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Artigos - 02/03/2020

A nova geração vai ter espaço nas ciências?


Por Gabriel Mantelli, professor da Universidade São Judas e graduado em Direito pela USP, e Julia de Moraes Almeida, mestranda em
Criminologia na USP

Editorias: Artigos - URL Curta: jornal.usp.br/?p=304195

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É extremamente apreensiva a situação dos pesquisadores e das pesquisadoras no Brasil. A promoção


e incentivo do desenvolvimento da ciência, pesquisa, inovação, capacitação científica e tecnológica,
muito embora estejam previstos constitucionalmente, vêm sofrendo uma série de percalços, o que
reflete diretamente na escassez de oportunidades e incentivos para cientistas e pesquisadores no
País.

O Estado está sendo destruído e cada vez mais cooptado por interesses privados antissociais. No
último ano, o governo federal demonstrou posicionamentos alinhados ao anticientificismo, realizou um
Gabriel Mantelli – Foto:
Arquivo pessoal desmantelamento da ciência brasileira e propagou anúncios de cortes na educação e na ciência.
Como consequência desse descaso institucional, as posições de pesquisa e docência se tornam cada
vez mais raras e competitivas. Há toda uma geração de potenciais pesquisadores e cientistas na fila
de espera. Como vai ser?

A verdade é que nunca existiu espaço para todos (e todas) na produção científica. Temos, inclusive,
uma dívida com setores da população historicamente marginalizados. O acesso à universidade
colaborou para a democratização científica, mas, agora, as novas gerações de pesquisadores não têm
para onde ir. Quem pode, tem currículo e senioridade, se arrisca em posições no exterior. Quem não
pode, ou é muito jovem e está fora de determinados círculos por questões sociais e raciais, precisa se
submeter a um cenário de precarização, contratos frágeis e realização de trabalhos fora de sua área
de especialidade.
Julia de Moraes Almeida –
Foto: Arquivo pessoal
De fato, a educação e a ciência não estão no topo da pauta da agenda política atual. Temos um
quadro de desmonte institucional, o que, invariavelmente, gera a obsolescência dos espaços de
ensino e pesquisa. Em termos de trajetória acadêmica, a política que vemos se desenhar está sem
rumo. Como consequência do desinteresse estatal e da construção de um imaginário coletivo
anticientificista, a ideia de “carreira acadêmica” vem perdendo a pouca força que tinha no Brasil.

É importante equacionar as críticas às deficiências estatais e acrescentar o vazio que os centros


universitários privados e a sociedade civil deixam de preencher. Apesar de o Brasil possuir instituições
privadas e organizações que atuam no fomento do desenvolvimento científico, como é o caso da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e do recente Instituto Serrapilheira, o
espaço que esses tipos de entidades ocupam no País não se iguala aos seus pares estrangeiros.
Assim, com raras exceções, universidades particulares e ONGs não investem em ensino, pesquisa e
extensão e, quando o fazem, geralmente se dão em projetos que não têm rumo definido, dando vazão
a núcleos de pesquisa pontuais e com data de extinção certa.

Vale ressaltar também que, por mais que buscar uma maior autonomia para a pesquisa seja um
caminho interessante, não se pode deixar de lado as disputas político-institucionais do aparelho
estatal, haja vista a necessidade de se ampliar políticas públicas voltadas ao tripé ensino-pesquisa-
extensão.
Aliás, ao que parece, esse é também um assunto que não irá afligir a maioria de nossos orientadores
e orientadoras. Esses, por já possuírem lugar cativo no meio acadêmico, poderão se abster dos
esforços para a proposição de soluções em meio a este cenário desanimador. Realisticamente, o que
se pode depreender da atual conjuntura é que, mais do que nunca, a situação não vai melhorar, muito
menos para a nova geração que sai dos programas de pós-graduação ambicionando dar continuidade
aos trabalhos e às agendas de pesquisa que desenvolvem.

Os esforços estarão concentrados nas mãos de novas gerações, como as que fazemos parte, que,
apesar de não contarem com senioridade e experiência, precisarão lidar com esse ônus. É certo que
será preciso ter ainda mais fôlego que as gerações passadas, caso contrário, caminharemos para um
cenário cada vez mais saturado, competitivo e tóxico.

É imprescindível acreditar no protagonismo e fortalecimento de novas redes e soluções de cooperação


para que pesquisadores e pesquisadoras possam trabalhar com suas especialidades, fazendo o que
têm paixão e contribuindo para o avanço das ciências no Brasil. Novas plataformas, arenas e redes de
pesquisa que não dependam exclusivamente do financiamento estatal ou do investimento da iniciativa
privada devem florescer.

Criação de modelos de cooperativas de pesquisa, negócios sociais, arquiteturas institucionais


disruptivas, captação de recursos com a sociedade civil e entidades internacionais, democratização e
oxigenação dos espaços são todas alternativas a serem consideradas. Entendendo nosso contexto de
retrocesso político, com as já conhecidas limitações estatais, do mercado e da sociedade civil,
podemos avançar para novas possibilidades e espaços.

Para o investimento em ciência e tecnologia ser eficaz, é preciso articular ensino básico, superior e
pós-graduação, dentro e fora dos aparelhos institucionais tradicionais. A educação não pode ser
somente um título conseguido a duras penas e privilégios. A ciência não pode ser apenas um
instrumento utilizado para qualificação técnico-profissional. Precisamos superar a imagem desse
investigador acadêmico que é um sujeito isolado e com dificuldade de se articular em redes e produzir
conhecimento em equipe.

Nossa geração terá espaço nas ciências? O cenário é ruim e parece desanimador, mas nós, jovens,
temos que manter a energia, criar novos espaços e fortalecer os já existentes de formas inovadoras.
Repensar estruturas, articular e fazer barulho: a gente tem que estar pronto para tudo isso.

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