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SEÇÃO 3 – Sócrates

Sócrates é a principal referência na história da Filosofia, a qual basicamente se divide em


“antes dele” e “depois dele”. Contemporâneo dos sofistas, ele desloca o foco da reflexão
filosófica da realidade natural para a realidade humana, funda a ética e propõe um novo objetivo
para a prática da Filosofia. Vamos conhecê-lo um pouquinho melhor?

Quem foi Sócrates?


A imagem que hoje temos de Sócrates é a de um
homem que nunca saiu de sua cidade, Atenas, mal transpôs os
muros de sua pólis; andava a questionar os transeuntes na praça
pública (agorá); justo e corajoso; enfim, a figura do filósofo
mordaz e que morreu por defender seus próprios princípios.
“Um herói revolucionário” − diriam alguns. Mas tudo isto é
uma construção feita, particularmente, por seu maior discípulo:
Platão. Sendo assim, o primeiro problema a ser tratado por
quem quiser de fato conhecer Sócrates é a dificuldade em
distinguir o homem real da imagem construída por Platão.
Sócrates não era uma pessoa que pudesse ser
considerada exemplo do ideal grego de beleza. Segundo relatos,
era calvo, de olhos fundos e arregalados, tinha o nariz largo e
achatado, era baixinho e barrigudo. Além disso, Sócrates
costumava andar sempre com a mesma túnica, já gasta pelo
uso. Apesar disso, era um grande sedutor. Sócrates

Você sabe qual é a obra mais famosa de Sócrates?

Essa é uma pergunta capciosa (ou seja, essa pergunta é uma “pegadinha”), pois Sócrates
não escreveu livro nenhum. No entanto, embora não tenha escrito nenhuma obra, Sócrates
deixou uma herança marcante para a cultura ocidental através da influência que exerceu sobre
toda uma geração de intelectuais. Entre os seus muitos seguidores, merecem ser citados o
historiador Xenofonte e o filósofo Platão.
Sócrates não escreveu nada, pois acreditava que o debate discursivo oral era mais
adequado à busca do verdadeiro conhecimento. Através do diálogo, ele procurava recuperar no
espírito de seu interlocutor o significado daquilo que deveria ser o essencial para o ser humano.

Sócrates e a defesa da possibilidade do conhecimento


Em oposição ao relativismo dos sofistas, Sócrates afirmava que a verdade pode ser
conhecida e que ela não depende do contexto nem da subjetividade humana. É possível
conhecer a verdade, desde que afastemos as ilusões dos sentidos e das opiniões preconcebidas
e, principalmente, tomemos cuidado com as armadilhas da linguagem. O conhecimento é
possível quando usamos a razão.

A Razão, segundo Sócrates, “é a capacidade para chegar aos conceitos pela


distinção entre aparência sensível e realidade, entre opinião e verdade, entre
imagem e conceito, acidente e essência. A razão é o poder da alma para conhecer
as essências das coisas” (CHAUI, 1994, p. 154).

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Conhecer é definir
Para Sócrates, conhecer é uma operação intelectual que consiste na elaboração de definições
universalmente válidas. Definir é marcar limites, é identificar a essência, é dizer o que uma coisa é.
O verdadeiro conhecimento não vem da percepção através dos cinco sentidos, não vem da
experiência. Nossa percepção da realidade é limitada e nos permite apenas conhecer aparências.
Temos, assim, um conhecimento ilusório, que se manifesta na forma de opinião (doxa).
No entanto, ao percebermos que nossa opinião entra em contradição com outras opiniões,
temos duas saídas: tentar impor a nossa opinião aos demais ou tentar descobrir qual é a verdade. A
primeira opção é a que é defendida pelos sofistas. A segunda, proposta por Sócrates, conduz a uma
tentativa de se encontrar uma definição mais precisa e mais universal usando a razão.
Ao conseguirmos definir um conceito universal alcançamos a ciência (episteme), o
verdadeiro conhecimento.

