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A POLÍTICA NACIONAL DE JUVENTUDE E JUVENTUDES DE FAVELAS: NO

MEIO DO CAMINHO, UM NOVO JEITO DE CAMINHAR?

Esley Santos Cardoso


Gabriela Maia da Silva Mota Espinhoza
Valéria da Rocha Pedro

__________________________________________________________________________________
Como citar:
CARDOSO, E. S.; ESPINHOZA, G. M. da S. M.; PEDRO, V. da R. A política nacional de juventude e juventudes
de favelas: no meio do caminho, um novo jeito de caminhar?. Revista Juventude e Políticas Públicas, Brasília,
v. 1, n. 2, p. 72-82, jul./dez. 2017. Semestral.
DOI: 10.22477/rjpp.v1i2.77
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Resumo: O artigo tem como objetivo refletir sobre os dez anos da Política Nacional de Juventude (PNJ) e a
perspectiva de efetivação do direito dos jovens, em especial dos territórios de favelas, sendo fomentada a partir da
proposta de trabalho do Programa Caminho Melhor Jovem, projeto piloto que almeja se tornar uma política
pública nacional para a juventude. Esse Programa se insere dentro da PNJ, sendo inaugurado no mês e ano
do Estatuto da Juventude. Realiza-se um breve histórico da trajetória da PNJ e a luta para que o tema da juventude
adquirisse visibilidade nas diferentes esferas e nos documentos nacionais e internacionais, seguido da
conceitualização de juventude adotada pelos autores, do Plano de Trabalho do Caminho Melhor Jovem e da
percepção dos profissionais que atuam no Programa, a partir da experiência de trabalho.
Palavras-chave: Política Nacional de Juventude. Juventudes de Favelas. Caminho Melhor Jovem.

Abstracts: The objective of this article is to reflect on the ten years of the National Youth Policy (PNJ) and the
perspective of the realization of the rights of young people, especially the favela territories, being fomented from
the work proposal of the Better Pilot project that aims to become a national public policy for youth. This Program
is part of the NPC, being inaugurated in the month and year of the Youth Statute. A brief history of the PNJ's
trajectory and the struggle for the youth theme to gain visibility in the different spheres and in the national and
international documents, followed by the conceptualization of youth adopted by the authors, the Work Plan of the
Best Young Road and Perception of the professionals that work in the Program, from the work experience.
Keywords: National Youth Policy. Youth from Favelas. Best Young Path.

INTRODUÇÃO
Muitos dos avanços no tema de Juventude se desenvolveram com a participação da
Organização das Nações Unidas (ONU) que realizou informes e mapeamento da questão da
juventude no mundo, com destaque para países em desenvolvimento, que evidenciou a “não
concretização de direitos humanos para grande parte da juventude no mundo”. Assim como
destacou que “[...] a maioria dos problemas atingia indistintamente, os jovens do mundo
inteiro, sendo que o quadro, no entanto, era mais grave nos países em desenvolvimento”
(SILVA; ANDRADE, 2009, p. 44).
O que se observa nesse primeiro momento diante desse cenário de invisibilidade são
imagens e estereótipos negativos sobre a juventude o que irá repercutir diretamente nas ações
e programas direcionados a esse público. Nesse sentido, a ONU recomenda que a partir daquele
momento as ações sejam planejadas para conferir “[...] atenção especial aos jovens
considerados mais vulneráveis.”. (SILVA; ANDRADE, 2009, p. 44).

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Um dos marcos principais que antecede a Política Nacional de Juventude foi o Plano
de Braga (1998) que tinha como principais características:

A convergência de grandes mobilizações e articulações dos principais


movimentos de juventude, em que se encontra expresso o reconhecimento de
que os jovens são uma força positiva com grande potencial para contribuir
para o desenvolvimento e o progresso social, bem como para a promoção dos
direitos humanos. (SILVA; ANDRADE, 2009, p. 46).

