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Fernanda Castro Manhães

Fabio Luiz Fully Teixeira


Cristina de Fátima de Oliveira Brum Augusto de Souza
Organizadores

Neurociências,
educação e
saúde
Diálogos
interdisciplinares

ULTICULTURAL
MULTICULTURAL
Neurociências,
educação e
saúde
Diálogos
interdisciplinares
Fernanda Castro Manhães
Fabio Luiz Fully Teixeira
Cristina de Fátima de Oliveira Brum Augusto de Souza
Organizadores

Neurociências,
educação e
saúde
Diálogos
interdisciplinares

MULTICULTURAL
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem a
expressa autorização dos autores ou organizadores.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

N494 Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares / organizadores


Fernanda Castro Manhães, Fabio Luiz Fully Teixeira e Cristina de Fátima
de Oliveira Brum Augusto de Souza. Campos dos Goytacazes, RJ:
Brasil Multicultural, 2020.
160 p.

Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5672-0005-0

1. EDUCAÇÃO ESPECIAL. 2. NEUROCIÊNCIAS. 3. ABORDAGEM


INTERDISCIPLINAR DO CONHECIMENTO. I. Manhães, Fernanda
Castro (org.). II. Teixeira, Fabio Luiz Fully (org.). III. Souza, Cristina de
Fátima de Oliveira Brum Augusto de (org.) IV. Título.

CDD 371.9

Instituto Brasil Multicultural de Educação e Pesquisa - IBRAMEP


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Sumário

Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

1
Neurociências e o (re)pensar da educação: possibilidades de aprendizagem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
Fernanda Castro Manhães, Fabio Luiz Fully Teixeira,
Cristina de Fátima de Oliveira Brum Augusto de Souza

2
Experimentações e modelagem matemática nas neurociências cognitivas. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 26
Saulo Machado Moreira Sousa, Andressa do Amaral Machado,
Fabio Luiz Fully Teixeira

3
A relação entre o envelhecimento e a qualidade do sono: uma abordagem teórica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
Luciano Neves Reis, Fernanda Castro Manhães,
Rosalee Santos Crespo Istoe, Lucas Capita Quarto

4
Neuroeducação: contribuições das neurociências, psicologia e educação para as
práticas pedagógicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Andreza de Souza Almeida, Flávia da Cunha Pereira

5
As contribuições da neurociência no processo de formação de professores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Sebastião Duarte Dias, Cristina de Fátima de Oliveira Brum Augusto de Souza,
Fernanda Castro Manhães

6
Neurociência e a constituição da pessoa, segundo Henri Wallon. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 75
Aline do Nascimento Barbosa, Danielle Soares da Silva,
João Luiz Lima Marins, Sinthia Moreira Silva Ribeiro

8
7
A importância da neurociência no processo de aprendizagem. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 88
Cristina de Fátima de Oliveira Brum Augusto de Souza,
Sebastião Duarte Dias, Fernanda Castro Manhães, Ademir Hilário de Souza

8
A metamorfose do corpo na contemporaneidade e a interface com a plasticidade neural. .. .. .. .. .. .. 97
Erika Costa Barreto, Evandro Monteiro de Barros Junior,
Gustavo Santos Crespo

9
Contribuições das neurociências na Síndrome de Wallenberg. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
Juliana da Conceição Sampaio Lóss, Fabio Luiz Fully Teixeira,
Cristina de Fátima de Oliveira Brum Augusto de Souza

10
Investigação de marcadores neuropsicológicos do declínio cognitivo em
indivíduos senescentes: tecnologia e neurociência cognitiva. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 120
José Alexandre, Lívia Vasconcelos de Andrade, Rosalee Santos Crespo Istoe

11
Diálogos transdisciplinares na tríade: neurociência, educação e saúde. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
Lídia de Oliveira Paula

12
O corpo como um espaço de linguagem emocional. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139
Margarete Zacarias Tostes de Almeida, Caroline Ferreira dos Santos,
Cristina de Fátima de Oliveira Brum Augusto de Souza

13
Autismo e imitação na proposta da aprendizagem: uma leitura neurocientífica
dos neurônios-espelho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148
Mariana Fernandes Ramos dos Santos,
Cristina de Fátima de Oliveira Brum Augusto de Souza, Denise Tinoco Novaes Bedim

