pois, a importância do estudo sobre a existência Com o monopólio estatal da produção de direito positivo,
ou não de lacunas, a completude ou não do ordenamento juridico. aceitar a idéia de lacuna seria criar um concorrente na produção
Deve-se, portanto, abordar os tipos de lacunas do texto normativo normativa, uma quebra do monopólio estatal, daí o dogma da com-
para a devida análise do tema integração no direito tributário. pletude do ordenamento [BOBBIO, 1999: 120-1].
Aliás, vale lembrar que o art. 4 do Code Civil determinava
que o juiz não podia se recusar a julgar, a pretexto de silêncio,
3.3. Integração e o estudo das lacunas obscuridade ou insuficiência da lei, um caso a ele apresentado, po-
dendo, caso contrário, ser processado por denegar justiça [BOBBIO,
Além das limitações cognitivas inerentes à experiência huma- 1999:118] (ver subcapítulo 1.1.1.).
na, anteriormente citadas, outra questão correlata versa acerca dos Os estudos sobre as lacunas juridicas ganham relevo na obra
limites da juridicidade de textos normativos. de SAVIGNY, já que na Escola Histórica e, após, na Jurisprudência dos
Ora, se o sistema de textos positivos, postos e vigentes, já não Conceitos, a plenitude do ordenamento juridico decorre da caracte-
define, por si só o direito realizando, histórico-concretamente, a ristica sistemática e dogmática desses construtos.
abordagem do direito como teoria da norma e do ordenamento de- Na Jurisprudência dos Conceitos, especificamente, passa-se a
verá tratar dos limites prescritivos dessas normas postas e do sur- desenvolver a noção de sistema, a partir de princípios que ou são
gimento de lacunas, espaços além desse espaço regulador (isso, ao encontrados na própria história do povo ou são deduzidos da racio-
menos, em um primeiro momento) [CASTANHEIRA NEVES, 1993:206-7]. nalidade do conjunto dos dispositivos adotados pelo sistema.
Com PUCHTA, tem-se a idéia de uma pirâmide de conceitos, em
269.Apenas como nota, se fôssemos propor uma interpretação pessoal ao caso, que novos princípios jurídicos são deduzidos de outros, mediante tra-
certamente opinariamos pela primeira hipótese, pois nos parece muito cla- tamento lógico-formal. Por meio dessa técnica, o jurista pode dedu-
ro que os diversos usos das sistemáticas de restituição e compensação são
direitos de quem pagou indevidamente (repetição de indébito) ou goza da
zir, ou melhor, compreender os conceitos jurídicos, já que todos estão,
prerrogativa de ser ressarcido. Não acreditamos se tratar sequer de caso de em sua organicidade, ligados uns aos outros (subcapítulo 1.1.3.).
lacuna, mas de análise da classifIcação das formas de exercícios dos direitos No contexto daquela escola, que, conforme assinalado, foi con-
do contribuinte: de um lado, formas de exercício (restituição), de outro, seu
siderada o método jurídico por excelência, um modelo a ser seguido
motivo (ressarcimento).

210 211
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

até pelo direito público (subcapítulo 1.4.), o ordenamento jurídico é Nesse periodo, houve uma elaboração de novos critérios nor-
tratado como um sistema fechado, autônomo e coerente, formado mativos para se resolver lacunas. Além da própria lei, caberia ao
por elementos que se tomam independentes da vida social.270 intérprete conhecer os interesses da sociedade na lei e em sua expe-
A plenitude do ordenamento [di e logische Geschlossenheit des riência pessoal. O próprio uso da analogia passa a ser permeado não
Rechts] decorre não da exaustão da atividade legislativa, mas da em uma semelhança lastreada numa análise lógico-conceitual, mas
possibili.dade de deduSão de outros por meio de operações
il1\..ÁIJ.lVe> em uma baseada em fatores prático-normativos, o que permitiria
lógicas sobre os já descobertos ou que uma situação de interesses sofresse o mesmo juízo decisório
ção (subsunção) sempre será possível, tendo em vista o arsenallógi- que outra situação semelhante. 273
co que permitirá que o jurista ou o intérprete solucione a lacuna. Grande ênfase foi dada ao estudo das lacunas nessa escola e
Essa solução decorre da elaboração de conceitos que representam e também na Escola da Livre Criação do Direito, já que a definição de
condensam o conteúdo do preceito legal interpretado, de tal forma que lacuna assinalava a área na qual caberia ao intérprete desenvolver
se permita a consideração dessas representações como se fossem objetos o direito (integração), papel cada vez mais reivindicado pelo Ju-
ou corpos jurídicos, com existência objetiva e autônoma (JHERING). A par- diciário e que conduziu a um próprio alargamento do conceito de
tir desses corpos, é possível desenvolver novos princípios e regulamentar lacuna [LARENZ, 1997:522].
os casos que a lei não previu [DoMINGUES DE ANDRADE, 1987:82]. Note-se que tratar do tema lacunas é se afastar um pouco do en-
JHERING declarou nessa fase de sua obra (ligada à Jurisprudên- foque até aqui adotado, baseado antes no direito como estudo herme-
cia dos Conceitos) que reduzir a conceitos as soluções legais positi- nêutica (em seu sentido mais lato - estudos sobre a interpretação).
vas e articular um sistema, a partir dessas construções, era a tarefa Pensar o problema da completude normativa é tratar o direito
. mais alta e nobre do jurista [die hohere Jurisprudenz].271 como ordenamento jurídico, ainda que se trate apenas de cortes
Com a Jurisprudência dos Interesses, entretanto, há uma in- didáticos.
versão desse método. Já não se analisam mais os conceitos ou os Quando se aborda esse assunto, algumas características bási-
princípios deduzidos do sistema (dos preceitos já existentes) para cas se destacam, como a idéia de sistema e racionalidade do orde-
formar e hierarquizar novos conceitos e princípios. A ênfase dessa namento. Dependendo da concepção do estudioso, a própria noção
escola recai sobre o conflito dos interesses envolvidos no setor de de lacuna sofrerá alteração. 274
regulamentação do caso sobre o qual não há hipótese normativa e, KARL ENGISCH, ao tratar da questão, aponta a lacuna como uma
a partir daí, se buscará um prolongamento da hipótese semelhante, "incompletude insatisfatória" no seio do direito positivo (legislado
o que muitas vezes é denominado método da inversão [Inversions- e também consuetudinário, ou seja, não tão-somente positivado).
methode]272 (ver subcapítulo 1.1.4.). Essa incompletude assume um caráter indesejável, uma falta ou
falha do conteúdo da regulamentação, o que admite, entretan-
270. Daí o ataque irônico de JHERING à Jurisprudência dos Conceitos e sua total
to, sua remoção por meio de uma decisão jurídica integradora
separação com a realidade prático-jurídica. Sobre esse aspecto da obra de [2001:276-9].
JHERING e a ironia como elemento retórico, ver ADEODATO [2002:161-83].
271. Ver DOMINGUES ANDRADE [1987:82] e CASTANHEIRA NEVES [199Sg:287]. 273. CASTANHEIRA NEVES [199Se:234-S] e HECK [1999:32-3].
272.Ver DOMINGUES ANDRADE [1987:84]. 274.Sobre o problema das lacunas, ver ASCARELIl [2001:118-23].

212 213
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETA';ÁO DA NORMA TRIBUTÁRIA

Convém aqui assinalar que o autor trata do assunto classi- Se não é caso de lei incompleta, mas defeituosa, não é o caso
ficando-o como o gênero denominado "deficiências do direito", de integração de lacunas, mas de desenvolvimento superador da
que comportaria as espécies "lacunas" (fechadas ou colmatadas por lei. "A fronteira entre uma lacuna da lei e uma falha da lei na pers-
meio da integração juridica) e "incorreções" la serem consertadas pectiva da política legislativa só pode traçar-se na medida em que
por meio de leis para tanto) [ENGISCH:2001:275 e 280]. se pergunta se a lei é incompleta comparada com a sua própria in-
pode-se decompor sua tenção reguladora ou se somente a decisão nela tomada não resiste
noção de lacuna em dois elementos insatis- a uma crítica de legislativa." Essa distinção é questão de
fatória e totalidade jurídica. 275 valoração e não de juízo sobre fatos ou decorrência de conclusões
Tanto com a lacuna quanto com a incorreção do ordenamento, lógicas, conforme afirmaram HECK e BINDER [LARENZ, 1997:530-1].277
no âmbito de uma teoria tradicional, uma situação fática poderia Até agora, como visto, o enfoque recaía sobre a questão da
ficar sem solução, tendo em vista uma ausência de regulamentação, completude do ordenamento jurídico. Outro enfoque possível é pri-
não se respondendo questões como: tal fato deveria estar previsto vilegiar não o ordenamento em si, mas a intenção do plano de
ou não no texto normativo?, por não estar previsto, deve continuar regulamentação adotado, a teleologia dessa regulamentação. Daí
nessa situação? pode-se falar em lacunas intencionais e não-intencionais.
Muitas são as classificações possíveis de imperfeições do direi- Quando o legislador deixar para a doutrina e a jurisprudência
to, utilizando a nomenclatura de ENGISCH. Elas próprias serão signa- . encontrarem a regra específica aplicável, tem-se o primeiro tipo de
tárias da concepção adotada pelo autor que as formulará. lacuna. Quando, ao contrário, se tratar de uma falta de previsão (la-
Em geral, tem-se uma ênfase sobre o elemento da "totalidade" cuna de previsão), ela pode decorrer de uma mudança das condições
. jurídica, pressupondo um sistema composto por partes, ordenado e históricas (lacuna desculpável) ou de falta de pesquisa ou aprofun-
limitado [FERRAZ lR., 1997:128]. damento da matéria regulamentada (lacuna não desculpável).278
ERNST ZITELMANN, que foi um dos primeiros e principais juristas A idéia de um plano, de uma teleologia regulamentadora, mui-
a tratar do tema (Lücken im Recht, em 1903), classifica as lacu- tas vezes frustrada diante de uma lacuna, foi bem elaborada por
nas em autênticas e não-autênticas [echte und unechte]. A primeira LARENZ. 279 Para esse autor, só se tem uma lacuna quando não há
ocorre quando a lei não permite uma resposta ou decisão por meio regra jurídica alguma, quando a lei se mantém em silêncio. Porém,
dela (lege lata), e a segunda quando há um Tatbestand regulando a
[1997:528-9]. BOBBIO fala em lacunas próprias e impróprias [1991 :143-4]. HANS
situação, mas a solução obtida por meio da previsão é considerada
NAWlASKY [1948:142-3] adota a mesma classifIcação de ZITElMAN (eehte und
inadequada ou falsa (lege ferenda).276 uneehte), considerando apenas lacuna quando não se encontra nenhuma res-
posta a uma pergunda que a lei deveria (muss) responder.
275. Essa estratégia de abordagem do tema, inclusive a partir da noção de ENGlSCH, 277.No mesmo sentido, ENGISCH [2001 :281].
foi desenvolvida porTERcIO FERRAZ JR. [1997:126-7]. 278.Ver FERRAZ JR. [1997:128-9]. No mesmo sentido, analisando as intencionais
276. Ver FERRAZ 1R. [1997: 128] e LARENZ [1997 :527-8], para quem as lacunas autên- ou involuntárias e as razões para tanto, FERRARA [1987:157]. Analisando as
ticas aparecem como lacunas normativas [1997:527]. LARENZ assinala, ainda, lacunas objetivas e subjetivas (que podem ser voluntárias e involuntárias),
que muitas vezes um setor inteiro de regulamentação não se encontra regula- ver BOBBIO [1999:144].
do, e não uma situação específica, a essas lacunas que denomina lacunas de 279. Uma lacuna é uma "interpretação contrária ao plano" - essa expressão provém
regulação, que quase sempre são classifIcadas por ZITELMANN como inautênticas de ELZE (Lücken im Gesetz, 1916, p. 3 e ss.), segundo LARENz [1997:530, nota 17].

214 215
JOSE MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

existe silêncio eloqüente. lacuna e silêncio da lei não são a mesma Os apontamentos feitos até aqui, de KARL LARENz, são impor-
coisa. Dessa forma, somente se tratará de lacuna quando houver tantíssimos, sobretudo diante da repercussão e recepção de suas
um caráter de incompletude indesejável, quando havia um plano de observações no direito tributário.
regulamentação e este se revelou, em alguma parcela de um setor A servir de exemplo, tem-se o encontro da Associação Alemã de
determinado, frustrado. A lacuna é um dado contrário ao plano. O direito tributário (Deutsche Steuerjuristische Gesellschaft) em 1981, no
dev(' ser desr:obprto ])o-r meio de técnicas históricas e teleoló- qual foi discutido, pela segunda vez, o tema "Os Limites da Integração
280
gicas [lARENZ, 1997:524-6 e em direito tributário". No relatório, elaborado por KrAus TIPKE, narra-se
A chave para o autor, na diferenciação entre a interpretação ou que os expositores e os participantes das discussões adotaram, sem
o desenvolvimento judicial, está no sentido possível da lei [mogli- exceção, a delimitação entre interpretação e integração estabelecida
che Wortsinn]. Além desse limite expressivo, estar-se-ia diante já por KARL LARENz: "neste sentido interpretação é um processo que se
de uma construção. 281 Tratam-se, entretanto, de distintos graus de mantém dentro dos limites do sentido literal possível; enquanto a in-
um mesmo processo de pensamento. Quando se está além do limite tegração do direito, mormente quando visando ao preenchimento de
do sentido, mas ainda dentro do quadro do plano teleológico de lacunas da lei, ultrapassa tais limites" [TIPKE, 1983 :517].
regulamentação, tem-se um desenvolvimento superado r do direito. HEINRICH BEISSE [1984: 19-20], por seu turno, reforça essa notícia
LARENz reforça a necessidade de se justificar decisões que desenvol- da recepção da Metodologia da ciência do direito de lARENZ (1960)
vam o direito, de forma a se reconhecer nessas decisões o direito pela doutrina e, principalmente, pelo Tribunal Federal de Finanças.
então vigente, sob pena de usurpação da função legislativa pelo Essa recepção se deu, sobretudo, em tomo da definição do limite da
Judiciário [1997:520 e 524].282 interpretação (sentido possível).
LOBO TORRES [2004:143-4], ao criticar o maniqueísmo no debate
280.LARENZ critica o conceito de lacuna do direito, só usa o da lei, pois só se
pode falar em plano de uma determinada intenção reguladora; a lacuna de
sobre a teoria da interpretação tributária, no qual, de um lado, há
um plano conjunto, envolvendo toda a codiflcação, não existe na realidade, os positivistas/formalistas e, de outro, um sociologismo reducionista,
já que o direito é um sistema aberto e está em evolução (adotando, dessa alega, também, que a atual teoria da interpretação tributária rendeu-se
forma, a noção de sistema de CANARIS) [1997:533-5).
ao pluralismo metodológico, à interdisciplinaridade e àjurisprudência
Interessante ressaltar que, para LARENZ, nO desenvolvimento judicial do di-
reito, uma interpretação que determine pela primeira vez um entendimento dos valores, ressaltando a recepção das idéias de LARENZ nesse processo
legaI, ou uma que, ao contrário, altere o sentido dado anteriormente no (nos tribunais fiscais alemães e na doutrina em geral, não só alemã).
mesmo caso, já é um desenvolvimento judicial, ainda que o tribunal não se
Há de cuidar, entretanto, para que o uso dessa fórmula não
dê conta disso [1997:519).
281. A jurisprudência (ciência sobre o direito, que dele se ocupa sob o seu aspec- caia no vazio. Muitas vezes, a mera separação entre interpretação
to normativo [LARENZ, 1997:270)) tem como tarefa imediata a interpretação e integração com base somente na expressão "sentido possível da
da lei, porém, como o ordenamento possui lacunas e imprecisões, cabe à norma" parece flexibilizar o positivismo mais rígido, sem, contudo,
Ciência elaborar instrumentos para que o intérprete não só colmate as lacu-
nas, mas possa desenvolver o direito, revelando novas idéias, muitas vezes
se repensar os postulados metodológicos herdados.
já insinuadas nas leis existentes [LARENZ, 1997:519).
282. Decisões judiciais além do plano regulamentador seriam lícitas, para o au- Judiciário desenvolver o direito imanente à lei. Ao Legislativo cabería afas-
tor, apenas sob determinados pressupostos [LARENZ, 1997:525). Sobre as tar as incongruências decorrentes de lacunas oriundas de erros de política
características dessa superação, ver [1997:588-620). Em geral, cabería ao legislativa [LARENZ, 1997:525).

216 217
JOSE MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

Em outros termos, pode-se cair na tentação sobre a qual aler- deixará para o aspecto lacunoso ou impreciso do ordenamento juridi-
tamos no subcapítulo 1.2.2.4. ("flexibilizações comuns"), ou seja, co, o que demandará maior trabalho por parte do intérprete-criador.
o teórico usará todos os pressupostos de uma hennenêutica tradi- Quanto maior a rigidez do modelo hermenêutica do juiz-in-
cional, tão-somente trocando o critério diferencia dor essencialista térprete, quanto mais fICar preso esse seu braço intérprete, mais
absoluto ("interpretar é alcançar o sentido") por outro ("é alcançar solto ficará o outro braço (de juiz-integrador). O que o direito ga-
como a critica ao nhará em segurança jurídica lá, perderá aqui [DOMINGUES DE ANDRADE,
caráter absoluto da e 1987
cação, a questão da pré-compreensão e outros fatores que alteram Convém ressaltar, entretanto, que em ramos corr.o direito tri-
os postulados herdados e que não costumam ser tratados conjunta- butário e direito penal, essa situação pode ser francamente desejá-
mente com a expressão "sentido possível". Corre-se o risco de uma vel, ao menos por setores da doutrina.
certa banalização da expressão e da perda da chance de se reler o Na seara fiscal, não à toa, conforme a ênfase dada aos elemen-
lastro metodológico que nos acompanha. tos do liberalismo econômico na formulação teórica (defesa da li-
No âmbito de nosso trabalho, conforme exposto no subca- berdade patrimonial), mais próximo se estará de uma ampla defesa
pítulo 2.1.2.4., nossos pontos de partida teóricos nos impedem de de situações de rigidez, ao descrever os métodos hermenêuticas de
acreditar em um limite preestabelecido na concreção normativa, análise da hipótese de incidência abstrata (texto normativo).
seja o "sentido possível da lei" de LARENZ, seja a referibilidade da Aqui se chega, portanto, a um ponto crucial e objeto dos prin-
norma-decisão ao texto normativo de MÜLLER, sejam as diversas cipais estudos sobre lacunas jurídicas, tais como os de E. ZITELMANN
Vênus de Milo contidas na pedra de mármore, imagem de que lança e D. DONATI. Quando há lacuna, fica autorizada a declaração de que
mão EROS GRAU. se está diante de um espaço ajurídico proposital, uma área imune
Obviamente, questiona-se, aqui, tão-somente o vínculo se- ao direito (princípio geral negativo)?
mântico preexistente entre decisão e texto normativo, e não a
necessidade pragmática de se justificar a norma-decisão com argu- 3.3.1. Lacunas e espaço ajurídico
mentos que levem a essa conclusão, ou que, superando-a, façam-no
por meio de argumentos igualmente juridicos, em um procedimento No direito tributário, a referência ao tema lacunas e espaços
preestabelecido. ajurídicos toma-se fundamental, à medida que ela representa a pro-
Voltando ao enfoque hermenêutica mais tradicional, é curioso blemática da incidência ou não da norma tributária e a correspon-
notar que quando se trabalha com a dicotomia entre interpretação dente ou não à constituição do crédito. O tema está intimamente
e integração, tende-se, por conseqüência, a apartar o trabalho do ligado às questões de legalidade e de segurança jurídica.
intérprete também, de forma a isolar sua atividade declaratória da Nesse contexto, espaços ajurídicos seriam aqueles fatos não
criativa. escolhidos pelo legislador para justificar a incidência de uma norma
Nesse sentido, quanto mais a ênfase do estudioso recair sobre e que confirmariam, por assim dizer, um silêncio eloqüente.
os aspectos rigidos da interpretação, visando à formulação de uma Nesses termos, pode-se ter um espaço ajurídico tributário por
hermenêutica restritiva, maior será, por outro lado, o espaço que se ausência de regulação. Um exemplo seria o de um serviço que não