A POLÍTICA NACIONAL DE JUVENTUDE: O JOVEM ENQUANTO SUJEITO DE


DIREITOS E PÚBLICO-ALVO PRIORITÁRIO DAS POLÍTICAS SOCIAIS
É breve e recente a implementação da Política Nacional de Juventude (PNJ). Datada
de 2005, a PNJ teve na fase de diagnóstico para sua formulação a criação de um grupo
interministerial para mapear os diversos programas federais existentes para a juventude, que
chegou a conclusão sobre:

A frágil institucionalidade, fragmentação e superposição das políticas federais


de juventude sugerindo a urgente necessidade de criação de uma instância de
coordenação e de articulação, que tivesse, entre outras atribuições, a de
combater o paralelismo e a fragmentação das ações federais dirigidas ao
público jovem”. (SILVA; ANDRADE, 2009, p. 50).

Em 2004 inicia-se diálogo rumo ao processo da PNJ em diferentes esferas, que dentre
outras questões ratificam o jovem como um importante ator social e protagonista, fonte de
transformação social desmistificando aquelas representações negativas em torno desse grupo
populacional. É nesse mesmo ano que começa a tramitar na Câmara dos Deputados (CD) o
Projeto de Lei (PL) número 4529 de 2004, de autoria de uma comissão especial destinada a
acompanhar e estudar propostas de Políticas Públicas para Juventude (PPJ), que dispõe sobre o
Estatuto da Juventude (EJUVE).
Em relação aos antecedentes da PNJ no Brasil, apesar das iniciativas da ONU, houve
poucas ações e programas que incluíssem o tema da juventude. O que estava muito em
evidência naquele momento seria a discussão dos direitos da criança e do adolescente
estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei número 8.069 instituída
em 1990. Assim, o termo juventude durante algum tempo passou a ser associado ao período da
adolescência adotando o limite de idade até 18 anos. Apesar do ECA atender a uma pequena
parte de faixa etária da população jovem, é importante destacar que esse documento favoreceu
a discussão para a criação de políticas públicas que incluísse outros grupos etários que eram
atendidos pelas políticas gerais.

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Em 2005 foi criada a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e o Conselho Nacional


de Juventude (CONJUVE), instituídos pela lei número 11.129 de 2005, tendo o SNJ dentre
outras atribuições a responsabilidade de articulação de todos os programas e projetos, em
âmbito federal, destinados aos jovens na faixa etária de15 a 29 anos.
Gomes e Ferreri (2011) abordam em seu artigo a questão do protagonismo juvenil
presente na PNJ sendo impulsionado a partir de espaços de discussão e participação política
como o CONJUVE e das conferências de juventude rompendo com os estereótipos que se tem
em torno do jovem, evidenciando a sua diversidade e pluralidade.
É preciso contextualizar que não existe uma juventude, mas sim, formas de juventudes
e por existir em caráter diverso, tal fator se coloca como um grande desafio para a formulação
de políticas públicas para esse segmento. Essa aproximação com a diversidade jovem é um
aspecto aparentemente inovador da atual política pública de juventude, pois os moldes
anteriores de políticas destinadas aos jovens não iam muito na direção de estar com os jovens,
no sentido de perceber suas características marcantes como seus modos de linguagem, modos
de sociabilidade, suas experiências e práticas (GOMES; FERRERI, 2011, p. 08).
A juventude era abordada numa visão comparativa como um grupo apático e não
engajado, ao contrário das gerações anteriores, só passando a ter uma mudança dessa
concepção a partir da redemocratização do país e do processo constituinte, o que não
significava que antes disso os jovens não participassem dos movimentos sociais e políticos. O
que se observa que inicialmente os jovens eram entendidos como um problema e um risco
para sociedade por sua condição de juventude, a partir daquelas representações negativas que
se tinha – violência, transgressão da ordem, etc. As ações tinham como objetivo prevenir e
controlar essa parcela populacional, com políticas focalistas e pontuais.
Em 2005 foi implementada a PNJ mas com algumas lacunas como sinalizado
anteriormente. Em 2007, o governo federal traçou um plano de mudanças visando alcançar as
ações voltadas para os jovens.

