O texto "O juiz e o fato" de Mônica Sette Lopes têm como foco mostrar que os juízes podem ser escritores, leitores e interpretados, ou seja, como esses conceitos em uma determinada circunstância estão diretamente ligados. Eles possuem a obrigação de expor o que o direito remete em situações reais e cotidianas, participando diretamente da abordagem.
Monica Sette Lopes possui graduação e doutorado (com a tese
intitulada "A equidade na formação e na conformação da norma judicial) em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, onde hodiernamente é professora e Vice-Diretora da Faculdade de Direito. Mônica também é desembargadora aposentada do tribunal regional do trabalho da 3ª região, possui várias produções bibliográficas, como: Uma mensagem sobre o direito aos pedaços: a reforma trabalhista, as contingências e a equidade; A saúde e a segurança do empregado: uma perspectiva narrativa; O cartão de ponto e os sonhos dos juízes; O juiz como agente de sua independência: entre o diálogo e o medo; entre outras. Fluente em inglês, espanhol, italiano, francês e alemão, Monica já participou de eventos variados do direito.
A autora discorre algumas posições se baseando em trechos das
obras do italiano Ítalo Calvino, onde mostra que o leitor sempre participa dessa construção, visto que, o livro traz a possibilidade de uma mistura entre "livro e intérprete", logo, esse jogo é constituído de pontos positivos, onde o sujeito que conhece o mundo não irá constituir visões rasas e isoladas. Pode-se dizer que a busca por um leitor-ideal, e consequentemente, um juiz-ideal se apoie em uma única possibilidade de interpretação.
Quando nos referimos sobre a aproximação do direito e da narrativa
literária percebemos que essa é uma experiência passageira, visto que, no momento atual, a perspectiva analógica e a tentativa de explicar o mundo a partir da inter-relação são consideradas superiores. Todavia, para estar no mundo do direito, a literatura não deve ser totalmente desprezada, já que ambos possuem bases referentes à realidade, cada um do seu modo, mas sempre desejando preservar os conflitos humanos e entende-los. Quando um juiz exerce o seu poder de solucionar algum conflito, ele reconta uma história/situação, ao mesmo tempo, é um leitor e um personagem na proporção em que seu engajamento se aprofunda, tendo que agregar suas especialidades pelas normas processuais e a sua vivência sobre os padrões de conduta, podendo gerar um caso individual, específico no sistema jurídico. A linguagem no âmbito jurídico é essencial que se tenha uma técnica especializada, com objetivo de dar ilusão de domínios seguros, contudo, não se deve ser usado quando se trata de termos ou expressões (exceto quando é exigência de uma própria lei), pois poderiam passar uma ideia de padrão artificial e vazio de conhecimento, principalmente, quando tratamos de juízes e advogados, que á vista disso, são agentes do direito e criadores de significados. Segundo Monica, a lei morta acontece quando o autor-intérprete (emissor) utiliza um vocabulário que não é compreendido, às vezes até por aqueles que compõem o sistema, nesse sentido, essa problemática ocorre em função do conflito, por isto, é importante a interpretação de vários indivíduos, para que se possa ter uma nova dimensão da realidade e mudá-la se necessário. Contudo, quando se tem um falta de significado deve-se analisar os diferentes participantes sociais, até encontrar um caminho que direciona as condutas e escolhas, fazendo que o ator crie efeitos nos planos individuais e gerais.
O juiz é um intérprete participante, visto que, é convocado pela
própria lei com o objetivo de estruturar padrões e fixa-lhos, mas como a lei nunca é constante, cada caso pode ser único e depender especialmente de algum ramo do direito, ainda assim, mesmo que tal seja útil, o conceito só ficará completo com absorção analógica do caso (visão do juiz). Se as intrigas narradas nos tribunais se transformam em texto jurídico, passam a integrar o sistema, mas ela não demanda requisitos formais ou uma qualidade estética (mesmo ambos sendo fundamentais no texto jurídico).
Monica relata que desejar o texto jurídico de uma maneira leve é
estranho, dado que, as expressões do campo jurídico são exatamente o contrário, isto é, um peso de manifestações, gerando assim um paradoxo quando levantamos a questão de que é necessária a compreensão geral das emissões normativas. Contudo, só iríamos alcançar essa "leveza" se a linguagem jurídica não se espelhasse em citações em latim, referência sem fundamento, repetições, reproduções exaustivas, entre outros, pois, o leitor iria sentir o prazer de ler, passaria á compreender, podendo recorrer até mesmo à imaginação literária. Os institutos jurídicos possuem uma ligação com a história humana, sendo necessária a compreensão e participação da sociedade como um todo, com o desejo de evolução e agregação de várias áreas. Essa evolução se baseia na incompletude do direito e na exploração dos institutos, sempre analisando novos caminhos ou retornando aqueles já percorridos, buscando assim, um processo constante de adaptação. Os caminhos para leveza não são os mesmos, nem pertencem a um ambiente completo, e essa variedade pode fazer com que o juiz se esconda de suas dificuldades e se abrigue em um ambiente técnico, com objetivo de ocultar a instabilidade do sistema, como acontece na distribuição de ônus da prova.
