Há uma antiga pesquisa feita por psicólogos norte-americanos a respeito da fome e
correspondentes comportamentos patológicos de ratos. Ela pode nos dar uma idéia do que a fome pode gerar numa família e na comunidade. Vamos a ela. Os psicólogos isolaram num caixote um casal de ratos, que era muito bem alimentado. Como conseqüência do bom trato, o casal passou a ocupar seu tempo em “transar” e “fazer” filhos. Quando, porém, o caixote estava lotado, começaram as brigas por causa do crowding, uma forma de comportamento coletivo em que cada pessoa se sente apertada e estorvada por outras. Simultaneamente, os psicólogos foram reduzindo a água a ração diária dos ratos. E à medida que diminuíam a água e a ração, iam aparecendo os comportamentos patológicos. Inicialmente, surgiu a violência indiscriminada: os mais fortes agrediam os que menos revidavam. Em seguida, os ratos revelavam transtornos psicossomáticos, eriçando os pelos, rangendo os dentes, urinando e defecando. Finalmente, os pais matavam os filhos para se alimentar e... sobreviver. Até que sobrou apenas o casal que gerara a enorme prole. Antes de se matar, o experimento foi encerrado e extraídas várias conclusões. Esse estudo mostrou algo que Josué de Castro já observara em seus livros, principalmente no Geopolítica da fome e no Geografia da fome: quando não há o prazer na alimentação, ocorre a compensação através do prazer genital. Logo, como diz o nosso provérbio, “escassa é a mesa do pobre, mas farto é o leito da miséria”. Em segundo lugar, ele confirmou o significado figurado da fome: avidez, desejo violento. Ao sentir fome, o indivíduo tem o correspondente impulso agressivo, algo que Melanie Klein observara em bebês humanos do nascimento até 4 meses. Não há meio termo nessa fase (esquizoparanóide): mamar gera alegria; ausência de um bom seio na hora da fome, raiva e destrutividade. Finalmente, o estudo mostrou que o principal motivo da vida é manter-se vivo, o que significa satisfazer as necessidades de alimento e água. Quando é impossível a auto- conservação em condições saudáveis, a natureza primitiva impele o indivíduo à luta pela sua sobrevivência. Aí, apagam-se de sua mente as convenções sociais e os mandamentos morais das grandes religiões. Como disse Luís Inácio Lula da Silva, a fome torna as pessoas feias física e espiritualmente. Por que? Porque a fome impede o desenvolvimento normal do organismo e, pelos motivos acima expostos, favorece a inflação da consciência pelos impulsos e desejos que constituem a sombra não trabalhada do homem. Ou seja, oferece a sala de visitas (o ego) ao diabo, tal como ocorre com a pessoa viciada em drogas estimulantes e alucinógenas. O ser humano traz na sua natureza mais profunda impulsos (e necessidades) que podem levá-lo ao céu, ao Éden, ao Paraíso, ao Olimpo. Mas também tem a “carga” oposta, que ativada poderá levá-lo ao mundo infernal, ao Hades. Tudo dependerá de sua educação e dos exemplos de pais, educadores e autoridades constituídas. Todavia, é claro, não há como educar pessoas famintas. Como diz o provérbio, “poeta de estômago vazio não escreve versos”. Portanto, a fome de que fala o novo presidente da República, que conhece de fato todo o Brasil, não é figura de retórica. A fome é a raiz dos principais males de qualquer sociedade. Para combatê-la, só há duas saídas: alimentar as crianças e adolescentes e garantir o ganha-pão (emprego) de seus pais. Quem não entender isso, merece o desprezo dos que realmente são humanistas.