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PLURALISMO CONSTITUCIONAL

INTERAMERICANO – BRENO MAGALHÃES

I. INTRODUÇÃO
- O pluralismo constitucional tem a vantagem de não eleger um dos ordenamentos
como o mais importante e, a partir dele e de sua estrutura, criticar, utilizando de
injustas analogias, os discursos constitucionais do outro.
- No caso da Constituição brasileira, constata-se o aspecto descritivo do pluralismo
constitucional na decisão do STF de outorgar aos tratados internacionais de direitos
humanos o status supralegal, capaz de analisar o efeito das normas infraconstitucionais
e influenciar na interpretação constitucional.
- [No pluralismo constitucional] As relações entre ordenamentos constitucionais não
ocorre, necessariamente, em um vácuo jurídico, mas são mediadas pelo ideal regulativo
do princípio pro homine. Trata-se de ideal jurídico compartilhado por ambos os
ordenamentos, o que caracteriza o pluralismo constitucional como interpretativo e não,
simplesmente, pragmático (interações políticas). Por sua vez, as interações podem ser
identificadas pela construção dos direitos humanos através da deliberação dos
fundamentos presentes nos precedentes da ambas as cortes.

CAPÍTULO 01 – PARA ALÉM DA DICOTOMIA DUALISMO E


MONISMO
1.1. A LIMITAÇÃO DA DICOTOMIA DUALISMO MONISMO

CAPÍTULO 02 – PLURALISMO CONSTITUCIONAL: descrição das


influências mútuas entre a Constituição de 1988 e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos
2.1. AS CARACTERÍSTICAS DO PLURALISMO CONSTITUCIONAL: da
Europa para o mundo
- O Pluralismo Constitucional parte da ideia de PLURALIDADE DE FONTES E
REIVINDICAÇÕES CONSTITUCIONAIS dotadas de AUTORIDADE FINAL, de
modo que coexistam e se influenciem mutuamente, visando a proteção dos Direitos
Humanos.
- Em casos de conflitos constitucionais entre diversas reivindicações constitucionais, os
mesmos não serão dirimidos com base na hierarquia clássica, mas sim de forma
HETERÁRQUICA e DIALÓGICA, tendo em vista que não existe um terceiro capaz de
determinar qual a autoridade com poder de última palavra.
2.2. A IDENTIFICAÇÃO DO PLURALISMO CONSTITUCIONAL: o discurso
constitucional da CADH, a supralegalidade e a deferência interpretativa
2.2.1. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a construção de uma
reivindicação constitucional
- Existe um discurso constitucionalista no plano da CADH?
01. PREMISSAS DA PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS:
1ª Premissa – Os indivíduos e grupos possuem um âmbito de proteção de
direitos em um plano que vai além do estatal. Tal proteção alcança os direitos
internacionalmente garantidos.
2ª Premissa – Possibilidade de um padrão internacional, estabelecido por
tratados, ser utilizado para a fiscalização de leis internas.
02. ESTRUTURA DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS:
- O Sistema Interamericano de Direitos Humanos se estruturou por meio da
Organização dos Estados Americanos (OEA), baseado em duas fontes:
a) A Carta da OEA – Não convencional, eis que lastreada na Declaração Americana de
Direitos Humanos de 1948 (natureza de Resolução);
b) Convenção Americana de Direitos Humanos – Convencional, incluindo a Convenção
Interamericana de Direitos Humanos, possuindo um órgão jurisdicional, a CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, com funções judiciais, consultivas
e cautelares, cujas decisões vinculam os Estados signatários.

# A CONSTRUÇÃO DA REIVINDICAÇÃO CONSTITUCIONAL DA


CONVENÇÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (POR MEIO
DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS):
- Para se analisar a reivindicação constitucional da CADH, o autor estabelece as
seguintes dimensões:
- Dimensão conceitual;
- Dimensão estrutural

a) Dimensão Conceitual
- Fatores que constituem o aspecto conceitual do Constitucionalismo (Neil Walker):
- Constitutivo – desenvolvimento de um discurso constitucional autoconsciente
de defesa de um poder institucional + presença de uma autoridade jurídica fundacional;
- Governança – desenvolvimento de um escopo jurisdicional + definição de uma
esfera de competências + autonomia interpretativa das competências próprias;
- Social – Atesta como o processo constitucional articula e legitima sua relação
com as entidades sociais as quais diz respeito (especificações referentes aos critérios de
identificação da qualidade de membros da associação social – cidadania, direitos e
obrigações - + as formas e mecanismos pelos quais tais membros exercem e têm seus
interesses tomados em consideração).