Índice remissivo. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 159

9
Apresentação

Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares é uma obra


com o objetivo de repensar as práticas pedagógicas na contemporaneidade,
fazendo uma interlocução sobre a teoria das relações entre os sujeitos na pers-
pectiva da neurobiologia do aprendizado. Nesse sentido, a proposta procura
entender de onde surge nosso pensamento lógico, emocional, motivacional,
cultural e social. Quanto mais entendemos o funcionamento do cérebro, prin-
cipalmente como ele se desenvolve, mais amplia o interesse dos pesquisado-
res e profissionais de diferentes áreas nos aspectos biológicos relacionados à
aprendizagem.

Diante desse cenário, a presente obra contribui sobre estudos recentes em


diversos campos e áreas, alicerçando novas descobertas e horizontes, onde se
fazem necessárias as seguintes reflexões que ora são destacadas: até que ponto
existe influência de variáveis externas e ambientais ou até mesmo genéticas,
como causa multifatorial do mau funcionamento fisiológico e disfunção neu-
ronal? Quais fatores interferem na vida do idoso e sua relação com a qualidade
do sono? Qual o papel da matemática, e principalmente dentro das neurociên-
cias cognitivas, no desenvolvimento mental da criança? Até que ponto nosso
cérebro nos conecta com as nossas percepções no mundo de informação e
conhecimento?

A obra em destaque reúne elementos teóricos sobre a influência da educa-


ção, de educadores e profissionais da saúde em torno do conhecimento cientí-
fico baseado em evidências, assim como destaca sua articulação frente aos de-
safios interpostos considerando a pluralidade dos diferentes atos de ensinar e
aprender. Na perspectiva interdisciplinar, ancorados em pesquisas que fazem

10
interseção entre as ciências do cérebro, educação, saúde e comportamento hu-
mano, surge um novo repensar sobre as práticas pedagógicas correlacionando
os estudos nas áreas de aprendizagem e desenvolvimento humano.

As pesquisas apontam que, apesar dos diferentes objetivos, muitas áre-


as se interessam pelo processo de aprendizagem e compartilham pontos co-
muns da neurociência. Portanto, em contextos terapêuticos e educacionais
com o objetivo de desenvolver habilidades de resolução de problemas, em
seus múltiplos aspectos sociais, nos fornecem razões importantes e concre-
tas, demonstrando o porquê de algumas abordagens se apresentarem mais
eficientes do que outras.

Assim, torna-se indispensável o desafio de integrar todo esse conhecimen-


to em prol do equilíbrio emocional e social no qual o indivíduo está inserido,
assim como nas relações interpessoais e nos modos adaptativos, consolidando
a compreensão no campo das neurociências e seus desdobramentos.

Os organizadores

11
1
Neurociências e o (re)pensar da educação: possibilidades de
aprendizagem
Fernanda Castro Manhães1
Fabio Luiz Fully Teixeira2
Cristina de Fátima de Oliveira Brum Augusto de Souza3

Considerações iniciais
Quando se questiona a aplicação e intervenção por meio da temática de neuro-
ciências, pensamos em cérebro, estruturas e funções cerebrais, inteligência e con-
sequentemente em aprendizado. Mas afinal, como se aprende? Qual a idade ideal

1. Pós-doutora em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Fluminense


Darcy Ribeiro, UENF, Campos dos Goytacazes/RJ. Professora do Programa de Pós-Gradua-
ção em Cognição e Linguagem, UENF/RJ. E-mail: castromanhaes@gmail.com.
2. Doutorando no curso de Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Flu-
minense Darcy Ribeiro - UENF. Mestre em Engenharia Médica. Formado em Medicina. E-
-mail: fabiofully@gmail.com.
3. Pós-graduanda em Neuropsicopedagogia Clínica e Institucional - UNIG, Itaperuna/RJ.
Mestra em Cognição e Linguagem - UENF, Campos dos Goytacazes/RJ. E-mail: cristinaf-
brum@gmail.com.