218 219
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

está nem na lista dos tributados pelo ISS (art. 156, In, da CF), nem característica abrangente (de instmmentalidade) de princípios jurí-
pelo ICMS (art. 155, lI, da CF), nem por qualquer tributo. Seria uma dicos constitucionais. 287
atividade não tributada (ao menos diretamente). Assim, tem-se a questão do espaço qjurídico como caracte-
Algumas ponderações devem, no entanto, ser feitas. Em pri- rística de ramos do direito (ou mesmos dispositivos normativos)
meiro lugar, a questão sobre saber o que é espaço ajuridico ou não que operam expressamente em regiões constitucionais nas quais
comporta uma interpretação e. como tal, se resolve no plano nor- há a regência da reserva formal da lei. Nesses capítulos e ramos
mativo, e não no conceitual ou 133 didáticos do buscar-se-ão resultados mais restritos, ou seja,
Lembre-se, aliás, que, se o texto normativo é o ponto de par- interpretações com justifIcativas e legislações mais rígidas.
tida de um processo mais amplo e complexo de concreção normati- No direito tributário, a questão não é da vigência do princípio
va, virtualmente, é impossível determinar para onde apontariam as geral negativo, portanto, mas da aplicação da estrita legalidade, que
várias significações constmídas a partir desses textos, o que faria impede que fatos não descritos em hipóteses de incidência abstratas
com que esses espaços ajurídicos fossem mudando continuamente possam justificar créditos tributários.
de lugar. Algo como uma região escura sendo iluminada por faróis Lembre-se que, no caso da inexistência de dispositivo nor-
cuja luz se movesse constantemente. mativo tributário e em situações nas quais alegar espaço ajurí-
Outro fator a ser analisado é se o espaço ajuridico (não regula- dico será não apreciar juridicamente grave ameaça de direito,
do pelo direito positivo) autoriza a aplicação de um princípio, qual há outras fórmulas para não se incorrer no non liquet, como,
seja, o princípio geral negativo, a autorizar o entendimento de que por exemplo, o uso de princípios jurídicos (positivados ou gerais
tudo que não está regulado está autorizado. 284 do direito). A alegação de espaço ajurídico somente funcionaria
Os primeiros e principais teóricos sobre as lacunas tinham esse como sinônimo de não-incidência tributária em razão de falta
entendimento, como ZITELMANN 285 e DONATI 286 • de previsão legal (em sentido formal), em nome da estrita lega-
Não é esse o entendimento de boa parte das teorias hodiernas, lidade.
nas quais ocorre a reformulação do estudo das fontes do direito, no Afastada, portanto, a questão do princípio geral negativo, em
sentido de englobar os princípios enquanto normas, bem como a favor da estrita legalidade, falta analisar situações de lacunas que
podem ser decorrência dessa estrita legalidade, como as decorrentes
283.Nesse mesmo sentido, CASTANHEIRA NEVES [1993 :208]. Considerando, também, de enumerações taxativas.
uma questão de interpretação, ENGlSCH [2001 :282] e LOBO TORRES [2000a:35].
Depois serão abordadas as lacunas decorrentes de imperfeições
284.A posição adotada frente a essa questão determinará, inclusive, o próprio
conceito de lacuna e completude do ordenamento. BOBBIO, por exemplo, de- legislativas (para ENGlSCH, imperfeições do ordenamento).
fmirá a completude como a ausência de norma que proíba ou autorize um
comportamento específICo [1999:115], o que não seria possível se ele enten-
desse que a mera ausência de disposição sobre uma conduta já funcionaria
como autorizadora dela.
285.Ver lITELMANN [1903:19], LARENz [1997:536], FERRARA [1987:73, nota 1 e 155,
nota 1]. 287.LARENZ criticará o princípio geral negativo, porém acredita que ele seja vá-
286.Relatando isso, e acrescentando os nomes .de BRINZ e BERGBOHM: ANDRAOE lido somente no direito penal [1997:536-7]. Criticando espaço ajurídico e o
[1987:73]. princípio geral negativo, BOBBIO [1991: 130].

220 221
JOSE MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETACÁO DA NORMA TRIBUTÁRIA

3.3.2. Enumeração taxativa e exemplificativa se se trata de lista taxativa ou exemplificativa, é uma interpretação
e, como tal, comporta uma criação de sentido e não raramente vai
Torna-se necessário, nesse momento, o exame de duas cate- parar no Judiciário.
gorias de enunciação normativa: a enunciação taxativa e a exem- .AJguns fatores podem ser apontados como aptos a justiflCar a
plificativa. interpretação de que está se tratando de uma lista taxativa e não
Há casos nos o texto normativo tributário se refere, num de uma exemplificativa. Às vezes, é o próprio texto normativo que
mesmo dispositivo, a vários fatos inci- assim o declara. Nesses a dúvida fica restrita tão-somente à
dência fiscal. Motivos de política recomendam a referência não só "interpretação horizontal" dessa lista, ou seja, sobre a extensão de
a conceitos/tipos juridicos, mas também a uma série de circunstân- cada fato descrito abstratamente.
cias que lhe determinem o sentido. Noutros casos, a enumeração é considerada taxativa em torno
Não raras vezes, faz-se referência a um conceito (faturamento de uma construção doutrinária ejurisprudencial, e não por expressa
no art. 2 0 da Lei no 9.718/98) e, após, vê-se sua definição em ter- menção normativa. Esse foi o caso da lista de serviços do Imposto
mos mais precisos (art. 30 da mesma lei, por exemplo). No exemplo sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Reiteradas vezes, o Su-
citado, inclusive, indo-se além do que até então se definia como premo Tribunal Federal se manifestou sobre a taxatividade da lista
faturamento, englobando outros ingressos não operacionais e de- de serviços (atualmente contida nas Leis Complementares 56/87 e
terminando que se desconsidere, para tanto, a própria classificação 100/99).289 Há de se lembrar, todavia, que o mesmo STF declarou
contábil. 288 que a taxatividade da lista de serviços não impõe, contudo, que
Outras vezes, no entanto, o legislador menciona vários fatos, não se possa aplicar a interpretação ampla e analógica (o que será
entre si aproximados por um certo número de caracteres comuns, tratado mais adiante).
de. modo a fazer com que o conjunto listado pareça compor uma Esse assunto é objeto de disputas acirradas na doutrina, tendo
categoria determinada. Nesse caso, costuma-se dizer que se utilizou em vista o conflito entre a competência municipal para instituir o
de uma forma de enumeração exemplificativa. Em outros termos, ao imposto sobre serviços (arts. 30, III, e 156, III, da CF) e a competên-
intérprete é justificado considerar incluídos, no âmbito da relação, cia do legislador nacional de, por meio de lei complementar, definir
"outros tantos fatos, circunstâncias, objetos ou situações que, embora a lista de quais são os serviços tributáveis (arts. 146, I, e 156, III,
não previstos expressamente na lei, se incorporam, ou compreendem da CF).290
na categoria genérica que a enumeração indica" [FALCÃO, 1993 :69].
Há outras situações, ao contrário, em que a lista de fatos des- 289.RE n° 71.177/SP, plenário, reI. Min. RODRIGUES ALCKMIN, RT1:70/121 (ac. de
critos na hipótese de incidência abstrata é exaustivamente tratada, 18.4.74); RE n° 77. 183/SP, plenário, reI. Min. AuOMAR BALEEIRO, RTJ:73/490
daí a referência à expressão "enumeração taxativa". Essa declaração, (ac. de 19.4.74).
ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA [1999:601-605], entretanto, manifesta-se contra-
riamente a essa posição, tendo em vista limitar a competência tributária
288. Vale lembrar que o STF declarou, por maioria de votos, a inconstitucionali- municipal. No mesmo sentido, SOUTO MAJOR BORGES [2004].
dade do § 1° do art. 3° da Lei n° 9.718/98 nos Recursos Extraordinários (REs) 290. Sobre as características básicas da lista e serviços e algumas polêmicas en-
357.950,390.840,358.273 e 346.084, justamente por considerar que aquele volvidas nos serviçqs listados, ver, por todos, JosÉ EDUARDO SOARES DE MELO
parágrafo prescrevia algo além da noção de faturamento. [2000:45 e ss.].

222 223
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÁO DA NORMA TRIBUTÁRIA

Outra hipótese de uma enumeração que pode ser considerada algum serviço como de cessão de mão-de-obra ou de empreitada (a
taxativa, essa lembrada por AMilCAR ARAÚJO FAlCÃo, ocorre quando não ser com base em algum item da lista).291
os fatos descritos no texto normativo não mantêm traços em co- Por fim, vale retomar um aspecto da lista do ISS: muito embo-
mum, "apresentando caracteristicas secundárias divergentes, com ra tenha sido estabelecida jurisprudencialmente a taxatividade dos
tal realce, que transparece ser exclusiva a menção feita pelo legisla- itens dessa lista, a própria redação de alguns itens, alguns julgados
dor, não cabendo ao intémrete, portanto, a referência a outros fatos do STF e parte da doutrina reconhecem a possibilidade (necessida-
ali não enumerados" 993: de interpretação extensiva desses itens.
Há uma situação curiosa na qual a lei tributária em sentido No aspecto do texto nonnativo, nas listas nacionais (LCs 56/87
formal estabeleceu uma enumeração exemplificativa, sendo acom- e 100/99), foram empregadas expressões como "congêneres" (itens
panhada pelo decreto (regulamentação infralegal). Somente na pu- 1,2,3,5,9, 10, 11, 16,20,25,29,34,37,41,49,60, a, 72); "quais-
blicação de uma alteração da Instrução Normativa (que, em tese, quer", "qualquer natureza", "natureza", "qualquer espécie" (itens
somente vincularia os agentes da previdência social), a lista foi 18, 24, 40 e 56); e "semelhantes" (item 32).
declarada como taxativa, por expressa menção. A LC 116/03 também utiliza a expressão "congêneres", sem
Trata-se, aqui, do art. 31 da Lei n° 8.212/91, que determina a discriminá-los (por exemplo, os itens a, 1, 1.03, 3, etc. da LC 116
retenção de 11 0J0 sobre a fatura de prestação de serviços mediante [BORGES, 2004:41, sobre o tema 40-5]).

cessão de mão-de-obra. A própria lei se refere a limpeza, conserva- O Superior Tribunal de Justiça possui acórdãos nesse sentido.
doria, zeladoria, vigilância/segurança e empreitada de mão-de-obra Veja-se:
"além de outros estabelecidos em regulamento" (§ 4° do referido
artigo). Recurso Especial - Tributário - ISS - Lista da legislação municipal
O Regulamento da Previdência Social (RPSl, em seu art. dos serviços tributáveis deve ater-se ao rol da legislação nacional, a teor
219, estabeleceu uma lista de serviços Uá que a lei apenas apre- da Constituição da República de 1969. Imperativo do princípio que im-
sentara alguns exemplos), mas manteve a sistemática legal, põe o "numerus clausus". Admissível a interpretação extensiva e analógi-
qual seja, vincular a retenção à cessão de mão-de-obra ou à ca. Vedada, porém, a analogia. Aqueles respeitam os marcos normativos.
empreitada. A última acrescenta fatos novos (STJ, RESP 6.70SjSP, DJU2S.2.1991).292
A lista, apresentada no § 2° do art. 219 do RPS, está subme-
291.A IN n° 80 foi substituída pela IN n° 100 e, após, pela IN n° m/os da SRP.
tida à cláusula "entre outros", ou seja, outros serviços mediante
Todas, entretanto, anrmavam a exaustividade da lista. A IN n° 03/0S, contu-
cessão de mão-de-obra poderiam ser incluídos no regime da re- do, acrescentou a possibilidade de interpretação extensiva aos itens listados
tenção. na IN, adotando algo que o STF chegou a declarar ao examinar a taxativi-
Assim, era discutível se as listas de serviços elaboradas nos dade da lista de serviços do ISS. Veja-se:
"Art. 147. É exaustiva a relação dos serviços sujeitos à retenção, constante
atos infralegais do INSS eram apenas exemplificativas. Entretanto, dos arts. 145 e 146, conforme disposto no § 2° do art. 219 do RPS.
depois da edição da Instrução Normativa n° 80 esclareceu-se, defi- Parágrafo único. A pormenorização das tarefas compreendidas em cada um
nitivamente, que a listagem era exaustiva, não podendo o INSS uti- dos serviços, constantes nos incisos dos arts. 14S e 146, é exemplificativa."
292. No mesmo sentido, v~r RESP J .837, da 2' Turma (Dl de 10.9.90, p. 9.116, reI.
lizar-se de qualquer forma de interpretação para tentar enquadrar Min. LUIZ VICENTE CERNlCCHIARO).

224 225
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

Há decisão da Primeira Turma, no entanto, em sentido con- racionalidade do ordenamento juridico (completude por meio de
trário, reiterando a taxatividade da lista, a impossibilidade de in- pressupostos racionais).
terpretação extensiva e da aplicação de analogia e a ilegalidade da Dentro das caracteristicas voltadas ao momento da decisão,
tributação de serviços portuários (RESP 30.360, DJ de 10 . 10.94, p. em uma perspectiva pragmática, a descrição desse fenômeno obser-
27.109, v.u., reI. Min. MILTON LUIZ PEREIRA). vará não somente o defeito do dispositivo normativo, mas também
sua conexão com o relato dos fatos, do âmbito do caso, da própria
área da norma adotada programa da norma e, sobretudo, a
3.3.3. Lacunas: defeito tecnico-i1ormativo constatação de um momento decisório e não meramente declarató-
rio de um signifIcado alcançável.
No processo de elaboração de dispositivos normativos (dispo- Aliás, para WENZ, aqui não teríamos sequer um caso de lacuna,
sitivos legislativos e, muitas vezes, normativos de competência do mas um defeito técnico a ser resolvido por meio de um desenvolvi-
Poder Executivo), tem-se sempre a possibilidade de defeitos nota- mento superador da lei (além do "sentido possível") [1997:531].
damente perceptíveis. Esses defeitos podem ser de muitas ordens, Agora, o que deve ser objeto de maior atenção, diante de sua
e, nos limites deste trabalho, não convém aprofundá-los, bastando, importância no direito tributário, é o estudo da concreção norma-
portanto, a mera referência esquemática. tiva como um todo, já que será por meio dela que o intérprete
Podem ser defeitos de redação (omissão involuntária), de falta autêntico defInirá quando se trata ou não de espaços/fatos além
de subsídios técnicos (complexidade da matéria regulada, especifI- da incidência (os chamados tradicionalmente de espaço jurídico),
cidades, difIculdade de diferenciação entre enumerações exemplifI- quando se tratará ou não de listas taxativas ou meramente exem-
cativas e taxativas), antinomias involuntárias, etc. plifIcativas e mesmo se, em casos complexos, estar-se-á à frente de
A dogmática jurídica costuma assinalar, nesses casos, a ca- uma situação de lacuna ou não.
pacidade interpretativa de corrigir (extensiva e restritamente) tais Em outras palavras, o estudo das lacunas, para ter alguma
lacunas, ou seja, a possibilidade de declarar o que estaria no espírito relevância metódica, deve estar associado a um caso concreto de
da lei (mens legis), ainda que ausente em sua letra. forma a permitir a elaboração de argumentos e estratégias de justi-
Diante dos pressupostos teóricos já elencados, tem-se a difI- fIcação (conforme o exemplo exposto no anteriormente - IPI, cré-
culdade de sustentação mais rigorosa desse argumento. Seja diante dito presumido - pelo Segundo Conselho de Contribuintes Federal).
das difIculdades intrínsecas na busca desse espírito (o acesso a essa Daí entendermos a utilidade do vocabulário mais tradicional do
realidade ou meta-realidade), seja dos limites entre processo decla- direito tributário no procedimento metódico de justifIcação de de-
rativo que aciona o espírito legal e a integração em si, ainda mais cisões (ainda que devidamente relativizado pela teoria geral e pela
quando se consideram ambas (interpretação e integração) processos fIlosofIa do direito).
criativos, como é o caso de nosso trabalho.
Portanto, diante da complementação normativo-criadora na
resolução do caso decidendo, não deveria ser ela estudada a par-
tir de perspectivas aprioristicas, nem fundada em argumentos de

226 227
JOSE MARiA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

3.4. O Nacional e as regras de e de ração, do ponto de vista hermenêutico e filosófico, já foi exposta
integração acima, com base na impossibilidade de se separar aprioristicamente
tais procedimentos. Por essa clivagem leva ao absurdo de se
Entre nós, um dos maiores estudiosos do da interpre- imaginar que, nos casos de lacuna a ser colmatada por integração,
tação e integração das normas tributárias no CTN é RICARDO LOBO não haveria, antes, já uma interpretação, seja para determinar a
TORRES. A critica que o autor faz da existência de normas com o existência da lacuna, seja para interpretar a norma a ser utilizada
objetivo de regular o da como referência para colmatar a lacuna (no caso de lacuna, ou
legislação tributária é incisiva e sempre lembrada. mesmo na aplicação de princípios juridicos).
Alguns fatores devem ser apontados sumariamente, para que Nessa separação, aparece o sempre criticado art. 107 do CTN,
possamos prosseguir com o tema. a tratar da interpretação: "A legislação tributária será interpretada
Em primeiro lugar, no Brasil, a proibição do non liquet foi po- conforme o disposto neste Capítulo".
sitivada. Tem-se, aqui, o art. 126 do Código de Processo Civil (CPC), Como se vê, o artigo não esgota a matéria, tampouco deixa
o art. 4° da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), o art. 8° da claro como pretende vincular a metódica tributária aos preceitos
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e o art. 108 do CTN. seguintes.
No âmbito do CTN, houve deliberada intenção de separação No caso de lacuna, o art. 4° da LICC determina que a integra-
entre interpretação e aplicação da legislação tributária (capítulo III ção do direito deverá ser obtida por meio do recurso do intérprete à
e IV do Título I do Livro Segundo)293, conforme relatado nos Traba- analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. O art. 108
lhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. 294 do CTN, por sua vez, buscou prescrever uma ordem "sucessiva" aos
Conforme já visto, o CTN possui um capítulo inteiro destinado procedimentos para colmatar a lacuna, a saber:
à interpretação e à integração. 295 Nele, esses dois procedimentos
esquemáticos estão separados. 296 De um lado, a critica a essa sepa- Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade com-
petente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente,
293. "Assim, tomou-se insufIciente a exclusão do momento da aplicação levada
na ordem indicada:
a efeito pelo CTN e ambígua a sua simbiose com a interpretação do fato"
[LOBO TORRES, 2000a:32]. I - a analogia;
294. Ver LOBO TORRES [2000a:26], em que o autor assinala, ainda, a influência da II - os princípios gerais de direito tributári0 297 ;
jurisprudência dos conceitos nesse corte metodológico [26-7].
295. "Outras codifIcações procedem da mesma forma. O Código alemão de 1919,
com as adaptações de 1934, continha diversas regras para a interpretação, em seu sentido estrito - art. 107 do CTN, por exemplo) e, em outras, apenas
que muito influenciaram o nosso CTN; o Código de 1977, entretanto, re- em seu sentido estrito (por exemplo, no próprio título CTN, quando a ex-
vogou quase totalmente aquelas normas, conservando apenas o que proíbe pressão é utilizada ao lado da integração). Nesse sentido, GRAU [1975:74].
o abuso da forma juridica (art. 42). A Ley General Tributaria da Espanha 297. Ver os princípios de direito tributário lembrados por PAULO DE BARROS CARVALHO
possui também diversos dispositivos (arts. 23 a 25). O Código Tributário da [1999a:101]: "estrita legalidade; anterioridade; competência privativa das
Áustria (art. 21, I) e as legislações da Itália e da Argentina contêm algumas pessoas políticas de direito constitucional interno para instituir taxas e con-
regras" [LOBO TORRES, 2004:146-7]. tribuição de melhoria; indelegabilidade da competência tributária; isonomia
296.Muito embora deva-se reconhecer que a expressão "interpretação" algumas recíproca entre as pe,ssoas políticas; não-cumulatividade do ICMS e do IPI; ter-
vezes apareça em seu sentido amplo (englobando integração e interpretação ritorialidade da tributação; princípio da irretroatividade da lei tributária etc.".

