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A SEMÂNTICA FORMAL E A LÍNGUA

BRASILEIRA DE SINAIS: UMAQUESTÃO DE


TRANSITIVIDADE

Rúbia Carla da Silva (mestre) – UEPG/UFSC

Resumo: Esse estudo, de cunho bibliográfico, apresentou como metodologia a analogia


entre os pressupostos teóricos da Semântica Formal e os pressupostos morfossintáticos
verbais, de Ferreira Brito (1995) e de Quadros e Karnopp (2004). Elencou-se como objetivo
geral compreender as ocorrências da (in)transitividade verbal na Língua Brasileira de Sinais
(Libras), sob à luz das teorias de Comrie (1998) e Hopper e Tompson (1980). Para a análise,
foi elaborada uma tabela contendo os aspectos considerados pelos autores da Semântica
Formal, e a ocorrência (ou não) na Libras, a partir de um conjunto de verbos escolhidos
conforme uma das três classificações: verbos simples ou sem concordância; verbos
direcionais ou com concordância; e verbos manuais, conforme estudos realizados por
Ferreira Brito, Quadros e Karnopp, no que diz respeito à estrutura linguística das línguas de
sinais. Essa pesquisa primordial, ainda que lacônica, buscou evidenciar a necessidade de
novos olhares para o estudo da Língua Brasileira de Sinais, sob o viés da Semântica Formal,
ampliando os estudos linguísticos das línguas de sinais, necessários tanto na atuação dos
Tradutores e Intérpretes de Língua de Sinais (TILS) como no ensino da Libras, enquanto
disciplina curricular.

Palavras-chave: Semântica Formal; Língua Brasileira de Sinais; Estudos Linguísticos;


transitividade verbal; concordância verbal.

Introdução

Historicamente, a SF antecede as demais (Semântica da Enunciação e Semântica


Cognitiva), devido ao abandono de uma análise meramente lexical das relações entre as
palavras e as ideias, a uma análise frástica entre as estruturas sintáticas e semânticas
(OLIVEIRA, 2001; TAMBA, 2009). O entendimento do sintagma verbal (parte da estrutura
sintática chomskyana) e dos verbos, quanto às condições de verdade sobre a
(in)transitividade existente, apresentadas em estudos de línguas orais, instigou à
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compreensão de como isso ocorre em línguas gestuais espaciais (sinalizadas). Dessa


maneira, delimitou-se como objetivo geral compreender as ocorrências da (in)transitividade
verbal na Língua Brasileira de Sinais (Libras), pelo olhar da Semântica Formal, sob à luz das
teorias de Comrie (1998) e Hopper e Tompson (1980).

A teoria de Hopper e Tompson (1980)

Essa categorização foi elaborada, tendo como pressupostos aspectos semânticos.


Quanto aos Transitivos, ainda se subdividem em outros dois tipos: indiretos e diretos. Porém
essas subdivisões são elencadas por um critério formal (complemento sendo atrelado ao
verbo pelo uso ou não da preposição, respectivamente) e não mais por um critério semântico
(OLIVEIRA, A., 2011). Para a teoria funcionalista norte-americana, a transitividade é uma
propriedade contínua, que pode ser gradual, em dada oração como um todo. É por meio da
oração que se observam as relações entre o verbo e seu(s) argumento(s). Hopper e
Thompson (1980, p. 251) esclarecem que a

A transitividade envolve um número de componentes, sendo que um deles é


a presença de um objeto do verbo. Estes componentes estão todos
preocupados com a eficácia com que uma ação ocorre, a pontualidade e a
telicidade do verbo, a atividade consciente do agente, e a referencialidade e
grau de afetação do objeto. (tradução minha).

Ainda apresentam dez parâmetros sintático-semânticos independentes que indicam


diversos ângulos da ação em uma porção distinta da oração. Quanto mais ocorrências dos
parâmetros na oração existir, o verbo apresenta maior transitividade. Isso evidencia que
todos os verbos apresentam transitividade, uns em maior ou menor transitividade que outros.
Para melhor entendimento, a transitividade é analisada a partir de um componente
semântico e um sintático de determinado evento que potencialmente envolve pelo menos
dois participantes (argumentos), um agente (responsável pela ação - sujeito) e um paciente
(afetado pela ação - objeto). A intensidade com a qual se dá a transferência da ação a um
dos participantes, avaliada diferentemente nos componentes apresentados, informa se a
transitividade é alta ou baixa em determinada estrutura sintática (CRUZ, 2011).