12
para aprendermos? Como estimular nossas inteligências? Existe relação entre
desenvolvimento cerebral e plasticidade? Como contribuímos para uma apren-
dizagem considerada eficaz com tanta informação diariamente? Todas essas in-
quietudes fazem parte do meio acadêmico e social, uma vez que os estudos da
neurociência no âmbito da educação são alternativas para repensar as práticas
pedagógicas na contemporaneidade. Nesse sentido, no campo da neurociência,
as pesquisas fazem interlocução entre as ciências do cérebro na perspectiva da
neurobiologia do aprendizado.

A construção de respostas a esses questionamentos assume importância


fundamental para a vida do ser humano. Há muitos anos se discute com ansie-
dade, a partir das diferentes áreas do conhecimento e em diversos contextos,
o mistério e as tendências sobre a mente humana, o que tem gerado estudos
multidisciplinares, revelando a abrangência dessa concepção marcada pela
ciência em diversas esferas.

É nessa perspectiva, e partindo da busca constante em estimular o desen-


volvimento da inteligência para a construção de novas aquisições de conheci-
mento, que vem sendo um fator importante a ser desenvolvido pelos profissio-
nais da educação e pesquisadores no contexto mundial.

A fim de compreender o conceito de inteligência e de suas potencialidades,


principalmente nas últimas décadas, no âmbito educacional, que esta pesqui-
sa tem como objetivo refletir, sobretudo, no trabalho de formação de novos
profissionais, bem como seu papel no desenvolvimento de competências e
habilidades. Esta concepção tem sido alvo de muitas indagações no contex-
to educacional, principalmente quando o assunto abordado é neurociências e
sua relação na educação.

O objetivo desta pesquisa é analisar numa perspectiva teórica as possibili-


dades de aprendizagem como um fenômeno social, a partir da realidade bra-
sileira; contudo, trata-se apenas de uma contribuição teórica e bibliométrica
sobre o tema, ampliando a visão sobre o processo de desenvolvimento huma-
no, bem como possibilitando novos subsídios para futuros estudos que apro-
fundem as questões aqui levantadas de forma superficiais, porém relevantes.

Algumas considerações se fazem necessárias em prol de contextualizar so-


bre aprendizagem e neurociências, visto que diversas variáveis influenciam
no processo de desenvolvimento, dentre elas, aspectos fisiológicos, culturais,
psicológicos, ambientais e sociais.

13
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

O cérebro e a aprendizagem
Os estudos sobre o cérebro humano constituem um fator que motivou
Gardner a elaborar a teoria sobre as inteligências. Apesar das descobertas fei-
tas até o momento, o cérebro e seu funcionamento ainda apresentam muitas
características a serem desvendadas. Caracteriza-se como o principal órgão
do encéfalo, localizado no sistema nervoso central, desempenhando o contro-
le de atividades voluntárias e involuntárias em razão dos estímulos provenien-
tes do meio ambiente (RELVAS, 2009; MAIA, 2011).

O levantamento de pesquisas na área da neurobiologia revelou a presença


de áreas no cérebro que correspondem, ao menos grosseiramente, a certas
formas de cognição. Estes mesmos estudos demonstram a existência de uma
organização neural para a noção de diferentes modalidades de processamento
da informação.

As atividades complexas como o pensamento, a memória, a emoção e a lin-


guagem fazem parte de suas funções (AAMODT; WANG, 2013). É reconhe-
cida, atualmente, sua grande capacidade de adaptação (GARDNER, 1995), a
combinação que se pode realizar entre os neurônios, a sua capacidade de me-
mória, a adaptabilidade de determinadas áreas a novas funções quando lesado.

A partir disso, Gardner e sua equipe buscaram novos conceitos e conse-


quentes aplicações dessa visão de inteligência que possam satisfazer às neces-
sidades do ser humano no mundo moderno.
A inteligência não é uma propriedade estática, ela é
acionada quando os indivíduos estão tentando re-
solver um problema, empenhados numa invenção,
ou tentando sobreviver em um meio ambiente desa-
fiador. Assim, muitos cientistas procuraram índices
do “cérebro em funcionamento” (GARDNER, 1998,
p. 149).

Conforme destacado por Gardner (1994), o conhecimento é alcançado por


meio de um sistema de inteligências ou capacidades interconectadas que são,
em parte, independentes e localizadas em diferentes regiões do cérebro, deno-
minadas Inteligências Múltiplas.