228 229
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

m- OS princípios gerais de direito públic0 29B


;
Há de se convir, porém, que uma lei complementar estabelecer
IV - a eqüidade. métodos de interpretação e integração, sobretudo quando se pensa
§ 10 O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de em sua adoção pelo Judiciário, é algo certamente questionável, não
tributo não previsto em lei. importando o ramo do direito tratado.
§ 2 O emprego da eqüidade não poderá resultar na dispensa do
0
Nesse sentido, Ruy BARBOSA NOGUEIRA [1995:98], que defendera
pagamento de tributo devido. sua tese de livre docência sobre interpretação e integração antes
mesmo da existência do CTN (1963), alertou, em seus escritos pos-
A discussão doutrinária aqui vai desde a UH'UC'U'- de a lei
teriores, a respeito da critica que se fazia aos dispositivos, por se
complementar tratar do tema até a questão da ordem sucessiva e, tratar de matéria reservada à doutrina, e o risco de se impedir a
aparentemente, taxativa, adotada pelo artigo. evolução prática pela positivação das regras interpretativas.
Muitas são as criticas a esses artigos, além das sempre lem-
bradas de RICARDo LOBO TORRES e ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA. Este último, o exame e discussão de cada caso concreto exigem o concurso
especialista do estudo das leis complementares e sua relação com de elementos tão diversifIcados que, difícil, senão impossível, é estabe-
a CF, questiona até a ausência de normatividade delas, ou seja, en- lecerem-se regras a priori que possam esclarecer adequada e suficien-
tende que elas não transmitiriam sequer um comando deôntico (por temente todas as relações de fato e de direito. A interpretação exige a
falta do functor proibido, obrigatório ou permitido). pesquisa e o raciocínio lógico e estes são produções intelectivas que
Entende CARRAZZA, ainda, que não haveria sequer autorização não podem estar presas a padrões superáveis.
constitucional para o CTN legislar (ou ter seus artigos recepciona-
dos) sobre o tema, muito embora aqui devamos lembrar que o art. Além disso, há de se lembrar que a referência às técnicas es-
146 da CF se utilize da expressão "especialmente sobre", sem esta- tabelecidas no art. 108, sobretudo em uma determinada e específi-
belecer uma prescrição exaustiva. 299 ca ordem, toma-se inviável quando não se tem acesso à atividade
(mental) de concreção realizada pelo intérprete autêntico. Fixar-se-
298. Ver os princípios gerais do direito público assinalados por PAULO DE BARROS WVAUlO
[1999a:101-102]: "prindpio da Federação; princípio da República; princípio da igual- ia, no mínimo, a validade das justifICativas adotadas nas decisões,
dade; princípio da legalidade; princípio da irretroatividade das leis; princípio da mas não os processos mentais que as formaram.
universalidade dajurisdição; princípio da ampla defesa e do devido processo legal; Porém, com a existência de tantos dispositivos normativos
princípio da autonomia dos Municípios; princípio da indisponibilidade dos bens
públicos; princípio da supremacia do interesse público ao do particular': constitucionais tributários, o amadurecimento da hermenêutica
299. "Art. 146. Cabe à lei complementar: [... ] constitucional e a própria evolução judicial dos direitos humanos
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especial- fundamentais tomariam a tarefa de restringir a concreção normati-
mente sobre:
a) defmição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos im-
va em poucos incisos e artigos em algo ingrato e impossível.
postos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, Recentemente, a própria discussão sobre o que são os
bases de cálculo e contribuintes; princípios jurídicos (espécies do gênero norma? princípios ou
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
regras?, etc.) comprometeria a aplicação do art. 108 do CTN,
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas socie-
dades cooperativas." elaborado em uma"época na qual os princípios apareciam como

230 231
Ii'ITERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE

fonte meramente supletiva, uma substituição metodológica do integração, constatando, inclusive, que na teoria geral do direito
jusracionalismo. já se fala em um continuum ou mesmo em uma visão global da
Outro aspecto problemático do art. 108 é sobre a quem ele se- interpn:tação (como sua identidade com a aplicação e mesmo com
ria endereçado: à Administração? Ao Judiciário? Em nosso estudo, a concreção normativa).
entendemos que um dispositivo como esse, independentemente de Mas, assim como em relação à dicotomia interpretação e inte-
sua eficácia, é endereçado ao gração, acreditamos, também aqui, que não seja útil simplesmente
excetuado o Legislativo), o a o sedimentado da dogmática, já que é co-
criar normas (resultado competente da concreção normativa).300 mum a referência às expressões "interpretação extensiva" ou "apli-
Sobre a hierarquia dos incisos apontados no art. 108 30 1, vale cação ampliativa" em decisões administrativas e judiciais.
lembrar que a doutrina costuma questionar tal regra. Aliás, como Simplesmente negar a instrumentalidade desse vocabulário
lembrado por RUY BARBOSA NOGUEIRA [1995:99], a própria localização seria comprometer a análise dos julgados proferidos na análise de
da analogia como primeiro critério de integração é curiosa, quando imunidades, por exemplo, quando não se defende tão-somente o
a sua utilização legalmente é bem limitada (pelo § 10 do art. 108 do método teleológico, mas também uma interpretação extensiva. É
CTN e pela legalidade tributária). comprometer, ainda, a análise de temas como a lista do ISS.
Por outro lado, a referência a princípios é freqüente, não como Convém, portanto, abordar a noção didática de interpretação
forma de colmatar lacunas ou de regulamentar situações (o próprio extensiva, confrontando-a com a de integração e, depois, situando
STF entende que não poderia funcionar como legislador positivo), as duas no plano maior da concreção normativa e da normatividade
mas como forma de fundamentação, justificativa de decisões (so- dos princípios.
bretudo nos casos de declaração de nulidade). Conforme assinalado no subcapítulo 1.2., a hermenêutica tra-
Vale, neste momento, abordar as diferenças entre interpreta- dicional repete muito dos apontamentos desenvolvidos por juris-
ção extensiva (ainda interpretação) e integração (sobretudo ana- tas medievais (pelos "quais se pretendeu definir a possibilidade da
logia), vocabulário próprio de uma hermenêutica tradicional (ver interpretação através dos resultados que hermeneuticamente lhe
subcapítulo 1.2.). seriam lícitos"). Dessa forma, trabalhando-se com a distinção já
apontada entre letra e espírito, tem-se três hipóteses [CASTANHEIRA
3.4.1. Interpretação extensiva, integração e concreção normativa NEVES, 1995h:366-7]:
(i) a correspondência entre letra e espírito - interpretação de-
Já analisamos o quanto os pressupostos metodológicos Quri- clarativa;
dicos e filosóficos) até aqui adotados comprometem a possibilida- (U) a letra é mais ampla do que o espírito - interpretação res-
de de fixação e delimitação dos procedimentos de interpretação e tritiva;
(Ui) a letra é menos ampla do que o espírito - interpretação
300.No mesmo sentido, CARVALHO [1999a:100j. extensiva.
301. HUGO DE BRITO MACHADO [1989:41], ao menos em 1989, defendia a idéia de Com o advento da Jurisprudência dos Interesses, passa-se a
uma utilização sucessiva das técnicas de integração, na ordem indicada pelo falar, também, de uma interpretação corretiva, para sacrificar ou
art. 108.

232 233
JOSE MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRET.~ÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

corrigir o texto em nome da intenção da prática da norma (de seu a delimitação entre o que é interpretação, interpretação restritiva e inter-
espírito). pretação ~"Ctensiva, como atividades cognitivas distintas, esvai-se.
E, novamente se valendo de elementos teleológicos ou de fma- Obviamente, refere-se hoje a essas técnicas (ou a resultados de
lidades práticas, começa-se a trabalhar com as técnicas de técnicas) de forma didática ou relativa. Sempre se fala na interpre-
teleológica e extensão teleológica. tação extensiva como uma interpretação cujo resultado foi aos con-
Redução teleológica seria a fins do sentido da lei, mas sem implicar uma criação de sentido.
um texto interpretando diante de cu", '·'.CC'L'" Dessa forma, a interpretação declarativa se restringiria em re-
uma técnica com fundamento de de tdeologia). produzir o sentido adequado; a restritiva, ao contrário, buscaria
Em outros te11ll0S, trata-se de uma redução de uma parte do âm- delimitar o alcance do sentido original, e a extensiva, ampliá-lo,
bito nuclear [Kernbereich] do sentido possível de uma nOlllla, por ra- mas ainda preso ao âmbito nuclear, para se valer de uma expressão
zões teleológicas, como a denominação já demonstrara. Nesses casos, de ARTHUR MUFMANN [Kernbereich].
não se trataria mais de interpretação, mas de complementação. 302 Porém, essas metáforas ou imagens, ricas e esclarecedoras, es-
No caso da extensão teleológica, a situação é a mesma, só que barram nos problemas já expostos acerca do essencialismo.
voltada a uma aplicação além do âmbito nuclear do texto interpre- O século XX parece ter sido a época marcada pelo abandono
tand0 303 , ou seja, voltada à analogia por razões teleológicas. de alguns sonhos científicos. Além do desgaste dos positivismos e
Feitas essas considerações, a interpretação extensiva sempre dos formalismos, um desses sonhos abalados em seus alicerces foi o
acompanha a idéia de um texto normativo que possuiria um sentido da determinabilidade do sentido pela lógica.
literal menor do que deveria ter; ou seja, haveria um descompasso Na seara juridica, a doutrina passou a conviver com a idéia de
entre a expressividade da letra e o sentido que se pretende. conceitos indeterminados e cláusulas gerais, sendo quase um lugar co-
Obviamente, após a explanação sobre os pressupostos meto- mum relatá-los didaticamente, sobretudóapós a obra de ENGISCH [2001].
dológicos aqui adotados, percebe-se facilmente como a definição Mais adiante trataremos dos conceitos e retomaremos esse ponto.
do que diria a letra e o que o espírito deveria dizer são, em verdade, No âmbito da lógica, todavia, a idéia de que um conceito não
construções de sentido do intérprete. possuísse um limite bem definido, que um objeto não fosse eficaz-
Do ponto de vista epistemológico, fundamentar o acesso do mente classificado de acordo com um correspondente conceito, era
intérprete ao sentido preexistente do texto e às operações mentais assustadora.
inerentes à sua atividade de definição do que o espírito do texto A própria idéia de fundamentar a lógica a partir da matemáti-
normativo contém, com a finalidade de justificar a extensão do ca , de forma a construir uma linguagem científica cujos conceitos
sentido primitivo ao sentido que se pretende como resultado, é jus- fossem definíveis (falar uma língua é realizar um cálculo), era o
tamente o tipo de enfoque que buscamos evitar. projeto da lógica do início do século XX e, posteriormente, do posi-
Ora, se não é possível se falar da operação mental do intérprete de tivismo do Círculo de Viena (de FREGE e RUSSEL até POPPER).304
(i) acesso ao sentido do texto e (ii) do sentido que o texto deveria conter,
304. BENTO PRADO JR [1994:71-2], ao analisar a questão do relativismo (e o combate
302.KAUFMANN [1994:136-7] e LARENZ [1997:501]. a ele) na história da fIlosofia, lembrará de dois pontos máximos desse comba-
303.KAUFMANN [1994:136-7] e LARENZ [1997:501]. te, a saber, o século IV a.c. (com a formação da filosofia grega clássica) e na

234 235
JOSE MARIA ARRUDA DE ANDRADE
INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

Os resultados dessa empresa não foram, do ponto de vista da (ii) essas construções formam um arcabouço conceitual, um
determinabilidade (exata) do sentido, tão frutíferos, mas aqui se sistema de referências mediadas por adestramentos (formação uni-
tem, também, um problema sobre o qual deve ser o objetivo da versitária, formação de jurisprudência sobre determinados aspectos
exatidão dos conceitos e de sua determinabilidade. de cada conceito);
Um ideal menos pretensioso e exigente de determinabilidade (iin novas normas-decisão podem ser comparadas a decisões
pode Sfr alcançado E'In rontE'xtns outrora formuladas (ou com as opiniões doutrinárias sobre o tema),
va. O enfoque, obviamente, terá aces- o que permitirá relações cle proximidade e comparação.
so ao conteúdo preexistente dos termos jurídicos empregados no Um exemplo: faturamento era entendido como 3. contrapres-
texto normativo para o de resultados práticos (análise de resultados tação de uma obrigação conjugada com uma emissão de fatura co-
obtidos - normas-decisão). mercial. Jurisprudencialmente, foi considerado, entretanto, "receita
Explica-se: não há de se ter um único ideal de exatidão (os decorrente de venda de mercadorias, de mercadorias e serviços e de
conceitos determinados em detrimento dos indeterminados), já que serviços de qualquer natureza':
os conceitos (ao nosso entender, sempre indetermináveis a partir de No RE 150.755-1, Dl de 20.8.93, o STF declarou que a ex-
premissas essencialistas) atuam em contextos específicos de forma pressão legal "receita bruta" (ainda que mais abrangente que "fa-
satisfatória. turamento"), em termos prático-constitucionais, seria faturamento.
Não há como se estabelecer, de antemão, as regras de como Analiticamente, não apelando para uma ontologia ou gnoseologia,
cada conceito juridico deva ser interpretado/aplicado. Para um con- pode-se comparar os diferentes graus de abrangência não dos con-
ceito ser útil, basta que ele seja definido em determinados con- ceitos (textos normativos), mas de suas interpretações.
o· textos práticos, pois o emprego das palavras não está totalmente Recentemente, conforme j á relatado, os arts. 2° e 3° da Lei n°
regulamentado por regras [PhU:§68]. Muitas vezes um conceito de 9.718/98 determinaram que faturamento seria o correspondente
contornos imprecisos é o que foi possível e é o que basta a uma a qualquer ingresso, independentemente de sua classificação. O
determinada situação [PhU:71]. que, em termos históricos (contábeis e jurídicos), significa uma
Deslocando, portanto, a idéia da interpretação do texto nor- definição além do que, por faturamento, se entendia (adestra-
mativo e de seus resultados (declarativo, restritivo e extensivo) da mento).
determinabilidade do sentido para a de análise da norma-decisão Em suma, as comparações podem comportar análises de resul-
formada, tem-se: tado do tipo ampliativa (extensiva) ou restritiva.
(i) um texto normativo que emprega conceitos cujos significa- Se o SIF aceitasse a mudança estabelecida pelo art. 3° da Lei
dos estão sendo construídos local e temporalmente; n° 9.718/98 (entendendo, portanto, que a EC 20/98 seria dispen-
sável, nos termos do voto do Min. GILMAR MENDES), teriamos uma
virada do século XIX ao XX (com diversas tentativas de devolver à fIlosofia
seu fundamento absoluto). Nesse último caso, o autor comenta que frlósofos nova definição para o mesmo conceito jurídico (faturamento). A
como E. HUSSERL, H. BERGSON e B. RUSSEL, cada um à sua maneira, buscaram for- discussão se a nova defmição trazida pela Lei n° 9.718/98 faz parte
mas de combater o relativismo "(contra o psicologismo, cego para as exigên-
do âmbito nuclear do sentido do conceito anterior é crer que have-
cias da fundamentação da lógica, e contra uma epistemologia meio kantiana,
meio positivista, que proíbe nosso acesso às coisas em si ou ao absoluto)': ria uma residência; onde os conceitos estivessem pendurados e já

236
237
JOSE MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

plenamente formados com todos os seus elementos constitutivos. Diante da indisponibilidade dos bens públicos, o CTN restrin-
Enfoque do qual nos afastamos. giu a possibilidade de redução daquelas prestações, razão pela qual
Insistimos, assim, na idéia de uso do vocabulário "extensivo" se optou pela determinação do uso do método literaL
e "restritivo" como ferramenta de discussão acerca das estratégias Conforme assinalado no capítulo 1, essa afumação não pode
de justificativa das normas-decisão, sobretudo mediante o critério ser confundida, entretanto, com a opinião de que o intérprete uti-
comparativo. lizará apenas um elemento, até porque essa divisão é muito mais
Daí poder-se em i~+",,·,,·wr.·'·r didática do que reaL isto sim, da prescrição de que não
"papel destinado à sua impressão", quando aplicada para justificar se justiflCarão decisões baseadas em teleológicos ou mesmo
a imunidade dos papéis fotográflCos e películas plásticas de capas sistemáticos quando o tema for isenção, s'uspensão, exclusão ou
de revistas. Historicamente, parece-nos uma ampliação da idéia de dispensa de cumprimento de deveres instrumentais ou obrigações
papel de celulose. Não se trata de uma busca do sentido ontológico acessórias.
da expressão papel, tão-somente a idéia de a própria decisão se Conforme lembrado por HUGO DE BRITO MACHADO [1997 :82], como
justificar como uma ampliação do conceito de papel (essa decisão a interpretação literal é insuficiente ("de pobreza franciscana"), na
voltará a ser analisada adiante). verdade, o que se proíbe é a aplicação de analogia e a interpretação
Enfim, pensar esse vocabulário dessa maneira é apenas outra extensiva (ampliativa). Todas as técnicas podem ser aplicadas, de-
forma de se analisar a questão, sem ter de se valer de figuras como vendo, entretanto, o resultado não ser ampliativo, quando houver
espírito e letra, e sem abrir mão da idéia de discussão em tomo das outra interpretação mais próxima da literalidade. 30s
justificações exaradas nas normas-decisão em um Estado de direito. Sobre a vedação da aplicação de analogia ao se interpretar
uma isenção fiscal, vale lembrar o seguinte julgado do STF: "A
isenção fiscal restrita não pode ser entendida analogicamente - art.
3.5. A interpretação literal (ou restritiva) na isenção e na aplicação 111, II, do Código Tributário Nacional. Recurso conhecido e provi-
de penalidades do" (STF, 2a Turma, RE 85.984jRJ, RT185j992).
Sobre a aplicação rigorosa da legalidade tributária para fazer
Há setores da atividade tributária que, do ponto de vista legal, direito ao uso de uma isenção fIscal, vale citar a seguinte decisão
jurisprudencial e doutrinário, são interpretados de forma restritiva. do Superior Tribunal de Justiça (RESP n° 115.983, 1" Turma, DJ de
O CTN, na verdade, se utiliza da expressão literal, o que foi alvo de 19.5.97, p. 20.598, reI. Min. José Delgado):
criticas. Veja-se o art. 111:
TRIBUTÁRIO. INCENTIVOS FISCAIS. IMPOSTO DE RENDA.
Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que PRINCíPIO DA LEGALIDADE. FUNDOS DE INVESTIMENTO. OpçÃO
disponha sobre: NÃO MANIFESTADA PELA EMPRESA NO PRAZO LEGAL. DEL 1.376,
I - suspensão ou exclusão do crédito tributário; DE 12/12/1974. DEL 1.752, DE 31/12/1979.
II - outorga de isenção;
III - dispensa do cumprimento de obrigações acessórias.
305.No mesmo sentido, LOBO TORRES [2004:312].

