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O PEDIDO QUE FIZ AO

MEU CACHORRO

Luis Manoel Siqueira


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Internacional

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O PEDIDO QUE FIZ AO MEU CACHORRO

LUIS MANOEL SIQUEIRA

RECIFE 2014

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Para

Pedro Luis Siqueira Leão (Cacaco)

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1 - A FAZENDA

Do outro lado do rio, há muito tempo,

numa pequena fazenda no Sertão da Bahia,

eu plantava frutas, criava ovelhas e, de noite,

olhava as estrelas e dormia na rede branca

até o cantar dos passarinhos me acordar

e a luz do sol vir banhar meu corpo.

Eu era sozinho, mas não era triste

passava os dias trabalhando e escrevendo

as estórias que eu ouvia no lugar,

e nem percebi que uma delas logo aconteceria comigo!

A estória que conto aqui, aconteceu depois de uma tempestade.

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Choveu muito naquele janeiro:

trovoadas que faziam tremer os vidros da janela.

Os relâmpagos eram fortes e repetidos.

Foram horas de uma noite longa, que ninguém dormiu.

Quando o dia amanheceu, a terra estava toda encharcada.

Precisei viajar para a cidade,

comprar uma peça para o trator quebrado.

Entrei no carro e saí, passando por grandes poças de água,

na estrada de terra.

Quando cheguei ao asfalto,

vi um cachorrinho de lado do acostamento -

ele me viu e fugiu, escondendo-se num mandacaru ali perto.

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Parei o carro e desci. Fui até perto dele, que me olhava com medo.

Estava todo ferido e sujo de sangue.

Tinha uma tira de pano vermelho amarrada ao pescoço,

E estava todo molhado, tremendo de frio.

Então entendi a sua estória, que ali se cruzava com a minha:

Ele tinha caído de um caminhão de mudanças,

ferira-se na queda, no meio da noite de chuva.

Tomei o cãozinho nos braços, voltei para o meu carro parado,

e retornei com ele para a fazenda.

Entreguei-o aos cuidados de um trabalhador

pedi que cuidasse dele, de suas feridas.

Voltei para a minha viagem, e só retornei no fim do dia

trazendo a peça nova do trator e a feira da semana.

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No dia seguinte perguntei pelo novo morador da fazenda.

Encontrei-o debaixo da mesa onde eu tomava café;

E ao me ver, balançou o rabo e seus olhos brilharam.

Então disse aos trabalhadores:

- Ele vai se chamar “Cigano”. Pois o encontrei pelas estradas,

vagando, sem destino.

Cigano era marrom com listras pretas.

A sua magreza foi acabando, pois sua fome era medonha.

Cigano comia tudo o que lhe dávamos, com um apetite canino.

Ligeiro foi crescendo, assim, como nossa amizade.

Ele só dormia na porta do meu quarto,

como se quisesse me proteger, ou ficar mais perto de mim.

Se de noite as raposas chegavam, querendo roubar as galinhas

de longe cigano farejava e passava a latir muito forte

como se fosse um cachorro terrível!

Então as raposas desistiam e corriam para outra fazenda.

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Para todo lugar que eu ia, Cigano me acompanhava.

A plantação, o rio. Só não quando eu viajava para longe.

Então ele ficava com os trabalhadores.

Mas quando eu retornava, pulava em cima de mim,

o rabo balançando, sem parar, de tanta alegria.

Do outro lado do Rio, há muito tempo,

eu tive uma fazenda pequena,

eu tive um amigo fiel,

que encontrei ferido e faminto, na margem de uma estrada,

depois de uma noite de tempestade.

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2 - O SPUTNIK

Muitos anos depois, morando numa grande cidade,

uma noite vi na televisão um documentário

sobre a conquista do espaço.

E da estória curiosa e triste de uma cadela

que foi a primeira astronauta.

Dizia a reportagem que no dia 3 de novembro de 1957

a União Soviética lançou um foguete chamado Sputnik II.

A única tripulante foi uma cadela chamada Laika.

Eram experiências cientificas para saber se, no futuro,

um homem poderia viajar no espaço.

Laika ficou sozinha dentro do foguete, girando em órbita da Terra.

(Laika é, para mim, uma mártir do sacrifício da solidão)

Que tristeza deve ser ficar esquecido no espaço,

sozinho, latindo sem ninguém escutar...

De noite eu ficava na varanda do apartamento,

olhando o céu da cidade, tão diferente do Sertão,

onde um dia eu tive a minha fazenda.

E um cachorro chamado Cigano

que encontrei perdido na beira da estrada.

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Fui buscar o álbum de fotografias

e encontrei a única foto que tirei dele,

fazendo uma cara muito feia para as raposas.

E sorri, com saudade.

Voltei pra varanda escura

e olhando as poucas estrelas da noite,

eu lhe fiz um pedido encantado:

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- Cigano, meu velho amigo,

se aí no céu você tiver alguma chance de namorar com Laika,

separe um filhote de vocês para me dar de presente,

quando eu voltar pra casa!

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SOBRE O AUTOR

Escritor e Geólogo, Mestre em Geociências.

Publicou: A CIDADE DA LUZ AZUL - 1979 – Romance; JAMAIS HOUVE TREVAS


- 1981- Novela; A ÚLTIMA VALSA - 1982 - Poesia - Edições Pirata; MIGUEL, O
GATO – 1982 - Poesia - Edições Grumete; ADEUS - 1984 - Romance - Edições
Grumete; O LEÃO E A BARONESA - 1992 - Romance - Editora Universitária UFPE
(Prêmio Othon Bezerra de Melo - APL); A ESTÓRIA DO CAVALEIRO PERDIDO -
2003 - Conto - Editora Coqueiro; A IDADE DA PEDRA - 2004 - Novela - Editores
Reunidos do Alto Sertão (Prêmio Othon Bezerra de Melo-menção Honrosa - APL);
SERÁ POR TI, SERTÃO! - 2005 - Ensaio - Editores Reunidos do Alto Sertão; A
URGÊNCIA DE ANIMAR O CORAÇÃO - 2011 - Poesia Reunida – ERAS;
NERUEGA (Romance) “Menção Honrosa” no Prêmio Cidade do Recife – Fundação
de Cultura da Cidade do Recife, 2003, publicado pela Amazon.

Foi Presidente da União Brasileira de Escritores – Núcleo Petrolina – Pernambuco


(2000).

Ilustrações:

Fotografias do autor (modificadas).

Desenho “Menino com cachorro” de Pedro Luis Siqueira Leão

Selo do Memorial de Laika (http://www.novareinna.com/bridge/laika.html)

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