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A TRANSFER�NCIA NA CLfNICA PSICANALfTICA:

ABORDAGEM KLEINIANA

MARIA BERNADETE AMÊNDOLA CONTARD DE ASSIS (l1

CONC'fl'l'()S HASIC'OS

!'ara abord.iro tema sobre tran�f,•r�1l<:i.1 do p<mtodL• vistn Klcini.111<>, �


tl('Ce<;S.irio1•xplicnr nlguns co1l<:ritos básicos cumo fon1,1si.t, nnsied,1de, dcfosa e
relações objetai,. Tratn-:se de conceito� extremamente complexv� e
interrl!lncionndO!!, que rnlo comporlilm definiç� obj.-tiva<, ch1ra� e pn•cis.a<,
urnn vt•1 que procuram nbarcar fcnlinwnn� ml'ntais de 1111turt'1�1 inconsc;it'nte,
CU)D�l'SSO por via Ctlt1scie11tc é M"mprc linuladu.
Ainda assim, nlgumn comprecns.-m é posslvd e m.'Cl.'S�.iria
Vnmus iniciRr pelo termo fantul.ii. Cm i,cu célebre nrtigo A nnturn.n , n
funçlio dnfnntnsin, bmncs (1978) define fonlilsin ct,mo �" cxprc:,;s.io llll'lllal dus
instmlos�. ND concepçi'io freudiana (l'reud, l':INO), os instintos têm �ua origem
tK1'i proce�so:s snmáticm ondt' surgem ll'i 11t'Ce�sidndes Msicns do orõ'1msmo.
Est,1� tlL'Ct.-ssirlnde�, que snoorigi,ulnwnte física�, ganham um sln/11s mt>nl;1l 1>t1r
mtermkhodns fontnsias. Assim, pore�emplo, un, org,mi�mo privadodt' nlm1L11-
toaprewnt,1 um delermin.-,dn melaboli�mo gt>rad<• por re.1(õe,, biU<JuÍmicns. Estll
�ituaç.'ioorK!lnica é captad,1 pela nwntt', qul" lhec(mfcre o significado de nec,...;�i­
dade 11 !M'r s.itisfcita (fome), dcM'!lcadeando prOCl'ssos que visam prumovt.'r a
Yl1�faç,io(busca Je Rlimt>11\!)';). Ora, 1>i1da Ji,-.o oa,rrl" no v1:u;u. S.�o pmct'S.'>OS
DCOmp,mhadO! de sensações, imat;t'ns n1t'11bis e pensumentos, quecooshtuem
•� fantasias.

Cons,dt'ta-se, ainda. que e11tre » 11(.'Ct'SSidnde e a satisfoçíiu t'�istl' um


�ingocaminho, rrplctode OO!itáculos que, por mnbilil.arcm anb'IÍSti», impól'm à
mentedL'!lvios ental� ou, 11té mesmn, 11 renuncia a s.1tisfoçiio. A mente se depa­
ra, porl!Xempln, cnm dL..,..jos proibidos ao nível pt.'SSl\11, social ou culturnl, o que
d('!'ei1<:adei,1 procl!S�OS de repressão, neg.,çlioe "G1muílaKct1s�as mais diversas,
para se lidar mm L>sta sih1;1ção. Do mesmo modo, osobictos-alvodO!l desc)(Yó síin
imprq;nados Jesigniíicado,; peS50.l1S, socinis e culturais e provocam IIS mui�

F.t1Jen,çop",."""""pond""c,•
Ru• Qu,nl1n<> S.,,..n,v� '163 ll1pen6po�s,
moo.1,,0Ribeiriol'reto·SP
diver111a emoçõe, aoserem bu5Clldos, encontrados ou perdidos. Toda esta gama
de �perifnda.s emocionais é acompanhada por fanta.si11.s, que lhes confere vida
mental.
l&toOIXlrre desde oinfcioda vida e ê parte estruturante da personalidade.
Por �emplo, um bebê faminto poderi vivenciar esta experiência ao nfvel daa
fontaaiaa, comoum perigo eminente de aniquilamento, gerando imagen5 de estar
sendo atacadopor um !leio terrorfüoo; ao mesmo tempo, pode evocar sell58çõea
d11 l!!ltar sendo gratificado, com imagens de um seio provedor que o alimenta e o
1iv111 do Incômodo vivenciado no momento. Estas fantaaias, mobilizadM • cada
experilncia de fome, vão constituindo um conjunto mental complexo que teri
influ�cia nas atitudes do bebê (ou do adulto) em relação à alimentaç•o.
Cabe lembrar,neste ponto,que as fantnsi111 ocorrem no nfvel inoomcien·
te da mente e podem, eventualmente, tornAr•se oon.,cientes. Elas slio a "ma têria
prima" do inscol15Ciente e, como tal, pe!"meiam toda II vida mental que, por aua
vez, está na base do comportamento man.ifuto do. indivíduos. laaaa (1978)
mostra que as fantasiH manifestam-se de im1menis formas e expreuam•ae nOl!I
mais diferentestiposdecomportamentot.Cito alguns tredv:>adeJeuartigoaeste
respeito:

, "o tJStiloeo tomdnxr.z aofalm", 11 po,,hmi corporal, o rrwdodundiir, de


11�/11r11 mio, a �facial, a caligrafiatm manl!'iri.9mM, migtTOI,
lllmbbl'ltlo cktmnil'ltldoa, dirdao11 imlirrlamrnlepor fantasiiut:!1p«lfi·
°'
CIIS. E,tasslo, WSIUllmmle, muito complaas, rtlncionad.tucom mundo.
int=eater110,euinc11/ad1111lhiJt6riapt1fq11fcadoindivfd110"(p4g.
114).

E,maiaadiante:

"Dtml!llmomodo,11Sm/lUl,llll/,u�IIIX'iai8doamlltrtpasoi10·
/idade me>&lam·l'IOS tambbl'la polhu:ia da,fanta&ia,. Porumiplo,a1ati•
huladlllpasoa,m1malhia1/11i&comoolmrpo,di11Mroepoauhbt:ru,
� po11t1U1/ 011 alnl.Jar·U, dslr t rtttm', 1/dmtr 011 ur adepto, !!fiar 'no
ctnlro do palco' 011 conuntrar•u tm trabalhar 1IOJ baJtidore, de. slo
Mmptt� lfllt, rui anA/iu, uwri.fica l!!lflarm1 rtlaciorurdu com
cer/Nco11j1111t01t:Sp«f/ieo6detxlri11dlllf1111lasi11S N (pag.155).