14
1 –Neurociências e o (re)pensar da educação: possibilidades de aprendizagem

A Teoria das Inteligências Múltiplas


A partir da teoria, Gardner (1995) permitiu-nos uma visão mais específica
sobre o que é a inteligência, como ela se manifesta no ser humano e quais são
suas características. Alguns pesquisadores norte-americanos começaram seus
estudos em Harvard para estudar se a inteligência humana se restringia às
habilidades medidas pelos testes de QI ou se ela seria mais abrangente. Pes-
quisadores como Gardner (1983), Minsky (1989) e Gould (1991) consideram
que os testes de QI servem apenas para medir a capacidade de um indivíduo
em resolver testes para indicar a existência de diversas capacidades intelec-
tuais humanas que estão muito além da simples capacidade de dar respostas
curtas e precisas para perguntas curtas. Esses pesquisadores evidenciam uma
tendência em chamar de inteligentes pessoas capazes de tomar decisões, de
resolver problemas, de estabelecer e realizar projetos.

Algumas características definem as inteligências. Cada uma é independente


da outra, mas todas interagem entre si. Isso quer dizer que mesmo que um alu-
no tenha uma delas mais desenvolvida, não necessariamente precisa que todas
as outras também sejam. Entretanto, com o apoio dessa inteligência, todas as
outras podem também se desenvolver. Não há hierarquia no espectro de inteli-
gências, não havendo, portanto, uma inteligência mais importante. Se fôssemos
representá-las graficamente, colocaríamos todas elas lado a lado, demonstran-
do essa interação e a não hierarquização entre as mesmas. Outra característica
importante de ser mencionada é que as inteligências apresentam uma herança
biológica, mas são condicionadas pelo meio e pela cultura. Assim, um indiví-
duo que tenha nascido com um nível muito elevado de uma inteligência poderá
desenvolvê-la ou adormecê-la, dependendo dos estímulos que o meio lhe provê.

Gardner tem se dedicado, nos últimos anos, ao estudo de duas vertentes


principais: o desenvolvimento das capacidades simbólicas, principalmente ar-
tes, em crianças normais e em crianças superinteligentes – pesquisa realizada
no Harvard Project Zero – e a perda das capacidades cognitivas em indivíduos
sofrendo de mau funcionamento cerebral, desenvolvida no Boston Veterans Ad-
ministration Medical Center e na Boston University School of Medicine. Gardner
desenvolveu, em seu livro “Frames of Mind: The Theory of Multiple Intelligen-
ces”, uma teoria chamada de “Inteligências Múltiplas”, construída a partir da
comparação entre testes de QI e desempenho, em que focaliza o homem e sua
relação com os diversos sistemas simbólicos, como a escrita e as imagens.

15
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

O autor busca superar a noção comum de inteligência como uma capaci-


dade geral ou potencial em maior ou menor grau, além de questionar a assun-
ção que a inteligência, independentemente de sua definição, pode ser medida
por meio de instrumentos verbais padronizados, tais como respostas-curtas e
testes com lápis e papel. Seu ponto de vista considera que a cognição humana,
para ser estudada em sua totalidade, precisa abarcar competências que nor-
malmente são desconsideradas e que os instrumentos para medição dessas
competências não podem ser reduzidos a métodos verbais que se baseiam for-
temente em habilidades linguísticas e lógico-matemáticas.

De acordo com Gardner (1995), o conceito sobre as inteligências múltiplas


pluraliza a definição tradicional de inteligência, potencializando e explorando
a capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos que são mais impor-
tantes num determinado ambiente ou comunidade cultural. Nesse aspecto,
a linguagem pode manifestar-se em determinada forma de solução de pro-
blemas vinculada ao estímulo cultural, como escrita em uma cultura, como
oratória em outra, e como linguagem secreta dos anagramas numa terceira.
Apesar de não haver hierarquia, as inteligências aqui serão descritas de forma
ordenada, sem que essa ordem tenha alguma prioridade específica.