O método socrático
Sócrates dizia que só é possível filosofar a partir do momento em que reconhecemos nossa
própria ignorância. Por isso, ele desenvolveu um método de busca do conhecimento composto por
duas etapas: a ironia e a maiêutica.
Na primeira etapa, a ironia (do grego eiróneia, perguntar), Sócrates solicita ao seu
interlocutor que lhe esclareça sobre um determinado tema. A partir daí, interroga-o alegando não ter
conhecimento suficiente sobre o tema em questão. No entanto, na medida em que o interlocutor vai
dando esclarecimentos sobre o assunto, Sócrates vai formulando perguntas cada vez mais
perspicazes, de forma que o interlocutor acaba se dando conta de que aquilo que ele mesmo defendia
a pouco agora parece ser contraditório. Atônito, o interlocutor acaba reconhecendo que aquele
conhecimento que ele julgava possuir era, no fundo, uma idéia sem sentido.
A segunda etapa do método socrático é a maiêutica, ou parto das idéias. Assim como na
primeira etapa, Sócrates apenas faz perguntas ao seu interlocutor. Mas agora são perguntas que o
forçam a buscar em sua própria inteligência uma saída para as contradições em que ele mesmo se
enredou. Com perguntas bem elaboradas, feitas no momento apropriado, Sócrates ajuda o seu
interlocutor a descobrir por si mesmo a verdade. Esse processo é chamado de maiêutica (do grego
maieutiké, técnica de realizar um parto) porque é semelhante a um parto: não é a parteira quem gera
o bebê, ela apenas auxilia aquelas que já o trazem dentro de si e precisam de ajuda para fazê-lo vir à
luz. (Vale a pena lembrar que a mãe de Sócrates era parteira; ao que parece, ele herdou um pouco da
sua arte).

Filosofia como busca da felicidade


Você acha que a Filosofia é só teoria?
Para Sócrates, a Filosofia tem um objetivo prático: a conquista da felicidade. Por isso, ele
se distancia dos filósofos pré-socráticos e inaugura um novo foco para a investigação filosófica: mais
importante do que investigar a natureza é descobrir o que podemos fazer para sermos felizes.
Enquanto a filosofia pré-socrática tinha como objeto de investigação a physis e o kósmos,
Sócrates, aqui concordando com os sofistas, volta seu interesse para o homem e a pólis. Essa atitude
acaba levando Sócrates a se perguntar: o que é o homem?
Embora não tenha dado uma resposta conclusiva para essa pergunta por achar que ela era a
mais profunda de todas, Sócrates chega a uma definição razoavelmente precisa: o homem é a sua
alma.

Atenção!
Sócrates usa a palavra alma (psyché) num sentido diferente daquele que é dado pela
religião. Para Sócrates a alma é a consciência que cada um tem de si mesmo, é a
personalidade intelectual e moral, é a razão. É o poder intelectual que cada um tem para
descobrir em si mesmo e por si mesmo a verdade. É a capacidade de descobrir por si
mesmo as regras da vida virtuosa.

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O pai da ética
Sócrates é considerado por muitos como fundador da reflexão racional, sistemática e
crítica sobre a ação humana virtuosa. “O que é a virtude?”− pergunta Sócrates em diversas
situações e às mais diversas pessoas. A virtude (areté) é a ação correta, excelente, meritória.
Mas como saber se uma ação é correta? Aliás, correta para quem? O que é correto para
um pode não ser para outro?
Pelo que já estudamos até aqui, já é possível deduzir as respostas que Sócrates dá a
essas perguntas. Acompanhe o seguinte raciocínio:

A ação correta para o ser humano é aquela que condiz com sua essência.
A essência do homem é a razão.
Portanto, areté consiste em agir de acordo com a razão.

