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Essa é uma pergunta capciosa (ou seja, essa pergunta é uma “pegadinha”), pois Sócrates
não escreveu livro nenhum. No entanto, embora não tenha escrito nenhuma obra, Sócrates
deixou uma herança marcante para a cultura ocidental através da influência que exerceu sobre
toda uma geração de intelectuais. Entre os seus muitos seguidores, merecem ser citados o
historiador Xenofonte e o filósofo Platão.
Sócrates não escreveu nada, pois acreditava que o debate discursivo oral era mais
adequado à busca do verdadeiro conhecimento. Através do diálogo, ele procurava recuperar no
espírito de seu interlocutor o significado daquilo que deveria ser o essencial para o ser humano.
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Conhecer é definir
Para Sócrates, conhecer é uma operação intelectual que consiste na elaboração de definições
universalmente válidas. Definir é marcar limites, é identificar a essência, é dizer o que uma coisa é.
O verdadeiro conhecimento não vem da percepção através dos cinco sentidos, não vem da
experiência. Nossa percepção da realidade é limitada e nos permite apenas conhecer aparências.
Temos, assim, um conhecimento ilusório, que se manifesta na forma de opinião (doxa).
No entanto, ao percebermos que nossa opinião entra em contradição com outras opiniões,
temos duas saídas: tentar impor a nossa opinião aos demais ou tentar descobrir qual é a verdade. A
primeira opção é a que é defendida pelos sofistas. A segunda, proposta por Sócrates, conduz a uma
tentativa de se encontrar uma definição mais precisa e mais universal usando a razão.
Ao conseguirmos definir um conceito universal alcançamos a ciência (episteme), o
verdadeiro conhecimento.
O método socrático
Sócrates dizia que só é possível filosofar a partir do momento em que reconhecemos nossa
própria ignorância. Por isso, ele desenvolveu um método de busca do conhecimento composto por
duas etapas: a ironia e a maiêutica.
Na primeira etapa, a ironia (do grego eiróneia, perguntar), Sócrates solicita ao seu
interlocutor que lhe esclareça sobre um determinado tema. A partir daí, interroga-o alegando não ter
conhecimento suficiente sobre o tema em questão. No entanto, na medida em que o interlocutor vai
dando esclarecimentos sobre o assunto, Sócrates vai formulando perguntas cada vez mais
perspicazes, de forma que o interlocutor acaba se dando conta de que aquilo que ele mesmo defendia
a pouco agora parece ser contraditório. Atônito, o interlocutor acaba reconhecendo que aquele
conhecimento que ele julgava possuir era, no fundo, uma idéia sem sentido.
A segunda etapa do método socrático é a maiêutica, ou parto das idéias. Assim como na
primeira etapa, Sócrates apenas faz perguntas ao seu interlocutor. Mas agora são perguntas que o
forçam a buscar em sua própria inteligência uma saída para as contradições em que ele mesmo se
enredou. Com perguntas bem elaboradas, feitas no momento apropriado, Sócrates ajuda o seu
interlocutor a descobrir por si mesmo a verdade. Esse processo é chamado de maiêutica (do grego
maieutiké, técnica de realizar um parto) porque é semelhante a um parto: não é a parteira quem gera
o bebê, ela apenas auxilia aquelas que já o trazem dentro de si e precisam de ajuda para fazê-lo vir à
luz. (Vale a pena lembrar que a mãe de Sócrates era parteira; ao que parece, ele herdou um pouco da
sua arte).
Atenção!
Sócrates usa a palavra alma (psyché) num sentido diferente daquele que é dado pela
religião. Para Sócrates a alma é a consciência que cada um tem de si mesmo, é a
personalidade intelectual e moral, é a razão. É o poder intelectual que cada um tem para
descobrir em si mesmo e por si mesmo a verdade. É a capacidade de descobrir por si
mesmo as regras da vida virtuosa.
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O pai da ética
Sócrates é considerado por muitos como fundador da reflexão racional, sistemática e
crítica sobre a ação humana virtuosa. “O que é a virtude?”− pergunta Sócrates em diversas
situações e às mais diversas pessoas. A virtude (areté) é a ação correta, excelente, meritória.
Mas como saber se uma ação é correta? Aliás, correta para quem? O que é correto para
um pode não ser para outro?
Pelo que já estudamos até aqui, já é possível deduzir as respostas que Sócrates dá a
essas perguntas. Acompanhe o seguinte raciocínio:
A ação correta para o ser humano é aquela que condiz com sua essência.
A essência do homem é a razão.
Portanto, areté consiste em agir de acordo com a razão.
Ninguém é perfeito
A frase mais famosa de Sócrates é: “sei que nada sei”.
O que ele quer dizer com isso?
Embora defenda a possibilidade de se superar a doxa e de se alcançar a episteme,
Sócrates rejeita ser chamado de sábio. Acredita que ninguém, nem mesmo ele, é sábio.
Considera-se apenas um filósofo – alguém que busca a sabedoria.
Certa vez, um amigo de Sócrates foi a Delfos, cidade em que havia um famoso templo
no qual a pitonisa (a sacerdotisa desse templo) trazia oráculos (mensagens dos deuses aos
humanos) aos que a procuravam. E os deuses proferiram “Sócrates é o mais sábio dos
atenienses”. Ao saber do oráculo recebido por seu amigo foi que Sócrates formulou seu dito mais
conhecido: “só sei que nada sei”. Justificou-se argumentando que sua sabedoria só poderia
residir na consciência que tinha do fato de que nada sabia.
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A morte de Sócrates
Embora tenha exercido com dedicação as funções públicas para as quais foi convocado
pela pólis (como soldado e, mais tarde, como magistrado), sempre que pôde Sócrates se manteve
afastado das questões administrativas e da luta pelo poder. Acreditava que sua missão era servir
a pólis através das suas atitudes, vivendo de forma justa e colaborando para formar cidadãos
sábios, honestos, moderados.
Sócrates era adorado por seus alunos. Vivia rodeado de jovens que se encantavam ao
vê-lo falar. No entanto, ao assumir uma postura crítica diante da democracia ateniense e dos
ensinamentos dos sofistas, Sócrates também ganhou inimigos. E quanto maior era o seu sucesso,
maior era o incômodo das elites dominantes e dos sofistas que com ele disputavam a atenção dos
que buscavam aprimorar-se intelectualmente.
Quando esse incômodo tornou-se grande demais, Sócrates foi acusado de corromper os
jovens, de não adorar os deuses de sua própria pólis e de introduzir o culto a novos deuses e,
assim, foi levado a julgamento. Considerado culpado pela assembléia, o filósofo foi condenado à
morte. Um mês mais tarde, após ter se recusado a fugir da prisão sob a proteção de alguns
amigos influentes, Sócrates morre bebendo um veneno chamado cicuta, rodeado por seus
melhores amigos.
Referências:
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia. São Paulo: Brasiliense, 1994.
GUTHRIE, W. K. C. Os sofistas. São Paulo: Paulus, 1997.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2001.
PLATÃO; XENOFONTE; ARISTÓFANES. Sócrates. [Os pensadores], São Paulo: Nova
Cultural, 1996.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume I: Antigüidade e Idade
Média. São Paulo: Paulus, 1990.