A descrição de cada inteligência será feita conforme exposto em Gardner


(1995). Para cada inteligência será considerado: a) breve descrição da inteligên-
cia e algumas de suas peculiaridades; b) habilidades presentes em cada uma de-
las; c) estados finais ou domínios, que correspondem às atividades profissionais
que a sociedade organiza e nos quais pode ser reconhecido um maior desenvol-
vimento da inteligência em questão; d) as estratégias ou produtos produzidos
nessa inteligência, principalmente os que podem ser desenvolvidos em sala de
aula; e) uso diário dessa inteligência, abordando atividades que podem ser re-
alizadas fora da sala de aula; e f) o que essa inteligência não é, esclarecimento
sobre o mau entendimento que se faz da inteligência em questão.

Dessa forma, as oito inteligências classificadas pelo autor estarão separada-


mente definidas e descritas. Inicialmente, a teoria das Inteligências Múltiplas
foi difundida com sete diferentes formas (habilidades) de inteligência. Com as
últimas revisões e pesquisas, Gardner propôs uma oitava inteligência: a natura-
lista. Atualmente, o autor ainda estuda a existência de uma nona inteligência: a
espiritual.

16
1 –Neurociências e o (re)pensar da educação: possibilidades de aprendizagem

Percurso metodológico
O presente estudo foi embasado por uma pesquisa quantitativa, do tipo
descritiva, buscando um levantamento dos trabalhos empíricos e teóricos
produzidos no meio acadêmico sobre o neurociência e educação. Trata-se de
uma revisão bibliométrica, caracterizada pelo estudo da classificação e avalia-
ção e informações peculiares das publicações, com o propósito de identificar
substratos, tendências e o crescimento da produção científica de uma ou mais
áreas de conhecimento.

Para obtenção da coleta de informações, foi realizada uma busca na base


de dados Scopus, disponível no Portal de Periódicos da Capes. A escolha da
referida base se fundamenta por ser considerada uma das maiores bases de
dados de conhecimento cientifico multidisciplinar.

A pesquisa foi realizada no mês de novembro de 2019, sendo utilizada a


opção de busca rápida, que retorna as publicações que tenham a palavra di-
gitada no título, no resumo ou nas palavras-chaves a partir de 2002 até o pre-
sente momento.

Para composição do escopo deste estudo, realizou-se a busca de informa-


ções a partir das palavras-chave “neurociência” e “educação”, sendo seleciona-
das todas as publicações relacionadas à busca neste período.

As informações relacionadas à evolução temporal, nome de autores, perió-


dico, afiliação, veículos de comunicação e país, foram obtidas nos campos em
que é possível refinar a busca. A coleta de dados se deu tanto de forma geral,
considerando todos os autores, quanto especificamente dos autores brasilei-
ros, sendo o corpus desde estudo, composto por trezentos e quarenta e sete
pesquisas.

As buscas foram representadas pelas expressões abaixo:

Your query: (ALL (neurociência + educação) AND PUBYEAR > 2002)

Number of results: 347.

17
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Resultados
O gráfico 1 apresenta a quantidade de publicações encontradas na base Sco-
pus de acordo com as palavras-chave “neurociência” e “educação” utilizadas.

Gráfico 1 - Publicações sobre neurociência e educação

Fonte: Scopus (2020).

Percebe-se que 2010 e 2014 foram os anos com mais artigos encontrados,
seguidos de 2016 e 2018.

Diante do exposto, nota-se que é crescente o número de publicações e


pesquisas nas diversas áreas do conhecimento envolvendo neuropsicologia e
educação com foco no desenvolvimento cognitivo e na aprendizagem. Estu-
dos apontam que tais reflexões poderão contribuir na busca de fundamentos,
princípios e conceitos epistemológicos, bem como na melhoria da prática me-
todológica do professor, foco aqui da discussão sobre educação e possibilida-
des de aprendizagem (FERRARI; SEKKEL, 2007).

No gráfico 2, são apresentados os países com maior número de publicações


de acordo com os termos “neurociências” e “educação”.

18
1 –Neurociências e o (re)pensar da educação: possibilidades de aprendizagem

Gráfico 2 – Publicações, por países, sobre neurociências e educação

 
Fonte: Scopus (2020).