Sendo o substnto da vida mental, as fantasias representam também u


ansiedades e defesas, que são outros conceitos• serem abordados.
A, ansiedade!; !lio uma espécie de "sinal de perigoN que: oc:orre na mente:.
Segundo Klein (1991), a primeira causa da an.,iedade ê proveniente da ação da
pulsão da mortedrea mente, o que provoca o medo de aniquilamento. E ainda:
ffUma vez que a luta entre as pulsões de vida e de morte persiste a vida inteira,
essa fonte de ansiedade jamais é eliminada e entra como uma fonte permanente
em todas as situações dell!lliiedadeH (Klein, 1991, p.50).
Existem basicamente dois tipo!! de ansiedade: 11 paranóide e II depressiva.
A primeira sinali:,,a o perigo do ego ser destruído por objelo5 intemo5 e externos
e a segunda, o perigo de danifícar ou destruir 05 objetos amados. A ansiedade
paranóide está relacionada à posição esquiz.o.panm6ide, que se caracteriza por
wna vivência de objetos parciais e por umsplitting entre os objetos fru:itradores e
os gratificadores. Os objetos parciais que frustam são violentamente atacados ao
nível dll.'I fantasias e se tornam terroríficos, ameaçando constantemente o ego,
que se sente em perigo.Neste mommto,os objetos gnitificadores são ideali:,.ados
e formam uma espécie de "exército da salvação", cuja função na mente é livrar o
ego de seus perseguidores. Já a ansiedade depressiva está associada à posição
depressiva, um estado mental que se caracteri:,,a por um contato com o objeto
total, ou seja, a percepção de que é o mesmo objeto que frusta e gratifica. Esta
integração concomitante do objeto e do ego gera o medo de que a parte má do ego
vi danificar ou destruir o objeto que, ambivalentemente, o gratifica e o frustra.
Estas ansiedades, ao serem vivenciadas, mobilizam defesas no ego, que
5,lo fonnas de reagir a estes "perigos". A ansiedade paranóide gera defesas tais
como projeção, splitt{ng, negação identificação projetiva e idealização, todas elas
com a finalidade de livrar o ego de seus pers.eguidores. Por intermédio destas
defesas, o ego procura afaslar•se do:5 perigos que julga serem externos e colocar
fora de si as partes que são sentidas como perigos internos. Paralelamente, busca
identificar-se com os objetos idealizados para sentir-se auficientemente forte di­
ante dos �guidore!I. Siio tempos de guerra para o ego e, COl'\llequentemente, o
sofrimento mental é intenso. O incl.ivfduo está sempre alerta, amedrontado. ater�
rori1.11do e as defesas de que se utiliza, em geral, provocam fragilidade do ego e
afastamentoda realidade.
A ansiedade depressiva tambl'!m mobiliza umsistruna poderoso de defe­
w, a saber, as defesas manfacas. O ego, ao entrar em contato com sua capacida·
de destrutiva e com a p011sibilidade de perder o objeto amado, defende-se com
sentimentos de desvalorização, desprezo e triunfo sobreo oh}eto, na tentativa de
negar sua importância e, aMim, afastar o medo de perdê-lo ou de:ieseparar dele.
Estas an<1iedades e defesas são vividas em um contexto de relações objetais.
Segundo a peupectiva Kleiniana, a mente desde o irúcio se estrutura a
partir de relaçóell de objeto.O indivfduo, em contato com seu ambiente, vai reu·
nindo ao longo de sua história de vida - desde as primeiras vivências com o seio,
atéu últimas, com a aproximação da morte - um.a série de experiências emocio­
nais de satisfações e frustrações e constrói, assim, seu mundo mental, povoado
por objetos com os mais divel"S05 significados emocionais. Neste contato,os obje­
tos e as experiências com eles não são simplesmente inscritos na mente como
cópias xerográficas, mas há toda uma dinâmica de processos projetivos e
introjetivos que vão compondo sistemas de significações, transfonnando as ex•
periª1lciaa vividas e dando-lhes um colorido subjetivo. O mundo interno é, a s ­
sim, u m conjunto imensodeobjeto:s com significado e história, que se compõem
de formas variadas, geni,ndo sentimentos que vão da comédia ili tragédia , numa
dinâmica sempre em movimento, sempre em transformação.