Os quatro principais desafios [...] eram: ampliar o potencial de integração


entre os programas emergenciais e destes com outro conjunto de ações
consideradas mais estruturantes, vinculadas às áreas de educação, saúde,
esporte e cultura; aumentar a escala de atendimento dos programas
emergenciais para todo o universo de jovens brasileiros considerados
excluídos, considerando juventude a faixa etária entre 15 e 29 anos; otimizar
recursos e aumentar a eficácia. (SILVA & ANDRADE, 2009, p. 52).

Nessa direção, os programas e ações do governo federal foram unificados no


Projovem Integrado que abarca seis1 programas já existentes, divididos em quatro modalidades:

1
Projovem, Agente Jovem, Saberes da terra, Escola de fábrica, Consórcio social da juventude e Juventude cidadã.

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Projovem urbano, Projovem trabalhador, Projovem adolescente e Projovem campo. Apesar


disso, ainda apresenta problemas como a sua “baixa integração e elevada sobreposição entre
suas modalidades” (SILVA; ANDRADE, 2009, p. 56), ocasionando desperdício de recursos,
conflitos e concorrência, assim como baixo potencial de transversalidade.
Outro aspecto importante neste cenário de mudanças é o incentivo por parte do
governo federal para “a criação e fortalecimento dos órgãos estaduais e municipais de
juventude” (SILVA; ANDRADE, 2009, p. 60).
De acordo com estudo realizado por Silva e Andrade (2009) sobre os programas de
juventudes existentes em maio de 2009 observa-se que seguem um viés de compensação por
conta da dívida social e histórica do país, de acordo com orientação da PNJ.
Enfim, apesar dos avanços, muito ainda tem que ser consolidado, com destaque para a
construção de pautas a partir da percepção dos jovens e da sua participação nesse processo,
assim como, a importância do resgate histórico dessa temática, pois auxilia na compreensão
da atual configuração de ações e programas voltados para o segmento juvenil.
Apesar de todos os percalços, após nove anos de tramitação, é instituída em 2013 a lei
número 12.852 que cria o EJUVE e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e
diretrizes das PPJs e o Sistema Nacional de Juventude (SINAJUVE), ampliando os horizontes e
possibilitando novas conquistas para os jovens. É no início deste mesmo ano que o Rio de
Janeiro (RJ) segue na direção de uma aquisição que pode ser singular para as juventudes, trata-
se do Programa de Inclusão Social e Oportunidades para Jovens do Rio de Janeiro (PISORJ),
reconhecido publicamente como Caminho Melhor Jovem (CMJ), financiado a partir do contrato
de empréstimo 2762/OC-BR entre o Estado do RJ e o Banco Interamericano de
2
Desenvolvimento (BID) .

JUVENTUDE E JUVENTUDES DE FAVELAS


De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a Juventude
compreende-se entre os 15 e 24 anos, esta idade vai ao encontro do estabelecido pela ONU e
tal recorte etário surgiu pela primeira vez em 1985, para o Ano Internacional da Juventude,
todavia os Estados-membros tiveram a autonomia para estabelecerem o recorte.
Quase vinte anos depois da instituição do recorte etário internacional estabeleceu-se
no Brasil, como vimos em 2013, o EJUVE fixando a juventude como com a faixa etária entre
15 e 29 anos. Uma vez que a faixa etária já está estabelecida, é importante delimitarmos o
conceito de tal termo.

2
Programa de inclusão social de jovens em comunidades pacificadas começa no Rio de Janeiro com apoio do BID,
disponível em: <http://www.iadb.org/pt/noticias/comunicados-de-imprensa/2013-02-22/inclusao-social-de-jovens-
no-rio-de-janeiro-brasil,10339.html>. Acesso em:10 dez. de 2014