TABELA 1 - Parâmetros da Transitividade


Parâmetros Alta transitividade Baixa transitividade
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1. Participants 2 ou + participantes 1 participante


(Participantes)
2. Kinesis Ação Não-ação
(Cinesia) (transferida) (não transferida)
3. Aspect Télico Atélico
(Aspecto do verbo) (ação finalizada) (ação não finalizada)
4. Punctuality Pontual Não-pontual
(Pontualidade do verbo) (começo e fim) (contínuo)
5. Volitionality Intencional Não-intencional
(Intencionalidade do sujeito)
6. Affimation Afirmativa Negativa
(Polaridade da oração)
7. Mode Modo Realis Modo Irrealis
(Modalidade da oração)
8. Agency Agentivo Não-agentivo
(Agentividade do sujeito)
9. Affectedness Afetado Não-afetado
(Afetamento do objeto)
10. Individuation Individuado Não-individuado
(Individualização do sujeito) (próprio, humano, (comum, inanimado,
concreto, singular, abstrato, plural, incontável,
contável, definido) indefinido)
Fonte: adaptado de Hopper e Thompson (1980, p. 152-153).

A Teoria de Comrie (1976)

Outra possibilidade de análise semântica acerca dos verbos é observar seu aspecto
– uma categoria temporal – que avalia a constituição temporal interna de uma dada situação,
a partir de diferentes modos. Difere-se da categoria tempo, por esta ser determinada em
relação a algum outro tempo ao momento de fala. Isso quer dizer, que o tempo de um verbo
localiza uma ocorrência/situação em relação ao momento em que se fala, podendo ser
apresentado no passado, presente ou futuro, conforme é sua concomitância ou não com o
ato de fala. Portanto, ‘tempo interno da situação’ relaciona-se ao Aspecto, enquanto o ‘tempo
externo da situação’ diz respeito ao Tempo (COMRIE, 1976; CASTRO, HERMONT, 2017).
Dessa forma, Comrie (1976) avalia o fato do falante considerar ou não a constituição
temporal interna a partir da oposição aspectual verbal, que pode ser observada por dois
modos distintos: Aspecto lexical (ou semântico); Aspecto gramatical.
O aspecto lexical, ou semântico, é definido por propriedades inerentes ao verbo e a
outros elementos lexicais presentes em dada sentença. Podem ser considerados 3 (três)
pares de traços: (a) durativo/pontual: persistência de uma ação por determinado
tempo/ausência dessa estrutura interna (ex.: amar/matar); (b) télico/atélico: existência de um
ponto final na ação/finalização com caráter arbitrário (ex.: matar/nadar); (c)
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dinâmico/estativo: exigência de energia para realização da ação/ausência de energia (ex.:


nadar/amar).
O aspecto gramatical pode ser verificado a partir de marcas explícitas morfológicas
(como morfemas flexionais) ou por auxiliares (verbos). A perfectividade ou imperfectividade,
realizada no passado, também representam aspectos gramaticais. Uma vez verificada a
imperfectividade verbal, pode-se avaliar outros dois traços: aspecto habitual ou aspecto
contínuo. Este último, ainda podendo ser dividido em progressivo ou não-progressivo.
A relação entre aspecto gramatical e lexical é um princípio da naturalidade de
combinação por apresentar a situação como um todo, considerando tanto a estrutura externa
como a interna dos verbos, que podem ser observadas em relações naturais entre estados
e eventos (COMRIE, 1976; RODRIGUES, 2007).

