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Introdução
Outra possibilidade de análise semântica acerca dos verbos é observar seu aspecto
– uma categoria temporal – que avalia a constituição temporal interna de uma dada situação,
a partir de diferentes modos. Difere-se da categoria tempo, por esta ser determinada em
relação a algum outro tempo ao momento de fala. Isso quer dizer, que o tempo de um verbo
localiza uma ocorrência/situação em relação ao momento em que se fala, podendo ser
apresentado no passado, presente ou futuro, conforme é sua concomitância ou não com o
ato de fala. Portanto, ‘tempo interno da situação’ relaciona-se ao Aspecto, enquanto o ‘tempo
externo da situação’ diz respeito ao Tempo (COMRIE, 1976; CASTRO, HERMONT, 2017).
Dessa forma, Comrie (1976) avalia o fato do falante considerar ou não a constituição
temporal interna a partir da oposição aspectual verbal, que pode ser observada por dois
modos distintos: Aspecto lexical (ou semântico); Aspecto gramatical.
O aspecto lexical, ou semântico, é definido por propriedades inerentes ao verbo e a
outros elementos lexicais presentes em dada sentença. Podem ser considerados 3 (três)
pares de traços: (a) durativo/pontual: persistência de uma ação por determinado
tempo/ausência dessa estrutura interna (ex.: amar/matar); (b) télico/atélico: existência de um
ponto final na ação/finalização com caráter arbitrário (ex.: matar/nadar); (c)
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DESCOLONIALIDADE E DESOBEDIÊNCIA NOS ESTUDOS DA LINGUAGEM
Baseando-se nos estudos sobre a ASL – American Sign Language, Ferreira Brito
(1995) analisa a Língua Brasileira de Sinais (Libras), verificando que os mecanismos
gramaticais presentes na ASL também eram observados na língua sinalizada aqui no Brasil.
Dessa forma, a autora apresenta aspectos morfológicos como a duração e a extensão do
movimento como possibilidades de flexão de grau, e em verbos multidirecionais, a direção
do movimento como flexão de pessoa e número. Dessa maneira, os verbos direcionais
demarcam essas flexões nos pontos de início (sujeito) e fim do movimento (objeto). Também
a autora destaca que a Libras é um exemplo de língua pro-drop (sujeito nulo), sendo possível
ocorrer também o objeto nulo. Isso esclarece que em uma sentença dada, em que se tenha
um verbo direcional (ou flexional), tanto o sujeito como o objeto são marcados em uma ordem
fixa, havendo apenas a possiblidade de aparecimento ou não do objeto antes do verbo
flexionado (FERREIRA BRITO, 1995; FINAU, 2004).
Ferreira Brito (1995) apresenta uma diferença entre a flexão de tempo e aspecto.
Sobre a flexão temporal, sua manifestação ocorre por meio de locativos temporais em
relação ao sinalizador, sendo o plano vertical a sua frente indicativo do presente; o plano
vertical um pouco distante do sinalizador, correspondente ao futuro próximo, enquanto o
futuro distante, é marcado com um movimento longo em um plano vertical distante ao corpo
do sinalizador. Quanto ao tempo passado, a relação espacial se dá a partir do corpo do
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sinalizador para o plano vertical logo atrás do ouvido ou do ombro. Porém para marcações
de um passado distante, o movimento se estende para o plano atrás/além das costas.
A respeito do aspecto, a partir das pesquisas de Bellugi et al (1979), são os contrastes
espaciais e temporais superpostos, modificando o movimento do verbo que podem ser
observadas, igualmente na ASL, diferentes maneiras aspectuais na Libras, como a
pontualidade, a duração, a continuidade, a habitualidade, e a iteratividade. Essas
modulações aspectuais são realizadas por meio das alterações do movimento e/ou da
configuração da mão. Porém, suas manifestações são distintas em verbos direcionais,
opondo-se aos não-direcionais (FERREIRA BRITO, 1995).
