O casamento entre o matemático e a utilidade é um casamento de conveniência
e um caso de amor, ambas as assertivas fazem sentido. Embora o conceito de utilidade faça uso principalmente da função ordinal dos conjuntos e a função cardinal seja deixada de lado, importantes ferramentas matemáticas são passíveis de serem aplicadas. É possível demonstrar utilizando topologia algébrica e diferencial os postulados que os neoclássicos derivam de seu sistema de conceitos utilizando apenas a ideia de ordinalidade. No limite, a utilidade não faz sentido em valor absoluto, mas faz em ordem, ou seja, não se pode dizer quanto uma coisa é preferível a outra, mas se pode dizer que uma coisa é preferível a outra. Daí que a teoria neoclássica extrai o conceito de preferência, e se as preferências respeitam certas propriedades específicas podem ser chamadas de preferências racionais. Preferências racionais são preferencias que podem ser expressas por uma função de utilidade, este é o requisito fundamental para matematizar um conceito que diz respeito a uma propriedade qualitativa dos objetos. A matemática é a linguagem necessária para a teoria neoclássica expressar seus postulados baseados nas teorias da utilidade e das preferências, o que faz um casamento de conveniência. No entanto, a matemática é recurso retórico que carrega a força necessária para que a teoria neoclássica inverta a análise extraindo de suas conclusões as premissas, fazendo do casamento um caso de amor. A matemática enquanto conjunto de tautologias não pode extrair de sua semântica interna qualquer conclusão que não esteja pré-incubida em suas premissas. A teoria neoclássica, em sua incorporação, consegue muito bem desviar a atenção do realismo e das implicações que seu conjunto de suposições sobre a sociedade e os indivíduos carrega, para a consistência lógico formal do construto teórico soerguido sobre tais premissas. Tal caso é, por exemplo, o do tâtonnement walrasiano que se utiliza da figura do leiloeiro para afirmar que as trocas em uma economia só podem acontecer sob o preço de equilíbrio, desviando da ideia de centro de gravidade para preços, tão cara aos economistas clássicos. Walras quando escolhe fazer sua teoria com forte componente matemático escolhe simultaneamente tratar sobre mercados perfeitos, para Walras a competição perfeita é o caso geral e as imperfeições de mercado vão sendo inseridas caso a caso. Por isso sua teoria será chamada de teoria do equilíbrio geral. A teoria walrasiana pressupõe equilíbrio para depois derivar a transição de volta a equilíbrio. Na prática diante de um sistema não linear o autor contou as incógnitas e equações para assumir que o equilíbrio era único e estável, o que foi desmentido depois por Arrow e Debreu. A conceito de utilidade passa de uma propriedade de usabilidade das coisas como era em Bentham para uma função subjetiva em Jevons, a capacidade de gerar prazer ou afastar da dor, uma percepção subjetiva dos bens, a relação entre nossas necessidades e as qualidades dos bens. Já Walras precisa tornar a utilidade mais rigorosa para matematizá-la, por hipótese o autor constrói uma pura idealidade para poder utilizar o cálculo diferencial, reduzindo assim, mercadorias diferentes à utilidades qualitativamente iguais com difereça apenas quantitativa. Walras reduz as propriedades dos bens à uma relação unidimensional para poder definir preço que é uma grandeza unidimensional. Enquanto que para Marshall a utilidade é o máximo sacrifício em dinheiro que uma pessoa pode pagar para a aquisição de uma coisa. Aqui a utilidade de diferentes bens pode ser somada. Atingimos aí o terceiro nível de abstração onde a contradição se faz clara. A teoria neoclássica, para explicar o valor, abole o dinheiro estabelecendo uma relação de troca entre bens. Neste momento, a utilidade não pode ser redutível, no entanto, Marshall quando defina a utilidade como disposição a pagar gera uma circularidade do argumento pois a utilidade se torna vazia, justificada apenas pela transfiguração do dinheiro.