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A princípio, em consonância com Bourdieu (1983) entendemos que a juventude


não é um grupo social com interesses comuns e delimitado em uma determinada faixa etária.
O entendimento de Carrano (2000) se coaduna à ideia de Bourdieu quando coloca que os
jovens na sociedade não se constituem uma classe social ou um grupo homogêneo. Carrano
(2000) ainda cita que muitas das definições existentes se amparam na idade cronológica e na
imaturidade psicológica e ainda expõe a juventude como uma complexidade variável. Os
jovens são diferentes, pois possuem diferentes modos de viver, diferentes são espaços e tempos
sociais, diferentes são suas identidades. Em suma, não existe uma juventude, mas “juventudes”.
Abramo (1997), por sua vez, remonta a partir da perspectiva sócio-histórica-cultural aspectos
relacionados ao conceito de juventude. Nesse trabalho sinaliza que nosso olhar para a juventude
está viciado, pois sempre os identificamos como emblemas dos problemas sociais, fato que
oblitera nossa visão e nos impede de perceber sua real situação, suas potencialidades e seus
desafios.
Podemos perceber que existem duas concepções de juventude, uma que abarca e foca
nos problemas encontrados nesse período da vida e outra que se circunscreve como fase
preparatória para a vida adulta. Nesse trabalho gostaríamos de balizar que entendemos que
juventude é uma categoria sociológica, que pode ser caracterizada por um grupo de indivíduos
que passa por um momento específico da vida, abarcando o período de transição em direção a
vida adulta. De mais a mais, é importante ressaltarmos que o conceito juventude aqui utilizado
se ajusta ao de Carrano (2000), ou seja, “juventudes” e tentaremos lançar luz sobre o tema com
o cuidado sinalizado por Abramo (1997), isto é, com uma lente corretiva que não oblitere nossa
visão.
A partir da análise de dados do IBGE percebemos que a população jovem brasileira
entrou em um paulatino processo de desaceleração a partir da década de 70, apesar de os
censos demográficos apresentarem crescimento absoluto do contingente populacional. Tal
fato se deve a medidas de controle de natalidade adotadas a partir da década de 60, essas
medidas começaram a surtir efeito a partir da década de 80.
Conforme dados do censo 2010 a percentagem de jovens em relação à população
brasileira é de 26,8%, isto é, 51.340.473,000 de jovens. Ou seja, um pouco mais de um quarto
da população brasileira se encontra na faixa etária da juventude.
De acordo com dados do PNUD (2013) em 2010, 11.814.936,00 jovens, com idade
entre 15 e 24 anos, encontravam-se vulneráveis a pobreza, ou melhor, mais de 20% da
população jovem encontra-se vulnerável. Entende-se por vulneráveis à pobreza pessoa que
mora em domicílio com renda per capita inferior a ½ salário mínimo em agosto de 2010. É

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importante salientar que nessa conta não entra os jovens cuja faixa etária se encontravam entre
25 e 29 anos.
Para Vignoli et al (2001) vulnerabilidade é entendida como exposição potencial a
riscos de diversas naturezas – sociais, econômicas, políticas, culturais, entre outras – o que
implicam o enfrentamento de diversos desafios; Camarano ainda ressalta que a juventude
por si somente já é um período em que o jovem se encontra vulnerável devido a diversas
transformações que enfrenta nesse período. As fragilidades e/ou vulnerabilidades que o jovens
brasileiros vem enfrentando leva a se falar em uma determinada “crise de jovens”. Acreditamos
que tal crise se evidencie pelo grande número de jovens que se encontram fora da escola, por
aqueles que por terem baixa escolaridade não conseguem uma colocação no mercado de
trabalho. Esses jovens vulnerabilizados pela pobreza também são conhecidos pejorativamente
como “nem nem”, quer dizer, os jovens que não trabalham e nem estudam.
É importante falar que os jovens que se encontram em situação de fragilidade e
vulnerabilidade estabelecem-se nos espaços de comunidades pobres, mais conhecidas como
favelas. Esses jovens geralmente possuem baixa escolaridade. Alguns especialistas acreditam
que isso se deve a ter que ingressarem precocemente no mercado de trabalho, todavia
acreditamos que a deserção escolar acontece, pois os jovens não estão aprendendo e a escola
não faz sentido para eles. Percebemos que esses jovens não possuem grandes aspirações e tem
dificuldades para pensarem no futuro.
Muitas das vezes a falta de perspectivas, ocasionada pela baixa escolaridade, lincada
aos apelos da sociedade consumista os empurra para o mundo do tráfico, que é uma rápida
saída para satisfação dos desejos imediatos. É importante considerar também que a apologia
ao sexo nas músicas mais ouvidas nas favelas pode incitar a sexualização precoce, por sua
vez, muitos se tornam pais e mães ainda na adolescência quando muitas vezes há dificuldade
de acesso à informação e comunicação sobre os temas referentes a saúde sexual e reprodutiva.
Ainda na categoria fragilidades e vulnerabilidades, o Mapa da Violência 2013
(WAISELFISZ, 2013) revela que a faixa etária de 15 a 29 anos é a que mais teve homicídios
ocasionados por arma de fogo. Entre as décadas de 1980 e 2010 o aumento foi de mais de
400% e outro importante dado que se relaciona a esses jovens: um em cada cinco jovens
nessa faixa etária não trabalha e nem estuda, segundo dados do IBGE baseados na Pesquisa
Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) 2012, essa pesquisa acontece nos anos em que
não é realizado o censo nacional.
Jovens mais vulneráveis são os que mais são assassinados, que tem menos
oportunidades, que menos estudam, que mais sofrem preconceitos e que são frutos das
desigualdades que se estabeleceram no decorrer do tempo. Infelizmente não estamos escutando