Os verbos na Língua Brasileira de Sinais

Baseando-se nos estudos sobre a ASL – American Sign Language, Ferreira Brito
(1995) analisa a Língua Brasileira de Sinais (Libras), verificando que os mecanismos
gramaticais presentes na ASL também eram observados na língua sinalizada aqui no Brasil.
Dessa forma, a autora apresenta aspectos morfológicos como a duração e a extensão do
movimento como possibilidades de flexão de grau, e em verbos multidirecionais, a direção
do movimento como flexão de pessoa e número. Dessa maneira, os verbos direcionais
demarcam essas flexões nos pontos de início (sujeito) e fim do movimento (objeto). Também
a autora destaca que a Libras é um exemplo de língua pro-drop (sujeito nulo), sendo possível
ocorrer também o objeto nulo. Isso esclarece que em uma sentença dada, em que se tenha
um verbo direcional (ou flexional), tanto o sujeito como o objeto são marcados em uma ordem
fixa, havendo apenas a possiblidade de aparecimento ou não do objeto antes do verbo
flexionado (FERREIRA BRITO, 1995; FINAU, 2004).
Ferreira Brito (1995) apresenta uma diferença entre a flexão de tempo e aspecto.
Sobre a flexão temporal, sua manifestação ocorre por meio de locativos temporais em
relação ao sinalizador, sendo o plano vertical a sua frente indicativo do presente; o plano
vertical um pouco distante do sinalizador, correspondente ao futuro próximo, enquanto o
futuro distante, é marcado com um movimento longo em um plano vertical distante ao corpo
do sinalizador. Quanto ao tempo passado, a relação espacial se dá a partir do corpo do
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sinalizador para o plano vertical logo atrás do ouvido ou do ombro. Porém para marcações
de um passado distante, o movimento se estende para o plano atrás/além das costas.
A respeito do aspecto, a partir das pesquisas de Bellugi et al (1979), são os contrastes
espaciais e temporais superpostos, modificando o movimento do verbo que podem ser
observadas, igualmente na ASL, diferentes maneiras aspectuais na Libras, como a
pontualidade, a duração, a continuidade, a habitualidade, e a iteratividade. Essas
modulações aspectuais são realizadas por meio das alterações do movimento e/ou da
configuração da mão. Porém, suas manifestações são distintas em verbos direcionais,
opondo-se aos não-direcionais (FERREIRA BRITO, 1995).
Quadros e Karnopp (2004) apresentam uma classificação de verbos em Libras similar
a ASL, sendo consideradas três classes: (a) verbos simples (sem concordância) – sem flexão
de número e pessoa, porém com a possiblidade de flexão de aspecto; (b) verbos com
concordância – com flexão de pessoa, número e aspecto, sem incorporação de afixos
locativos; (c) verbos espaciais – apresentam as mesmas flexões, porém incorporam afixos
locativos (QUADROS; KARNOPP, 2004; FINAU, 2004).

A verificação das teorias – uma análise preliminar

Para a verificação da ocorrência das teorias semânticas formais apresentadas por


Hopper e Thompson (1980) e Comrie (1976) na Libras, a partir dos estudos linguísticos
acerca dos verbos em línguas de sinais apresentados por Ferreira Brito (1995) e Quadros e
Karnopp (2004), foram selecionados 10 (dez) verbos sem concordância (ou simples) que
compõem parte do conteúdo apresentado no vídeo “Verbo sem concordância” 1 (duração de
5’06”) – aqui tratado como ‘VÍDEO-VBSC’; e 10 (dez) verbos com concordância (verbos
direcionais e espaciais), apresentados no vídeo “Verbo com concordância” 2 (duração 8’01”)
– retomado como ‘VÍDEO-VBCC’.
Ambos os vídeos foram publicações feitas em 20 de abril de 2018 no YouTube, no
canal do CAS-MS, em uma realização entre o CAS-MS3, COPESP4, SUPED5 e SED6 do
governo de Mato Grosso do Sul. Os vídeos foram organizados apresentando inicialmente

