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JORNAL DA USP
Home > Artigos > A nova geração vai ter espaço nas ciências?
Artigos - 02/03/2020
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O Estado está sendo destruído e cada vez mais cooptado por interesses privados antissociais. No
último ano, o governo federal demonstrou posicionamentos alinhados ao anticientificismo, realizou um
Gabriel Mantelli – Foto:
Arquivo pessoal desmantelamento da ciência brasileira e propagou anúncios de cortes na educação e na ciência.
Como consequência desse descaso institucional, as posições de pesquisa e docência se tornam cada
vez mais raras e competitivas. Há toda uma geração de potenciais pesquisadores e cientistas na fila
de espera. Como vai ser?
A verdade é que nunca existiu espaço para todos (e todas) na produção científica. Temos, inclusive,
uma dívida com setores da população historicamente marginalizados. O acesso à universidade
colaborou para a democratização científica, mas, agora, as novas gerações de pesquisadores não têm
para onde ir. Quem pode, tem currículo e senioridade, se arrisca em posições no exterior. Quem não
pode, ou é muito jovem e está fora de determinados círculos por questões sociais e raciais, precisa se
submeter a um cenário de precarização, contratos frágeis e realização de trabalhos fora de sua área
de especialidade.
Julia de Moraes Almeida –
Foto: Arquivo pessoal
De fato, a educação e a ciência não estão no topo da pauta da agenda política atual. Temos um
quadro de desmonte institucional, o que, invariavelmente, gera a obsolescência dos espaços de
ensino e pesquisa. Em termos de trajetória acadêmica, a política que vemos se desenhar está sem
rumo. Como consequência do desinteresse estatal e da construção de um imaginário coletivo
anticientificista, a ideia de “carreira acadêmica” vem perdendo a pouca força que tinha no Brasil.
Vale ressaltar também que, por mais que buscar uma maior autonomia para a pesquisa seja um
caminho interessante, não se pode deixar de lado as disputas político-institucionais do aparelho
estatal, haja vista a necessidade de se ampliar políticas públicas voltadas ao tripé ensino-pesquisa-
extensão.
Aliás, ao que parece, esse é também um assunto que não irá afligir a maioria de nossos orientadores
e orientadoras. Esses, por já possuírem lugar cativo no meio acadêmico, poderão se abster dos
esforços para a proposição de soluções em meio a este cenário desanimador. Realisticamente, o que
se pode depreender da atual conjuntura é que, mais do que nunca, a situação não vai melhorar, muito
menos para a nova geração que sai dos programas de pós-graduação ambicionando dar continuidade
aos trabalhos e às agendas de pesquisa que desenvolvem.
Os esforços estarão concentrados nas mãos de novas gerações, como as que fazemos parte, que,
apesar de não contarem com senioridade e experiência, precisarão lidar com esse ônus. É certo que
será preciso ter ainda mais fôlego que as gerações passadas, caso contrário, caminharemos para um
cenário cada vez mais saturado, competitivo e tóxico.
Para o investimento em ciência e tecnologia ser eficaz, é preciso articular ensino básico, superior e
pós-graduação, dentro e fora dos aparelhos institucionais tradicionais. A educação não pode ser
somente um título conseguido a duras penas e privilégios. A ciência não pode ser apenas um
instrumento utilizado para qualificação técnico-profissional. Precisamos superar a imagem desse
investigador acadêmico que é um sujeito isolado e com dificuldade de se articular em redes e produzir
conhecimento em equipe.
Nossa geração terá espaço nas ciências? O cenário é ruim e parece desanimador, mas nós, jovens,
temos que manter a energia, criar novos espaços e fortalecer os já existentes de formas inovadoras.
Repensar estruturas, articular e fazer barulho: a gente tem que estar pronto para tudo isso.
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