IMPORTANTE!!! A construção de um discurso constitucional da CADH, nos


subconjuntos constitutivo e da governança (Neil Walker) pode ser identificada em três
aspectos:
01. Quando a Corte Interamericana de Direitos Humanos afirma sua
competência exclusiva para determinar os limites e alcances de sua própria
competência consultiva, contenciosa e cautelar, de modo que sua estruturação e seu
papel, na forma estabelecida pela CADH independem de critérios externos para esta
avaliação (regra da competência da competência);
02. Quando a Corte Interamericana de Direitos Humanos se autoproclama a
última intérprete da CADH, de modo a estabelecer seus próprios critérios
interpretativos, os significados e desenvolvimentos de suas disposições dotadas de
autoridade.
03. Quando a Corte Interamericana de Direitos Humanos atribui às normas da
CADH natureza de jus cogens.

IMPORTANTE!!! A afirmação de independência institucional da Corte Interamericana


de Direitos Humanos para delimitar a sua própria competência a fim de garantir
efetividade à proteção de direitos humanos previstas na CADH deságua, pouco tempo
depois, na doutrina do Controle de Covencionalidade. De acordo com a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, os órgãos judiciais têm o dever de harmonizar o
direito interno com, não apenas as normas da CADH, mas, igualmente, com a
jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, intérprete final da CADH.

- Ao sustentar o discurso do intérprete fina, a CtIDH expressa os seguintes pressupostos


específicos ao SIDH:
a) apesar de a interpretação primeira da CADH poder e dever ser feita pelas
cortes nacionais, a única interpretação dotada de autoridade é a sua própria;
b) a referida interpretação final não está sujeita à revisão dos Estados com base
em alguma noção voluntarista de obrigações internacionais.
IMPORTANTE!!! A CtIDH, especialmente no período em que o Juiz Cançado
Trindade compunha seus quadros, atribuiu a certos direitos convencionais o status de
normas cogentes (jus cogens), que acarretam obrigações erga omnes aos Estados. A
caracterização de alguns direitos da CADH como jus cogens sugere uma
estruturação de hierarquia diferenciada das próprias normas convencionais, que
forma alçadas ao status de normas vinculantes à revelia do consentimento dos
Estados ou da OEA e que não podem ser afastadas pelos Estados (vinculação e
inafastabilidade análogas às normas constitucionais).

IMPORTANTE!!! Atualmente, a CtIDH atribuiu o status de normas cogentes aos


seguintes direitos:
1) igualdade e não discriminação;
2) proibição de desaparecimento forçado;
3) vedação de execuções extrajudiciais;
4) vedação da tortura e de tratamento desumanos;
5) acesso à Justiça.

IMPORTANTE!!! SOBRE O DIREITO DE IGUALDADE E DE NÃO


DISCRIMINAÇÃO:
- Da natureza cogente do direito à igualdade e da não discriminação decorrem
obrigações gerais, cuja violação será mais grave em função das suas características
peremptórias. Como normas vinculantes, impedem que os Estados ajam de forma
discriminatória para com indivíduos considerados como trabalhadores migrantes.
Os efeitos do princípio da igualdade e da não discriminação implicam em obrigações
erga omnes de proteção que vinculam os Estados e geram efeitos em relação a terceiros,
incluindo particulares.

- quanto ao critério social, este se apresenta no contexto do discurso constitucional da


CADH de maneira peculiar por ser o aspecto basilar de sua existência e trazer
consigo um dos principais postulados do constitucionalismo: a limitação do poder
constituído.
- Nesse prisma, a ratificação do CADH implica em obrigações de respeito e garantia dos
direitos nela consagrados que vinculam todos os órgãos estatais e o respectivo aparato
governamental, de modo que os Estados devem prevenir, investigar e punir toda
violação dos direitos reconhecidos pela Convenção e também restaurar, se possível, o
direito violado. Ou seja, violar qualquer direito substantivo da CADH é,
simultaneamente, violar a obrigação de respeitá-los e garanti-los (conforme a
manifestação de vontade do Estado ao aderir o tratado – regra pacta sunt servanda).
- Assim, na defesa dos direitos humanos, está inclusa a noção de restrição do exercício
do poder estatal.
- O aspecto social expande-se, e, por essa razão, há a inclusão de demanda de diferenes
naturezas no sistema, por meio da interpretação que a CtIDH realiza da noção de
“pessoa” contida no art. 1.2, da CADH.