1
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=avIg8kmAWkc&t=78s
2
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Soetms0CLmk&pbjreload=10
3
CAS-MS – Centro de Formação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez
4
COPESP – Coordenadoria de Políticas para a Educação Especial – MS
5
SUPED – Superintendência de Políticas Educacionais - MS
6
SED – Secretaria de Estado da Educação - MS
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uma lista de verbos e na sequência algumas exemplificações de alguns deles em estruturas


frasais. No VÍDEO-VBSC foram apresentados 57 (cinquenta e sete) verbos e 4 (quatro)
exemplos. O VÍDEO-VBCC contém 45 (quarenta e cinco) verbos e 3 (três) exemplos.
Como os vídeos selecionados apresentam pouca exemplificação, foi solicitado a um
professor surdo que demonstrasse como verbos com e sem concordância podem ser
contextualizados. Esse registro midiático, nomeado como “vídeo verbos” tem duração de
2’21”, contendo 19 (dezenove) sentenças sinalizadas, e foi postado em ambiente virtual de
armazenamento permitindo acesso para análise, porém sem postagem pública.
Para esse estudo foram comparados os verbos utilizados nos exemplos do “vídeo
verbos” com os outros dois vídeos contendo as listas de verbos, verificando a classificação
de cada um, para posteriormente ser feita a análise a partir das teorias apresentadas.
Para as transcrições dos exemplos em Libras foi utilizado como base o quadro síntese
do Manual de Transcrição do Inventário de Libras (versão 20/03/2015). Esses identificadores
dos sinais são chamados de glosas. Abaixo de cada transcrição foi apresentada uma
possível tradução para a Língua Portuguesa.

QUADRO 1 – Sentenças em Libras - Transcritas e Traduzidas


Modalidade
n. LS – transcrição Sentenças
LO – tradução
LS AMANHÃ IX(eu) IR TRABALHAR INES
1
LO Amanhã eu irei trabalhar no INES
LS CRIANÇAS VIR BRINCAR?
2
LO Crianças, vamos brincar?
LS CRIANÇAS GRUPO IR CONHECER VISITAR MUSEU.
3
LO O grupo de crianças vai conhecer e visitar o museu.
LS IX(eu) PEGAR LIVRO IX(vocês) LER
4
LO Eu vou pegar o livro para vocês lerem.
IX(você) GOSTAR COMER SANDUÍCHE?
LS
IX(você) GOSTAR IR EMBORA ESTADOS UNIDOS.
5
5.1 Você gosta de comer sanduíche?
LO
5.2 Você gostou de ir embora para os Estados Unidos.
IX(você) PODER ENSINAR PARTICULAR MENSALIDADE IX(el@)
LS
APRENDER ESCREVER PORTUGUÊS?
6
Você pode dar aulas particulares mensalmente para el@ aprender a
LO
escrever o Português?
LS POR-FAVOR IX(você) APAGAR QUADRO LETRA FEIA.
7
LO Por favor, você apaga o quadro com a letra feia.
IX(ele1) HOMEM ÚNICO CATÓLICO IX(ele2) AMIGO INFLUENCIAR
LS
8 IX(ele1) TROCAR CRENTE.
LO Ele é o único católico e seu amigo influencia para ser evangélico.
LS IX(você) NÃO BATER IX(el@) SEU FILH@
9
LO Você não bateu em seu filh@.
LS POR-FAVOR RESPONDER MENSAGEM IX(eu) RÁPIDO
10
LO Por favor, me responda rapidamente por mensagem.
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IX(você) PODER TRABALHAR JUNTO-IX(eu) FILMAR IX(eu)