238 239
INTERPRETAÇÁO DA NORMA TRIBUTÁRIA
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE

1. O princípio da legalidade há de ser cumprido, de modo ri- No RESP 31.215-6 306 , foi declarada a impossibilidade de equi-
goroso, tanto pela administração como pelo contribuinte no trato de paração da isenção ao Adicional de Frete para a Marinha Mercante
relação jurídíca tributária. (AFRl\í1M) com o sistema "draw-back",já que "a isenção, no sistema
2. Em se tratando de incentivos fiscais, não há lugar para se jurídico-tributário vigorante, só é de ser reconhecida pelo Judiciário
emprestar interpretação extensiva. em benefício do contribuinte, quando concedida, de forma expressa
3. Se a lei determina Drazo fixo para que a empresa beneficiária e clara pela lei, devendo a esta se emprestar compreensão estrita,
de incentivo fiscal se onde vedada a interpretação ampliativa ... ".
deseja aplicar tais incentivos, e tal prazo não é cumprido, permitido No RESP 36.366-7 307 , a 1" Turma declarou, no mesmo sentido,
é à Secretaria da Receita Federal reverter para os fundos de investi- que "a isenção é avessa às interpretações ampliativas, não se aco-
mento os valores das ordens de emissão de títulos pertinentes que não modando à filiação analógica (art. 111, li, CTN)".308
foram procurados no prazo e na forma disposta no art. 15 do DEL. Outra matéria que demandou uma atenção especial do CTN
1.376/1974. foi a do art. 112 do CTN, que consagra em legislação fiscal o velho
princípio do "in dubio pro reo".
Em outro julgado do SIJ, um texto normativo infralegal, a Em outros termos, sempre que surgirem dúvidas quanto à inter-
pretexto de interpretação extensiva ou aplicação analógica, bus- pretação de um texto que define infrações ou penalidades, ou quanto
cou-se limitar a isenção fiscal, o que foi declarado ilegal (RESP n° à qualificação de atos e fatos perante o texto legal, ou ainda quanto
53.192, la Turma, DJ de 23.10.1995, p. 35.622, reI. Min. Milton Luiz a autoria, imputabilidade ou punibilidade de uma infração tributária,
Pereira): deve-se optar pela solução que mais favorece ao acusado. Veja-se:

TRIBUTÁRIO - IMPOSTO DE RENDA - MICROEMPRESAS - RE- Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina
PRESENTAÇÃO COMERCIAL - CORRETAGEM - IN, ART. 111 E 178 penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em
- LEIS NUMS. 7.256/84 E 7.713/88 - ATO DECLARATÓRIO N. 24/89. caso de dúvida quanto:
1. Cuidando-se de interpretação da legislação tributária, sob a I - à capitulação legal do fato;
réstia da similitude de atividades, a analogia ou compreensão extensi- TI - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natu-
va não se presta para fincar ato administrativo declaratório com o viso reza ou extensão dos seus efeitos;
de arquear isenção prevista em lei. III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;
2. Diante da lei, hierarquicamente inferiorizado o ato adminis- N - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.
trativo, deve prevalecer a isenção constituída em favor dos represen-
tantes comerciais. Conforme disposto legalmente, em termos esquemáticos o que
se tem é o seguinte: se uma lei que define infrações e penalidades
Nos julgados que originaram a Súmula 100 do SIJ, foram
discutidos aspectos da interpretação de normas concessivas de 306. STJ, l' Turma, reI. Min. DEMÓCRITO REINALDO, junho de 1993.
307.STJ, l' Turma, reI. Min. MILTON PEREIRA, agosto de 1993.
isenção.
308. Ver PAULSEN [2000:428-9].

240 241
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE
INTERPRElAÇÁO DA NORMA TRIBUTÁRIA

comportar resultados que possam gerar dúvidas (quanto a situações I - à situação econômica do sujeito passivo;
dispostas nos incisos I ao N), a norma-decisão a ser adotada deverá II - ao erro ou ignorância escusáveis do sujeito passivo, quanto
ser a que favoreça o acusado. a matéria de fato;
Ao menos em termos teóricos, não se deve alterar a literalidade III - à diminuta importância do crédito tributário;
do texto normativo interpretando, o resultado benéfico somente é IV - a considerações de eqüidade, em relação com as caracterís-
aplicado nos casos df' dúvida 1997 A dúvida justifica ticas pessoais ou materiais do caso;
a aplicação mais sL V - a condições peculiares a determinada região do território da
Uma decisão interessante foi proferida pelo STJ, aplicando o entidade tributante.
art. 112 do CTN: Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direi-
to adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155.
[... ] Execução movida pela Fazenda Pública. Embargos. Embar-
gante em concordata. Exclusão da multa moratória. Possibilidade. Trata-se de um perdão (indulgência, indulto) de uma dispensa
1. Na espécie, encontrando-se a ora recorrida em concordata, do crédito já constituído (presume-se a existência, portanto, de um
evidenciando-se, destarte, a difIculdade de saldar as suas dívidas, é lançamento, de uma inscrição do crédito em dívida ativa do ente
viável o afastamento da exigibilidade da multa moratória, consoante federad0 31l ).
o artigo 112 do CTN e seguindo a corrente jurisprudencial oriunda Tem-se, aqui, uma matéria regida pela reserva legal tributá-
do Pretório Excelso. [... ] (STJ, 1" Turma, RESP 111.926, reI. Min. JosÉ ria, ou seja, somente mediante lei federal, estadual ou municipal
DELGADO, abril de 1997).309 específicas é que a autoridade competente poderá remitir o crédito
tributário. Em Belo Horizonte, por exemplo, há lei autorizando o
Outro ponto interessante de se ressaltar é que a aplicação do Prefeito Municipal a remitir créditos tributários, mediante autoriza-
in dubio pro reo, máxima derivada da eqüidade, não guarda relação ção de um Conselho de Assistentes Sociais.
direta com a correção ou a remissão por eqüidade, prevista no art. RICARDO LOBO TORRES chama a atenção para o caso de isenções
172, Iv, nem com a eqüidade como meio de integração de lacunas, ou de incentivos fiscais odiosos (decorrentes de situações anti-iso-
prevista no art. 108 do CTN.31O nômicas) e seu controle pelo Poder Judiciário. Em geral, o Judiciá-
No caso do art. 108, tem-se uma solução de lacuna por meio rio, ao entender que um direito foi dado a apenas uma parcela de
da referência à eqüidade, e ela não pode ser alegada para dispensar contribuintes (de forma odiosa), declara nulo tal direito. Em geral,
tributo devido. No caso do art. 172, o que se prescreve é que a lei o Judiciário não autoriza estender o benefício às demais empresas,
poderá autorizar a autoridade administrativa competente a conce- sob o argumento de não poder atuar como legislador positivo.
der, mediante despacho fundamentado, remissão total ou parcial do Aqui já se trata de uma análise sobre a igualdade tributária e
crédito tributário, atendendo: sua interpretação. Muito embora não se refira ao tema do presente
estudo, a posição do SIF e as técnicas hermenêuticas envolvidas em

309.Ver PAULSEN [2000:430]. 311. PAULO DE BARROS CARVALHO entende que a "dívida" não precisa estar lançada,
310. Sobre isso, ver LOBO TORRES [2000a:39-40 e 253-7] e LOBO TORRES [2004:297-8]. ou seja, que a remissão independe de crédito já constituído [1999a:424].

242 243
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÁO DA NORMA TRIBUTÁRIA

sua aplicação (atuação como legislador negativo) ganham relevo e razão de ocupação pronssional ou função por eles exercida, indepen-
devem ser sucintamente tratadas. dentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou di-
No âmbito geral, assim como a legalidade, a igualdade é pres- reitos;
crita no caput do art. 5° (garantias individuais) da CF: na máxima
"todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, Note-se que esse princípio constitucional foi positivado como
residentes no País a um direito do contribuinte e não como uma prerrogativa do Estado
inviolabilidade do direito à na tributação. 314
A igualdade aparece ainda em outros dispositivos, como no CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, ao comentar o dispositivo,
inciso I do art. 5°: "homens e mulheres são iguais em direitos e assevera que o "ponto nodular para exame da correção de uma
obrigações, nos termos desta Constituição".312 regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não
O art. 3°, que determina os objetivos fundamentais da Repú- de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrimen e
blica do Brasil, prevê, em seu inciso IV, a meta de "promover o discriminação legal decidida em função dele" [2002:48-9].
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e A análise do princípio da igualdade tributária está, muitas ve-
quaisquer outras formas de discriminação". zes, atrelada ao exame da capacidade tributária do contribuinte,
A doutrina e ajurisprudência acordam no sentido de que o que servindo de critério para a análise da natureza da discriminação.
é vedado juridicamente é a diferenciação em situações semelhantes, O próprio § 1° do art. 145 da CF determina que "sempre que possí-
de forma arbitrária e injustificada. 313 Daí a máxima de se tratar de- vel, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a
sigualmente os desiguais. capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração
No âmbito tributário, a igualdade foi prevista no art. 150, TI, da CF: tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos,
identifICar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei,
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao con- o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do con-
tribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos tribuinte".
Municípios: [...] Há outros artigos que concretizam o princípio da igualdade
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se tributária. O art. 151 da CF, por exemplo, contém vários incisos
encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em dedicados a diversos aspectos da isonomia.
Em seu inciso I, o art. 151 veda à União Federal "instituir tribu-
312. Muito embora as mulheres e os eclesiásticos estejam isentos do serviço mi- to que não seja uniforme em todo o território nacional ou que impli-
litar obrigatório em tempo de paz (art. 143, § 1°), o art. 226, §5°, prescreve que distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal
que "os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de
igualmente pelo homem e pela mulher".
313. Ver ÁVILA [2004a:333-88]. Conforme ressalta o autor: "O princípio da igual-
incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvi-
dade exige não apenas a generalidade das normas (proibição de leges ad mento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País".
personae), mas também proíbe a escolha de critérios arbitrários para a dife-
renciação de tratamento, objeto de análise no postulado da razoabilidade-
congruência" [2004a:337]. 314. Ver ÁVILA [2004b:67].

244 245
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

o inciso TI do art. 151, por sua vez, impede a União de "tributar destinadas a contribuintes que eram consumidores fmais e nas que
a renda das obrigações da dívida pública dos Estados, do Distrito eles não eram consumidores fmais.
Federal e dos Municípios, bem como a remuneração e os proventos No julgamento, o Min. CORDEIRO GUERRA dava provimento ao
dos respectivos agentes públicos, em níveis superiores aos que flXar recurso extraordinário do contribuinte, no sentido de estender a
para suas obrigações e para seus agentes". Se efetivasse este tipo alíquota menor (11 %) a ele, que, pela Resolução, deveria pagar 15%
1e rrc:~,a, U~niãG e~t8.ri2 ~is~riminando e prejudican,do os demais (por ser contribuinte final). Em outros termos, o Min. entendeu que
entes da Federação, em detrimento todos os contribuintes recolher 11 %, alíquota menor, sob
O inciso In do art. 151, por fim, proíbe a União de "instituir pena de afronta à igualdade tributária.
isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal O Min. OCIÁVlO GALLOTII fez menção à doutrina de LÚCIO BmEN-
ou dos Municípios". COURI, segundo o qual "não é lícito ao juiz dissociar prescrições da
No art. 152 tem-se: ué vedado aos Estados, ao Distrito Fede- lei, conexas ou dependentes umas das outras, de tal modo insepará-
ral e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e veis, que se deva presumir que a legislatura não adotaria uma desa-
serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou companhada da outra". Nesse sentido, declarou o Min. GALLOTIl:
destino".
Estes três aspectos do art. 151 e do art. 152 visam à proteção Entendo que um benefício fiscal increpado de discriminatório
do pacto federativo. não possui o condão de estender, aos contribuintes dele excluídos, o
Conforme já assinalado, o enfoque hermenêutico na aprecia- favor impugnado. Tal ampliação escaparia aos lindes do controle ju-
ção do princípio constitucional da igualdade tributária é fortemente risdicional e ingressaria na esfera da atividade legislativa.
marcado por duas premissas; de um lado, se há arbitrariedade no Em suma, a inconstitucionalidade em nada aproveitaria à Re-
discrimen ou não, de outro, qual a função do Poder Judiciário pe- corrente.
rante a legislação anti-isonômica (declará-la nula ou estendê-la aos
que não são beneficiários dela)? Vencido apenas o Min. CORDEIRO GUERRA, o Pleno declarou a
O SIF, em casos semelhantes, tem optado, em geral, pela pri- inconstitucionalidade da Resolução do Senado, não em parte, mas
meira situação, para não atuar como legislador positivo. 315 no todo, já que a recorrente buscara apenas a nulidade da cláusula
Uma análise detalhada sobre esse tema foi desenvolvida por "para fins de industrialização e comercialização".316
MARcIANo SEABRA GODOI [1999 e 2002]. Situações semelhantes foram decididas em outros julgados. Um
Seguindo de perto a exposição do autor [GODOI, 2002:188-93], deles foi sobre uma isenção de IOF-câmbio, condicionada a opera-
há referência ao RE 102.553 (Pleno, reI. Min. FRANCISCO REZEK, DJ ções de câmbio no pagamento de bens importados com guia de
13.2.87), no qual foi analisada e declarada a constitucionalidade importação emitida a partir de 01.7.1988. Vários contribuintes, que
da Resolução do Senado n° 7/80, que promovera uma diferencia- realizaram importações a partir da edição do Decreto (19.5.1988),
ção entre a alíquota máxima do ICM nas operações interestaduais desejavam a mesma isenção.

315. Sobre a tese do STP como legislador negativo, ver os comentários de ÁVILA
[2004a:340-3l, com farto levantamento jurisprudencial. 316. Ver GODO! [2002: 188-90].

246 247
JOSE MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇAo DA NORMA TRIBUTÁRIA

Nesse caso, o STF entendeu que se, de fato, a condição imposta 3.6. A cOllcreção
para a fruição da isenção fosse inválida, ainda assim, o Judiciário
não poderia atuar como legislador positivo 3J7 (RE 157.228, Dl de J1, concreção normativa de regras de imunidade é um dos ca-
03.6.94, reI. Min. PAULO BROSSARD - 2a Turma). No mesmo sentido, RE pítulos mais interessantes quando se analisa a interpretação tribu-
186.589 (Dl de 25.8.95, rel. Min. llMAR GALvÃo - 1" Turma) [GODOI, tária e mesmo constitucional. De um lado, a jurisprudência do STF
2002: 190-2J.318 se esforça em construir fundamentos hermenêuticos sólidos para
EnfIm, não são poucas suas decisões, muitas das quais podem ser consideradas (e o são)
buscam estender um regime jurídico-tributário mais favorável de amplas e tdeológicas. De outro, a doutrina tributária, tão compro-
alguns contribuintes para si próprios, o que, em geral, salvo em li- metida com uma metodologia restritiva, nesse capítulo se esforça
minares, tem sido negado. Como exemplo, temos a não-cumulativi- para alargar os horizontes teóricos de seus estudos.
dade do PIS e da COFINS, o direito ao creditamento de IPI, algumas Sobre a jurisprudência do STF, muitas são as decisões formula-
deduções de receitas na composição da base de cálculo do PIS e da das, mas, em geral, elas são tomadas com poucos votos de maioria,
COFINS de instituições financeiras, etc. o que comprova, também aqui, o caráter problemático da concreção
Se até aqui abordamos alguns setores fiscais nos quais o CTN normativa constitucional. Como se trata de limitar a competência
determina uma interpretação mais restritiva ou literal, deve-se, tributária, ou, ao menos, a receita dos entes da Federação, e isso
agora, analisar as técnicas hermenêuticas comumente aplicadas no com base em interpretações teleológicas e ampliativas (e não com
exame das imunidades constitucionais. meros vícios formais), maior é o esforço em fundamentá-las, o que
enriquece nossa história constitucional.
Do ponto de vista doutrinário, em sua maioria comprometido
com a defesa de interesses privados, a forma de instrumentalizar essa
defesa deixa, aqui, de ser a de estudos restritivos (tipicidade, reserva
material absoluta), e, inversamente, tem-se a doutrina em busca de
317.Veja outros julgados em GRECO [2000:111]. argumentos flexibilizantes do positivismo mais tradicional.
318.Em uma das poucas exceções a esse entendimento, por apertada maioria, o Daí o esforço em se justificar, por exemplo, os princípios como
STF (MS 21.154, Pleno, reI. Min. lLMAR GALvÃo, Dl de 28.4.95), ao invés de espécie do gênero normas, ainda que não positivados, como o da
declarar nula uma sistemática do quadro de carreiras de diplomatas, decla-
rou tão-somente um dos seus aspectos, suprimindo apenas uma parte da re-
proporcionalidade.
dação do art. 55 da Lei 7.501/86. Essejulgamento é analisado por MARCIANO Em outras palavras, quando se trata desse capítulo, há uma
GODO! [1999:246-7 e 2002:193]. maior união em tomo da superação de considerações estritamente
Esse abrandamento também é notado por HUMBERTO ÁVILA [2004a:341-3], que
positivas (fala-se em interesses históricos, políticos, direitos funda-
relata decisões nas quais o STF continua atuando como legislador negativo,
declarando a nulidade de dispositivos normativos, mas restringindo essa mentais e uma teleologia imanente às regras constitucionais).
declaração ao critério de diferenciação, o que acarreta uma eficácia positi- A imunidade é uma regra jurídica de natureza constitucio-
va indireta. O julgado citado foi o ROMS n° 22.307-7-DF, Pleno, reI. Min.
nal, que prescreve um comando deôntico de não-permitido àque-
MARco AURÉLIO, decisão de 19.2.97 (com especial referência ao voto do Min.
MAURÍCIO CORRÊA, p. 7) [ÁVILA, 2004a:341]. les que detêm uma' competência tributária. Prescreve, portanto,

248 249
INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE

a incompetência tributária dos entes políticos da Federação, im- do sistema federativo brasileiro (imunidade reciproca prevista no
pondo, por conseguinte, óbice ao exercício da atividade legislati- art. 150, VI, a).322
va com relação à incidência flscal.3!9 O art. 150 da CF (Limitações ao Poder de Tributar) apresen-

A forma mais fácil e didática de se referir à imunidade seria ta boa parte das imunidades tributárias, mas há outras previstas
afirmar tão-somente que tem-se, em primeiro lugar, a competência em artigos esparsos (como as dispostas no art. 5°, XXXIV, LXXIV,
tribllt~ria constitudo1181 ('riar normas tributarias de incidência) LXXVI e LXXVII, relativas às taxas; art. 184, § 5°, e 195, §7°), isso
e, em segundo, a norma de HLllHHU.áU.C. sem contar as nas partes relativas aos impostos (IPI, ISS,
Porém, essa sucessão cronológica não existe, como bem lembrado ICMS).
por PAULO DE BARROS CARVALHO [1999a:165-7] Sobre a imunidade, costuma-se dizer que a interpretação deve
Mas não se deve, por outro lado, afastar a utilidade de se ana- ser plena323 , funcionando como forma de concretização de princi-
lisar a regra de imunidade com a regra que atribui a competência pios e regras político-constitucionais. Daí a afirmação doutrinária
tributária 320 , já que aquela age, ainda que simultaneamente, como comum de que as imunidades devem ser interpretadas extensiva-
redutora desta (mesmo que aqui se reclame também que não ha- mente. Em verdade, elas devem ser interpretadas como todas as
veria redução se não houve competência anterior ou ao mesmo normas constitucionais que prescrevem direitos fundamentais e
tempo).321 políticas públicas de desenvolvimento, ou seja, uma aplicação que
No tocante à isenção, conforme visto, o próprio CTN foi expres- lhes garanta o grau máximo de eficiência.
so ao prescrever uma interpretação literal (art. 111), acima citada. Sobre os principios interpretativos da Constituição, ressaltan-
Já no caso da norma de imunidade, duas observações devem do a idéia de eficiência máxima de concreção da regra constitucio-
ser feitas: primeiro, a regra restritiva do CTN a ela não é imputa- nal, vale citar CANOTlLHO [2000:1.187].
da; segundo, e mais importante, trata-se de mandamento consti-
tucional intimamente atrelado a direitos fundamentais (proteção Este princípio [máxima efectividadel, também designado por

à pluralidade de partidos políticos, liberdade religiosa, apoio a princípio da eficiência ou princípio da interpretação efectiva, pode
entidades de assistência social), a políticas públicas (incentivo à ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional

exportação, desenvolvimento das empresas e da economia nacio- deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um prin-

nais e de regiões desfavorecidas) e mesmo à própria manutenção cípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitu-
cionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade
das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no
319. RICARDO LOBO TORRES analisa esse conceito a partir de outras premissas, pró-
ximas à noção de "liberdades preexistentes", a fundamentar uma intribu- âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve pre-
tabilidade absoluta [1995 e 2004:63]. Daí que algumas imunidades (assim
entendidas por aqueles que a definem como intributabilidade de natureza
constitucional), para ele serão tão-somente não-incidências constitucionais, 322.No julgamento da ADIn 939-7 (Dl de 18.3.94), o STF declarou que as imu-
por não estarem ligadas à idéia de liberdade preexistente. nidades previstas no art. 150, VI, da CF não poderiam ser revogadas nem
320.Nesse mesmo sentido, as notas de MISABEL ABREU MACHADO DERZI in ALIOMAR por Emenda Constitucional. Mais adiante esse acórdão será novamente
BALEEIRO [1997:230-1]. tratado.
321. Ver CARVALHO [1999a:165-7]. 323.Ver BERNARDO RIBEIRO DE MORAES [1998:40].