Quadros e Karnopp (2004) apresentam uma classificação de verbos em Libras similar
a ASL, sendo consideradas três classes: (a) verbos simples (sem concordância) – sem flexão
de número e pessoa, porém com a possiblidade de flexão de aspecto; (b) verbos com
concordância – com flexão de pessoa, número e aspecto, sem incorporação de afixos
locativos; (c) verbos espaciais – apresentam as mesmas flexões, porém incorporam afixos
locativos (QUADROS; KARNOPP, 2004; FINAU, 2004).
1
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=avIg8kmAWkc&t=78s
2
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Soetms0CLmk&pbjreload=10
3
CAS-MS – Centro de Formação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez
4
COPESP – Coordenadoria de Políticas para a Educação Especial – MS
5
SUPED – Superintendência de Políticas Educacionais - MS
6
SED – Secretaria de Estado da Educação - MS
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Modalidade
Afetamento
Intenciona-
Polaridade
Individua-
concord.
concord.
Aspecto
Pontua-
Cinesia
Agenti-
Partici-
lização
pantes
vidade
lidade
lidade
Com
Sem
VERBOS
1, 3, 5 IR - - + + - + + + - - X
1, 11 TRABALHAR - - - - + + + + + - X
2, 13 VIR - - - + - + + + - - X
2 BRINCAR + - - - + + + + + - X
3, 13 CONHECER - - - - + + + - - - X
3 VISITAR + - + + + + + + - - X
4 PEGAR - - + + + + + + - + X
4 LER - - - - + + + - + - X
5 GOSTAR - - - - + + + - - - X
6, 11,
PODER - - - - + + + - - - X
19
6, 19 ENSINAR + + - - + + + + + - X
6, 19 APRENDER - - - - + + + - - - X
7 APAGAR - + + - + + + + + - X
8 INFLUENCIAR + + - - + + + + + - X
9 BATER + + + + + + + + + + X
10 RESPONDER + - + + + + + + - + X
11 FILMAR + - + + + + + + - + X
11 AVALIAR - - + - + + + + - + X
12 ENTENDER - - + - - + + - - - X
14 PERCEBER - - + - + + + - - - X
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15 AVISAR + + + + + + + + + + X
16 AJUDAR + + + + + + + + + - X
17 PAGAR + - + + + + + + + - X
18 PARECER - - - + - + + - - - X
19 SABER - - - + + - + - - - X
Fonte: elaborado pelo pesquisador
Perfecti-
Dinamicidade
Sentenças
Duratividade
(repetição)
vidade
Telicidade
Continuidade
Habitualidade
Inceptividade
VERBOS
Progressi
-vidade
vidade
Iterati-
1, 3, 5 IR - + + X
1, 11 TRABALHAR + - + X
2, 13 VIR - + + X
2 BRINCAR + - + X
3, 13 CONHECER + + - X
3 VISITAR - + + X
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4 PEGAR - + + X
4 LER + - - X
6, 19 APRENDER + - - X
7 APAGAR + - + X
8 INFLUENCIAR + - + X
9 BATER - + + X
10 RESPONDER - + + X
11 FILMAR - + + X
11 AVALIAR + - - X
12 ENTENDER - + - X
14 PERCEBER + + - X
15 AVISAR - + + X
16 AJUDAR - + + X
17 PAGAR - + + X
18 PARECER - + - X
19 SABER + + - X
Após a análise a respeito dos aspectos em Libras, pode-se concluir que há uma
diferença de entendimento quanto ao aspecto lexical em relação ao gramatical. No aspecto
lexical foram observadas variações em dois dos três critérios em todos os 25 (vinte e cinco)
verbos sinalizados analisados.
Considerou-se com valor ‘+’ (positivo) quanto à duratividade, os verbos que
apresentavam repetição do movimento, entendendo que a atividade realizada depende de
um tempo maior. Os verbos com valor ‘-‘ (negativo), são verbos em que há apenas um
movimento (ou deslocamento da mão) no espaço neutro.
Quanto à telicidade, foram considerados verbos télicos (+) aqueles que apresentavam
um ponto de articulação inicial (PAi) e um ponto de articulação final (PAf) distintos. Isso
significa compreender que se há repetição de movimento cíclico, não se tem PAs distintos
por não se considerar um início ou fim do movimento. Porém, em apenas dois verbos
estativos houve duratividade e telecidade positivas – SABER e CONHECER – por
apresentarem movimentos repetidos retilíneos, determinando o PAi e o PAf.