TRANSFERÊNCIA

A lrllll5ferência é um fenômeno psíquico em que todas as fantasias,arui•


edades e defesas que compõem o mundo interno são expressas nas situações
vividas no cotidiano. O indivíduo traz para cada nova relação que estabelece ou
cada nova situação que vive, toda sua história, seus ob;e,tos internos, seus medos
e esperanças e transfere-as para a situação atual.
Embora a transferência não aeja específica da relação analítica, ela é
incrementada nesta relação. Klein (1991) afirma que, n a medida em que o analis­
ta vai abrindo caminho em direção ao inconsciente do paciente, a premência em
transferir auas experiências mais profundas e mais primitivas é reforçada e o
�tting analltico passa a ser o lugar privilegiado para a transferhu:ia e,especial­
mente, para sua explicitação.
Lembro-me, para exemplificar, de uma paciente que iniciou sua análise
estabelecendo um grande distanciamento em relação a mim. Era muito silencio­
sa, produzia poucas associações, não "reagia" de forma explícita às minhas
intervenções; estava sempre demonstrando indiferença aos acontecimenlO!lden·
tro da .sessão. Esta situação despertava em mim um desejo de que ela falasse
comigo, de que demonstrasse alguma reação afetiva para que eu pudesse exercer
com propriedade e produtividade minha função ana\ftica. Ela reproduzia, as·
sim, wna relação em que predominava o esvaziamento e a improdutividade. Eu
era transfonnada em um seio seco, desprovido de possibilidade de ajudá·la. Ela
tTaru1feria para mim um objeto interno estragado, esvaziado, improdutivo, que
ela "carregava" dentro de si. Ela parecia não sofrer e não se preocupar com isto,
maa despertava em mim o desejo de transformar a situação: um sinal de sofri•
mentoe angústia.
Para contTastar e esclarecer, lembro-me de outTa paciente que iniciou sua
análise estabelecendo um vinculo em que predominava uma forte idealização de
mim como analista. Eu era uma pessoa &ábia, competente,maravilhosa, que iria
ajudá-la e livrã-la de todos seus sofrimentos. Transferia, assim, para a relação
analítica um seio ideal, com capacidade ilimitada para satisfa?.ê•la e suprir to-

r......,,.., /')«oJo,,. (l'>9�J,N'2


das suas necessidades; uma espécie de "santa" que a livraria de "todos os males,
lll?l&n". &te era o sinal de que seus objetos internos persecutórios eram podero­
sos; dai sua necessidade de um aliado tio forte para protegê-la. Indicava, ainda,
uma destrutividade intensa, que danificava internamente os objetos, tnmsfor­
mando-os l!lll perseguidores. Tratava-se de um caso de hipocondria e, como se
�be, nestes casos a pessoa se sente impregnada de objetos persecutórios que
atacam seu organismo.
Os objetos intemalizadossio, então, exp�na relação que o paciente
ei;tabelececom o analista. Urna vezquea intemaliução se fazem um oontexto de
ambivalência entre amor e ódio,as relaçõesobjetais sio caITegadu destes senti•
mm.tos. Derivam•sedaí os conceitos de transferência positiva e negativa.
Fala-se de traruiferência positiva quando predominam na relação os s e n ­
timentos amorosos, quais sejam, gratidão,reparação, respeito, tolerância, capa­
cidade de continência etc. O sentimento de gratidão provém de uma considera·
çào sincera do outro como fonte de gratificação. Ao admitir que o objeto tem
qualidades que são importantes e necessárias para sua sobrevivência, o sujeito
investe o objeto de sentimentos amorosos, desejando cuidar dele, protegê-lo de
M'US próprios ataques, sendo mais tolerante e querendo gratificá-lo. Junto com o
sentimento de gratidão aparecem os movimentos derepan.ção,que se referem ao
desejo de consertar os objetos danificados pelos ataques destrutivos do próprio
aujeito.
Em análise de crianças isto aparece de forma bem concreta, quando o
paciente estraga algum brinquedo em um momento de ódio e explosão e, em
outro, procura oonserlli-lousando toda sua aiatividade e paciência para isto. O
conserto de um objeto concreto representa o desejo de reparar o vínculo com o
analista que. rw fantasia,também foi danificado no momento destrutivo.
Na transfel"fflcia negativa os !lenlimentos predominantes são inve)OSOS,
destrotivos. Ü!I objetos siío alvode ataques de todo tipo. Na situação analítica o
paciente se utiliza de qualquer ocorrência para acusar - implícita ou explicita­
mente - o analista. Por exemplo, se o analista suspende uma sessão, o paciente
pode sentir como uma agressão por ter sido abandonado e colocado em segundo
plano. ilito geni sentimentos hosfüi no vínculo que podem aparecer tanto em um
pequeno ah'aMJ na sessão seguinte como em wna interrupção definitiva do traba.­
fo
A inveja é um dos sentimentos mais comuns na transferência negativa.
Seu objeto é destruir a bondade do objeto, sua capacidade provedora e criativa.
Segundo Segai (1982) a inveja é perniciosa para o desenvolvimento, porque ataca
a fonte de bondade e proteção, danificando este objeto na fantasia e,
cm8e<;J:Uenlemente, prejudicando a intrqeção de um objeto bom e protetor, que é a
base de desenvolvimento do ego. Na clínica,os sentimaitos invejosos do pacien-