A rapidez para a autora é considerada inicialmente como uma
expectativa da repetição de padrões vivenciados ou conhecidos, e assim, utilizado com certeza e segurança. O direito, em princípio, se seguisse esse ideal, seria um ambiente de repetições, pois todo processo de aplicação resultaria em constantes recorrências de situações, frases, fórmulas, acontecimentos, entre outros. Todavia, devemos analisar dois pontos: de que as histórias não se repetem no processo e mesmo que haja uma repetição não se repita sua apropriação jurídica. Se o processo jurídico de interpretação se repetir, levaria a uniformidade, as leis chegariam ao mesmo destino, ou seja, as chamadas margens de manobra (espaço para que se possa movimentar ou atingir um resultado), e automaticamente, se conectariam ao princípio da rapidez, possibilitando uma relação entre fato e tempo (que ainda não sabemos qual o período necessário qual o direito de assimilação olímpica de todos os envolvidos na situação). Essa situação pode resultar em uma exaustão de expectativas, visto que, a escrita do direito que carrega um peso pode não ser acolhida com uma determinada rapidez, devido á precariedade de interpretação, o que seria paradoxo, já que a rapidez nas decisões devolvem á vida, e um processo que não seja conduzido dessa forma mostra como uma instituição não consegue administrar as suas operações, devido vários fatores de distanciamento.
Mônica mostra que para Calvino a exatidão envolveria três passos:
um projeto bem definido, a utilização de imagens visuais nítidas e memoráveis, e uma linguagem que seja mais específica no âmbito jurídico (com a capacidade de traduzir qualquer tipo de pensamento ou imaginação). Por essa razão, percebe-se que a utilização de artimanhas já manuseadas, como um grande volume de folhas, a linguagem ganha repetição e as argumentações montadas, perdem suas forças de expressão e se tornam vazias, e consequentemente, torna-se uma obra não calculada, sem imagens visuais necessárias para o convencimento. Não obstante, essa inconsistência parte de outra época, visto que, o ideal de racionalidade do mecanismo jurídico, reservava apenas a lei como a solução, excluindo a interpretação, o que é totalmente equivocado, pois essa visão fechada geraria conflitos e soluções artificiais. É necessária uma estabilidade entre as palavras e as coisas.
Por conseguinte, Monica fala sobre o processo de visibilidade e
recomposição dos fatos, que ocorrem através da narrativa e da argumentação de todas as partes vinculadas, e obviamente, procura-se convencer que a sua posição é a correta, por essa razão, cabe ao juiz à construção de um texto jurídico através de um relato visual, minucioso e aberto sobre os fatores que o levou a essa determinação (assim como no texto literário). Quando é narrativa do juiz se baseia através de uma prova, ele se torna frágil, uma vez que, decifrar a história já não é mais um dever de compartilhar sua visão e a realidade. Mas, quando o juiz é o leitor das histórias narradas, ele consegue desenvolver sua própria expressão, chegando a sua qualidade de leitor-ideal, e consequentemente, atribuindo benefícios a seus leitores. Visto isso, o aspecto essencial da visibilidade no direito é trazer para o texto a maior clareza possível.
Mônica levanta outro ponto interessante, quando define que a cena
fática (que também pode ser um discurso) é um percurso, que deve ser feito a partir de uma rota linear, inicialmente é preciso apurar o fato, depois compreender a narrativa de todos os aspectos relevantes e por último é definir a extensão do fato a partir do quadro normativo, contudo, essa "lapidação" é feita de maneiras diferentes (até mesmo, nos julgamentos de recursos) pelos autores-juízes, pois cada um pode perceber o fato de um determinado jeito, podendo mudar toda a composição dos fatos processuais. Assim, a base do texto jurídico é valorizar a multiplicidade e tornar o seu uso presente em todos os parâmetros disponíveis. A consistência, outro fragmento levantado, pode ser utilizada para sintetizar o processo de redação jurídico, em especial, a lei. Com uma linguagem informal, ela pode ser considerada para verificar os fatos e a suas exposições, a partir de uma cena incompleta (que se deve acrescentar o sistema normativo e seus parâmetros).
De modo geral, a autora apoia-se em diversos escritores/estudiosos
para emitir suas conclusões. Em uma dessas considerações que mais me chamou atenção foi o fato dela defender que um determinado texto deve possuir com si uma especialidade de cada situação, visto que, a originalidade do caso tratado nos remete relevância, ou seja, em minha concepção, ela é o rumo para o problema constituído, e o juiz nesse sistema atua como um observador envolvido na negociação do sentido e na validade das ações. Sua conclusão apoia-se também em Habermas, onde mostra em suas citações que a linguagem participa de três funções que podem ser comparadas ao texto jurídico, em especial, aquelas que possuem o uso de uma linguagem nas direções apontadas, ainda que o juiz pertença ao papel de observador (assimilando características da emissão e do resultado da concepção).
Com sólidos conhecimentos acerca do assunto, a autora empenha-
se em apresentar de forma clara e detalhada como o texto jurídico se abre para o leitor e se constrói na memória do direito, levando-nos a compreender e analisar como os autores e leitores carregam consigo um mundo inteiro de conhecimentos e de palavras, e, sobretudo, quando os leitores (juiz ou leitores do juiz) compreendem essa carga que se interpõe no processo de expressão jurídica. É uma leitura que exige alguns conhecimentos para ser entendida, contudo, com algumas pesquisas e releituras aos conceitos conseguimos entender as explicações passadas, uma vez que as conclusões da autora se baseiam a partir de esclarecimentos e posições de outros estudiosos.
Finalmente, com o estudo desse texto, consigo pensar mais sobre o
conceito de juiz-ideal, e como sua interpretação e participação é de certa forma incontestável (devido utilização de artifícios técnicos, para que o juiz não precise se esconder atrás de textos obscuros e que dão voltas para chegar a um mesmo lugar), contudo, como é de se esperar que todos os indivíduos tenham duvidas e experiências diferentes, esse conceito passa a ser quase impossível de existir.
Desse modo, após analisar todo o texto, consegui compreender
como Monica se preocupa em nos ensinar sobre o processo de leitura, que é carregado por visões e interesses distintos, criando assim, uma variedade de interpretações e decisões, visto que, seria um pouco paradoxo se um sistema tão completo como esse não possuísse múltiplas observações.