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Considerações Finais
O presente estudo, buscou apresentar uma análise em que foram utilizadas duas
teorias distintas, porém complementares quanto à variabilidade aspectual bem como a
transitividade dos verbos sinalizados. Houve um grande desafio em encontrar registros
sinalizados claros sobre o tema proposto, visto que seria necessário um tempo maior para
coleta de dados em narrativas sinalizadas veiculadas em redes sociais, de livre acesso.
Somente assim seria possível, para esse estudo preliminar, sem a necessidade de uma
aprovação por Comitê de Ética, encontrar contextos mais significativos do que verbos usados
em frases sinalizadas isoladamente.
Por fim, optou-se em utilizar vídeos veiculados sobre o tema, em que eram
apresentadas apenas listas de verbos sem uma contextualização, e recorrer ao auxílio de
um professor surdo para as diversas exemplificações de uso de verbos com concordância e
sem concordância. Pode-se concluir, a partir dos estudos teóricos, que a transitividade está
presente em todos os verbos, apresentando mais ou menos critérios que a determinam,
segundo a teoria de Hopper e Thompson (1980).
Dessa forma, não se pode relacionar os verbos gramaticalmente considerados com
concordância, como verbos transitivos e os sem concordância como verbos intransitivos.
Pois na análise ficou evidente que há verbos com maior transitividade (presença acima de 7
critérios) em verbos com concordância; porém considerada transitividade mediana (presença
entre 4 a 6 critérios) ou baixa transitividade (presença de 3 ou menos critérios), os verbos
sem concordância, dependendo de uma outra classificação acerca dos verbos, que não foi
objeto de estudo nessa pesquisa. Confirma-se assim, que apenas uma teoria não é suficiente
para determinar pormenores semânticos formais.
Ainda, pode-se verificar, à luz da teoria de Comrie (1976) que a variação aspectual
em Libras ainda é insipiente para se garantir que não há variação aspectual em todos os
tipos já elencados pelos pesquisadores. Há de se considerar e realizar um corpus mais
significativo, para se determinar se em contextos mais elaborados essa variabilidade
aspectual não possa se fazer presente, como em outras línguas sinalizadas, como
apresentado nos estudos de Finau (2004).
Por fim, o estudo realizado como forma de avaliação na disciplina de Semântica
Formal do programa de Pós-Graduação em Linguística, da UFSC – Universidade Federal de
Santa Catarina, ministrada pelo professor doutor Heronides Maurílio de Melo Moura, instigou
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REFERÊNCIAS
FERREIRA BRITO, L. Por uma gramática de língua de sinais. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1995.
FINAU, R. A. Os sinais de tempo e aspecto na Libras. Curitiba: UFPR, 2004. (Tese
apresentada para obtenção do grau de Doutora em Letras, do Setor de Ciências Humanas,
Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profª Dra. Elena Godoi).
HOPPER, P. J.; THOMPSON, S. A. Transitivity in gramar and discourse. Language –
Journal of the Linguistic Society of America. v. 56, n. 2, june, 1980. (p. 251-299)
OLIVEIRA, A. M. A transitividade: da visão tradicional ao funcionalismo. Revista Percursos
Linguísticos. Vitória-E.S.: v. 2, n. 1, 2011 (p. 25-34).
OLIVEIRA, R. P. de. Semântica. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. Introdução à
linguística: domínios e fronteiras. v. 2. 2 e. São Paulo: Cortez, 2001.
________. Semântica Formal: uma breve introdução. 3 e. São Paulo: Mercado das Letras,
2012.
QUADROS, R. M. de.; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos.
Porto Alegre: Artmed, 2004.
RODRIGUES, C. E. S. de L. Um estudo exploratório do processamento de informação
das interfaces na aquisição da linguagem: o aspecto verbal no português. Rio de Janeiro:
PUC-RIO, 2007. (Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Letras da PUC-
Rio de Janeiro. Orientadora: Profa. Dra. Letícia maria Sicuro Corrêa).
TAMBA, I. A Semântica. 2 e. São Paulo: Parábola, 2009.