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Símbolo da Força Jovem

171
Rubens Pileggi Sá

“AMOR: humor”
Oswald de Andrade

171 é um artigo do código penal, sobre estelionato, mas que se transformou em gíria para
designar alguém malandro, sempre tentando dar um golpe, vendendo o que não possui,
entregando documentos falsos em lugar dos verdadeiros, enganando, mentindo, levando
prejuízos a quem lhe aparecer pela frente.
171 é aquele político que não tem nada a perder em uma eleição e promete até trazer as
próximas olimpíadas para a cidade, motel de graça para todos, acabar com os impostos,
arranjar até namorado(a) para quem não tem. É aquele tipo de político que sempre coloca o
verbo na primeira pessoa, repetindo o bordão do fez e vai fazer mais. Que sempre tem um
Álib* (sic) contra quem o denuncia como desonesto e corrupto. Por sorte, não temos deles
por aqui!
171 é aquele sujeito que tira “um sarro” em todo mundo e muita gente ainda acredita em
suas palavras como se fossem sérias e verdadeiras. O 171 sabe que não adianta levar a vida
tão à sério, afinal, dela ninguém sairá vivo, como já disse o compositor Belchior. O 171,
por fim, garante-nos a diversão e o entretenimento com sua “lábia”. 171 é o palhaço da
ocasião, aquele que nos obriga à risada constrangida. É o enganado que aprendeu com o
enganador o exercício da sobrevivência. É o anti-herói por excelência. É o nosso
Macunaíma. É o que há de mais profundamente verdadeiro em cada um. Em cada um de
nós, brasileiros.
Transformar esse método em piada é a única chance de não se deixar contaminar por algo
que poderia nos tirar o humor. Devolver ao 171 – sob forma de chiste, blague, blefe – a
mentira que, de tanto repeti-la, ele próprio acaba acreditando, é a melhor arma. Responder-
lhe com argumentos sérios ou indignados seria como que validar sua posição. Seria dar
corpo a um engano.
No fundo, no fundo, é isso que se espera, também, da arte. Da verdadeira Arte. A arte como
engano, como “vontade de ilusão”, como já disse o filósofo. E nada melhor para aceitar o
engano do que o humor.
Marcel Duchamp foi, talvez, o primeiro artista a se dar conta desse “jogo de enganos”, ao
deslocar do objeto para a ideia, a “aura” que até então cobria a arte. Ao eleger um
banquinho com uma roda de bicicleta como peça de arte, todo o entendimento que se tinha,
de arte como “ciência do belo” caiu por água abaixo. Ao retirar um objeto industrial de sua
função e colocá-lo dentro de um museu de arte, chamou à responsabilidade os artistas para
o mundo em que estão inseridos. Não dava mais para o artista ficar de costas para a
realidade, mudando cores para lá e para cá. Era preciso mais. Era preciso se posicionar.
Arte passava a ser sinônimo de atitude. Aos que lhe perguntavam se sua atitude era uma
ironia, respondia que não, que sua atitude tinha era “humor”. O que podia ser uma ironia,
mas não deixava, de qualquer modo, de ser, também, humor.
Humor é uma estratégia da qual muitos artistas e movimentos têm lançado mão. O
movimento “Força Jovem” é um deles. Inspirado em slogans de campanhas eleitorais e na
eterna relação entre a juventude e o novo (símbolo antigo do modernismo), brinca com
símbolos e mitos revolucionários, vendendo carteirinhas de anarquista, atestado de herói,
passe de líder, etc e utiliza-se da mais deslavada cara de pau para anunciar a redenção no
futuro, com frases vazias, mas cheias de efeitos. Seu assumido cinismo o torna
politicamente incorreto e, ao mesmo tempo, crítico feroz da cooptação de quem usa a
ingenuidade alheia para dela tirar partido.
O Stressionismo é outro movimento – movimento, não, surto! – cuja poética “está
fundamentada na falta de poética”, segundo seu criador Wilson Inácio
(www.stressionismo.hpg.ig.com.br). O manifesto Stressionista prega que “todo artista é um
crítico, mas nem todo crítico é um artista”. O vídeo que apresenta trabalhos stressionistas
começa com a gravação de uma fita cassete, parada, enquanto uma voz feminina diz coisas
como: “o stressionismo quer defender a culinária enquanto arte. Comer é privilégio de
poucos. A Arte, também”.
Outro “movimento surgido recentemente é o “Miguelismo”. Miguelismo, vem de “Migué”.
Dar uma de “Migué”. De “João-sem-braço”. De conversar, tentando convencer. Ou de
fingir que não é consigo a questão. Seu “fundador”, João Fábio, inventou até uma
exposição relâmpago de suas pinturas, cujo evento recebeu o sugestivo nome de C.I.P.Á.
(Circuito Independente Paralelo de Artes), mostrando que até na falta do que dizer, “si pá,
joga um migué que cola”. Essa é a lei do 171. Pode parecer ridículo e o é, mas é
incomparavelmente mais corrosivo e inteligente do que querer se passar por sério, fingindo-
se estar acima do sarro e da gozação.

* escrito durante a campanha para reeleição de um ex-prefeito, em Londrina, cujo apelido


era Bila, por isso, o palíndromo.

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