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12/16/2020 DNA antigo conta nova história sobre o povo de Luzia – Jornal da USP

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Ciências Biológicas - 08/11/2018

DNA antigo conta nova história sobre o povo de Luzia


Análise do genoma de habitantes antigos das Américas contesta hipótese sobre origem australo-melanésia do povo de Lagoa Santa

Por Silvana Salles

Editorias: Ciências Biológicas, Ciências Humanas - URL Curta: jornal.usp.br/?p=208005

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Pesquisa analisou o DNA fóssil extraído dos ossos humanos encontrados no sítio arqueológico da Lapa do Santo, na região de Lagoa Santa
(MG) – Arte sobre fotos

...

.. A análise do genoma de 49 indivíduos que viveram em diferentes pontos da América


Central e do Sul entre 11 mil e 3 mil anos atrás sugere que grupos precursores dos
indígenas atuais migraram da América do Norte em direção ao sul e deixaram
descendentes em lugares tão diversos quanto Belize, Peru, Brasil, Argentina e Chile.
A pesquisa, publicada nesta quinta-feira (8) na revista científica Cell, traz implicações
importantes para a teoria sobre as origens do povo de Luzia – o crânio humano mais
antigo das Américas. Descoberto na década de 1970 no sítio arqueológico da Lapa do
Santo, em Lagoa Santa (MG), o crânio de Luzia foi encontrado recentemente nos
escombros deixados pelo incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro.

Segundo Cosimo Posth, do Instituto Max Planck, na


Alemanha, os dados genéticos indicaram duas + Mais
afinidades genéticas importantes entre nativos do norte e
do sul das Américas. Posth, que é um dos autores do
artigo publicado na Cell, conta que uma dessas
afinidades é entre grupos da Califórnia e dos Andes

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Centrais que viveram há cerca de 4 mil anos. A outra Crânio de Luzia guiou
linha de pesquisa de
conecta indivíduos que viveram entre 11 mil e 9 mil anos
laboratório da USP
atrás, cujos ossos foram escavados no Chile, no Brasil e
em Belize, com o chamado “garoto de Anzick”. Trata-se
de um esqueleto de cerca de 12.600 anos associado à
chamada cultura Clóvis, conhecida pela produção de
pontas de lanças e flechas muito características,
encontradas no Novo México, Estados Unidos. “Isso Escavações revelam os
costumes dos
sugere uma expansão do povo que espalhou a cultura
habitantes mais antigos
Clóvis na América do Norte mais ao sul”, explica Posth. do Brasil

“Eles deixaram as pontas de lanças para trás, mas


seguiram massivamente para o sul do continente,
passando pela Mesoamérica, chegando até Lagoa Santa e alcançando a costa andina
no sul do Chile. Sem dúvida é uma das conclusões mais importantes desse artigo”,
completa André Strauss, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da
USP e coordenador da pesquisa no Brasil.
.

DNA antigo liga povo de Luzia à cultura Cló…


Cló…

.
Dos 49 indivíduos cujo genoma foi analisado e comparado, dez vieram de sítios
arqueológicos brasileiros: sete tiveram os ossos encontrados na Lapa do Santo e três
em sambaquis da faixa costeira do Brasil. A afinidade genética deles com o indivíduo
da cultura Clóvis altera radicalmente a hipótese que procura explicar de onde veio o
povo de Luzia e por que ele desapareceu da região há aproximadamente 8 mil anos.

Ao estudar o crânio de Luzia no final da década de


1980, o bioantropólogo Walter Neves, professor
aposentado do Instituto de Biociências da USP,
propôs a hipótese dos dois componentes
biológicos. Entendendo as características
morfológicas do crânio como diferentes das
encontradas nos povos indígenas do nosso tempo,
Neves supôs que o povo de Luzia seria
descendente de uma leva migratória vinda da
Austrália e da Melanésia há cerca de 14 mil anos.
Seria, portanto, uma leva distinta daquela que veio O bioarqueólogo André Strauss
da Ásia 12 mil anos atrás pela rota da Beríngia. A coordenou o projeto de pesquisa no
chegada dos beringianos teria causado uma Brasil – Foto: Reprodução / Canal USP

substituição da população com características


australo-melanésias, deixando apenas vestígios dos habitantes originais.

“Havia uma expectativa de que no DNA dos indivíduos de Lagoa Santa tivesse algum
sinal de ancestralidade não ameríndia, mas isso não foi encontrado”, afirma Strauss.
Outra pesquisadora que participou do projeto, a geneticista Tábita Hünemeier, docente

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do Instituto de Biociências (IB) da USP, é ainda mais contundente. “(O artigo) acaba
com a ideia dos dois componentes biológicos. Essa ideia de que havia um
componente australo-melanésio principal que tinha chegado antes e povoado essa
região e depois teriam chegado os beringianos e dado origem aos amazônicos e
andinos, ela não existe. O que a gente vê é uma relação direta entre o povo de Luzia
e a cultura Clóvis”, afirma a geneticista.
.

A população relacionada à cultura Clóvis desceu rumo ao Sul, mas deixou os projéteis
característicos para trás. Os arqueólogos encontraram essas flechas no Novo México, nos EUA

..
DNA antigo e trocas genéticas
Os cientistas utilizam as análises de DNA para investigar como se deu o povoamento
humano nas Américas. “Existe um debate ainda muito grande sobre quem foram os
primeiros americanos e como eles chegaram aqui, e este estudo sugere que o
processo de colonização da América do Sul foi complexo e repleto de eventos
migratórios da América do Norte para a América do Sul”, diz Mark Hubbe, do
Departamento de Antropologia da Ohio State University, nos Estados Unidos. Ele
colaborou com a interpretação dos dados genéticos e também assina o artigo da Cell.