Observa-se que o Brasil é o que mais publica, com cerca de 324 artigos na
categoria analisada. Destaca-se, também, que Portugal é o 2º lugar na publica-
ção em todo o mundo. Portanto, a produção científica sobre essa temática pre-
cisa ser maior e melhor divulgada, tanto no meio acadêmico e científico como
na sociedade em geral. Ressalta-se a necessidade para criação e indexação de
novas revistas científicas especializadas na área e no processo de aprendiza-
gem. Cabe ressaltar que a neurociência no Brasil tem avançado como pesquisa
e a tendência é que essa área siga a nível mundial, sendo notório que ela foi
uma das áreas do conhecimento com publicações científicas significativas nos
últimos anos, contribuindo para o desempenho nacional no campo científico
(BRITTO; BALDO, 2007).

19
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Gráfico 3 – Tipos de publicações sobre neurociências e educação

Fonte: Scopus (2020).

Pode-se constatar que 85,3% das publicações sobre os assuntos estão nos
artigos científicos, seguidos de artigos de revisão e conferências.

No Brasil, o cenário demonstrado por estudos de Grossi et al. (2014) di-


mensionam o desafio para a mudança do modelo educacional brasileiro. Se os
estudos sobre a neurociência podem proporcionar uma mudança significativa
no processo de aprendizado, como proposto por essa pesquisa, infere-se que o
caminho a ser percorrido pelo Brasil será longo. Logo, o número significativo
de publicações corrobora com o exposto.

20
1 –Neurociências e o (re)pensar da educação: possibilidades de aprendizagem

Gráfico 4 - Instituições brasileiras com publicações sobre


neurociências e educação

Fonte: Scopus (2020).

Observa-se que, dentre as instituições, o 1º lugar é ocupado pela Universi-


dade de São Paulo, o 2º pela Universidade Estadual Paulista, seguido da Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro. As Instituições de Ensino Superior cada
vez mais se preocupam e demonstram comprometimento com o conhecimen-
to no âmbito nacional.

Borba (2001) aponta que as agências de fomento à pesquisa e o Ministério


de Educação e Cultura (MEC) deveriam desenvolver mais espaços para privi-
legiar a produção de conhecimentos sobre esta temática, bem como ampliar
suas ações de extensão, universalizando o seu acesso.

Ainda nesse sentido, Guerra (2011) destaca que a aplicação das neuroci-
ências no contexto educacional tem limitações. As neurociências podem in-
formar a educação, mas não explicá-la ou fornecer prescrições, receitas que
garantam resultados. Esse dado aponta para uma reflexão constante em que
os pesquisadores no Brasil, a partir do gráfico acima destacado, precisam di-
rimir assuntos de relevância acadêmica com foco na educação seja ela básica
ou superior.

21
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Gráfico 5 - Autores e publicações sobre neurociências e educação

Fonte: Scopus (2020).

No que se refere às publicações na base Scopus sobre neurociência e educa-


ção no Mundo, cada autor tem pelo menos sete artigos publicados nos últimos
10 anos. Ressalta-se que, considerando o número médio de artigos publicados
anualmente, a maioria dos pesquisadores brasileiros (54,93%) aumentou sua
produção científica nos últimos cinco anos. A referida pesquisa demonstrou
que os pesquisadores brasileiros no campo da neurociência Clínica têm rele-
vante produção científica tanto do ponto de vista quantitativo como também
qualitativo. Essa produção científica tem aumentado significativamente nos
últimos anos e, na maioria dos parâmetros analisados, os pesquisadores no
campo da neurociência superam os pesquisadores do CNPq de outras áreas
do conhecimento em Medicina Clínica. Assim, conforme pesquisas na base
Scopus, está relacionada à área de formação do pesquisador e que a maioria
tem em comum a busca por dados que auxiliem para melhor compreensão e
sua estrutura multidimensional teoria prática (ROMANO-SILVA et al., 2013).

22
1 –Neurociências e o (re)pensar da educação: possibilidades de aprendizagem

Gráfico 6 – Publicações e suas respectivas áreas sobre neurociências e


educação

Fonte: Scopus (2020).

No caso das publicações sobre o tema neurociência e educação, também


se verifica predominância de periódicos ligados à área da medicina, seguido
de neurociências e ciências sociais. Interessante notar a presença de artigos
publicados nas áreas de psicologia e farmacologia.

