Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A Política Nacional de Juventude e Juventudes de Favelas
A Política Nacional de Juventude e Juventudes de Favelas
__________________________________________________________________________________
Como citar:
CARDOSO, E. S.; ESPINHOZA, G. M. da S. M.; PEDRO, V. da R. A política nacional de juventude e juventudes
de favelas: no meio do caminho, um novo jeito de caminhar?. Revista Juventude e Políticas Públicas, Brasília,
v. 1, n. 2, p. 72-82, jul./dez. 2017. Semestral.
DOI: 10.22477/rjpp.v1i2.77
__________________________________________________________________________________
Resumo: O artigo tem como objetivo refletir sobre os dez anos da Política Nacional de Juventude (PNJ) e a
perspectiva de efetivação do direito dos jovens, em especial dos territórios de favelas, sendo fomentada a partir da
proposta de trabalho do Programa Caminho Melhor Jovem, projeto piloto que almeja se tornar uma política
pública nacional para a juventude. Esse Programa se insere dentro da PNJ, sendo inaugurado no mês e ano
do Estatuto da Juventude. Realiza-se um breve histórico da trajetória da PNJ e a luta para que o tema da juventude
adquirisse visibilidade nas diferentes esferas e nos documentos nacionais e internacionais, seguido da
conceitualização de juventude adotada pelos autores, do Plano de Trabalho do Caminho Melhor Jovem e da
percepção dos profissionais que atuam no Programa, a partir da experiência de trabalho.
Palavras-chave: Política Nacional de Juventude. Juventudes de Favelas. Caminho Melhor Jovem.
Abstracts: The objective of this article is to reflect on the ten years of the National Youth Policy (PNJ) and the
perspective of the realization of the rights of young people, especially the favela territories, being fomented from
the work proposal of the Better Pilot project that aims to become a national public policy for youth. This Program
is part of the NPC, being inaugurated in the month and year of the Youth Statute. A brief history of the PNJ's
trajectory and the struggle for the youth theme to gain visibility in the different spheres and in the national and
international documents, followed by the conceptualization of youth adopted by the authors, the Work Plan of the
Best Young Road and Perception of the professionals that work in the Program, from the work experience.
Keywords: National Youth Policy. Youth from Favelas. Best Young Path.
INTRODUÇÃO
Muitos dos avanços no tema de Juventude se desenvolveram com a participação da
Organização das Nações Unidas (ONU) que realizou informes e mapeamento da questão da
juventude no mundo, com destaque para países em desenvolvimento, que evidenciou a “não
concretização de direitos humanos para grande parte da juventude no mundo”. Assim como
destacou que “[...] a maioria dos problemas atingia indistintamente, os jovens do mundo
inteiro, sendo que o quadro, no entanto, era mais grave nos países em desenvolvimento”
(SILVA; ANDRADE, 2009, p. 44).
O que se observa nesse primeiro momento diante desse cenário de invisibilidade são
imagens e estereótipos negativos sobre a juventude o que irá repercutir diretamente nas ações
e programas direcionados a esse público. Nesse sentido, a ONU recomenda que a partir daquele
momento as ações sejam planejadas para conferir “[...] atenção especial aos jovens
considerados mais vulneráveis.”. (SILVA; ANDRADE, 2009, p. 44).
72
CARDOSO, E. S.; ESPINHOZA, G. M. da S. M.; PEDRO, V. da R.
“A política nacional de juventude e juventudes de favelas: no meio do caminho, um novo jeito de caminhar?”
Um dos marcos principais que antecede a Política Nacional de Juventude foi o Plano
de Braga (1998) que tinha como principais características:
Em 2004 inicia-se diálogo rumo ao processo da PNJ em diferentes esferas, que dentre
outras questões ratificam o jovem como um importante ator social e protagonista, fonte de
transformação social desmistificando aquelas representações negativas em torno desse grupo
populacional. É nesse mesmo ano que começa a tramitar na Câmara dos Deputados (CD) o
Projeto de Lei (PL) número 4529 de 2004, de autoria de uma comissão especial destinada a
acompanhar e estudar propostas de Políticas Públicas para Juventude (PPJ), que dispõe sobre o
Estatuto da Juventude (EJUVE).
Em relação aos antecedentes da PNJ no Brasil, apesar das iniciativas da ONU, houve
poucas ações e programas que incluíssem o tema da juventude. O que estava muito em
evidência naquele momento seria a discussão dos direitos da criança e do adolescente
estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei número 8.069 instituída
em 1990. Assim, o termo juventude durante algum tempo passou a ser associado ao período da
adolescência adotando o limite de idade até 18 anos. Apesar do ECA atender a uma pequena
parte de faixa etária da população jovem, é importante destacar que esse documento favoreceu
a discussão para a criação de políticas públicas que incluísse outros grupos etários que eram
atendidos pelas políticas gerais.
73
CARDOSO, E. S.; ESPINHOZA, G. M. da S. M.; PEDRO, V. da R.