LS
11 AVALIAR PROVA OK?
LO Você pode trabalhar comigo, me filmar e avaliar a prova, ok?
LS IX(você) ENTENDER IX(el@) PROFESSOR LIBRAS?
12
LO Você entendeu o professor de Libras?
LS VIR CONHECER ESTADO TODO.
13
LO Vamos conhecer o Estado todo.
LS IX(você) PERCEBER PAPO IX(el@)?
14
LO Você percebeu o papo dela?
LS CHEFE AVISAR IX(eu) AVISAR IX(vocês) AMANHÃ NÃO-TER AULA.
15
LO O chefe me avisou para avisar vocês que amanhã não terá aula.
LS IX(você) POR-FAVOR AJUDAR IX(vovô) CAMA HOSPITAL.
16
LO Você, por favor, ajude o vovô que está de cama no hospital.
LS IX(você) PAGAR IX(eu) DEPOIS IX(eu) DEVOLVER.
17
LO Você me paga e depois eu devolvo.
IX(você) VER IX(pessoa) COSTAS CABELO COMPRIDO HOMEM
LS
MULHER PARECER O QUÊ?
18
Você viu a pessoa de costas com cabelo comprido, parece homem ou
LO
mulher?
IX(você) PODER ENSINAR HOMEM IX(ele) NÃO-SABER APRENDER
LS
19 DV(fazer-no-computador) SLIDE ENSINAR PODER?
LO Você pode ensiná-lo a montar slides? Ele não sabe, você pode ensinar?
Fonte: elaborado pelo pesquisador, conforme “vídeo verbos” (2’21”)

TABELA 2 – Análise de Parâmetros da Transitividade de Verbos em Libras


Itens Parâmetros de Transitividade Gramática
Hopper e Thompson da Libras
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 SC CC
SENTENÇAS

Modalidade

Afetamento
Intenciona-

Polaridade

Individua-

concord.

concord.
Aspecto

Pontua-
Cinesia

Agenti-
Partici-

lização
pantes

vidade
lidade

lidade

Com
Sem
VERBOS

1, 3, 5 IR - - + + - + + + - - X
1, 11 TRABALHAR - - - - + + + + + - X
2, 13 VIR - - - + - + + + - - X
2 BRINCAR + - - - + + + + + - X
3, 13 CONHECER - - - - + + + - - - X
3 VISITAR + - + + + + + + - - X
4 PEGAR - - + + + + + + - + X
4 LER - - - - + + + - + - X
5 GOSTAR - - - - + + + - - - X
6, 11,
PODER - - - - + + + - - - X
19
6, 19 ENSINAR + + - - + + + + + - X
6, 19 APRENDER - - - - + + + - - - X
7 APAGAR - + + - + + + + + - X
8 INFLUENCIAR + + - - + + + + + - X
9 BATER + + + + + + + + + + X
10 RESPONDER + - + + + + + + - + X
11 FILMAR + - + + + + + + - + X
11 AVALIAR - - + - + + + + - + X
12 ENTENDER - - + - - + + - - - X
14 PERCEBER - - + - + + + - - - X
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15 AVISAR + + + + + + + + + + X
16 AJUDAR + + + + + + + + + - X
17 PAGAR + - + + + + + + + - X
18 PARECER - - - + - + + - - - X
19 SABER - - - + + - + - - - X
Fonte: elaborado pelo pesquisador

Pode ser verificado que os verbos considerados ‘com concordância’ em Libras


apresentam alta transitividade segundo a teoria de Hopper e Thompson (1980). Dos 10
critérios propostos pelos pesquisadores, no mínimo sete apresentam valores positivos nos
onze verbos analisados. Quanto aos verbos ‘sem concordância’ em Libras é possível dividi-
los em dois grupos: (a) tem baixa transitividade os verbos estativos (que indicam um estado),
apresentando apenas 3 critérios com valores positivos; (b) tem média transitividade os
verbos agentivos (que indicam alguma atividade realizada pelo agente), apresentando entre
4 a 6 critérios positivos.
Assim, segue outra análise dos mesmos verbos utilizados à luz da teoria de Comrie
(1976) que considera o valor aspectual dos verbos. Este pode ser analisado lexicalmente
(semanticamente) e gramaticalmente. O primeiro apresenta 3 pares de critérios:
durativo(+)/pontual(-); télico(+)/atélico(-); e dinâmico(+)/estativo(-). No segundo, é avaliada a
perfectividade(+)/imperfectividade(-) verbal, podendo neste último ainda avaliar a sua
habitualidade ou continuidade, e esta podendo ser analisada segundo sua progressividade,
iteratividade ou inceptividade.

