Boa tarde, me chamo Marlon, estou no segundo período do mestrado. E minha
pesquisa, como vocês devem ter visto, estuda o conceito de catástrofe utilizado na contemporaneidade e como ele se relaciona com a experiência do tempo de alguns grupos, especialmente da comunidade científica, atualmente. Trajetória Eu cheguei nesse projeto a partir de questões da minha monografia. Eu estudei a experiência do tempo do filósofo Bertrand Russell na Guerra Fria. Russell era um grande intusiasta das ciências naturais, de modo geral. Era um matemático e amigo de pessoas como Albert Einstein. Eu não lembro exatamente o que veio primeiro, se foi assistir ao filme Watchmen, do Zack Snyder, ou se foi durante minhas leituras de grupos preocupados com o apocalipse nuclear. Mas foi na época da monografia que eu tive meu primeiro contato com o Relógio do Juízo Final e com o Boletim dos Cientistas Atômicos. Eu percebi já que a relação com o tempo tanto de Russell, quanto dos Cientistas do boletim parecia ter certas peculiaridades em relação a outras experiências. A presença da ameaça do apocalipse nuclear parecia ter marcado muito os cientistas que viveram durante a Guerra Fria. Muitas vezes eles falavam, se planejavam, organizavam suas ações políticas imaginando uma catástrofe no futuro. Essa experiência do tempo histórico como tendo uma catástrofe generalizada no futuro eu chamei de catastrofismo. Aí eu comecei a pensar essa experiência do tempo no Bulletin porque eles utilizaram justamente um relógio como metáfora pra simbolizar o quão próximo a humanidade estava do fim do mundo. Cada vez que eles movem os ponteiros do Relógio do Juízo Final, os cientistas responsáveis por analisar a situação internacional, produzem uma justificativa do motivo dessa alteração. Essas justificativas, essas declarações, falam tanto do que aconteceu nos últimos, do contexto do que foi feito, quanto do futuro. Ou seja, os cientistas buscam traçar um panorama do cenário mundial em relação às ameaças a humanidade. Assim essas justificativas, tendo o relógio como guia, possuem justamente a imagem de uma catástrofe global simbolizada pela meia- noite nos ponteiros. Então eu pensei em justamente mapear o conceito de catástrofes ao longo dessas justificativas. À luz da obra de Reinhart Koselleck, eu pensei em fazer uma história dos conceitos pra entender a temporalidade da palavra que eu gostaria de compreender melhor. Entender o uso dela, o que ela significa, o que ela implica para a história e para uma concepção de tempo. Quero saber tanto o sentido semântico quanto a carga histórica que o conceito tem. A primeira parte foi tentar entender minimamente a própria palavra, a segunda, foi entender como ela se encaixava no contexto que eu gostaria de analisar, qual a era a especificidade contemporânea da ideia de catástrofe. Quais imagens ela mobiliza e para que sentidos ela aponta. A terceira etapa foi entender que todas essas perguntas só fariam sentido se eu recortasse “quem esta falando” e “por que esta falando”, entender bem quem são os agentes históricos que utilizam o termo. O mais complicado é conseguir conciliar o que você quer enxergar, com o que sua fonte está dizendo. O exercício parece ser o de não extrapolar o que sua fonte te dá. Porque se ater as fontes causa a sensação de limitação, mas é especialmente nessa “limitação” que está a pesquisa. Tentar entender o que tem de específico na fonte e o que você pode trazer de hipótese a partir do que você sabe. Após isso, e tentar ler bastante bibliografia sobre o tema, eu fiz algumas pequenas alterações em relação ao projeto original. Eu acabei entendendo que o conceito de catástrofe parece apontar para uma ideia de trágico, de um desfecho, trágico. Parece ser óbvio, mas isso significa mobilizar uma forma bem específica de enxergar um evento histórico. Algo que envolve inclusive ideias de ação, responsabilidade e imprevisibilidade dos resultados das nossas ações. A palavra “catástrofe” vem do grego que significa traduzido literalmente “virada para baixo”. Mas o termo acabou se tornando popular pra representar a última parte de um drama trágico. Por exemplo, quando Romeu e Julieta se matam no fim da peça, aquele momento seria a “catástrofe” da tragédia de Shakespeare. Então catástrofe já indicava um “fim”, mas mais no sentido de um desenlace dos acontecimentos. Acredito que o conceito acabou sendo interpretado e transposto para eventos mais gerais, que não dentro de uma tragédia. Quando falamos em “catástrofe de brumadinho’, a ideia de um desenlace trágico ainda existe. Mesmo que modificado e deslocado de seu contexto de utilização inicial. A minha preocupação agora é examente entender como essa “semântica trágica” se relaciona com o que os cientistas do Bulletin atualmente mobilizam quando usam o termo. Como vocês leram no projeto, o que fica evidente é que com a energia nuclear e o aquecimento global, a diferença entre ação da natureza e da cultura se torna completamente anacrônica. De forma simplificada, tanto a humanidade altera a natureza, quanto a natureza altera a própria história. A distinção iluminista entre homem e natureza se mostra uma falácia. O que eu estou pensando agora é que o Antropoceno, uma nova época geológica em que as alterações da natureza tem causas humanas, trouxe a ideia de um “novo tempo”. Algo sem precedentes. Ao mesmo tempo, a própria natureza ao ganhar um papel como ator histórico e político, o que alguns autores chamam de Gaia, se insere nas relações trágicas da humanidade. No meio disso tudo, temos a tecnologia como sendo uma potencializadora das ações humanas, amplificando os impactos que causamos no ambiente a nossa volta, ao mesmo tempo que a tecnologia parece cada vez mais imprevisível. A própria questão nuclear e ambiental habita esse lugar incerto, em que ninguém sabe muito bem quais serão as consequências que uma destruição da sociedade contemporânea por esses fatores traria. Justamente nesse espaço do incerto, de algo que não necessariamente podemos conceber, mas entendemos como sendo trágico, é que o conceito de catástrofe parece aparecer. Termos como “catástrofes globais”, “catástrofe universal”, ou “o aquecimento global nos levará a catástrofe” indicam um desfecho trágico do cenário atual. Ou seja, a partir do presente, pensando o futuro, os cientistas parecem enxergar um futuro catastrófico, em que o tempo da natureza e o tempo da humanidade entraram num conflito. Por fim, os próximos passos que eu quero dar é relacionar o Bulletin com outras fontes que eu já separei, como dicionários, acervos digitais, outras obras de autores e por aí vai. Agora parece que vem a parte mais “prática” do que teórica, é construir uma relação de fontes em que o termo aparece, seguindo a minha metodologia de catalogar a frequência do termo, a forma como ele é utilizado, seu contexto textual e histórico de aplicação. Ou seja, fazer algo que ilumine o que significa o conceito de catástrofe. Para que eu possa entender melhor qual temporalidade (e história) é evocada pelas experiências do tempo dos cientistas do Bulletin.