“A política nacional de juventude e juventudes de favelas: no meio do caminho, um novo jeito de caminhar?”
1
Projovem, Agente Jovem, Saberes da terra, Escola de fábrica, Consórcio social da juventude e Juventude cidadã.
74
CARDOSO, E. S.; ESPINHOZA, G. M. da S. M.; PEDRO, V. da R.
“A política nacional de juventude e juventudes de favelas: no meio do caminho, um novo jeito de caminhar?”
2
Programa de inclusão social de jovens em comunidades pacificadas começa no Rio de Janeiro com apoio do BID,
disponível em: <http://www.iadb.org/pt/noticias/comunicados-de-imprensa/2013-02-22/inclusao-social-de-jovens-
no-rio-de-janeiro-brasil,10339.html>. Acesso em:10 dez. de 2014
75
CARDOSO, E. S.; ESPINHOZA, G. M. da S. M.; PEDRO, V. da R.
“A política nacional de juventude e juventudes de favelas: no meio do caminho, um novo jeito de caminhar?”
76
CARDOSO, E. S.; ESPINHOZA, G. M. da S. M.; PEDRO, V. da R.
“A política nacional de juventude e juventudes de favelas: no meio do caminho, um novo jeito de caminhar?”
importante salientar que nessa conta não entra os jovens cuja faixa etária se encontravam entre
25 e 29 anos.
Para Vignoli et al (2001) vulnerabilidade é entendida como exposição potencial a
riscos de diversas naturezas – sociais, econômicas, políticas, culturais, entre outras – o que
implicam o enfrentamento de diversos desafios; Camarano ainda ressalta que a juventude
por si somente já é um período em que o jovem se encontra vulnerável devido a diversas
transformações que enfrenta nesse período. As fragilidades e/ou vulnerabilidades que o jovens
brasileiros vem enfrentando leva a se falar em uma determinada “crise de jovens”. Acreditamos
que tal crise se evidencie pelo grande número de jovens que se encontram fora da escola, por
aqueles que por terem baixa escolaridade não conseguem uma colocação no mercado de
trabalho. Esses jovens vulnerabilizados pela pobreza também são conhecidos pejorativamente
como “nem nem”, quer dizer, os jovens que não trabalham e nem estudam.
É importante falar que os jovens que se encontram em situação de fragilidade e
vulnerabilidade estabelecem-se nos espaços de comunidades pobres, mais conhecidas como
favelas. Esses jovens geralmente possuem baixa escolaridade. Alguns especialistas acreditam
que isso se deve a ter que ingressarem precocemente no mercado de trabalho, todavia
acreditamos que a deserção escolar acontece, pois os jovens não estão aprendendo e a escola
não faz sentido para eles. Percebemos que esses jovens não possuem grandes aspirações e tem
dificuldades para pensarem no futuro.
Muitas das vezes a falta de perspectivas, ocasionada pela baixa escolaridade, lincada
aos apelos da sociedade consumista os empurra para o mundo do tráfico, que é uma rápida
saída para satisfação dos desejos imediatos. É importante considerar também que a apologia
ao sexo nas músicas mais ouvidas nas favelas pode incitar a sexualização precoce, por sua
vez, muitos se tornam pais e mães ainda na adolescência quando muitas vezes há dificuldade
de acesso à informação e comunicação sobre os temas referentes a saúde sexual e reprodutiva.
Ainda na categoria fragilidades e vulnerabilidades, o Mapa da Violência 2013
(WAISELFISZ, 2013) revela que a faixa etária de 15 a 29 anos é a que mais teve homicídios
ocasionados por arma de fogo. Entre as décadas de 1980 e 2010 o aumento foi de mais de
400% e outro importante dado que se relaciona a esses jovens: um em cada cinco jovens
nessa faixa etária não trabalha e nem estuda, segundo dados do IBGE baseados na Pesquisa
Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) 2012, essa pesquisa acontece nos anos em que
não é realizado o censo nacional.
Jovens mais vulneráveis são os que mais são assassinados, que tem menos
oportunidades, que menos estudam, que mais sofrem preconceitos e que são frutos das
desigualdades que se estabeleceram no decorrer do tempo. Infelizmente não estamos escutando
77
CARDOSO, E. S.; ESPINHOZA, G. M. da S. M.; PEDRO, V. da R.
“A política nacional de juventude e juventudes de favelas: no meio do caminho, um novo jeito de caminhar?”
brados retumbantes, mas ecos, muitas vezes silenciosos de tiros que estão exterminando nossa
juventude.
Com a divulgação de dados dos mapas de violência, que já vem sendo produzidos e
publicados desde 1998, problematiza-se um dado alarmante que é o fato de que nossas
juventudes estão morrendo. Em 2008 o Brasil ocupava o 6º lugar no ordenamento dos países,
segundo taxas de homicídio total e jovem no ano (WAISELFISZ, 2011), e apesar dos avanços
impulsionados com a PNJ (e a partir dela), se avançamos a largos passos encontrando-nos
ainda no meio do caminho e relembrando Carlos Drummond de Andrade, que dizia que “tinha
uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra 3”, muito mais ainda
temos que avançar.