250 251
JOSE MARIA ARRUDA DE ANDRADE
INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

ferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos De notar que bastou ao STI recorrer, em sua argumentação, ao prin-
fundamentais).324 cipio da federação, que o art. 60, § 4°, I, da CF tomara cláusula pétrea
ou imutável, indene a emendas constitucionais, sem necessidade de se
Percebe-se, portanto, que não se devem confundir as técnicas apoiar nos direitos fundamentais, que afinaI de contas representam a
hermenêuticas aplicáveis às situações de isenção e às de imunidade. razão de ser do próprio federalismo. Mas, no que conceme às demais
Sobre a identificação das imunidades com os direitos funda- imunidades, não havia qualquer cláusula explícita no art. 60, § 4°, que
mentais (acarretando, inclusive, sua estarem as protegesse, de modo que o STI foi obrigado a recorrer aos "direitos
caracterizadas como cláusula pétrea), vale observações e garantias fundamentais", que, pelo item IV daquela norma, também
de RICARDO LOBO TORRES [1995:55-6], ao analisar o julgarr..ento de são cláusulas pétreas, insuscetíveis de violação por emenda constitu-
constitucionalidade do antigo IPMF.325 cional ulterior.

[...] o IPMF não estava sujeito à obediência ao princípio da an- Justamente devido a essa identificação das regras de imunidade
terioridade, nem aos dispositivos que regulavam as imunidades reci- com os direitos fundamentais, ou, ainda, devido ao fato de algumas
procas (letra a), dos templos (letra b), das imunidades recíprocas (letra imunidades nada mais serem do que a concretização de princípios
c) e dos jornais e livros (letra d). O STI, depois de firmada a premissa juridicos consagrados como objetivo e fundamento da República (art.
de que "uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Consti- 30 , TI, da CF, ao prescrever o objetivo de desenvolvimento nacional),
tuição derivada, incidindo em violação à Constituição originária, pode a interpretação desses textos normativos deve levar em conta os fms
ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja constitucionais pretendidos, visando à aplicação máxima.
função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, l, a, da CF)", de- No julgamento sobre a imunidade dos livros, o pleno do Su-
clarou inconstitucional o art. 2°, § 2°, da EC 3/93, na parte referente ao premo Tribunal Federal declarou a necessidade de ampla interpre-
princípio da anterioridade, que "é garantia individual do contribuinte tação (Recurso Extraordinário n° 174.47 6-6-SP, Pleno do SIF, DJU
(art. 5°, 2°, art. 60, § 4°, inciso Iv, e art. 150, m, b, da Constituição)". A de 12.12.97, p. 65.580).326
seguir deu pela inconstitucionalidade da EC 3/93 na parte em que vio- No voto do MIN. CELSO DE MELLO, restou consignada a justifica-
lou o "princípio da imunidade tributária recíproca (que veda à União, tiva desse método com base na teoria dos direitos e das garantias
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de im- fundamentais:
posto sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que é
garantia da Federação (art. 60, § 4°, inciso I e art. 150, VI, a, da CF)':
326. "IMUNIDADE - IMPOSTOS - LIVROS - JORNAIS E PERIÓDICOS - ARTIGO
150, INCISO VI, ALÍNEA "D", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A razão de ser
324.Novamente ressaltando a ligação entre imunidade e a adoção de valores da imunidade prevista no texto constitucional, e nada surge sem uma causa,
constitucionais econômicos, a justificar a interpretação ampla, vale lembrar uma razão suflciente, uma necessidade, está no interesse da sociedade em
o estudo sempre citado de EDGARD NEVES DA SILVA [1982:175]. No mesmo sen- ver afastados procedimentos, ainda que normatizados, capazes de inibir a
tido, defendendo a interpretação ampla, cita-se IVEs GANDRA DA SILVA MARTINS produção material e intelectual de livros, jornais e periódicos. O beneficio
[1999:233]. constitucional alcança não só o papel utilizado diretamente na confecção
325.ADIn 939-7, Ac. do Pleno, de 15.12.93, reI. Min. SYDNEY SANCHES, Dl dos bens referidos, como também insumos nela consumidos com são os
18.3.94. fllmes e papéis fot~gráfIcos".

252 253
INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE

Não se pode desconhecer, dentro desse contexto, que as imuni- Quando se trata de entidades sem fins lucrativos, o SlF tem
dades tributárias de natureza política destinam-se a conferir efetivi- decidido pela imunidade de forma bem ampla, quanto aos resulta-
dade a determinados direitos e garantias fundamentais reconhecidos como aconteceu nos dois seguintes julgados.
e assegurados às pessoas e às instituições. Constituem, por isso mes- No RE 116.188 (DJ. 16.3.90, cujo relator foi o Min. SYDNEY
mo, expressões signifIcativas das garantias de ordem instrumental, SANCHES), a Primeira Turma decidiu que o Serviço Nacional do Co-
vocacionadas, na especificidade dos fins a que se dirigem, a proteger mércio goza de imunidade quanto ao ISS, "mesmo na operação
o exercício da liberdade de informação. A imunidade tributária não de prestação de de diversão pública (cinema), mediante
constitui um fIm em si mesma. Antes, representa um poderoso fator cobrança de ingressos aos comerciários (seus filiados) e ao público
de contenção do arbítrio do Estado, na medida em que esse postula- em geral". Os Ministros entenderam, por maioria, que tais ativi-
do fundamental da Constituição, inibindo o exercício de competência dades não têm fins lucrativos e se enquadravam nas finalidades
impositiva pelo Poder Público, prestigia, favorece e tutela o espaço em institucionais da entidade.
que florescem aquelas liberdades públicas. No RE 144.900 (DJ. 26.9.97, cujo relator foi o Min. ILMAR

GALVÃO), decidiu-se pelo direito de uma instituição beneficente à


o Supremo Tribunal Federal tem decidido de acordo com esse imunidade ao ISS em "eventual renda obtida pela instituição de as-
entendimento: sistência social mediante a cobrança de estacionamento de veículos
em área interna da entidade, destinada ao custeio das atividades
Em se tratando de norma constitucional relativa às imunidades desta".327
tributárias genéricas, admite-se a interpretação ampla, de modo a trans- Outro tema, ligado à imunidade, que tem sido interpretado de
parecerem os princípios e postulados nela consagrados. O livro, como forma ampla é o referente aos livros, jornais, periódicos e o papel
objeto da imunidade tributária, não é apenas o produto acabado, mas o destinado à sua impressão. 328
conjunto de serviços que o realiza, desde a redação até a revisão da obra, Com relação à imunidade dos livros, jornais, periódicos e o
sem restrição dos valores que o formam e que a Constituição protege (Re- papel destinado à sua impressão, muitos foram os julgados relevan-
curso Extraordinário n° 102.141-1-RJ, 2 Turma, Dl 29.11.85, p. 21.920).
a tes, sobretudo no que se refere à expressão "papel destinado à sua
impressão ".
Esse entendimento do Supremo Tribunal Federal já é antigo, O plenário do STF, por 6 votos contra 5 (RREE 174.476 e
tendo sido proferido, por exemplo, no seguinte julgado: 190.761, DiU de 12.12.97, relator para acórdão Ministro MARco
AURÉLIO), defmiu que o papel fotográfico utilizado pelas empresas
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. LIVRO. CONSTITUIÇÃO, ART. 19, III, jornalísticas como insumo na produção dos jornais também é al-
ALÍNEAD. cançado pela imunidade do art. 150, VI, d.
Em se tratando de norma constitucional relativa às imunida-
des tributárias genéricas, admite-se a interpretação ampla, de modo a 327. Esses dois exemplos foram obtidos em GaDO!, RESENDE a ROSA [2002:209].
transparecerem os princípios e postulados nela consagrados. [...] (RE 328. Sobre esse tema, seguiremos de perto a excelente pesquisa jurisprudencial
realizada por MARCi1NO GaDO!, FLÁV1A DE ARAUJO RESENDE E KARINA PERDIGÃO ROSA
102. 141-RJ, relator p/ p ac. Min. Carlos Madeira, RTf 116/267).
[2002:213-6].

254 255
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETACÁO DA NORMA TRIBUTÁRIA

Mas a imunidade não se estendeu também às tintas e às solu- que impediria a extensão da imunidade [GODOl, RESENDE 8: ROSA,
ções alcalinas utilizadas na fabricação dos jornais e livros, confor- 2002:216-7].
me se decidiu pelo Pleno no RE 203.859 Uulgamento em 11.12.96, Como se viu, a análise dos julgados sobre o tema demonstra
DJU de 24.8.2001), pois a maioria dos Ministros considerou que tal o esforço de se ampliarem as justifICativas restritivas ou somente
interpretação seria desarrazoada e fugiria ao máximo significado literais em prol de uma visão teleológica e mesmo ampliativa, so-
literal possível da expressão "papel destinado à sua impressão", bretudo quando se vê que assim se manifestam os argumentos dos
Ou seja, conforme observou () Ministro no RE acórdãos.
265.025 (1" Turma, Dl 21,9.2001), o STF reconhece como abran- E aqui se demonstra, novamente, não só o caráter problemá-
gidos na imunidade do art. 150, VI, d, além do papel de imprensa tico do direito (pauta tópica, por excelência), mas como os sentidos
propriamente dito, o papel fotográfico, o papel para telefoto, filmes dos textos normativos são construídos historicamente, por meio de
fotográficos e similares, mas não reconhece a imunidade de outros decisões (muitas delas com pouca margem de maioria).
insumos como tintas e aditivos de tintas para a impressão de livros, Perder-se em argumentos sobre a real significação dos concei-
jornais e periódicos [GODOI, RESENDE 8: ROSA, 2002 :216]. tos empregados é perder uma chance de se ressaltar, realmente, a
Outros julgados importantes foram definidos quando se tratou existência de uma decisão na construção da norma-decisão e pro-
da imunidade do art. 155, § 30, da Constituição. A redação desse mover a discussão sobre ela e suas conseqüências.
dispositivo (antes da EC 33/01) dispunha que, além do ICMS e dos Em termos concretos, retirada a neutralidade do Judiciário
impostos aduaneiros, nenhum outro "tributo" incidiria sobre "ope- diante das decisões, mito liberal por excelência (ver sub capítulo
rações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, 2.4.), aumenta, todavia, o papel humano do julgador, chamando a
derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País". atenção para sua função política no Estado de direito, sobretudo
Questionou-se, em juízo, se essa imunidade alcançaria contri- quando se fala nos tribunais superiores.
buições sociais como a COFINS e o PIS (declaradas pelo STF como
possuidoras de natureza tributária após a vigência da CF).
O plenário do STF (RREE 230.337, 233.807, 227.832, DJU de 3.7. Conceitos de direito privado e definição de competência
28.6.2002), liderado pelo voto do relator, Ministro CARLOS VELLOSO tributária
(vencidos os Ministros MOREIRA ALVES, SYDNEY SANCHES e MARCO Au-
RÉLIO), decidiu que a imunidade do art. 155, § 30, não alcançaria Outro assunto relevante no direito tributário é a relação entre
as contribuições sociais do PIS e da COFINS, pois estas se referem os conceitos utilizados em outros ramos jurídicos e no direito tribu-
ao faturamento das empresas globalmente considerado, enquanto tário (na Constituição e na própria lei tributária em sentido formal).
o dispositivo constitucional diz respeito à materialidade específi- No Brasil, o tema ganha ainda mais importância, tendo em vista
ca das "operações" de circulação de determinadas mercadorias e dois artigos do CTN sobre o tema:
de determinados serviços. Em outros termos, entendeu o Ministro
CARLOS VELLOSO que o fato gerador das contribuições era diferente Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para
do fato gerador tanto do ICMS como dos impostos aduaneiros, o pesquisa da defulição, do conteúdo e do alcance de seus institutos,

256 257
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇ~O DA NORMA TRIBUTÁRIA

conceitos e formas, mas não para defmição dos respectivos efeitos e metodologicamente, o intérprete autêntico deve estar subordinado
tributários. a um método teleológico (ao menos quando não se tratar de regra
Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo de competência constitucional - regulada pelo art. 110).330
e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, uti- Para justiflcar esse entendimento, há de se atribuir maior im-
lizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas portância ao dispositivo flnal do artigo, já que a pesquisa das defl-
Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal nições do direito privado seria utilizada, mas os efeitos tributários
ou dos Municípios, para definir ou tributárias. seriam os da lei tributária.
Porém, ainda assim, essa referência não parece ter a mesma
o tema se toma complexo já pelas possibilidades distintas de capacidade de vincular (no plano da efetividade) do que outrora
entendimento, sobretudo, o que se entender por "respectivos efeitos tiveram os construtos da consideração econômica da norma tribu-
tributários", a que faz menção o art. 109, e se os dois artigos (109 e tária alemã (inspirada na Jurisprudência dos Interesses) e da teoria
110) devem ser conjugadamente interpretados. causalista italiana (Escola de Pavia). Esse tema será tratado mais
Pelo art. 109, o intérprete autêntico (Poder Executivo aplica- adiante, valendo aqui a discussão sobre a relação entre defmições
dor-Administração e editor de medidas provisórias; Legislativo e de direito privado e de direito tributário.
Judiciário) não está adstrito aos princípios do direito privado ou Não à toa, freqüente e volumosa foi a discussão sobre esse preceito,
aos conceitos, formas e institutos de outros ramos do direito. Isso até pela possível divisão interna de seu dispositivo. Essa interpretação
autoriza, no entanto, a afirmação que poderá repetir ou utilizar, no do art. 109, isolada e favorável à visão teleológica, identiflca-se com
âmbito do direito tributário, as mesmas definições e os mesmos ins- aqueles que defenderam, sobretudo no passado, a autonomia do direito
titutos do direito privado, o que, não raramente, acontece. 329 tributário (como foi o caso de ENNo BECKER, na Alemanha e de alguns
Conforme assinala RICARDO LOBO TORRES, se analisado isolada- juristas da Escola de Pavia, como DINO JARACH, radicado na Argentina).
mente, o art. 109 pode justificar o entendimento de que, aprioristica A outra leitura possível desse dispositivo tem um caráter siste-
mático 331 ,já que recusa a independência do direito tributário peran-
329. Sobre este artigo, digna de nota é a interpretação de HUGO DE BRITO MACHADO
te os outros ramos (e suas legislações) e preconiza que os conceitos
[1989:47-8], buscando minimizá-lo: "Relevante é notar que o art. 109 do
CTN refere-se aos princípios gerais do direito privado e não às leis de direi- de direito privado utilizados pela lei tributária conservarão seu sen-
to privado. Assim, os conceitos, os institutos, as formas, prevalecentes no tido e alcance originais. Trata-se de uma leitura conjugada entre os
direito civil ou no direito comercial, em virtude de elaboração legislativa,
arts. 109 e 110 do CTN.
prevalecem igualmente no direito tributário. Só os princípios do direito pri-
vado é que se não aplicam para a determinação dos efeitos tributários dos Certamente esse segundo entendimento encontrou muitos
institutos, conceitos e formas do direito civil ou comercial. adeptos, até porque poucos autores defenderam a consideração
Se determinado conceito legal de direito privado não for adequado aos fms
do direito tributário, o legislador pode adaptá-lo. Dirá que, para os efeitos
tributários, ou para os efeitos deste ou daquele tributo, tal conceito deve ser 330. Sobre essa interpretação teleológica, ver LOBO TORRES [2000a:197-205]. Deve-se
entendido desta ou daquela forma, com esta ou aquela modificação. Essa fazer a ressalva de que o referido jurista não se vale da nomenclatura kelseniana
adaptação é obra do legislador e não do intérprete, pois este não pode, a de intérprete autêntico. Para ele, intérprete autêntico é o autor do texto norma-
qualquer pretexto, modificar a lei. Se o conceito não é legal, mas apenas tivo, o autor do projeto de lei, quando se tratar de lei formal [2000a:70-1].
doutrinário, pode o intérprete adaptá-lo aos fms do direito tributário". 331. Ver LOBO TORRES [2000a:190-7].