TABELA 3 – VALORES ASPECTUAIS VERBAIS


Aspectos Verbais – Comrie (1976)
Lexical Gramatical
Imperfectividade
(ação concluída)

Perfecti-
Dinamicidade
Sentenças

Duratividade
(repetição)

vidade
Telicidade

Continuidade
Habitualidade

Inceptividade

VERBOS
Progressi
-vidade

vidade
Iterati-

1, 3, 5 IR - + + X

1, 11 TRABALHAR + - + X

2, 13 VIR - + + X

2 BRINCAR + - + X

3, 13 CONHECER + + - X

3 VISITAR - + + X
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4 PEGAR - + + X

4 LER + - - X

5 GOSTAR - + - X (5.1) X (5.2)


6, 11, - + - X
PODER
19
6, 19 ENSINAR + - + X

6, 19 APRENDER + - - X

7 APAGAR + - + X

8 INFLUENCIAR + - + X

9 BATER - + + X

10 RESPONDER - + + X

11 FILMAR - + + X

11 AVALIAR + - - X

12 ENTENDER - + - X

14 PERCEBER + + - X

15 AVISAR - + + X

16 AJUDAR - + + X

17 PAGAR - + + X

18 PARECER - + - X

19 SABER + + - X

Após a análise a respeito dos aspectos em Libras, pode-se concluir que há uma
diferença de entendimento quanto ao aspecto lexical em relação ao gramatical. No aspecto
lexical foram observadas variações em dois dos três critérios em todos os 25 (vinte e cinco)
verbos sinalizados analisados.
Considerou-se com valor ‘+’ (positivo) quanto à duratividade, os verbos que
apresentavam repetição do movimento, entendendo que a atividade realizada depende de
um tempo maior. Os verbos com valor ‘-‘ (negativo), são verbos em que há apenas um
movimento (ou deslocamento da mão) no espaço neutro.
Quanto à telicidade, foram considerados verbos télicos (+) aqueles que apresentavam
um ponto de articulação inicial (PAi) e um ponto de articulação final (PAf) distintos. Isso
significa compreender que se há repetição de movimento cíclico, não se tem PAs distintos
por não se considerar um início ou fim do movimento. Porém, em apenas dois verbos
estativos houve duratividade e telecidade positivas – SABER e CONHECER – por
apresentarem movimentos repetidos retilíneos, determinando o PAi e o PAf.
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A respeito da dinamicidade, foram considerados valores ‘+’ (positivos) os verbos que


apresentaram um tempo maior na execução do movimento e os que apresentaram
deslocamento no espaço em planos distintos. Os verbos com um dos PAs no corpo ou
deslocamento no mesmo plano espacial não apresentaram dinamicidade, apresentando um
valor ‘-‘ (negativo). Dentre os 25 verbos analisados não apresentam dinamicidade 10 verbos,
sendo 7 com PA no corpo e 3 com movimento em mesmo plano.
A análise aspectual gramatical corroborou com as pesquisas de Finau (2004) já
apresentadas anteriormente, em que demonstra que apenas há modificação aspectual em
Libras em dois tipos de aspecto gramatical – durativo e distributivo. Assim sendo, não foram
verificadas modificações quanto à progressividade, habitualidade, completividade,
iteratividade, nem distributividade apesar de esse último ser presente em Libras. Porém não
houve ocorrência em nenhum dos exemplos analisados.
Contudo é mister observar com maior criticidade o exemplo 5, em que foram
apresentadas duas utilizações diferentes com o verbo GOSTAR. Uma em relação a atividade
alimentar, logo habitual; e outra em relação à mudança de local – não habitual.
Nesses usos distintos, fica evidente que é possível considerar a habitualidade do
verbo GOSTAR, se relacionada a condição de verdade de que a atividade alimentar é diária,
logo a pergunta pode ser compreendida com o verbo conjugado no presente, o que
demonstra a variação aspectual habitual.
Em contrapartida, alguns a entenderão como perfectiva uma vez que para se fazer tal
pergunta, é condição de verdade que a pessoa já experimentou (comeu) o sanduíche,
podendo respondê-la. Todavia, só se teria real certeza da perfectividade se estivesse
presente um auxiliar temporal – como um advérbio – que indica em que tempo a ação
ocorreu; com a ausência dessa temporalidade, não é possível determinar a perfectividade,
levando a uma ambiguidade de entendimento.
Isso posto, pode-se compreender a complexidade apresentada em estudos acerca de
fatores semânticos formais em língua de sinais, neste caso a Libras, em que a diferença de
modalidade abarca não apenas o entendimento lexical, mas requer o conhecimento e análise
de aspectos fonológicos. Esses, por sua vez, influenciam na compreensão semântica, por
sua materialidade visual ser marcada dentro de um campo de sinalização que informa tanto
seu deslocamento espacial como temporal. Isso significa esclarecer que são necessárias
mais pesquisas acerca da Semântica Formal sobre as línguas de sinais.
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Considerações Finais