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brados retumbantes, mas ecos, muitas vezes silenciosos de tiros que estão exterminando nossa
juventude.
Com a divulgação de dados dos mapas de violência, que já vem sendo produzidos e
publicados desde 1998, problematiza-se um dado alarmante que é o fato de que nossas
juventudes estão morrendo. Em 2008 o Brasil ocupava o 6º lugar no ordenamento dos países,
segundo taxas de homicídio total e jovem no ano (WAISELFISZ, 2011), e apesar dos avanços
impulsionados com a PNJ (e a partir dela), se avançamos a largos passos encontrando-nos
ainda no meio do caminho e relembrando Carlos Drummond de Andrade, que dizia que “tinha
uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra 3”, muito mais ainda
temos que avançar.

CAMINHO MELHOR JOVEM: VALORIZAÇÃO DE TRAJETÓRIAS E


AUTONOMIAS NAS FAVELAS DO RIO DE JANEIRO
“O que passou ensina com sua garra e seu mel. Por isso é que agora vou assim no meu
caminho. Publicamente andando. Não, não tenho um caminho novo. O que tenho de novo é o
jeito de caminhar”. (MELLO, 1999).
O CMJ nasce extremamente atual, sua primeira Unidade de Gestão Territorial (UGT) é
inaugurada no Complexo de Manguinhos no mesmo mês e ano em que é instituído o EJUVE,
agosto de 2013, tendo como público-alvo recorte etário inovador contemplado pelo Estatuto
Estruturado em quatro componentes, áreas técnicas que se efetivam a partir de coordenações, o
Programa apresenta como objetivo geral contribuir para a inclusão social e produtiva dos jovens
de 15 a 29 anos que vivem em áreas com Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), ou em fase
de pacificação, as quais o Programa se propuser a implantar UGT.
Trata-se de um Programa inicialmente com prazo prévio de término para fevereiro de
2017 mas que propõe efetivar-se enquanto política pública para juventudes, com efeitos de
médio e longo prazo, e produzir impactos relevantes nos territórios atendidos, colaborando
para a autonomia juvenil e territorial e incentivando projetos sustentáveis para os territórios de
favelas.
O CMJ iniciou seus trabalhos tendo como órgão executor a Secretaria de Estado de
Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH), atualmente é gerido pela Secretaria de
Estado de Esporte, Lazer e Juventude (SEELJE) e desenvolve-se em sete UGTs atendendo
aos distintos territórios de Manguinhos, Cidade de Deus, Complexo do Alemão, Jacarezinho,
Borel/Formiga, Complexo da Maré e Complexo da Penha, tendo como escopo a implantação de
pelo menos 20 UGTs no total.