IMPORTANTE!!! A CtIDH não limitou o acesso ao IDH apenas às pessoas naturais


consideradas individualmente, mas estendeu a proteção da CADH à acionistas de
empresas e à comunidades indígenas e populações tradicionais.

IMPORTANTE!!! Ainda que a CADH não tenha mencionado a proteção de pessoas


jurídicas, não significa que sua proteção não possa abarcar indivíduos que estejam
cobertos por ficção jurídica criada pelo ordenamento jurídico nacional, no caso, de
acionista de empresa. De acordo com a interpretação da CtIDH, violações ao direito de
propriedade não poderiam ficar desamparadas a depender da situação jurídica dos
indivíduos que, a fim de assegurar interesses comuns compartilhados, recorrem à
criações jurídicas existentes nos ordenamentos internos, exatamente, para facilitar a
consecução de seus interesses. A corte ressalva, contudo, que analisa os direitos dos
acionistas de forma individual, e não o direito da empresa considerada entidade
autônoma de acordo com o direito nacional.

IMPORTANTE!!! Ao interpretar o art. 21 da CADHcom base nos direitos de


comunidades indígenas, a CtIDH considerou que tal artigo não protege apenas a
propriedade individual, mas o direito de propriedade em um sentido que inclui os
direitos dos membros das comunidades indígenas no âmbito da propriedade considerada
como comunal. Portanto, um âmbito coletivo do direito à propriedade (o direito é da
comunidade e não dos indivíduos que a compõe, considerados individualmente). Isto
porque, entre os indígenas, existe uma tradição sobre uma forma comunal de
propriedade cletiva da terra, no sentido de que a propriedade não está centrada no
indivíduo, mas no grupo e na comunidade.

- Finalizando, destaca o autor que:

“Não obstante tais diferenças (com a ideia origina de Neil


Walker), a compreensão da CADH como um tratado que carrega
obrigações objetivas de respeito e garantia de direitos da pessoa
humana, considerados como valores superiores às ordens
jurídicas dos Estados (subconjunto consultivo), justifica a
estipulação de reivindicações de autonomia referentes à
competência por parte da CtIDH (não depende de autorização ou
de condições presentes nas Constituições estatais) de conhecer
seus casos e executar suas próprias sentenças (subconjunto da
governança). Ademais, a reivindicação de autonomia
institucional por parte da corte permite sua argumentação de
monopólio do significado normativo dos direitos previstos na
CADH (subconjunto da governança). Por fim, tais direitos,
inerentes a todos os indivíduos que tenham suscitado violações
de direitos perpetradas pelos Estados que ratificaram a
convenção, limitam as relações de moralidade política inerentes
aos governos constitucionais (subconjunto social).”

b) Dimensão estrutural
- A dimensão conceitual abarca os recursos argumentativos lançados pelas instituições
do constitucionalismo além do Estado para justificar a utilização da dimensão
conceitual (princípios de meta-autorização).
b.1) Caráter Especial da CADH:
- A proteção dos direitos inerentes à pessoa humana de forma concorrente aos direitos
previstos pelas ordens constitucionais dos países que ratificaram a CADH impõe a tais
Estados a limitação de sua atuação política em âmbito interno, de acordo com as
normas, direitos e obrigações estabelecidos pela CADH.
- Da especialidade da CADH decorre a obrigação objetiva de conferi-la, no plano
interno, de efeitos que sejam condizentes com seus propósitos e objetivos (effet utile). O
princípio aplica-se não apenas em relação às disposições substantivas da CADH, mas
igualmente às regras processuais.
- Em decorrência da especialidade da CADH, sua interpretação está alicerçada em
critérios hermenêuticos específicos. No caso Artavia Murillo, a CtIDH teve a
oportunidade de elencar os critérios hermenêuticos utilizados em sua jurisprudência que
são específicos da convenção:
- conforme o sentido comum dos termos;
- sistemático;
- histórico;
- evolutivo; e
- teleológico.