258 259
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÁO DA NORMA TRIBUTÀRIA

econômica da norma tributária e a autonomia do direito tributário As duas concepções apriOlisticas (sistemática ou teleológica)
no Brasil. devem ser afastadas, ao menos na forma como aparecem, sobretudo
Mas, com base nesse entendimento, ainda assim restou uma por terem como origem dispositivos legais interpretativos Uá criti-
dúvida: haveria uma eleição prévia entre o método sistemático e o cados anteriormente) e porque hoje boa parte da metódica tributá-
teleológico? A conjugação dos dois artigos seria no sentido de que a ria tem natureza normativa constitucional e não legal.
lei fiscal pode alterar a de um conceito de direito privado Conforme exposto no capítulo anterior, e também neste, a inter-
sempre que quiser, com de pretação (em seu sentido não é distinta da aplicação, nem iso-
competência tributária constitucional? lada da realidade (mediada) referente ao caso concreto. A produção de
Nesse último sentido, contudo, LOBO TORRES 332 lembrará que essa uma normajuridica tributária (seja ela uma nova norma geral ou uma
leitura conjugada não é tão simples, pois a parte final do dispositivo decisão individual concreta) é um processo de concreção normativa.
do art. 109 pode levar à conclusão de que a definição do conceito de Nesse processo (do texto à norma e, após, à norma-decisão),
direito privado adotada na competência tributária constitucional, não há como isolar os métodos utilizados pelo intérprete autêntico,
mesmo assim, comportará uma análise do "efeito tributário" (possi- não há como hierarquizá-los. A formação das razões do entendi-
velmente econômico) dessa defmição, o que perturbaria mais uma mento, das razões da decisão, é inatingível.
vez a paz anteriormente alcançada na leitura conjugada. 333 O que sobra para nós, operadores do direito, é discussão sobre
as justificativas de uma decisão (de um resultado do seguir uma re-
332.LoBO TORRES [2000a:193-4]. gra). Nesse contexto é que serão exigidas justifIcativas baseadas em
333.Apesar de longa, a citação que se fará aqui, de LOBO TORRES, tem a virtude de argumentos juridicos UustifIcativas, não fundamentos cognitivos},
apresentar um quadro histórico dessa polêmica sobre o primado do direito procedimentos preestabelecidos e possibilidade de discussão (con-
civil sobre o público. De se ressalvar, entretanto, que o autor também não
defenderá o outro extremo, o da autonomia do direito tributário, adotando,
traditório no processo, princípio democrático quando for o caso).
ao contrário, e conforme exposto, o pluralismo metodológico. Se se trata de uma busca não pelas causas, mas pelas justifI-
"A tese de que a lei tributária não pode modifIcar os conceitos de direito cativas [PhU:§217], a tentativa de congelar e de tomar estáticos os
privado vem sendo defendida com ardor principalmente pelos autores de ín-
métodos hermenêuticos tende ao fracasso. O pós-positivismo rejeita
dole formalista. A formulação mais profunda deve-se a Geny, com a teoria
do particularismo ao direito fIscal, por oposição à autonomia. Mas incon- a tentativa de hierarquizar os métodos da hermenêutica tradicional,
táveis juristas, antigos e modernos, defendem a primazia dos conceitos de preferindo considerá-los aspectos de uma operação una, refutando
direito privado, bastando recordar Morange, A. D. Giannini, Cocivera, Mi-
qualquer hierarquia entre eles.
cheli, Trimeloni, na Alemanha, Flume proclamava não competir ao direito
tributário elaborar os conceitos dos fatos geradores da imposição tributária, Isso já foi afirmado no subcapítulo 1.2.2.2., no qual se discuti-
opinião que fez muito sucesso entre os juristas germânicos Hartz, Eckardt e ram os elementos da hermenêutica tradicional. Vale a pena repetir,
Kruse e que, inclusive, sensibilizou o Tribunal Financeiro Federal (Bundes- entretanto, em linhas gerais, os apontamentos lá feitos, pois estão
finanzhoj), que, entre 1955 e 1965, se aferrou à doutrina do primado do di-
reito civil sobre o direito tributário (Primat des bürgerlichen Rechts vor dem
intimamente ligados ao tema agora tratado (conforme lá também
5teuerrecht). Entre nós, os escritores de tendência positivista e formalista foi lembrado).
comungaram nas mesmas idéias: Sampaio Dória, A. A. Becker, afIrmando
que as 'expressões têm dentro do direito tributário o mesmo signifIcado que juridico', e até mesmo o contraditório Rubens Gomes de Sousa" [LOBO TORRES,
possuem no outro ramo do direito, onde originalmente entraram no mundo 2000a:194-6].

260 261
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTARIA

SAVIGNY, certamente o jurista que definiu o papel da Teoria do técnica e histórica, qual seja, a de que o Brasil adota uma técnica
direito moderno, fugiu da tentação de estabelecer hierarquia entre constitucional de estabelecer quase todas as possibilidades de com-
os métodos hermenêuticos, assim como entendeu não se tratarem de petência tributária dos entes federados.
quatro métodos distintos e sucessivos do processo de subsunção. Essa descrição, em geral bem detalhada, gera conseqüências
Diante da não-existência de uma "meta-regra ordenadora da específicas sobre o tema agora em debate, permitindo alguns resul-
aplicação, em cada caso, de cada um deles", os métodos funcio- tados que fogem da discussão tradicional sobre o primado do direi-
nariam muito mais como instrumentos decisões to civil ou não sobre o direito tributário (em parte, aliás, importada
tomadas [GRAU, 2002c:91]. da doutrina estrangeira, sobretudo italiana e germânica).
Daí a referência cada vez mais freqüente de que a prevalência Um autor que chama a atenção para essa questão é HUMBERTO
de um ou outro elemento dependerá muito mais do caso decidendo BERGMANN ÁVILA. O autor parte de algumas conclusões iniciais, quais
(topicamente) do que da construção de critérios hierárquicos. 334 sejam, a remissão da legislação tributária ao direito privado compor-
De outro lado, ainda, não são poucos os autores que reconhe- ta não uma remissão terminológica, mas conceitual. Daí sua referên-
cem que a utilização desses elementos da interpretação pode levar cia a conceitos civilmente impregnados [zivilrechtlichte vorgepriigte
a soluções conflitantes 335 ou mesmo que questionam a classiflcação Begriffe] [2004b :64-5].
canônica (gramatical, lógico-sistemática, histórica e teleológica). Daí começa a análise sobre a possibilidade de modificação
Nesse sentido, tem-se, novamente, RICARDO LOBO TORRES apontan- ou não desses conceitos colhidos no direito privado. Para tanto,
do a inexistência de autonomia do elemento teleológico, já que este o autor lembrará que parte dessa questão se resolve no plano
sempre serviria de objetivo aos demais [2000a:208]. O próprio FRIE- hierárquico das normas. Sempre se pode alegar que a Consti-
DRICH MÜLLER aceita com reservas a referida autonomia [2000:98].336 tuição, ao eleger conceitos (direta e indiretamente 33B ) do direito
Para TIPKE, valendo-se de HELMUT COING, os elementos gramati- privado para fms tributários, essa eleição não pode ser simples-
cal, histórico e lógico-sistemático são apenas meios para alcançar mente alterada pela legislação infraconstitucional, a não ser que
a fmalidade da lei. 337 se demonstre que não se trata de uma utilização que remete ao
Outro ponto sobre a disputa entre conceitos de direito privado direito privado.
e o respeito ao seu "sentido original" tem a ver com uma questão O acórdão já citado sobre o INSS pro labore é exemplar nesse
sentido, já que demonstra como o STF entendeu que a referência à
expressão "folha de salários" deveria ser interpretada tecnicamente
334.LARENZ [1997:488], CASTANHEIRA NEVES [1995e:366], LOBO TORRES [2000a:206-
13J e LOBO TORRES [2004: 149J. (RE 166.772, Dl. 16.12.94).
335.Por exemplo, CARLOS MAxIMILIANO [1979:113J. Alguns votos mais recentes, entretanto, parecem mudar a
336. Nesse sentido, ver também ADEODATO [2002:238J e SCHROTH [1994:359J. orientação do STF, sobretudo quando alegam que os conceitos
337. "Folglich ist es nicht richtig, grammatische, historischejgenetische und
utilizados na defmição das competências devem ser construídos
systematische Auslegung neben die teleologische Auslegung zu setzen.
Eine grammatische, historische/genetische, systematische Auslegung ohne pela legislação infralegal, já que não são definidos previamente
Rückgrif.f auf den Gesetzeszweck ist verfeh/t. Grammatik, Genesis und
Systematik sind nur Mittel zur Feststellung des Gesetzeszwecks" [TIPKE a LANG,
1998:148J. Ver, ainda, LOBO TORRES [2000a:208-13] e LOBO TORRES [2001:135]. 338.Ver ÁVILA [2004b:66-7].

262 263
JOSE MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

pela própria Constituição (o voto-vista do Min. GILMAR MENDES na Essas regras ajudam em muito o controle de validade das leis
questão sobre a base de cálculo da COFINS - Lei na 9.718/98). tributárias, contribuindo para uma idéia de Estado de direito; aliás,
Outro exemplo disso é o conceito de renda, utilizado na defi- muito mais do que a tentativa datada de se apegar à literalidade da
nição da competência da União de instituir o Imposto de Renda das lei e à determinabilidade dos conceitos.
Pessoas Jurídicas. Na votação sobre a limitação da compensação Todavia, não há de se esquecer que qualquer análise judicial de
de prf'~ilJízos nsrai'S. o STF delimitou seu entendimento para o de validade de textos normativos, baseando-se ou não em conceitos de
resultado de acréscimo direito privado, em dois fatores: (i) o caráter decisório
mas sem comunicação entre os peliodos (princípio da continuidade (constitutivo) dos julgamentos dos tribunais (que podem, por exem-
da atividade empresarial). plo, desconsiderar eventuais limites interpretativos dos conceitos in-
Mas a questão que mais interessa aqui, voltando à análise de terpretados) e (ii) a impossibilidade de se definir, aprioristicamente,
ÁVILA [2004b:67], diz respeito à característica da CF de prescrever residência e limites ao(s) significado(s) do(s) conceitos jurídicos.
regras de competência de forma detalhada. Essa referência aos fatos Conforme já assinalado, não há de se ter um único ideal de
que podem ser tributados ou não (e por quem), em termos analíticos, exatidão (os conceitos determinados em detrimento dos indeter-
ao se manifestarem na forma de regras (espécie do gênero norma), minados), já que os conceitos (ao nosso entender, sempre indeter-
não poderia ser alterada ou afastada por princípios jurídicos (como mináveis a partir de premissas essencialistas) atuam em contextos
o da solidariedade da seguridade social, previsto no art. 195). específicos de forma satisfatória.
Outro fator ligado à técnica constitucional adotada pelo Brasil Não há como se estabelecer, de antemão, as regras de como
é a rigidez estabelecida deonticamente. Há vários princípios, regras cada conceito juridico deva ser interpretado/aplicado. Para que um
de competência e limitações ao poder de tributar que não podem conceito seja útil, basta que ele seja defmido em determinados con-
ser objeto de alteração infra constitucional e, muitas vezes, sequer textos práticos, pois o emprego das palavras não está totalmente
por emenda constitucionaP39 (de acordo com a ADln 939-7, ac. do regulamentado por regras [PhU:§68]. Muitas vezes um conceito de
Pleno, de 15.12.93, reI. Min. SYDNEY SANCHES, DJ. 18.3.94, com base contornos imprecisos é o que foi possível e é o que basta a uma
no art. 60, § 40 , da CF). determinada situação [PhU:7l].
Por fim, o autor assinala a própria questão do pacto federativo, Deslocando, portanto, a idéia da interpretação do texto nor-
uma preocupação constitucional já vista em alguns artigos citados mativo e de seus conceitos da determinabilidade do sentido desses
acima (art. 151, por exemplo). Trata-se, aqui, da constatação de conceitos para a de análise da norma-decisão constituída, tem-se,
que os fatos tributados por um ente federado não podem sê-lo por relembrando conclusões expressas acima:
outro, daí a idéia de um sistema de conceitos mínimos. (i) um texto normativo emprega conceitos cujos significados
Assim, a conjugação de todos esses fatores (regras de compe- estão sendo construídos local e temporalmente;
tência, sistema rígido, princípios garantidores e sistema federativo) (ii) essas construções formam um arcabouço conceitual, um
toma a CF brasileira uma Constituição única [ÁVILA, 2002b:68]. sistema de referências mediadas por adestramentos (formação uni-
versitária, formação de jurisprudência sobre determinados aspectos
de cada conceito); ,
339.Cf. ÁVILA [2004b:67].

264 265
JOSE MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

(iii) novas normas-decisão podem ser comparadas às decisões No caso do PIS e da COFINS, a dúvida pode recair, por exemplo,
outrora formuladas (ou às opiniões doutrinárias sobre o tema), o sobre certos ingressos que, muito embora transitem pelos registros con-
que permitirá relações de proximidade e comparaçào. tábeis das empresas, desde a celebração do negócio jurídico são desti-
Esses limites sociobiológicos340 , utilizando; dessa vez, nossas nados a outros contribuintes, não acrescendo, em nenhum momento, o
idéias expostas nos subcapítulos 2.1.1.3. a 2.1.1.5, permitirão a crítica patrimônio daquele que teve o ingresso, originalmente, registrado.
a deci~ões que paret;'::lrn ir contra o nosso sistema referencial [Bezugs- Em outras palavras, os ingressos monetários que transitam
system], ir contra aquele de H.UF,''-'.U!,,'UH contabilmente em uma empresa, sem, contudo, acarretarem impac-
Certos resultados (normas-decisão) freqüentemente frustram o to patrimonial, podem ser considerados fatos jurídicos qualificáveis
que determinada comunidade entendia como correto, mas chamar como receita bruta?
a atenção ao caráter decisório desse processo é permitir a chance de Em geral, a doutrina especializada (contábil e tributária) en-
discussão entre as partes (em sentido amplo) envolvidas no litígio. tende que não. Muito embora o conceito de receita bruta seja amplo
Uma questão conceitual que tem se debatido muito na doutri- para englobar fatos jurídicos que não pertencem à atividade econô-
na tributária, sobretudo após a Lei n° 9.718/98, é sobre a noção de mica do contribuinte daquelas contribuições (receitas não operacio-
receita bruta e sua extensão. Muito se discutiu, judicialmente, sobre nais), não seria suficiente para abarcar ingressos que não tenham
o conceito de faturamento, tendo sido confirmado aquilo que nas repercussão patrimonial, que, desde o início, já estão comprometi-
ciências contábeis há muito fora conceituado, ou seja, de que receita dos com repasses a terceiros. 341
bruta abrange um número maior de ingressos do que faturamento. Outro tema relevante, no que tange à apreciação de conceitos
Ainda assim, os contribuintes, no exercício cotidiano de suas e fatos para a devida concreção normativa tributária, é a teoria da
atividades econômicas, deparam com fatos jurídicos sobre os quais consideração econômica da norma.
a incidência ou não de determinados tributos resta duvidosa.

340. Esses limites não devem ser confundidos como limites de signifIcação, como 3.8. Consideração econômica
novas pautas para se elaborar uma nova teoria da interpretação baseada no
acesso a significados preexistentes. A luta contra o essencialismo e o represen-
tacionalismo é uma eterna vigilância, pois, devido ao nosso adestramento, fa- Nossa análise da consideração econômica da norma tributária e
cilmente podemos cair em tentações de enfoques semânticos ou mentalistas. da analogia será breve e esquemática. O objetivo de nosso trabalho
Não à toa, RICHARD RORTY, ao comentar essa tática anti-representacionalista,
assinala a facilidade em voltar ao mesmo enfoque: "Portanto, nem mesmo
dizendo que o homem é tanto sujeito como objeto, pour-soi tanto como 341. Veja-se, nesse sentido, BERNARDO RIBEIRO DE MORAES [1975:20] e MARCO AURELIO
en-soi, estamos apreendendo nossa essência. Não escapamos ao platonismo GRECO [1999:110-51]: "Da relevância patrimonial da fIgura, resulta que so-
dizendo que 'nossa essência é não ter essência', se então tentamos usar essa mente têm natureza de receita ou faturamento para fms de incidência de PIS
percepção como base para uma tentativa construtiva e sistemática de des- e Cofms aqueles ingressos que assim forem tipifIcados sob o ângulo subs-
cobrir verdades ulteriores sobre os seres humanos" [RORTY, 1994:371]. tancial; vale dizer, que, ao mesmo tempo, tenham causa juridica própria e
No mesmo sentido, WITIGENSTEIN declara: "Eu queria dizer que é notável que reflexo patrimonial. Disto decorre que não é a maneira pela qual vier a ser
aqueles que apenas atribuem realidade às coisas e não às nossas represen- contabilizada determinada fIgura que irá determinar sua natureza jurídica
tações mentais se movimentam tão naturalmente no mundo das representa- para fIns de incidência. A contabilidade retrata a realidade, mas não cria
ções e nunca sentem a falta de sair dele" [TBT:30]. realidades jurídicas novas, desatreladas da substância subjacente".

266 267
INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE

era questionar os pressupostos essencialistas e representacionalistas Daí a forte influência, no âmbito tributário, do elemento te-
da teoria da interpretação tributária, questionar a herança metodo- leológico da interpretação, sobretudo quando se analisa a consi-
lógica dela e analisá-la a partir de elementos da teoria estruturante. deração econômica da norma [wirtschaftliche Betrachtungsweise],
No fmal, pretendíamos analisar alguns dispositivos legais e a adotada pelo Código Tributário Alemão de 1919 [Reichsabgaben-
construção jurisprudencial em tomo deles (interpretação restritiva, ordnung], cujo anteprojeto coube ao jurista alemão de formação
civilística ENNo BECKER (1869-1949)343, influenciado pela obra de
Foi nossa intenção não tradicional JHERING. 344

do direito tributário (hermenêutica tradicional), mas se valer dele Este primeiro código possuía dois preceitos de suma importân-
para uma análise pragmática, b2seada apenas na análise das estra- cia na história do direito tributário:
tégias de justificação das normas-decisão.
§ 4. Na interpretação das leis tributárias devem ser considerados
Para isso ser realizado a contento, o tema prático-material de-
a sua finalidade, o seu significado econômico e o desenvolvimento das
veria ser mais específico (imunidades ou isenções, por exemplo).
Mas, ainda assim, analisamos vários julgados e propomos análises circunstâncias.
§ 5. A obrigação tributáría não pode ser eludida ou reduzida me-
comparativas entre normas-decisão já construídas como forma de
se elaborar parâmetros como interpretação restritiva, ampliativa e diante o emprego abusivo de formas e formulações de direito civil.345

declaratória. Haverá abuso no sentido do inciso 1,


1. quando, nos casos em que a lei submete a um imposto fenô-
Em teoria, nosso trabalho se encerraria aqui. Todavia, a re-
levância histórica da consideração econômica e da analogia nos menos, fatos e relações econômicos em sua forma jurídica correspon-

impele a abordá-las, ainda que superficialmente. dente, as partes contratantes escolhem formas ou negócios jurídicos
inusitados para eludir o imposto, e

3.8.1. Histórico 2. quando, segundo as circunstâncias e a forma como é ou


deve ser processado, obtêm as partes contratantes, em substância,
o mesmo resultado econômico que seria obtido, se escolhida fosse
o surgimento da teoria da consideração econômica da norma
a forma jurídica correspondente aos fenômenos, fatos e relações
tributária está ligado ao desenvolvimento teórico do direito tributário
na Alemanha do início do século XX. Havia, nesse periodo, uma forte econômicos.

oposição aos exageros do formalismo juridico e, por outro lado, uma


forte necessidade de se obter receitas diante dos problemas econômi- Os parágrafos citados não passaram pelo Parlamento sem resis-
cos decorrentes do momento posterior à Primeira Guerra Mundiap42 tência [BEISSE, 1984:13]. Metodologicamente, ENNO BECKER pretendia

343. Sobre ENNO BECKER e sua intenção metodológica, ver TIPKE 8: LANG [1998: 147-8].
342.BEISSE [1984:10-1], BRANDÃO MACHADO [1993:9], LOBO TORRES [2002:71]. Sobre 344.Entre outros, conferir BRANDÃO MACHADO [1993:7-131, BEISSE [1984:12-3],
isso, HUCK assinala: "Justifica a linha de suas idéias (E. Becker), pois es- HUCK [1996:70-1], LOBO TORRES [2000a:201 e 2002:71].
tas decorrem de uma reação plausível ao excessivo formalismo conceitual 345. Sobre o uso anormal de formas jurídicas com uma fmalidade meramente
tributária e a poss!bilidade de se aplicar a norma tributária que incidiria
que dominava o pensamento jurídico da época, sobretudo o germânico"
[1996:70]. sobre a situação que se buscou elidir, ver HENSEL [1956:142-52].