3
No meio do caminho”. In: “Revista da Antropofagia”, ano I, n.3, jul. 1928.
78
CARDOSO, E. S.; ESPINHOZA, G. M. da S. M.; PEDRO, V. da R.
“A política nacional de juventude e juventudes de favelas: no meio do caminho, um novo jeito de caminhar?”
4
Aprovado pela resolução SEASDH nº 518 de 24 de Julho de 2013.
79
CARDOSO, E. S.; ESPINHOZA, G. M. da S. M.; PEDRO, V. da R.
“A política nacional de juventude e juventudes de favelas: no meio do caminho, um novo jeito de caminhar?”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, a construção da PNJ é ainda muito recente, assim como, o próprio modo de
“caminhar” é novo, trazendo na sua elaboração e execução elementos que precisam ser
modificados. Que essa trajetória possa ser realizada a partir de espaços democráticos de
discussão que possam ser construídas coletivamente com a sociedade civil, com destaque,
para o ator principal nesse processo – o jovem.
80
CARDOSO, E. S.; ESPINHOZA, G. M. da S. M.; PEDRO, V. da R.
“A política nacional de juventude e juventudes de favelas: no meio do caminho, um novo jeito de caminhar?”
Diante de tantos dados e informações percebemos o tamanho da dívida que existe com
os jovens brasileiros, percebemos que a nossa juventude não pode ser conceitualizada
homogeneamente, que não tem uma única cor, credo e nem os mesmos anseios. Isso reforça o
entendimento sobre juventudes e permite que vislumbremos o tamanho do desafio que se dá,
afinal estamos falando de mais de 20% da população brasileira.
A PNJ traz elementos novos para se entender, apreender e gerar ações para a
juventude. Dentro dessa perspectiva está o CMJ que a partir da concepção da política traz um
“novo jeito de caminhar”, com foco nas juventudes de favelas, grupo que sofre com a dívida
social e histórica que o Estado Brasileiro tem com os jovens.
O CMJ traz na sua composição um caráter inovador e pioneiro e por ser algo novo,
diferente e em processo apresenta ainda alguns obstáculos e desafios que precisam ser
ultrapassados. Entretanto, há de se ressaltar seus aspectos positivos de escuta qualificada
desse jovem para elaboração do seu plano de autonomia, espaço de reflexão das suas metas e
planos futuros e qual a trajetória para concretizar seu objetivo. Acredita-se na possibilidade do
Programa enquanto agente transformador de paradigmas e potencializador de sujeitos, ter um
espaço com essa proposta traz uma esperança de que os jovens podem alcançar seus objetivos,
alçar novos voos e que a dívida social existente pode atingir novas perspectivas e horizontes.
É importante ratificar que na acepção dos autores não sinaliza-se o novo ou melhor caminho,
assim como as juventudes são múltiplos os caminhos e o relevante é ampliação de novos e
melhores horizontes para as juventudes.
No atendimento aos jovens desvinculados do tráfico ou que estiveram vinculados a
grupos de violência organizada, jovens que cumpriram penas ou cumprirão pena no sistema
penitenciário, os que cumprem ou cumpriram medidas socioeducativas, os que não estudam,
nem trabalham e nem procuram emprego, as adolescentes grávidas ou mães, e jovens que têm
dependência com as drogas, que são os prioritários alvos da ação do CMJ, a premissa básica é
a contribuição para a garantia dos princípios do EJUVE.
Sendo assim, reconhece-se o jovem como capaz de (re)construir novas e exitosas
trajetórias e como a garantia de autonomia requer respeito as escolhas que os jovens façam, é
considerável a compreensão de que dependendo da situação em que o jovem se encontre é
possível que em determinado momento não haja condições objetivas deste sentir-se autônomo
a seguir ultrapassando os desafios, propõe-se que se vá junto até onde o jovem possa
caminhar sozinho pois o importante da caminhada é a coragem pra avançar.
REFERÊNCIAS
81
CARDOSO, E. S.; ESPINHOZA, G. M. da S. M.; PEDRO, V. da R.
“A política nacional de juventude e juventudes de favelas: no meio do caminho, um novo jeito de caminhar?”
CAMARANO, Ana Amélia et al. Caminhos para a vida adulta: as múltiplas trajetórias dos
jovens brasileiro. Última década, v. 12, n. 21, p. 11-50, 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.cl/pdf/udecada/v12n21/art02.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2015.
MELLO, Thiago de. Faz escuro mas eu canto: porque a manhã vai chegar. 17. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1991.
______. Mapa da Violência 2013: Mortes matadas por armas de fogo. Brasília: cebela,
2013.
82