r...,.,..,P.,icol<>11•(/0<UJ,ft'l
te atavam a capacidade doanali!ta tomando-o, em fantasia, impotente para aju­
dar o paciente. Tn1tava-sede uma vivencia transferencial que precisa ser minucl·
osamente analisa.d, para que o progreuo do paciente seja posslvel.
A tra1111feréncia é assim uma vi.a privilegiada de acesso ao il'ICOl15ciente,
uma vez que revela toda a dinlmica psfquica do paciente.
Ji!. que se traia de um fenômeno tio importante pan1 o conhecimento do
paciente, resta saber como trabalhar corneie, tomando-o veiculo terapêutico. 80
queseri!. tratado no próximo Item.

INTERPRETAÇÃO DA TRANSFERtNCJA

A interpretação transferendal é um dos pilares da tknica analftica e


serve para caracteriú-la e diferenci,-\a de outra, tl'!cnicu.
Trata-se da explicitação do que esli!. aoonteo::endo no vfm;ulo entre anafü•
ta e analisando. Na abordagem Kleiniana, a interpretação te d, sobre a dinlmica
da interação analista-analisando. Segundo Barros (1992), "A atividade
interpretativa é ba,eada num acompanhamento minuci080 do que passa na esta­
ção tran.,Íerendal, de maneira que o analista pOllsa entendê-la e relacion,-la ã
vivência emocional do paciente.As interpretações vi111.mJnoetrarcomo o pacien­
te está sendo, ao invés de como ele é" (pag. 21).
A diferença entre este "como elenhi sendo" em contraposição ao "como
ele é", marca uma poeiçio teórico-t4cnica específica. Indica, do ponto de vista
teórico, uma visiododinamismo mental ffl'l OON!ante movimento e tnr.nsforma­
ção. Houve um tempo na história da física em que se concebia a lerra como imóvel
e centro do Universo. Com 11, revolução copemicana, o movimento da terra foi
percebido e o sol passou a ser o astro-rei em torno do qual giravam011 additos­
planetas. Modemmnente, concebe-se o Univeno todo em movimento; não há nada
parado, em toda sua extendo. Ora, tal como o Univeraoganhou movimento,•
concepção de mente também saiu do imobilismo que propiciava descrições de
características estanque,, tendo evolufdo para ser concebidacomo wn conjunto
de elementos (objetoa) de aignifiudoa mdlliplos e mutantes, que se combinam
das maia diferentes fomtas,ffl'l diferentes momentos pslquicos. Ne,ta prrspecli·
va, a função do analista é e1tplicitar estes moviment05 que vlo 1endoexpres508
narelaçio.
Do ponto de viat1 técnico, di:r.er ao paciente �como ele estl. sendo� cria
uma possibilidade ampla para um contato emociona l intenso com o momento
palquico que esti!. 1endo vivend1do. As oportunidades de transformação e
integração aumentam porque niose esti!. tratandodec.aracterlsliou do paciente
pertencentes• uma dimensão espaço-temporal ab$trat_., mas decamcterCsticas
coocret17,adaa, atualizadas naquele tempo-espaÇO da relação tranaferencial, As·
sim. interpretar a transferi!ru::ia é revelar o pr�teem toda sua plenitude.
Conhecer promove mudanças: daí a função terap@utica e transformadora
da interpretação. Barros (1992) trata desta questão nos seguintes termos: "Há
uma referência freqüentea uma contradição entre, de um lado, u concepções
psicanalfticas que preconiza corno objetivo da pi,icarnfüse apenas o adquirir
conhecimento a respeito de si mesmo e, de outro,u que preconizam como objeti­
vo transformar o paciente,acentuando que o contrato feito com ele t'! de caril.ter
fundamentalmente terap@utico. Essa contradição perde o sentido para os
Kleinianos, na medida em que oinsight t'! o fator central do processo terapêutico,
i.sto é, o conhecimento leva a uma transformação da experiência emocional. Fica
claro,portanto,que ao interpretar o material,Ollnll.lista Kleiniano tem por obfeti­