O presente estudo, buscou apresentar uma análise em que foram utilizadas duas
teorias distintas, porém complementares quanto à variabilidade aspectual bem como a
transitividade dos verbos sinalizados. Houve um grande desafio em encontrar registros
sinalizados claros sobre o tema proposto, visto que seria necessário um tempo maior para
coleta de dados em narrativas sinalizadas veiculadas em redes sociais, de livre acesso.
Somente assim seria possível, para esse estudo preliminar, sem a necessidade de uma
aprovação por Comitê de Ética, encontrar contextos mais significativos do que verbos usados
em frases sinalizadas isoladamente.
Por fim, optou-se em utilizar vídeos veiculados sobre o tema, em que eram
apresentadas apenas listas de verbos sem uma contextualização, e recorrer ao auxílio de
um professor surdo para as diversas exemplificações de uso de verbos com concordância e
sem concordância. Pode-se concluir, a partir dos estudos teóricos, que a transitividade está
presente em todos os verbos, apresentando mais ou menos critérios que a determinam,
segundo a teoria de Hopper e Thompson (1980).
Dessa forma, não se pode relacionar os verbos gramaticalmente considerados com
concordância, como verbos transitivos e os sem concordância como verbos intransitivos.
Pois na análise ficou evidente que há verbos com maior transitividade (presença acima de 7
critérios) em verbos com concordância; porém considerada transitividade mediana (presença
entre 4 a 6 critérios) ou baixa transitividade (presença de 3 ou menos critérios), os verbos
sem concordância, dependendo de uma outra classificação acerca dos verbos, que não foi
objeto de estudo nessa pesquisa. Confirma-se assim, que apenas uma teoria não é suficiente
para determinar pormenores semânticos formais.
Ainda, pode-se verificar, à luz da teoria de Comrie (1976) que a variação aspectual
em Libras ainda é insipiente para se garantir que não há variação aspectual em todos os
tipos já elencados pelos pesquisadores. Há de se considerar e realizar um corpus mais
significativo, para se determinar se em contextos mais elaborados essa variabilidade
aspectual não possa se fazer presente, como em outras línguas sinalizadas, como
apresentado nos estudos de Finau (2004).
Por fim, o estudo realizado como forma de avaliação na disciplina de Semântica
Formal do programa de Pós-Graduação em Linguística, da UFSC – Universidade Federal de
Santa Catarina, ministrada pelo professor doutor Heronides Maurílio de Melo Moura, instigou
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a novos olhares acerca da Libras, desafiando e encorajando na continuidade de outras


pesquisas na área com maior profundidade, visto que esse estudo teve um caráter preliminar.

REFERÊNCIAS

BASSO, R. Semântica Formal. In: FERRAREZI JR., C.; BASSO, R. Semântica,


semânticas: uma introdução. São Paulo: Contexto, 2013.
CASTRO, G. G. de.; HERMONT, A. B. A relação entre o aspecto lexical e o aspecto
gramatical em contexto de aquisição de linguagem. Revista Percursos Linguísticos.
Vitória-E.S.: v.7, n. 14, 2017 (p. 405-420)
COMRIE, B. Aspect: na introduction to the study of verbal aspect and related problems. New
York-US: Cambridge, 1976.
CRUZ, S. D. da. A transitividade na escrita do surdo bilíngue segundo a abordagem
funcionalista. Anais do I Congresso Nacional de Estudos Linguísticos. Vitória-ES, 18 a
21 de outubro de 2011.
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