268 269
JOSE MARIA ARRUDA DE ANDRADE
INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

assegurar, por meio de regras hermenêuticas, a autonomia do direito alemão), mas também diante do prestígio de JHERING e, sobretudo,
tributário em relação ao direito privado, valendo-se, para tanto, do diante da repercussão da Escola de Pavia em nosso país.
método teleológico. O exílio de JARACH, na Argentina, a obra de AMiLCAR FALCÃO, o
O principal opositor contemporâneo de ENNo BECKER foi HANs contato do IDET com vários doutrina dores italianos, o intercâmbio
NAWIASKY; os principais aspectos da teoria desse jurista foram trata- de RUY BARBOSA NOGUEIRA com os principais juristas alemães, tudo
dos no subcapítulo 1.5. isso contribuiu para a formação brasileira e a influência de certos
Com relação ao § 4°, os de BECY,l'R que a aspectos metodológicos, conforme já desenvolvido anteriormente.
aplicação desse preceito pudesse levar à jurídica e a RUBENS GOMES DE SOUSA, autor do Anteprojeto do CTN brasileiro,
tendências fiscalistas. Exageros jurisprudenciais nesse primeiro pe- em seu Compêndio de Legislação Tributária, em edição anteríor à
ríodo de fato são anotados por todos que analisaram os julgados promulgação da referida legislação, declarara indubitavelmente sua
alemães dessa fase. 346 Após várias reformas legais, o parágrafo foi opinião de que todos os métodos interpretativos devem ser apli-
suprimido, não mais constando na AO (1977). cados em matéria tributária, sobretudo no sentido de se reforçar a
Sobre a evolução histórica da consideração econômica, HEINRlCH consideração teleológica ("realização da finalidade ou objetivo da
BEISSE [1984: 12-4] assinala três fases. lei tributária", sendo essa "a obtenção de receita para o Estado nas
Na primeira, denominada pelo autor de período áureo, que vai condições nela [lei] previstas").
de 1918 até 1955, tem-se os primeiros apontamentos históricos já Daí as colocações desse jurista de que "os atos, fatos, contratos
feitos acima, como a necessidade de se obter receitas após a Pri- ou negócios previstos na lei tributáría devem ser interpretados de
meira Guerra, a resistência ao formalismo jurídico e a conseqüente acordo com os seus efeitos econômicos e não de acordo com a sua
promulgação do primeiro código tributário da história. forma jurídica", de que os efeitos tributários dos atos, contratos ou
A segunda fase vai de 1955 a 1965 e marca o retrocesso do negócios são os que decorem de lei tributáría e não podem ser alte-
prestígio metodológico inicial. Seus defensores privilegiaram a na- rados pelas partes, devendo produzir os mesmos efeitos tributários
tureza unitária do direito tributário e outros ramos jurídicos, como daqueles atos, contratos ou negócios que sejam idênticos (ainda que
o direito prívado, buscando análises sistemáticas. possuam formas jurídicas distintas) [SOUSA, 1964:56-7].
A terceira fase começa em 1965 e marca uma nova postura No Anteprojeto do CTN havia um dispositivo determinando
metodológica e tem como fator decisivo a recepção dos construtos que "a interpretação da legislação tributária visará à sua aplicação
teóricos de WENZ no Tribunal Federal de Finanças, aliando a idéia não só aos atos ou situações jurídicas nela nominalmente referidos
do "sentido possível da palavra" com a necessidade de se instru- como também àqueles que produzam ou sejam suscetíveis de pro-
mentalizar o elemento teleológico. duzir resultados equivalentes" [MACHADO, 1989 :49].
No Brasil, na fase anterior ao CTN, uma parcela dos doutri- Porém, com o tempo, as escolas de cunho mais formalista, de ori-
nadores admirava a metodologia funcional e teleológica, não só gem italiana, passam a dominar o cenário brasileiro. Conformejá assi-
diante da importância do primeiro código tributário do mundo (o nalado, o próprio RUBENS GOMES DE SOUSA, que traduzira a obra de VANONI
(ligado à escola causalista de Pavia), depois manifestou sua predileção
346. VerVANONl [1973:234 e ss.], BRANDÃo MAcHADO [1993:13-5] e FALCÃo [1993:73-4]. pela obra de GIANNINI'(identificado com o formalismo tributário).

270
271
INTERPREfAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA
JOSE MARIA ARRUDA DE ANDRADE

Com raras exceções, hoje pode se falar em uma maioria con- a polarização em torno de uma interpretação subsuntiva e literal ou
trária à interpretação econômica, à análise funcional-teleológica (a de um positivismo sociológico. 348
não ser no caso de imunidades, diga-se), sobretudo quando se fala Parece-nos, entretanto, que em um país onde, muitas vezes,
em uma regra geral antielisiva. até ferramentas de processamento de dados (cruzamento eletrônico
Raras exceções podem ser encontradas nas obras de HERMES de dados no âmbito da Receita Federal, por exemplo) tendem a ser
MARcELO HucK [1996], RICARDO LOBO TORRES, a do pluralismo usadas contra quem de fato recolhe tributos, por meio de inscri-
metodológico [2003], e MARco AUREUO ções diretas em dívida pedidos de revisão de inscrição sem
Um ponto a ser ressaltado aqui é que a interpretação tri- processamento e toda sorte de caos burocrático, uma regra geral
butária pode ter considerações econômicas, sociológicas ou po- antielisiva mesclando teoria de abuso do direito e teste de propósito
líticas, mas há de ser sempre jurídica, como bem assinala HucK negociaI parece ser um instrumento a ser vigiado de perto.
[1996:75)347: Não se trata de uma consideração metodológica, mas tão-
somente uma colocação baseada em pressupostos éticos de trans-
A interpretação da norma há de ser sempre juridica, mas a con- parência fiscal e de ausêp.cia de aparato burocrático.
sideração econômica não deve ser abandonada. O direito tributário
prende-se ao fenômeno econômico, e este não deve ser desconsiderado 3.8.2. Interpretação econômica, interpretação teleológica e finalidade
em seu processo interpretativo. Não seria aceitável que o intérprete ou econômica da norma tributária
aplicador da norma ignorasse por completo as formas jurídicas, saindo
em busca do significado econômico do negócio em análise. Mas uma A literatura atual reconhece que o critério econômico envolve a
relação jurídica sem qualquer objetivo econômico, cuja única finali- utilização do método teleológico. Na disputa acirrada e já antiga entre
dade seja de natureza tributária, não pode ser considerada como com- os que defendem o primado do direito civil e os que, ao contrário, pug-
portamento lícito. Seria fechar os olhos à realidade e desconsiderar nam pela autonomia do direito tributário, segundo BEISSE [1984:9-10], a
a presença do fato econômico na racionalidade da norma tributária. adoção da técnica teleológica seria uma forma de superar o dissídio e
Uma interpretação juridica atenta à realidade econômica subjacente legitimar ambas as posições (com o predomínio do critério econômico).
ao fato ou negócio juridico, para efeitos de tributação, é a resposta Do ponto de vista de nosso trabalho, uma primeira noção deve
justa, eqüitativa e pragmática. [HUCK, 1996:324-5]. fiCar clara: deve-se evitar a idéia de que a consideração econômi-
ca esteja ligada a uma técnica econômica e não a uma jurídica. A
No atual estado da teoria tributária, acreditamos que a defesa concreção normativa que se vale de uma técnica baseada no critério
de um pluralismo metodológico (se valendo da lição de LOBO TORRES), de econômico é tão jurídica (e tão contaminada por outros elementos,
análises hermenêuticas amplas, possa contribuir mais para o ama- como os políticos e os volitivos) como qualquer outra aplicação.
durecimento da idéia de controle de elisões tributárias lícitas do que Em segundo lugar, não se trabalha aqui com a idéia de que
essa técnica envolveria uma análise de descoberta do conteúdo
347. "O próprio Tribunal Federal de Finanças já declarou que considerava
o critério econômico como uma técnica juridica de interpretação" BEISSE
[1984: 10]. 348.Ver LOBO TORRES [2003:267-8].

272 273
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

econômico dos negócios realizados ou dos dispositivos normativos direito privado; há a necessidade de se descortinar sua finalidade e
interpretandos. O essencialismo e o representacionalismo devem ser natureza econômica. O conceito de direito privado quando utilizado
afastados também neste momento. pelo direito tributário ganha um significado próprio. Sob perspectivas
Por fim, parece que, hoje, com a teorização de uma herme- diversas, uma única relação jurídica pode interessar a vários ramos
nêutica unitária, que se comunica com a de outros ramos, como do direito. Quando incorporados pelo direito tributário, os institutos
o constitucional e mesmo o direito privado, que determina pautas juridicos privados sofrem um processo de transformação e, tal como
sistemáticas como forma de se estabelecer a ungidos por uma pedra de toque, adotam a partir de então a lógica
referência à consideração econômica possa soar, ao menos no Bra- desse ramo do direito. Para o direito tributário, os conceitos juridicos
sil, um pouco datada. de direito privado, ou seja os negócios juridicos, são vistos como da-
Em outros termos, com a elaboração teórica da teleologia dos de fato, sujeitos à imposição [HUCK, 1996:72].
como um elemento que se estabelece a partir dos outros métodos
hermenêuticos, acreditamos que seja mais fácil um intérprete au- Porém, quando o tema é a incidência ou não de tributos, há
têntico justificar sua norma-decisão com base nesses postulados do julgados do STF nos dois sentidos. Privilegiando o sentido técnico
que com remissões ao critério econômico. (e do direito privado, e mesmo trabalhista), há o julgamento que de-
Logicamente, a discussão, nesse ponto, volta a ser aquela clarou inconstitucional a contribuição incidente sobre os pagamen-
travada, acima, sobre os conceitos de direito privado e sua inter- tos a administradores (RE n° 166.772-9fRS, Pleno, DJ. 16.12.1994,
pretação na legislação fiscal e na definição constitucional de com- cujo relator foi o Min. MARco AURÉLIO).
petências tributárias (subcapítulo 3.7.). Há outro julgado do STF relevante, que tratou da questão da
Outro será o cenário, no entanto, se for aprovada uma norma validade do item da lista de serviços do ISS relativo à cessão de
geral antielisiva, pois as referências deixarão de ser aquelas pró- bens móveis. No RE 116.121 (Pleno, DJ de 25.5.01, relator para
prias da Jurisprudência dos Interesses ou de análises contratuais acórdão o Ministro MARco AURÉLIO), venceu, por escassa maioria (6 x
finalísticas e passarão a ser as de concreção das técnicas adotadas 5), o entendimento segundo o qual, nos casos de "locação de bens
legalmente (business purpose, abuso de direito, dissimulação, negó- móveis", não haveria prestação de serviços, por ausência de uma
cio indireto, etc.). obrigação de fazer.
Do ponto de vista jurisprudencial, como já foi visto, a inter- O Relator, Ministro OcrÁVIO GALLOTIl, reconheceu a diferença en-
pretação teleológica da norma tributária é um tema recorrente na tre a locação de coisas e a locação de serviços no direito civil, mas
jurisprudência do STF, sobretudo no que diz respeito às normas defendeu uma interpretação teleológica da norma constitucional.
constitucionais de imunidade. Prevaleceu, entretanto, o voto do Ministro MARco AURÉLIO
("irrelevância do aspecto econômico quando contrário ao modelo
É certo, outrossim, que a lei tributária vale-se dos conceitos constitucional do tributo, secundado pela definição dos institutos
de direito privado, pois são estes que delimitam os fatos econômicos envolvidos").
constitutivos do objeto da norma tributária. Porém, tais conceitos não Essa orientação metodológica (sobre teleologia), contudo, pode ser
devem ser entendidos com a rigidez e o formalismo que ostentam no alterada, sobretudo diante da renovação da composição das turmas.

274 275
JOSE MARIA ARRUDA DE ANDRADE
INTERPRETAç.~O DA NORMA TRIBUTÁRIA

Em conclusão a esse tópico da consideração econômica, con- a herança metodológica dela e analisá-la a partir de elementos da
forme exposto no capítulo anterior, e também neste, a interpretação teoria estruturante.
(em seu sentido amplo) não é distinta da aplicação, nem isolada da No final, pretendíamos analisar alguns dispositivos legais e a
realidade (mediada) referente ao caso concreto. A produção de uma construção jurisprudencial em tomo deles (interpretação restritiva,
normajuridica tributária (seja ela uma nova norma geral ou uma de- teleológica e ampliativa, etc.).
cisão individual concreta) é um processo de Em teoria, nosso trabalho se encerraria aqui. Todavia, a re-
Nesse processo texto à levância histórica da analogia nos impele a abordá-la, ainda que
não há como isolar os métodos utilizados pelo autêntico, superficialmente.
não há como hierarquizá-los. A formação das razões do entendi- Para a análise do tema, vale citar, novamente, o art. 108 do
mento, das razões da decisão, é inatingível. CTN:
O que sobra para nós, operadores do direito, é a discussão
sobre as justificativas de uma decisão (de um resultado do seguir Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade com-
uma regra). Nesse contexto é que serão exigidas justificativas ba- petente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente,
seadas em argumentos jurídicos Qustificativas, não fundamentos na ordem indicada:
cognitivos), procedimentos preestabelecidos e possibilidade de dis- I - a analogia; [...]
cussão (contraditório no processo, princípio democrático quando § 10 O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de
for o caso). tributo não previsto em lei.
Se se trata de uma busca não pelas causas, mas pelas justifi-
cativas [PhU:§217], a tentativa de congelar e de tomar estáticos os Como se percebe, o Brasil cuidou de tratar um tema que ator-
métodos hermenêuticos tende ao fracasso. O pós-positivismo rejeita menta a doutrina tributária de vários países: seria lícito ao intér-
a tentativa de hierarquizar os métodos da hermenêutica tradicional, prete autêntico utilizar a técnica analógica para interpretar (sentido
preferindo considerá-los aspectos de uma operação una, refutando estrito) ou colmatar lacunas (integrar) da legislação fiscal? Se sim,
qualquer hierarquia entre eles. esse uso validaria inclusive casos de incidência tributária outrora
Daí que a defesa ou crítica apriorística a considerações teleoló- não previstos?
gicas, funcionais ou econômicas não deve ser sustentada. Esse tema foi debatido no Brasil, antes e depois da promul-
gação do CTN, sendo comum a referência à proibição da analogia
gravosa (aquela tendente a gerar tributação a partir de um raciocí-
3.9. A analogia no direito tributário nio de semelhança e não de interpretação de dispositivo expresso
e específico).
A ressalva feita no início do subcapítulo anterior cabe também Já foi lembrada acima a reunião ocorrida em 1981 da Associa-
aqui. Nossa análise da analogia será breve e esquemática. O objetivo ção Alemã de direito tributário (Deutsche Steuerjuristische Gesells-
de nosso trabalho era questionar os pressupostos essencialistas e re- chaft), na qual foi discutida, pela segunda vez, o tema "Os Limites da
presentacionalistas da teoria da interpretação tributária, questionar Integração em direito tributário". No relatório, elaborado por KiAUS

276 277
INTERPRETAÇAo DA NORMA TRIBUTÁRIA
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE

TIPKE, há a referência à proibição da analogia gravosa no Brasil e em Em outros termos, vemos aqui o tema recorrente de nossa tese:
outros países, como Espanha e México [TIPKE, 1983:515-6].349 a tensão entre a necessidade da metódica (estruturante) juridica
O fundamento para essa proibição da integração da legislação contribuir para o desenvolvimento dos valores próprios do Estado
tributária é a própria vinculação histórica entre direito tributário de direito, sem ter como sustentar os topoi anteriores, de segurança
ocidental, positivismo e "ideais liberais e classistas", nos dizeres de jurídica meramente formal (subcapítulo 2.3.) e de uma visão estreita
T",rrn: r1 OQ':)·0::1 1'1350
AH.l't-L L~ . .J'·_il..-P'"""';l.--:ií:j~
da estrita legalidade (sub capítulo 2.4.).
Em geral, os argumentos para funda- Parece-nos que, abordadas as principais tensões sobre a segurança
mentar a proibição da analogia são ligados à segurança jurídica e juridica tributária brasileira, a questão da analogia não seria a mais im-
à legalidade (reserva legal). Ao c:ontrárío, o utilizado pela doutrína portante, seja pela positivação da vedação da analogia gravosa, s~a pela
minoritária, a favor da aplicação analógica, é baseado na igualdade construção doutrinária brasileira, seja pela posição jurisprudencial.
e na solidariedade. 351 Ainda assim, vale passar alguns pontos relevantes sobre essa
A técnica analógica tem sua importância em qualquer estudo técnica e depois analisar vários julgados sobre o tema.
de hermenêutica jurídica, porém, ao menos no âmbito tributário,
os pontos desenvolvidos até aqui permitem a constatação de que 3.9.1. Localização histórica
os desafios metódicos tributários estão mais ligados às fronteiras
entre interpretação e integração, entre interpretação e interpretação Não se pode afirmar a existência de uma única noção de ana-
extensiva, e à figura da interpretação teleológica. logiajurídica. Isso vale inclusive se delimitarmos a analogia apenas
Isso se utilizarmos o vocabulário tradicional tributário. Em termos como método de integração de lacunas.
mais próximos da teoria geral do direito contemporânea, o desafio da A expressão "analogia" (avcnoyta) referia-se, inicialmente, à
metódica tributária estaria nos aspectos problemáticos da concreção proporção matemática, tal qual aparece na Ética a Nicômaco, de
normativa (algo que envolve considerações sobre a realidade, elemen- ARISTÓTELES [V, 3)352 e no Banquete, de PLATÃO [VI, 508].353 Em termos

tos políticos, volitivos, etc.), e não sobre um raciocinio de semelhança, jurídicos, a idéia de analogia pode invocar o recurso argumentativo
devidamente limitado do ponto de vista jurisprudencial. de estender a solução normativa de um fato específico a outro fato
sem regulamentação, porém semelhante. 354
349.Para uma análise da analogia no debate tributário alemão, bem como sua Os escolásticos utilizavam a expressão "exemplum", e os juristas
comparação com a teoria do abuso de formas [§ 42 do Abgabenordnung medievais se valiam da expressão ainda hoje citada de "argumentum
- 1977 - AO], ver SCHOUERI [1995:71-2].
a simili e o argumentum a pari" [ATIENZA, 1986:29-30].
350. "As classes e a burguesia protegiam os cidadãos através do fato de autoriza-
rem o mínimo possível de impostos. Conforme a ideologia liberal, o imposto
é tão repressivo e incômodo como a pena" [TIPKE, 1983:514]. 352. "O justo é, pois, uma proporção." Ver ATlENZA [1986:17].
Essa idéia, aliás, aparece em nosso trabalho nos capítulos anteriores, em 353. Sobre a evolução histórica da noção de analogia e seus vários sentidos, ver
diversas passagens. M. ATlENZA [1986:15-41] e BOBBIO [1999:151-5].
351. Lembremos alguns pontos vistos acima, sobre a igualdade tributária e a 354.Este segundo sentido, que parte da idéia de um raciocínio que vai de um
tese do STF como legislador negativo, e sobre o princípio constitucional da fato a outro, passando por uma regra geral, também foi tratado por ARIsróTE-
igualdade tributária como garantia individual frente ao Estado e não como LES, mas dessa vez sob a expressão paradigma (l1apabElY/-la), nos Primeiros
instrumento de tributação. Analíticos (cap. 24). Ver ATIENZA [1986:17-8 e 29].