Para Tábita Hünemeier, os novos resultados


suportam a ideia de que houve um processo
microevolutivo que ocorreu dentro do continente.
Além disso, eles sugerem que aconteceram
substituições de populações. Esta interpretação é
possível porque, além das análises das amostras de
DNA antigo, os cientistas também fizeram
comparações com amostras do genoma de
indígenas atuais. Lagoa Santa pode ter sido um
desses casos de substituição. “A população atual
A geneticista Tábita Hünemeier
que está aqui não é tão relacionada (com a
trabalha comparando DNA antigo com população antiga) quanto esperado”, afirma a
geneticista, apontando para a lacuna que persiste

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o genoma de povos indígenas atuais – no conhecimento científico sobre os milênios
Foto: Reprodução/Canal USP
posteriores ao tempo em que viveu o povo de Luzia.

No entanto, a própria docente do IB alerta que a amostragem atual usada neste


estudo foi muito pequena. Para a população indígena brasileira mais representativa,
foram comparadas apenas amostras de DNA de pessoas dos povos Suruí e Karitiana,
que vivem na região do Rio Madeira, em Rondônia. Ela diz que o próximo passo em
suas pesquisas será investigar a dinâmica interna de formação da população nativa-
americana. “Parece que de 9 mil anos para cá veio uma outra leva migratória e formou
a população atual. Mas talvez não seja assim. Talvez, preenchendo as lacunas, seja
um gradiente muito mais sutil”, comenta a geneticista.

Dentre o pouco que sabemos sobre a história indígena “profunda” das Américas –
quem utiliza o termo é André Strauss – agora é possível afirmar que todos os grupos
nativos-americanos estudados pelos geneticistas têm ancestralidade beringiana. A
microevolução se encarregou de fazer com que os povos do sul dos Estados Unidos,
da América Central, dos Andes ou da Amazônia transportassem genes diferentes para
seus descendentes. “Do meu ponto de vista, a contribuição mais importante deste
estudo é que ele mostra uma grande diversidade biológica entre as populações sul-
americanas no passado”, afirma Hubbe, da Ohio State University.
.

https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-biologicas/dna-antigo-conta-nova-historia-sobre-o-povo-de-luzia/ 4/10
12/16/2020 DNA antigo conta nova história sobre o povo de Luzia – Jornal da USP

.. Debate científico
Outro artigo publicado nesta quinta-feira, porém na revista Science, corrobora a
ancestralidade ameríndia do povo de Luzia. André Strauss também assina o artigo e
explica que, no caso dessa segunda pesquisa, a análise do genoma foi feita a partir
dos ossos descobertos pelo arqueólogo Peter Lund na caverna do Sumidouro,
também localizada em Lagoa Santa, no século 19. Este material está no Museu de
Copenhague, na Dinamarca.

Os principais achados da pesquisa da Science, que sequenciou 15 genomas antigos


extraídos de ossos encontrados desde o Alasca até a Patagônia, são evidências
genéticas de que os primeiros ocupantes humanos da América se dispersaram
rapidamente pelo continente e se diversificaram cedo, conforme migravam para o sul.
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O resultado desta expansão teria sido uma multiplicidade de migrações independentes


e geograficamente desiguais.

No entanto, esse trabalho não permite descartar automaticamente a hipótese dos dois
componentes biológicos, já que os cientistas envolvidos no trabalho encontraram um
sinal da População Y – de origem australasiana – em um dos indivíduos de Lagoa
Santa que teve o genoma sequenciado. Apesar de terem identificado o sinal, os
pesquisadores não trazem elementos para explicar de onde – e de quem – ele vem.
“A gente simplesmente não sabe explicar a origem desse sinal. Pode representar a
existência de população muito mais antiga no continente, tipo Serra da Capivara, mas
de todas as formas Lagoa Santa não seria essa população”, diz Strauss.

Novos dados genéticos mudam a forma como imaginamos o povo de Lagoa Santa. À esq., a nova
reconstrução facial do povo de Luzia, feita a partir do crânio de um homem sepultado na Lapa do Santo. À
dir., a reconstrução de Luzia, famosa por sua marcante feição africana

Por outro lado, a comparação do genoma da caverna do Sumidouro com outros


indivíduos antigos mostrou que a presença do sinal da População Y nada tem a ver
com a morfologia craniofacial de Luzia. A imagem popular que se tem de Luzia é a da
reconstrução facial produzida pelo britânico Richard Neave nos anos 1990, com
marcada fisionomia africana, mas o que o artigo da Science aponta é que as feições
do povo de Lagoa Santa eram uma expressão da diversidade ameríndia à qual Mark
Hubbe se referia, e não uma herança vinda da Austrália ou da Melanésia.

Para além das publicações científicas, os novos dados genéticos também permitiram
criar um novo rosto para a população antiga de Lagoa Santa. A proposta da
especialista em reconstrução forense Caroline Wilkinson, da Liverpool John Moores
University, na Inglaterra, se baseia nas informações do artigo publicado nesta quinta
na Cell. A nova imagem foi criada a partir do modelo digital retroformado de um crânio
do sítio arqueológico da Lapa do Santo e traz uma fisionomia, espera-se, mais precisa
dos primeiros habitantes do Brasil.

Silvana Salles, com colaboração de Tabita Said.

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