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Dossiê: Sociologia econômica

apresentação
Redes, estratégias e desenvolvimento:
caminhos da renovação da
Sociologia Econômica no Brasil

Marcelo Sampaio Carneiro


Cristiano Monteiro

É com prazer que apresentamos aos lei- fica nacional; e d) contribuir para a conso-
tores do Caderno Pós Ciências Sociais o lidação de uma rede de pesquisadores bra-
Dossiê Sociologia Econômica. A motiva- sileiros nesta área temática.
ção primordial para a organização des- O resultado obtido pode ser medido pe-
te dossiê foi compartilhar com um públi- la quantidade de trabalhos recebidos pa-
co mais amplo alguns dos trabalhos apre- ra análise (59), dos quais quarenta e dois
sentados no Grupo de Trabalho de Socio- foram selecionados para apresentação nas
logia Econômica do XIV Congresso Brasi- Sessões Temáticas e nos Laboratórios de
leiro de Sociologia, realizado no período Pesquisa. Outro indicador da força com
de 28 a 31 de julho de 2009, na cidade do que a proposta do GT foi recebida está na
Rio de Janeiro, que tivemos a felicidade de variedade das questões cobertas pelos tra-
coordenar ao lado de nossa saudosa cole- balhos discutidos, que foram agrupados
ga Cécile Raud. em três grandes temas: “Abordagens teó-
O Grupo de Trabalho foi organizado ricas, redes e capital social”, “Estado, de-
com os seguintes objetivos: a) apresentar e senvolvimento e financeirização” e “Cons-
debater os vários enfoques teóricos mobi- trução social dos mercados e das organi-
lizados para analisar os fenômenos econô- zações”. Embora esses temas não esgotem
micos desde a ótica da Sociologia, b) pro- a agenda de pesquisa da Sociologia Eco-
porcionar um diálogo entre as pesquisas nômica, são indicativos da amplitude des-
empíricas e várias perspectivas teóricas da ta agenda e, ao mesmo tempo, da impor-
Sociologia; c) divulgar a produção cientí- tância de se reunir os diferentes trabalhos

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num fórum que estimule as trocas e a fer- autora sobre as modificações que a vini-
tilização cruzada entre as vertentes analí- cultura francesa vem sofrendo com a en-
ticas e pesquisas empíricas existentes. trada de novos concorrentes (vinhos do
A publicação deste número na Revista novo mundo) no mercado mundial (GAR-
Pós Ciências Sociais engloba quatro artigos CIA-PARPET, 2009); destacando como a
selecionados dentre os que foram apresen- transmissão da cultura vinícola através
tados no Grupo de Trabalho, três resenhas da família, que, poderia ser pensada uni-
tratando de obras lançadas recentemente camente como um trunfo positivo – como
de sociologia econômica ou que dialogam garantia da notoriedade e da preservação
com pesquisas de sociologia econômica e de uma tradição – nessas novas circuns-
um artigo de Marie-France Garcia, pesqui- tâncias pode funcionar como um elemento
sadora francesa do Instituto Nacional de negativo, pelo fato dos herdeiros não pos-
Pesquisa Agronômica (INRA) e participante suírem as disposições mais adaptadas ao
do Centro de Sociologia Européia da Escola novo estado da concorrência nesse cam-
de Altos Estudos (CSE-EHESS). po econômico.
Números especiais dedicados à Socio- O segundo texto, de Martin Mundo Ne-
logia Econômica têm sido publicados des- to, intitulado “Atores na construção do
de o início da década de 2000. Desta for- mercado do etanol: a UNICA como foco da
ma, tornaram-se disponíveis em português análise”, trata das transformações recentes
alguns dos principais artigos dos autores do setor sucroalcooleiro brasileiro. O autor
mais importantes da área, como “Merca- demonstra que tais transformações pas-
do como política”, de Neil Fligstein (FLI- sam pela aproximação de grupos indus-
GSTEIN, 2001), “O campo econômico”, triais tradicionais e investidores nacionais
de Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 2005), e e internacionais. Um efeito desta aproxi-
“Ação econômica e estrutura social: o pro- mação seria o deslocamento da ênfase que
blema da imersão”, de Mark Granovetter atores-chave passaram a dar na apresen-
(GRANOVETTER, 2007), entre outros. Da tação das atividades da indústria. A estra-
mesma forma, foram divulgados resulta- tégia seria se distanciar da tradicional in-
dos de pesquisa e reflexões teóricas de au- dústria produtora de açúcar e álcool, e for-
tores que se identificaram com a área. talecer a imagem de produtora de “bioner-
Neste dossiê, a maior parte dos artigos gia sustentável”, enfocando o caso de duas
e resenhas foram escritos por pesquisado- das principais organizações de represen-
res de uma nova geração, recém-douto- tação de interesses da indústria: a Coope-
res ou em vias de concluir seus doutora- rativa dos Produtores de Cana de Açúcar,
dos, dando testemunho da vitalidade desse Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo –
campo de conhecimento no conjunto das COPERSUCAR e a União da Indústria de
ciências sociais. Cana de Açúcar – UNICA.
O artigo que abre o dossiê, “Grupo do- O terceiro artigo, escrito por Luis Anto-
méstico e estratégias de conversão: o caso nio Staub Mafra, discute o processo recen-
da vinicultura francesa”, de Marie-France te de construção de Indicações Geográfica
Garcia, discute o papel desempenhado pe- no Brasil (Cachaça de Minas, Café do Cer-
la família no processo econômico. O estu- rado, Manga e Uva do Vale do São Fran-
do faz parte da análise realizada por essa cisco, etc.), tomando como eixo de análise