IMPORTANTE!!! Por meio do critério interpretativo evolutivo, por exemplo, a CtIDH


considera a CADH como um instrumento vivo, o que quer dizer que sua interpretação
deve acompanhar a mudança dos tempos e das condições de vida atuais. Ademais, ainda
com base na noção de instrumento vivo, a CtIDH estabeleceu que as interpretações
que realiza da CADH são autônomas em relação ao significado atribuído à suas
normas nos ordenamentos internos. Por outro lado, o caráter evolutivo do
instrumento vivo permite, igualmente, à CtIDH recorrer ao direito comparado, na figura
de normativas nacionais e da jurisprudência dos tribunais nacionais.
2.2.2. A prática do pluralismo constitucional brasileiro: proteção multinível e a
supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos.
- Algumas características do plano internacional exigem novas formas de compreensão
das interações entre os ordenamentos jurídicos:
- a diversificação de tribunais a aplicar o direito internacional;
- o crescimento e o potencial conflito de normas internacionais entre si e com
ordenamentos nacionais;
- o aumento do acesso de atores não estatais aos diversos fóruns de adjudicação
internacional;
- a distinção entre a competência e o direito aplicável em tribunais
internacionais;
- a rápida expansão do diálogo entre cortes;
- a fusão de procedimentos e tradições de tribunais e sistemas jurídicos; e
- o desenvolvimento de tribunais híbridos incorporando elementos nacionais e
internacionais.

- O pluralismo jurídico, agora qualificado como constitucional por conta da natureza das
normas desenvolvidas, se justifica como abordagem do direito porquanto complementa
as críticas realizadas anteriormente acerca do direito internacional. Como duas faces da
mesma moeda, o pluralismo contribui com a crítica às abordagens positivistas
clássicas ao rever o paradigma do monopólio da produção do direito no Estado, ao
atribuir o status de direito a espaços normativos não estatais, bem como, também,
por conceber as relações entre tais ordenamentos de maneira não hierárquica,
exigindo outras formas de interação para possíveis conflitos.

IMPORTANTE!!! PLURALISMO EM SENTIDO FRACO (Griffiths):


- O Pluralismo em sentido fraco diz respeito à limitação do pluralismo pela ordem
constitucional de um Estado, de modo que a validade das diversas fontes normativas
fica condicionada à observância do direito estatal.

IMPORTANTE!!! GLOBALIZAÇÃO DO PLURALISMO JURIDICO x


PLURALIZAÇÃO DO DIREITO GLOBAL (Ralf Michaels):
- A Globalização do Pluralismo Jurídico seria uma “terceira onda” de desenvolvimento
d teoria, onde a compreensão do pluralismo jurídico se estenderia à órbita transnacional.
- Por sua vez, a Pluralização do Direito Global consiste na aplicação da ideia de
Pluralismo Jurídico ao direito, de sorte que o foco é mais global do que local, mais nas
estruturas e instituições jurídicas, do que na cultura das comunidades que são criadas
por tais processos e sua vivência de acordo com aquelas (antropologia). Portanto, uma
abordagem que privilegia o elemento da pluralidade e da diversidade de ordens
jurídicas baseadas diretamente ou indiretamente no Estado, em detrimento das
especificidades do direito não estatal.

2.2.2.1. A visão a partir da Constituição de 1988

IMPORTANTE!!! Segundo o autor, o pluralismo constitucional é o modelo teórico


que melhor demonstra a forma com que os discursos constitucionais se relacionam,
apesar das reivindicações de soberania de ambos. O pluralismo constitucional leva a
sério as declarações de definitividade (decisões de última palavra interpretativa) das
decisões políticas e jurídicas de suas instituições oficiais, evitando que os discursos de
soberania sejam encarados como frutos de simples retórica, na medida em que,
desprezar a soberania e última palavra de algum ordenamento poderá significar a
superioridade do outro (repristinando uma espécie de monismo).

IMPORTANTE!!! LÓGICA HETERÁRQUICA = INFLUÊNCIAS


CONSTITUCIONAIS MÚTUAS:
“Não obstante os diferentes discursos inerentes às instituições com reivindicações de
soberania, o aspecto descritivo do pluralismo constitucional demonstra quais são os
meios utilizados pelos ordenamentos para estabelecer relações entre eles e se as relações
apresentam uma lógica heterárquica (influências constitucionais mútuas).”

2.2.2.2. Pluralismo jurídico e a Constituição de 1988: a visão dos autores nacionais


- O pluralismo constitucional é apenas uma qualificação do pluralismo jurídico. A
qualificação faz parte de uma abordagem do pluralismo que retém premissas
importantes do pluralismo jurídico (estruturais, institucionais e de pluralidade
normativa), mas não foca em aspectos antropológicos e sociológicos (desenvolvimento
de grupos sociais que criam seu próprio direito à margem do aparato estatal e que, de
alguma forma, influencia o direito considerado oficial).
- Assim, o Pluralismo Constitucional se trata de uma das vertentes do Pluralismo
Jurídico, voltado às normas de natureza constitucional, mas sem se imiscuir em aspectos
antropológicos e sociológicos de grupos sociais que visam estabelecer regras próprias
ao lado do direito estatal.