vo promover o il'ISighl, �creditando que é essa experiência de entender e sentir-se
entendido que promove a mudança pi,lquica" (pp 22-23).
Para ilustrar a questão da interpretação tran.sferencial vou utilizar um
txemploclfnico.
A paciente, uma mulher de 28 anos, estava atravessando um perfodo
muitodilicil em sua vida, apresentando síntomas graves de depressão, anorexia,
incapacidade para o trabalho, crises de choro e de auto-mutilação, como arra­
nhar-se. Nesta oc;asião, ela so&ia muito com as interrupções das sessões nos
6nais de semana. A sessão cujo início vou relatar t'! a primeira da semana, após
três dias ,em contato comigo.
A paciente entra na sessão andando vagarosamente e meio "curvada #,
dando-me a impressão de que estava doente, frági� alquebrada. Parece convidar­
mea segurá-la pelo breço para ser introduzida na sala. Entra, deita-se no divã e
depois de um breve silêncio diz que está se lembrando de um acontecimento
muito desagradável do final de semana. Conta que foi a uma festa com uma
amiga, em uma fazenda prôxima à cidade onde mora. Durante a festa a amiga
bebeu, conversou, dançou e ela não corueguiu se divertir. Ficou o tempo todo
preocupada porque a amiga estava bebendo e poderia dar algum problema na
volta (estava oo carro da amiga e esta iria voltar dirigindo). De foto, quando
estavam próximas à cidade, mas ainda na rodovia,o carro quebrou. Jã era noite,
a llllliga estava alcoolizada, os caminhões que passavam balançavam o carro,
faz.endoela ter a impressão de que cairiam no barranco próximo ao acostamento
onde estava parada. Começou a ficar em pânico, sem saber o que fazer. A amiga
58.iu docnrro e pediu socorro. Felizmente, ela não sabia como, parou uma pessoa
quepôde ajudá-Ias.
Neste início de sessão, a paciente estava falando de um acontecimento
localizado no passado, no fim da semana,e em um espaço fora dali, na rodovia.
No entanto, a lembrança surgira naquele momento e dentro da nossa relação. A
descrição da situação de desamparo, de abandooo, de medo de estar completa-
mente desprotegida, como um carro quebrado à beira de um barranco, balançan­
do com a força do vento dos carros possantes que passavam ao seu lado, era
absolutamente atual. Era a descrição de como se sentia naquele momento, diante
da analista que não lhe dava o braço para entrar na sala, que a deixava sozinha
no fim da semana, que - em sua fantasia - ficava se esbe.ldando em festas enquan­
to ela, frágil, quebrada, instável, era deixada à própria sorte.
A interpretação traruiferencial neste caso é aquela que explicita para a
paciente a experiência emocional daquele momento: no caso, o sofrimento pelo
desampam,o óruo frente ao abandono, a inveja do bem estar da analista. Ao tocar
nestes sentimentos a paciente pode ter a experi�ia de estar sendo compreendi­
da, o que revela a atenção, a disposição e o cuidado que a analista tem para ela e
com ela naquele momento. Essa vivência repetida qunntas veles fornm necesH­
rias, poderá çontribuir para que esta pessoa sinta-se menos sóe, podendo introjelar
as experiências de gratificação, sinta-se também mais forte para por seu "carro"
em funcionamento, sem precisar "ficar à beira do caminho".
Para fina\i;ui.r, gostaria de dizer que é preciso coragem e determínaçiio
para se trabalhar no presente, com as situações que emanam no veículo e são
produto do. relação entre ambos -analista e analisando. O campo de trabalho do
analista é, de fato,a transfen.'!ncia.

Refe�ndasBibliogr.Uicas

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