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as questões implicadas no reconhecimen- e gerou ganhos aos associados e suas regi-
to do direito de propriedade imaterial. Pa- ões. O autor realizou uma pesquisa quali-
ra tanto o autor realiza uma reflexão sobre tativa junto aos representantes dos empre-
a experiência internacional de criação de endimentos beneficiados pelo programa. Os
sistemas de IG, destacando as controvér- resultados, obtidos através da realização de
sias presentes nesse processo, que, embora dois grupos focais, indicaram que as redes
possa ser visto como uma importante fer- proporcionaram o fortalecimento do capi-
ramenta para a manutenção e valorização tal social, a redução de ações oportunistas,
do conhecimento de produtores tradicio- a troca de informações e a geração de ino-
nais, implica também em custos para a sua vações colaborativas.
obtenção, o que faz com que em determi- Complementando o Dossiê, este número
nadas circunstâncias a obtenção de uma de Pós Ciências Sociais apresenta três re-
IG possa também ser vista como um meca- senhas sobre livros lançados recentemen-
nismo de exclusão. te. As duas primeiras coletâneas em Socio-
No artigo seguinte, Raphael Jonathas da logia Econômica publicadas no Brasil, So-
Costa Lima discute a incorporação do tema ciologia Econômica e das Finanças e Re-
“capital social” ao debate sobre estratégias des e Sociologia Econômica, são resenha-
regionais de desenvolvimento, notadamen- das respectivamente por Márcia da Silva
te a constituição de câmaras e agências de Mazon e Maurício Reinert do Nascimen-
desenvolvimento, como mecanismos capa- to. A terceira resenha, elaborada por Igor
zes de facilitar a construção de alternativas Grill, apresenta o livro Sociologie des Or-
coletivamente pensadas para a superação ganisations Patronales, de Michel Offerlé,
de cenários de crise. O autor chama de “me- destacando as possibilidades que a aplica-
táforas” as definições do conceito articula- ção de uma sociologia de inspiração bour-
das a um conjunto de recursos normativos dieusiana possibilita para o estudo das or-
(confiança, normas, redes, cooperação, en- ganizações empresariais.
tre outros) que restringem a aplicação sis-
temática do capital social e desafiam a sus-
tentação de um relacionamento equilibrado
e virtuoso entre municípios, atores políti-
cos, sociais e produtivos.
Fechando o Dossiê, temos o estudo de
Jorge Verschoore, intitulado “Programa
Redes de Cooperação: uma análise da polí-
tica pública gaúcha de desenvolvimento lo-
cal com base em seus beneficiários”. Este
programa é uma política pública criada pe-
lo Governo do Estado do Rio Grande do Sul
que objetiva fomentar pequenos empreen-
dimentos e promover o desenvolvimen-
to local por meio da colaboração e da ação
conjunta. Desde seu começo no ano 2000,
o Programa estabeleceu mais de 220 redes

Redes, estratégias e desenvolvimento 11


Nota sobre os autores
Marcelo Sampaio Carneiro é doutor de Ciên-
cias Humanas (Sociologia) pelo Programa de
Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia
da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ); Professor do Departamento de Socio-
logia e Antropologia e do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais e Coordenador
do Grupo de Estudos e Pesquisa em Trabalho
e Sociedade (GEPTS), da UFMA.
Cristiano Monteiro é doutor em Sociologia
pelo PPGSA/UFRJ, Professor da Escola de Ci-
ências Humanas e Sociais de Volta Redonda e
do Programa de Pós-Graduação em Ciência
Política da Universidade Federal Fluminense e
Coordenador do Núcleo de Estudo das Rela-
ções entre Economia, Organizações e Socieda-
de na mesma.

Referências Bibliográficas
BOURDIEU, Pierre. O campo econômico.
Política & Sociedade, v. 4, n. 6, p. 15-57, 2005.
FLIGSTEIN, Neil. Mercado como política:
uma abordagem político-cultural das
instituições de mercado. Contemporaneidade
e Educação, v. 9, p. 26-55, 2001.
GARCIA-PARPET, Marie-France. Le marché
de l’excellence: les grands crus à l’epreuve
de la mondialisation. Paris: Editions du
Seuil, 2009.
GRANOVETTER, Mark. Ação econômica e
estrutura social: o problema da imersão.
RAE Eletrônica, v. 16, n. 1, jan./jun. de
2007. Disponível em: <www.rae.com.br>.
Acesso em: 5 jun. 2010.

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