278 279
JOSE MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

Juridicamente, a analogia ganha relevo com a obra de Esse último caso, em termos teóricos, nada mais é do que a
SAVIGNY, GENY e ZlTELMANN. No Brasil, antes da promulgação do interpretação extensiva. A idéia aqui era a de, defendendo o dogma
CTN, a doutrina era francamente contra a utilização da analogia da plenitude do ordenamento jurídico, permitir a formação de no-
na seara tributária. vas regras e princípios sem ter de reconhecer a existência de uma
Com a positivação, entretanto, do art. 108 do CTN e a vedação lacuna (que demandasse a integração analógica).358
da 8T181ogi;:J gravosa (/Oi J o do mesmo artigo), o entendimento geral Por outro lado, esta é uma das faces do problema. A outra é: se
passou a ser o de validade do há uma teórica entre interpretação extensiva (analogia por
que não implicassem em imputação fiscaL355 compreensão) e integração por analogia (diante de lacur..a), isto não
impede a distinção prática entre ambas as situações (ao menos em
3.9.2. Modelo básico de analogia termos absolutos), conforme já visto no decorrer deste capítulo.
A idéia de uma separação entre interpretação extensiva (ainda
o modelo básico de analogia é aquele que a descreve como presa ao "sentido" da lei, em termos tradicionais) e integração ana-
a utilização de uma norma (texto normativo) que regula um caso lógica parece ter uma função metodológica de limitar a capacidade
semelhante ao que precisa ser julgado e para o qual não há norma criativa do intérprete em inovar o ordenamento juridico, preservan-
específica própria. do, assim, a segurança jurídica.
Na definição de BOBBIO [1999:151], é "o procedimento pelo qual Defender uma decisão juridica com base em argumentos pró-
se atribui a um caso não regulamentado a mesma disciplina que a prios da interpretação extensiva parece menos comprometedor,
um caso semelhante". mais seguro e previsível do que alegar simplesmente o preenchi-
O recurso à analogia funda-se na idéia de igualdade e dejusti- mento de uma lacuna, o que parece sempre aumentar o critério
ça formal, já que prescreve que fatos semelhantes tenham a mesma subjetivo do intérprete.
forma de julgamento se para um deles não houver uma norma es-
pecificamente aplicáve1. 356 3.9.4. A Analogia na jurisprudência brasileira

3.9.3. Analogia em sentido estrito x interpretação extensiva Ajurisprudência do SIF sobre a aplicação da analogia na sea-
ra tributária é escassa, tendo em vista a já citada vedação da ana-
Muita da confusão existente entre os limites da aplicação da ana- logia gravosa pelo CTN (art. 108, § 10 ).
logia decorreu da utilização de duas idéias para esse método. No primei- Algumas decisões são relevantes para a análise do tema. Assim,
ro, há a integração de lacuna por analogia; no segundo, uma analogia no RE 78.927 (1 a Turma, relator Min. ALIOMAR BALEEIRO, DJ02.10.79),
por compreensão, ou interpretação (sentido estrito), analógica. 357 o SIF afastou a possibilidade de ampliação analógica dos itens da
lista de serviços tributáveis pelo ISSQN, valendo-se, para tanto, do
355. Ver LOBO TORRES [2000a:1l8-9]. art. 97 do CTN.
356. Ver, ainda, HUCK [1996:95-100].
357. Sobre a evolução e os diversos entendimentos de BOBBIO sobre a distinção 358. Sobre essa construção das escolas exegéticas e conceitualistas, sua influên-
entre analogia e interpretação extensiva, ver ATIENZA [1986:60-3]. cia no direito tributário e sua superação, ver [LOBO TORRES, 2000a:121-5].

280 281
INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE

Essa questão acerca da lista do ISS, contudo, conforme já LECIMENTOS SIMILARES. DECRETO-LEI 406/68. ART. 97, I E IV, CTN.

visto, é controversa, já que a taxatividade dela foi reconhecida, COMPETÊNCIA TRIBUTARIA MUNICIPAL

muito embora haja decisões determinando a aplicação de uma L Impossibilidade do recurso da analogia para se entender como

interpretação extensiva e analógica. Até porque a legislação com- base de cálculo comum para a incidência a equiparação do forneci-

plementar que define a lista de serviços (hoje a LC 116/03) utiliza mento à saída da mercadoria.

a expressão "congêneres". sem detalhá-la exemplo, os itens a, 2. Repudio às chamadas "operações mistas" (art. 97, IV, CTN).

1, 1~03, 3, etc. da Le 11 359 3. Sem lei e vedado exigir tributo (arts. 6°, parágrafo único, e

o Superior Tribunal de Justiça possui acórdãos nesse sentido. 97, I e IV, CTN).

Veja-se: 4. Apenas a lei complementar pode excluir da competência mu-


nicipal o tipo de serviço, então, favorecendo a base de cálculo pelo

Recurso Especial - Tributário - ISS - Lista da legislação munici- total de operações (art. 156, IV, CF).

pal dos serviços tributáveis deve ater-se ao rol da legislação nacional, 5. Recurso improvido.

a teor da Constituição da República de 1969. Imperativo do princípio


que impõe o 'numerus clausus'. Admissível a interpretação extensiva Outra questão relevante é o fato de que a vedação da apli-
e analógica. Vedada, porém, a analogia. Aqueles respeitam os marcos cação da técnica analógica restringe-se à situação gravosa ao
normativos. A última acrescenta fatos novos" (STJ, RESP 6.705/SP, contribuinte, sendo utilizada como forma de regulação de situa-
DJU 25.2.1991).360 ções de lacunas, em matérias como procedimentos ou mesmo
situações benéficas, como a correção monetária de repetição de
Há decisão da Primeira Turma, no entanto, em sentido con- indébito.
trário, reiterando a taxatividade da lista, a impossibilidade de in- Nesse sentido, uma decisão antiga do SIF confirma nossa afir-
terpretação extensiva e da aplicação de analogia e a ilegalidade da mação, prolatada pela 1" Turma, reI. Min. ANTONIO NEDER (RE 81.456-
tributação de serviços portuários (RESP 30360, DJ de 10.10.94, p. 6/SP DJ 13.3.81):
27.109, v.u., reI. Min. MILTON LUIZ PEREIRA).
Outra decisão confirmando a vedação da analogia gravosa A Lei paulista n. 9.153 de 1965 pode ser aplicada, por analogia,

aparece em um julgado do Superior Tribunal de Justiça (RESP n° aos casos de repetição de indébito fiscal, para conceder ao contribuin-

4.329, 1" Turma, DJ de 08.9.92, p. 14.322, relator Min. MILTON LUIZ te a correção monetária do quanto, que lhe devolve o Fisco, do tributo

PEREIRA): indevidamente cobrado e pago.


A jurisprudência do STF fIrmou-se no reconhecer que se deve

TRIBUTÁRIO. ICM. BASE DE CÁlCULO. FORNECIMENTO DE corrigir o quanto do indébito devolvido ao contribuinte.

ALIMENTAÇÃO E BEBIDAS EM BARES, RESTAURANTES E ESTABE-


Conforme anteriormente lembrado, quando tratamos da inter-
359. Ver [BORGES, 2004:41]. Sobre o tema: [BORGES, 2004:40-5]. pretação das isenções, há a vedação da aplicação de analogia, con-
360.No mesmo sentido, ver RESP 1.837, da 2a Turma (Dl de 10.9.90, p. 9116, reI. forme decisão do SIF, por sua 2a Turma (RE 85.984/RJ, RTJ 85/992).
Min. LUlZ VICENTE CERNICCHIARO).

282 283
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE INTERPRETAÇÁO DA NORMA TRIBUTÁRIA

Ainda sobre a vedação da analogia em matéria de isenção fiscal, Contudo, é na jurisprudência dos tribunais administrativos que
relembrem-se os já citados julgados que originaram a Súmula 100 se encontram os casos mais instigantes de aplicação ou vedação da
do STJ (RESP 31.215-6361 e RESP 36.366-7 362 ). técnica ctUCU\.I"-'LG.

Em outro julgamento do STJ, também analisado um Do Conselho de Contribuintés já foram comentadas as deci-
texto normativo infralegal, a pretexto de interpretação extensiva sões que determinaram a aplicação de Taxa SELIC no Crédito Pre-
ou aplicação analógica, buscou limitar isenção fiscal, o que foi sumido de IPP64
declarado ilegal (RESP n° 530 la 23 101 p. Corroborando a idéia de que a analogia costuma ser funda-
35.622, reI. MIN. MILTON LUJl PERE!RA).363 mento de aplicação de normas procedimentais em situações sem tal
Quando se trata de matéria penal, os tribunais aplicam a idéia regulamentação, a Terceira Câmara do Primeiro Conselho de Con-
de analogia "in banam partem". Nesse sentido, há um julgado do tribuintes (Processo n° 13710.001052/00-01, Recurso n° 132.712),
Superior Tribunal de Justiça bem interessante (Proc. Inq. n° 178 de após ressaltar que a analogia não pode ser gravosa, declarou:
95, DJ de 26.5.1997, p. 22.464, reI. para o ac. Min. GARCIA VIEIRA):
IRP J - EMISSÃO DE CERTIFICADOS DE INCENTIVOS FISCAIS
PENAL - TRIBUTÁRIO - EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE - SA- - PEDIDO DE REVISÃO - Em prestígio ao princípio da legalidade,
TISFAÇÃO DO CRÉDITO ANTES DA DENÚNCIA - LEI 9.249, DE na ausência de norma expressa que fixe o termo final para solicitar
26/12/1995, ART. 34 - ANALOGIA "IN BONAM PARTEM". Nas figu- a revisão de extrato de aplicação em incentivos fiscais, deverá ser
ras penais do art. 2 0 da Lei 8.137/1990 e art. 10 da Lei 4.729/1965, reconhecida a tempestividade do pedido formulado dentro do prazo
quando o agente satisfaz o credito antes do recebimento da denun- qüinqüenal de decadência do direito à restituição ou compensação
cia, extingue-se a punibilidade. Emerge dúvida quanto à aplicação do de indébitos, em respeito ao equilíbrio entre o prazo do direito do
mesmo procedimento, quanto ao crime previsto no art. 95, "d", da Lei Fisco para lançar e aquele dado ao sujeito passivo para pleitear seus
8.212/1991, não incluído no art. 34 da Lei 9.249/1995; mas as figuras direitos.
penais são muito semelhantes e caracterizam-se pelo não-recolhimento
364. "IPI - RESSARCIMENTO - CORREÇÃO MONETÁRIA E TAXA SELIC - Aplica-
no prazo legal. Caso típico de aplicação da analogia "in bonam par-
se à atualização dos ressarcimentos de créditos incentivados de IPI, por analo-
tem" para decretar-se a extinção da punibilidade, em conseqüência do gia, o disposto no § 3 D do art. 66 da Lei n° 8.383/91, até a data da derrogação
recolhimento da importância correspondente a contribuição antes do desse dispositivo pelo § 40 do artigo 39 da Lei n° 9.250, de 26.12.95. A partir de
então, por aplicação analógica deste mesmo artigo 39, § 40, da Lei n° 9.250/95,
recebimento da denúncia.
sobre tais créditos devem incidir juros calculados segundo a Taxa SELIe. Re-
curso provido" (Processo n° 13839.001331/98-42, recurso n° 119.637).
"IPI - RESSARCIMENTO - CORREÇÃO MONETÁRIA - A atualização monetária
361. STJ, l' Turma, reI. Min. DEMÓCRITO REINALDO, junho de 1993. dos ressarcimentos de créditos de IPI constitui simples resgate da expressão real
362.STJ, l' Turma, reI. Min. MILTON PEREIRA, agosto de 1993. Ver PAUlSEN do incentivo, não constituindo 'plus' a exigir expressa previsão legal (Parecer
[2000:428-9]. AGU n° 01/96). O artigo 66 da Lei n° 8.383/91 pode ser aplicado na ausência de
363.Da ementa desse acórdão extrai-se: "Cuidando-se de interpretação da legis- disposição legal sobre a matéria, em face dos princípios da igualdade, fmalidade
lação tributaria, sob a réstia da similitude de atividades, a analogia ou com- e da repulsa ao enriquecimento sem causa. Precedentes do Colegiado. Recurso
preensão extensiva não se presta para fmcar ato administrativo declaratório provido" (Primeira qmara do Segundo Conselho de Contribuintes, Processo n°
com o viso de arquear isenção prevista em lei". 11065.000249/97-10, Recurso n° 114010, de 06.7.2000).

284 285
JOSE MARIA ARRUDA DE ANDRADE
INTERPRETAÇÃO DA NORMA TRIBUTÁRIA

Reforçando a idéia de que a analogia não pode gerar tributos CSL prevista no art. 11 da Lei Complementar 70/91 incide para agente
outrora não devidos, a Primeira Câmara do Segundo Conselho de de seguro. Portanto, por força do princípio da tipicidade e da proibi-
Contribuintes (10768.033025/96-51, 001137) decidiu: ção do emprego da analogia para exigência de tributo, a corretora de
seguro não deve estar sujeita à norma estabelecida para agente autô-
IPI - ANALOGIA - PRODUTOS NÃO SUJEITOS AO SELO DE nomo de seguro, por serem institutos jurídicos distintos.
CONTROLE - Não se pode usar analogia, conforme estabelece o artigo
108 do CTN, para a cobrança do IPI legais No âmbito das (Processo n° 10909.001525/2001-
relativos a selo de controle, quando o produto náo se encontra sujeito 81, Recurso n° 129.190):
a esse tipo de controle. Recurso de ofício a que se nega provimento.

MULTA REGULAlV[ENTAR - Ai penalidades pelo descumprimento


Em um recurso voluntário de um contribuinte, questionou-se das disposições dos artigos 50 e 6 0 da Lei Complementar na 105/2001 só
a decisão da Delegacia da Receita Federal de Aracaju, que acatou foram introduzidas pela Medida Provisória 66/2002, convertida na Lei na
a aplicação analógica de situações que justificavam a presunção de 10.637/2002. Por se tratar de norma penal, a penalidade prevista no art.
distribuição disfarçada de lucros no Imposto de Renda. A fiscalização 80, parágrafo único, c/c art. 7 0, § 10, da Lei 8.021/90, não pode ser estendi-
estendera o regime de presunção para a apuração do FINSOCIAL, da, por analogia, a infrações às normas da Lei Complementar 105/2001.
o que foi rechaçado pelo Conselho de Contribuintes (Processo n°
10510.001421/89-48, Recurso na 084707). Já no Processo n° 10980.007402/96-17, Recurso na 113.010,
Outra decisão do Conselho de Contribuintes (Processo n° O Conselho de Contribuintes declarou ser "legalmente incabível a
10183.002487/2001-15, Recurso n° 125.069), entendendo que a equiparação a pessoa juridica, para efeitos tributários, do exercí-
exclusão do SIMPLES, por analogia, acarretaria majoração de tri- cio individual de ocupações e prestação de serviços não comerciais
buto (o que de fato aconteceria), vedou essa aplicação, já que se- reconhecidos como tais pelas próprias autoridades lançadora e jul-
ria gravosa: "As atividades desenvolvidas pela casa lotérica não se gadora (DL na 5.844/43, artigo 60, b)", com base no art. 108, § 10,
encontram arroladas no artigo 9 0, da Lei n° 9.371/96, motivo pelo do CTN.
qual não deve a mesma ser excluída do SIMPLES - Sistema Inte- O que se percebe é que a utilização da analogia como instru-
grado de Pagamento de Impostos e Contribuições de Microempresas mento argumentativo tem a sua eficácia limitada, seja pelas con-
e Empresas de Pequeno Porte por mero exercício de interpretação e siderações doutrinárias relevantes em tomo da segurança jurídica,
analogia com outras atividades". seja pela vedação legal contida no art. 108, § 10, do CTN.
No mesmo sentido, vedando a analogia gravosa (Processo na Disto decorre o fato da jurisprudência judicial das instâncias
10305.000553/98-04, Recurso na 120843): superiores não ser tão rica. Porém, conforme visto, as decisões ad-
ministrativas são riquíssimas, sobretudo diante da variedade dos
CSL - CORRETORA DE SEGURO - INTERPRETAÇÃO DO TER- fatos envolvidos no lançamento tributário.
MO "AGENTE AUTÔNOMO DE SEGUROS PRIVADOS E DE CRÉDITO" Ainda assim, repetimos, o enfoque atual mais problemático da
- ART. 22, § 10, DA LEI 8.212/91 - NÃO-APLICAÇÃO - A alíquota de metódica tributária está em temas como (i) a extensão da técnica

286 287
JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE

teleológica da apreciação das llUliU.lU (ii) os limites da concre- 4.


ção normativa na construção dos sentidos dos conceitos utilizados
na definição de competências tributárias, (iH) a problemática da au-
sência de distinção metodológica entre integração e interpretação
(extensiva ou não).
obviamf'ntp. o tema é a concreção normativa tri- 1. Algumas correntes teórico-jurídicas obtiveram maior desta-
butária, pois, se essas certamen- que no debate ocidental dos séculos retrasado e passado: a
te descobririamos que a grande questão fiscal hoje envolve vários Escola da Exegese (L'École de L'Exégese), a Escola Histórica, a Juris-
aspectos da política tributária (muito mais próximos da teoria do prudência dos Conceitos e a Jurisprudência dos Interesses.
Estado, do que do direito constitucional tributário) e da ética fiscal Nessas escolas, ao se abordar a interpretação da norma, traba-
(questão da filosofia do direito, por excelência). lha-se com a ênfase nas operações sintáticas que permitam o acesso
Em ambos os casos, porém, estaremos diante de outras pers- de um dado prévio (seja ele a intenção do legislador na Escola da
pectivas, que demandariam novos enfoques e instrumentos. Mesmo Exegese; o espírito do povo [Volksgeist] na Escola Histórica; o con-
assim, são temas que, acreditamos, engrandecerão mais o debate ceito e o sistema na Jurisprudência dos Conceitos; os interesses na
social da questão fiscal brasileira do que uma visão estreita de le- Jurisprudência dos Interesses).
galidade, de um lado, e, de outro, a total ausência de transparência O aspecto semântico aparece como método de análise su-
fiscal em algumas práticas fazendárias (como a inscrição direta de plementar, como aperfeiçoamento dos limites de reconhecimento
valores baseados em rotinas de processamento de dados e a falsa daquilo que foi predeterminado no texto da lei, por meio de seu
hipertrofia da dívida ativa sem qualquer lastro real, fruto tão-so- caráter representativo.
mente de guias de recolhimento ou declarações não localizadas ele- Nossa referência ao termo "representação", não tão freqüente
tronicamente ou equivocadamente preenchidas). no direito, diz respeito à propriedade de os termos da linguagem
(textos normativos) apontarem para elementos da natureza, ou das
coisas, ou das idéias, permitindo que sujeitos cognoscitivos assimi-
lem ou alcancem seu conteúdo preexistente.
A hermenêutica tradicional está baseada em um enfoque es-
sencialista e representacionalista de linguagem, porém, encontra-se
com facilidade certa flexibilização da afirmação da capacidade de se
achar a resposta correta e única ao signifICado de um texto objeto
da análise.
Por outro lado, sobretudo diante da preocupação com a segu-
rança juridica, essa flexibilização não vem acompanhada de uma
crítica ao modelo cognitivo inerente aos construtos hermenêuticos
jurídicos tradicionais, baseados (i) na descoberta de sentido, (ii) na

288 289

Você também pode gostar