3
No meio do caminho”. In: “Revista da Antropofagia”, ano I, n.3, jul. 1928.

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O Programa é organicamente desenhado com âmbitos de intervenção por níveis de


gestão, a saber: estratégico, operacional e territorial e é estruturado de forma que os quatro
componentes dialoguem entre si, estabelecendo que os subcomponentes devem trabalhar
integrados e considerando as particularidades dos jovens e territórios. Sendo respectivamente
os componentes Área Técnica de Atenção Integral ao Jovem, Articulação Institucional,
Planejamento, Monitoramento e Avaliação e Administrativo-Financeira os responsáveis pela
gerência das UGTs, que devem implantar o Modelo de Atenção Integral ao Jovem em cada
um dos territórios escolhidos (SEASDH, 2013). Os dois principais componentes do Programa,
que constituem sua espinha dorsal, são divididos nos subcomponentes: Governança Sistema
de Atenção Integral, Serviço de Aconselhamento e Tutoria, Políticas Integradas para
Juventudes e Expansão da Atenção.
Tendo como perfil de beneficiários do Programa o universo de jovens moradores dos
territórios a serem atendidos pelas UGTs, ou aqueles que já residiram no local e almejam
retornar ou restabelecer laços, o público-alvo prioritário do CMJ são os jovens deste universo
que estejam expostos a maiores riscos e com menos interesse em participar do Programa, uma
população comumente marginalizada em muitos programas estatais. Trata-se de um desafio
que possui magnitude, mas possível de ser alcançado desde que a estrutura organizacional
intra-institucional seja respeitada.
Para o alcance do escopo proposto, possibilitando a execução do Programa com
eficácia, eficiência e efetividade, um dos diferenciais do CMJ em relação a outros programas
anteriormente existentes são os serviços de Aconselhamento e Tutoria. Tratam-se de serviços
de atendimento ao jovem, com escuta, orientação e acompanhamento, que objetivam através
da inclusão social e produtiva contribuir para a emancipação dos jovens de favela.
O CMJ mostra-se ousado tanto na delimitação de seu público-alvo prioritário como no
tipo de serviços que se propõe a executar, traz em seu plano de trabalho o Regulamento
Operativo do Programa 4(ROP), um conjunto de normas e procedimentos que ao serem
guiados validam e dão substrato para o Programa, cooperando para a legitimidade do mesmo.
É um compromisso assumido pelo CMJ a contribuição para o alcance a indicadores de
impacto relevantes referentes às áreas de Educação, Saúde e Trabalho. Apesar da complexidade
das metas a serem alcançadas, o CMJ se torna possível de realização porque estabelece que os
jovens sejam considerados enquanto solução e não problema, empreendendo esforços para que
estes conheçam a si próprios, planejando objetivos futuros a curto, médio e longo prazo e
contribuindo efetivamente para que atinjam tais objetivos.

4
Aprovado pela resolução SEASDH nº 518 de 24 de Julho de 2013.

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Em outras palavras, não há a “invenção da roda”, a partir do reconhecimento das