É um raciocínio simples – mas não simplório. E para podermos compreendê-lo melhor


é preciso desenvolver três idéias que estão implícitas nele: a idéia de autonomia, a tese de que
virtude é conhecimento e a tese de que ninguém é mau por livre escolha. Veja:
Autonomia – se a essência do homem é a razão, então é em si mesmo que cada um deve buscar
orientação para agir corretamente. Foi nesse sentido que Sócrates tomou para si um lema
inscrito num templo em Delfos: “conhece a ti mesmo”. A virtude moral não consiste em
seguir os costumes nem em fazer aquilo que a maioria aprova e nem mesmo em obedecer
preceitos religiosos. A virtude está em obedecer a própria essência.
A areté humana é o conhecimento – a essência do homem é a razão, que consiste na
capacidade de conhecer a essência das coisas. O conhecimento da essência das coisas é o
verdadeiro conhecimento, é a ciência (episteme). O homem excelente é aquele em que sua
essência se manifesta plenamente; portanto, a excelência humana corresponde à plenitude
da ciência (episteme).
Ninguém é mau por livre escolha – todo ser humano busca aquilo que acredita que lhe trará a
felicidade. No entanto, na maioria das vezes, confiamos nas nossas sensações, na nossa
experiência, nas nossas próprias opiniões e também nas opiniões de outras pessoas. Ou
seja, na maioria das vezes nos deixamos levar por falsos conhecimentos, por ilusões e, por
isso, acabamos agindo de forma incorreta. Mas a ação incorreta gera a infelicidade. Como
ninguém deseja a própria infelicidade, fica claro que só quando agimos sem conhecimento,
só quando estamos presos à ignorância, é que agimos de forma incorreta.

Ninguém é perfeito
A frase mais famosa de Sócrates é: “sei que nada sei”.
O que ele quer dizer com isso?
Embora defenda a possibilidade de se superar a doxa e de se alcançar a episteme,
Sócrates rejeita ser chamado de sábio. Acredita que ninguém, nem mesmo ele, é sábio.
Considera-se apenas um filósofo – alguém que busca a sabedoria.
Certa vez, um amigo de Sócrates foi a Delfos, cidade em que havia um famoso templo
no qual a pitonisa (a sacerdotisa desse templo) trazia oráculos (mensagens dos deuses aos
humanos) aos que a procuravam. E os deuses proferiram “Sócrates é o mais sábio dos
atenienses”. Ao saber do oráculo recebido por seu amigo foi que Sócrates formulou seu dito mais
conhecido: “só sei que nada sei”. Justificou-se argumentando que sua sabedoria só poderia
residir na consciência que tinha do fato de que nada sabia.

Ter consciência do quanto ainda precisamos aprender é o primeiro passo para


desejar o aprendizado. O sábio é o eterno aprendiz.

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A morte de Sócrates
Embora tenha exercido com dedicação as funções públicas para as quais foi convocado
pela pólis (como soldado e, mais tarde, como magistrado), sempre que pôde Sócrates se manteve
afastado das questões administrativas e da luta pelo poder. Acreditava que sua missão era servir
a pólis através das suas atitudes, vivendo de forma justa e colaborando para formar cidadãos
sábios, honestos, moderados.
Sócrates era adorado por seus alunos. Vivia rodeado de jovens que se encantavam ao
vê-lo falar. No entanto, ao assumir uma postura crítica diante da democracia ateniense e dos
ensinamentos dos sofistas, Sócrates também ganhou inimigos. E quanto maior era o seu sucesso,
maior era o incômodo das elites dominantes e dos sofistas que com ele disputavam a atenção dos
que buscavam aprimorar-se intelectualmente.
Quando esse incômodo tornou-se grande demais, Sócrates foi acusado de corromper os
jovens, de não adorar os deuses de sua própria pólis e de introduzir o culto a novos deuses e,
assim, foi levado a julgamento. Considerado culpado pela assembléia, o filósofo foi condenado à
morte. Um mês mais tarde, após ter se recusado a fugir da prisão sob a proteção de alguns
amigos influentes, Sócrates morre bebendo um veneno chamado cicuta, rodeado por seus
melhores amigos.

A Morte de Sócrates, de Jacques-Louis David (1748-1825)

Referências:
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia. São Paulo: Brasiliense, 1994.
GUTHRIE, W. K. C. Os sofistas. São Paulo: Paulus, 1997.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2001.
PLATÃO; XENOFONTE; ARISTÓFANES. Sócrates. [Os pensadores], São Paulo: Nova
Cultural, 1996.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume I: Antigüidade e Idade
Média. São Paulo: Paulus, 1990.

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