IMPORTANTE!!! A abordagem antropológica inerente aos conceitos clássicos de


pluralismo jurídico é a mais corrente entre os autores nacionais que se ocupam do tema.
Nessa linha, a regra, no Brasil, é tratar-se o Pluralismo Jurídico como gênero, de cujos
contornos políticos resultaria a espécie Direito Alternativo. Tal movimento se originou
da obra de Boaventura de Sousa Santos em que se discutiu fenômenos jurídicos
paralelos à ordem jurídica estatal nas favelas do Rio de janeiro (Obs.: Não à toa, o
Pluralismo Jurídico no Brasil revela nítido viés marxista de oposição à ordem jurídica
posta).

2.2.2.3. Relações do direito constitucional brasileiro e o direito internacional dos


direitos humanos
- O ordenamento jurídico que reivindica um discurso constitucional paralelo à CF/88
está formado por normas de Direitos Humanos, estando ausentes, portanto, ouros
conteúdos normativos por razões óbvias – o tratado de origem prescreve uma declaração
de direitos. A CADH não instituiu órgão com funções de produção normativas
semelhantes a um parlamento, nem mesmo órgão com funções executivas análogas aos
chefes políticos das nações.

IMPORTANTE!!! Ingolf Pernice (1999) desenvolveu uma das principais teorias


acerca da integração europeia e do seu processo de constitucionalização – o
constitucionalismo multinível. De acordo com o autor alemão, tal como o federalismo, a
União Europeia compreende diferentes níveis de governança: regional (Estados
federados ou outras unidades territoriais de administração), nacional (Estados nação) e
supranacional (União Europeia). A união europeia formaria, portanto, um sistema de
poderes divididos em níveis de governo que reflete duas ou mais identidades dos
indivíduos. O constitucionalismo multinível cria novas camadas de posições
políticas para os cidadãos – diferentes e diversas plataformas para a consecução de
seus interesses.
- CRÍTICA: A referida abordagem teórica culminaria por se formatar como uma
versão modificada do constitucionalismo estatal clássico por não se distinguir de uma
moldura federal presente em algumas Constituições europeias (como a alemã, por
exemplo).
- A teoria do constitucionalismo multinível implica o não reconhecimento de um
discurso constitucional no âmbito da CADH, tendo em vista que esta não possui todos
os órgãos estruturais inerentes a um Estado constitucional, tampouco desenvolve uma
formatação federal com o Estados signatários, além de não prever mecanismos
institucionais de interação entre órgãos de cada ordenamento (nacionais e
interamericanos) ou relações entre os mesmo.
- Contudo, em que pese os elementos de governança multinível eleitos por
Pernice para caracterizar o constitucionalismo multinível não restarem configurados no
âmbito da CADH, a noção de esferas de proteção dos direitos humanos em planos
diferentes (constitucional, global e regional) é uma característica que pode ser incluída
na noção de pluralismo constitucional, pois retém de cada ordenamento o elemento
comum que justifica suas interações.
IMPORTANTE!!! Há significativa diferença entre constitucionalismo multinível e
proteção multinível de direitos humanos. Apesar de o primeiro pressupor o último, a
recíproca não é verdadeira. A noção de constitucionalismo multinível implica em
diferentes níveis de estruturação governativa relacionadas a graus de identificação
social dos indivíduos, que devem ter seus direitos garantidos por meio da aplicação
uniforme e igualitária do direito europeu. A estrutura governativa estaria
assegurada por uma moldura constitucional maior que legitima as instituições e o
exercício de poder de todos os seus órgãos (a Constituição Compositiva). Nesse
sentido, os níveis desenvolvem um conjunto de direitos humanos que, invariavelmente,
interagem.
A proteção multinível de direitos humanos configura uma parcela da
estruturação institucional adjetivada de constitucional por Penice. Ela não
sustenta, por si só, a ideia de multiníveis constitucionais, mas oferece valiosa forma
de pensar a estruturação de diferentes declarações de direitos editadas por planos que se
consideram soberanos e que interagem de alguma forma.