particularidades de cada jovem busca-se um novo jeito de caminhar para cada um deles,
respeitando sua autonomia em escolher ou não por seguir os caminhos aconselhados, ao mesmo
tempo em que contribuindo para que reflitam sobre suas trajetórias até chegarem ao Programa
e a partir dele, identificando-se autônomos e sendo incentivados a construção de um plano de
autonomia que os possibilite alçar novos e altos voos, estimulando mudanças significativas das
perspectivas futuras.
O Programa foi construído e guiado pelas diretrizes da PNJ e incentiva, através de
diversas atividades, que os legitimados, e enfim legalmente reconhecidos, sujeitos de direitos
saiam da situação de jovens beneficiários para jovens beneficiários-participantes, produzindo
mudanças de paradigmas, valorização de trajetórias e autonomias nas favelas.
O reconhecimento do jovem enquanto sujeito de direitos implica em empreender
esforços e estratégias que se traduzam em efetiva contribuição para que os jovens acessem aos
direitos sociais. O CMJ surge impulsionando um modelo de atenção integral que atenda ao
jovem considerando-o como sujeito central, articulando institucionalmente acordos
conceituais, estratégicos e metodológicos que fortaleça e possibilite expansão das ofertas dos
territórios, ou na ausência de tais ofertas possam produzi-las integrando os moradores de
distintos perfis geracionais com estratégias que possibilitem a sustentabilidade das ações.
O atendimento integral ao jovem constitui-se primeiramente no reconhecimento de
que as juventudes de favelas são tão heterógeneas como a categoria em si, possuindo traços
identitários comuns, mas histórias tão diferentes quanto singulares as possíveis estratégias de
enfrentamento das iniquidades lhes impostas.
Tais juventudes são cotidianamente expostas à violência que as colocam em situações
de vulnerabilidade e/ou risco social que são evidenciadas em indicadores sociais que mostram
os jovens como os que mais morrem e matam, sobretudo os de espaços de favela
(WAISELFISZ, 2011). Há um compromisso social tão legítimo quanto urgente de possibilitar
a materialização dos pressupostos da PNJ e da efetivação das garantias estabelecidas no
EJUVE, que vigora desde fevereiro de 2014.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, a construção da PNJ é ainda muito recente, assim como, o próprio modo de
“caminhar” é novo, trazendo na sua elaboração e execução elementos que precisam ser
modificados. Que essa trajetória possa ser realizada a partir de espaços democráticos de
discussão que possam ser construídas coletivamente com a sociedade civil, com destaque,
para o ator principal nesse processo – o jovem.

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Diante de tantos dados e informações percebemos o tamanho da dívida que existe com
os jovens brasileiros, percebemos que a nossa juventude não pode ser conceitualizada
homogeneamente, que não tem uma única cor, credo e nem os mesmos anseios. Isso reforça o
entendimento sobre juventudes e permite que vislumbremos o tamanho do desafio que se dá,
afinal estamos falando de mais de 20% da população brasileira.
A PNJ traz elementos novos para se entender, apreender e gerar ações para a
juventude. Dentro dessa perspectiva está o CMJ que a partir da concepção da política traz um
“novo jeito de caminhar”, com foco nas juventudes de favelas, grupo que sofre com a dívida
social e histórica que o Estado Brasileiro tem com os jovens.
O CMJ traz na sua composição um caráter inovador e pioneiro e por ser algo novo,
diferente e em processo apresenta ainda alguns obstáculos e desafios que precisam ser
ultrapassados. Entretanto, há de se ressaltar seus aspectos positivos de escuta qualificada
desse jovem para elaboração do seu plano de autonomia, espaço de reflexão das suas metas e
planos futuros e qual a trajetória para concretizar seu objetivo. Acredita-se na possibilidade do
Programa enquanto agente transformador de paradigmas e potencializador de sujeitos, ter um
espaço com essa proposta traz uma esperança de que os jovens podem alcançar seus objetivos,
alçar novos voos e que a dívida social existente pode atingir novas perspectivas e horizontes.
É importante ratificar que na acepção dos autores não sinaliza-se o novo ou melhor caminho,
assim como as juventudes são múltiplos os caminhos e o relevante é ampliação de novos e
melhores horizontes para as juventudes.
No atendimento aos jovens desvinculados do tráfico ou que estiveram vinculados a
grupos de violência organizada, jovens que cumpriram penas ou cumprirão pena no sistema
penitenciário, os que cumprem ou cumpriram medidas socioeducativas, os que não estudam,
nem trabalham e nem procuram emprego, as adolescentes grávidas ou mães, e jovens que têm
dependência com as drogas, que são os prioritários alvos da ação do CMJ, a premissa básica é
a contribuição para a garantia dos princípios do EJUVE.
Sendo assim, reconhece-se o jovem como capaz de (re)construir novas e exitosas
trajetórias e como a garantia de autonomia requer respeito as escolhas que os jovens façam, é
considerável a compreensão de que dependendo da situação em que o jovem se encontre é
possível que em determinado momento não haja condições objetivas deste sentir-se autônomo
a seguir ultrapassando os desafios, propõe-se que se vá junto até onde o jovem possa
caminhar sozinho pois o importante da caminhada é a coragem pra avançar.

REFERÊNCIAS

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