2.2.2.4. A proteção multinível de direitos humanos e a Constituição de 1988


- Tendo em vista que os direitos fundamentais não se exaurem no texto constitucional,
alcançando, igualmente, tratados internacionais devidamente ratificados, as diferentes
declarações de direitos editadas em níveis e por organizações distintas fazem parte dos
direitos garantidos aos brasileiros e estrangeiros.
- Os direitos garantidos aos brasileiros e estrangeiros pode ser descritos por meio de
vários níveis de proteção, configurados por diferentes declarações oriundas de
organismos internacionais, além da declaração prevista na Constituição. Os diversos
níveis não estão subordinados entre si e, no caso brasileiro, por serem direitos
reivindicados pelos indivíduos na circunscrição de um mesmo território e que tratam de
um mesmo assunto (Direitos Humanos), sua interação será inevitável.
- No caso brasileiro, identificam-se três níveis de proteção de direitos humanos
reconhecidos constitucionalmente:
1º. Nível Nacional – representado pela declaração de direitos previstos na
Constituição de 1988;
2º. Nível Regional – representado pela CADH e pelos tratados regionais;
3º. Nível Global – representado pelos tratados formulados pela Organização das
Nações Unidas (ONU).

IMPORTANTE!!! Os referidos não estão dispostos de forma hierárquica; o nível


global não subordina o regional, o nível regional não subordina o constitucional e o
nível constitucional não subordina os níveis global e regional. Não obstante a
caracterização dos níveis possa dar a impressão de que o nível mais amplo contenha os
demais e que, portanto, seria hierarquicamente superior, é relevante ressaltar que os
níveis diversos do nacional estão dispostos de acordo com o alcance territorial das
instituições que propuseram as declarações de direitos humanos, não de outros aspectos
que poderiam pressupor hierarquia entre eles.
- A proteção multinível dos direitos humanos pode ser esboçada por círculos
concêntricos que se sobrepõem, contudo, tal sobreposição não implica relações de
conteúdo e continente, em função de a lógica da proteção multinível seguir o aspecto do
âmbito geográfico de abrangência da instituição que declara os direitos. A estruturação
da proteção de direitos humanos em diferentes níveis de acordo com a conceituação e
com a ilustração apresentada implica em inevitáveis interações normativas, em
decorrência da sobreposição normativa. A interação normativa dos direitos humanos
protegidos nos diferentes níveis pode demonstrar a existência do aspecto descritivo do
pluralismo constitucional, na medida em que as relações normativas dispostas de
maneira não hierárquica demonstrariam uma das vias de interação entre ordenamentos
jurídicos que reivindicam discursos constitucionais.

2.2.3. Interações normativas entre os diferentes níveis de proteção de direitos


humanos: influências mútuas entre os níveis nacionais e regionais
- A proteção multinível de direitos humanos não pode ser confundida com o
pluralismo constitucional. A previsão de direitos humanos em vários níveis de
ordenamentos jurídicos, por instituições diversas, não implica na reivindicação, por
parte de todos os ordenamentos jurídicos, de um discurso constitucional. No caso do
pluralismo constitucional na Constituição de 1988, APENAS O NÍVEL REGIONAL
SUSTENTA DISCURSO CONSTITUCIONALISTA. Dessa forma, o nível global,
representado pelos tratados internacionais de direitos humanos adotados pela ONU, não
será analisado com maior profundidade. O que não significa, é importante ressaltar,
que não haja interação entre os níveis (ou pluralismo jurídico), apenas que da
interação entre o nível global com os demais, o primeiro não mobiliza argumentos
constitucionais.
- Diferentemente do discurso constitucional desenvolvido pela CtIDH, os comitês de
direitos humanos não são órgãos judiciais que editam sentenças vinculantes ou exigem a
nulidade de leis internas. Além da configuração como órgãos quase-judiciais, os
comitês da ONU não desenvolveram discursos de última palavra acerca da interpretação
dos tratados que lhes incumbe interpretar, exigindo, por consequência, uniformidade de
suas interpretações por parte dos Estados.
- Dificilmente a relação entre os níveis global e nacional poderá caracterizar-se como de
pluralismo constitucional. Concordamos que a relação pode ser configurada como
pluralismo jurídico, mas não como uma pluralidade de esferas constitucionais.
Além de inexistente o aspecto descritivo, com precários indícios capazes de apontar
uma constitucionalização dos tratados da ONU através dos trabalhos dos comitês,
normativamente, correríamos o risco de diluir o discurso do constitucionalismo, ao
postular que o referido ideal político fosse capaz de abarcar mais de 100 países e
diversas tradições políticas, culturais e sociais, sob um único ideário político a ser
regido pelas premissas constitucionalistas.

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