Os estudos sobre neurociências no Brasil estão representados principal-


mente pela Sociedade Brasileira de neurociências e Comportamento (SBNeC),
que congrega a pesquisa básica da área. Na área clínica, a neurociência brasi-
leira é apresentada nas Sociedades Brasileiras de Neurologia, de Psiquiatria e
de Neuropsicologia. Logo, compreende-se a primeira área focada na dicoto-
mia saúde-doença, e estas envolvem a Psicologia, a Farmacologia, a Fisiologia,
a Bioquímica e a Brazilian Research Association on Vision and Ophthalmology
(VENTURA, 2010).

23
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Considerações finais
Em linhas gerais, ainda há dúvidas de que há relação entre a teoria das
Inteligências Múltiplas e estudos na área da educação. Dentro desta perspecti-
va plural, Gardner define a existência de oito inteligências, sendo a Linguísti-
ca, Musical, Lógico Matemática, Espacial, Corporal Cinestésica, Interpessoal,
Intrapessoal e a Naturalista. No entanto, são caminhos em processo de cons-
trução, com uma infinidade de abordagens a serem exploradas com outras
áreas do conhecimento. O modelo de Gardner aponta não para a medição
geral e comparação de níveis de inteligência, mas sim para a identificação das
inteligências individuais das pessoas e o desenvolvimento de trabalhos a fim
de incentivar o aprendizado a partir delas, como já pôde ser verificado em
estudos como os de Weller (1999), Haley (2004) e Shearer (2004).

A neurociência tem contribuído de maneira significativa nos processos de


ensino e aprendizagem e para as práticas pedagógicas que levam em consi-
deração os fatores neurobiológicos. Nesse sentido, foi possível observar que
a neurociência estuda além dos mecanismos da atenção, memória, aprendi-
zagem, emoção, e suas ligações com os organismos do corpo humano, sendo
incluída neste processo a inteligência e seus estímulos.

Ao longo dos mais de vinte anos em que a teoria das Inteligências Múlti-
plas foi publicada, diferentes autores buscaram aplicações para as mesmas em
suas áreas de atuação. E mesmo com este real interesse em levar a teoria
a novos estudos empíricos, a principal área com relatos sobre as formas de
aplicação da teoria das inteligências múltiplas vem sendo sua área de origem,
a educação, na qual destacam-se pesquisas sobre formas de aprendizagem em
sala de aula, educação à distância e estudos de literatura.

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25
2
Experimentações e modelagem matemática nas
neurociências cognitivas
Saulo Machado Moreira Sousa1
Andressa do Amaral Machado2
Fabio Luiz Fully Teixeira3

Considerações iniciais
A maior maravilha da mente humana talvez seja, além de estabelecer nossa
identidade como espécie por meio da criação das artes e das ciências, ser ca-
paz de criar, modelar e entender a si mesma. Quando falamos das artes em to-

1. Doutor em Física pelo CBPF, Mestre e Bacharel pela UFRJ. Foi pesquisador da International
School for Advanced Studies, International Centre for Theoretical Physics, Università di Trieste
e Université Toulouse III. Foi Professor da UFF e UFRJ. Convidado da ONU no Young Lea-
ders e Prêmio Ministério da Ciência na SBPC.
2. Neuropscicopedagoga. Professora da Pós-graduação em Neurociências e Neuropsicopeda-
gogia da Universidade Iguaçu – Itaperuna. Acadêmica de Medicina e Mestranda em Medi-
cina Tradicional Chinesa. Especialista em Naturopatia e Fitoterapia Chinesa. Neuropsicope-
dagoga Clínica, Hospilar e Institucional.
3. Doutorando em Cognição e Linguagem - UENF, Campos dos Goytacazes, RJ. Professor da
Faculdade de Medicina - UNIG, Campus V, Itaperuna, RJ. Professor/Orientador.

26
das as suas formas, atribuímos sempre o conceito de originalidade. Entretanto,
serão as artes originais no sentido lógico e literal da palavra? Mozart dizia: “As
notas já estão lá. Eu apenas as coloco em ordem”. Nesse sentido, podemos as-
sociar o fato de que um computador, ao sortear notas e pausas em sequencias
ordenadas, iria, em algum momento, ser capaz de produzir a Sonata em Lá
Maior. Da mesma forma, por menor que seja a probabilidade, pincéis de tinta
jogados aos céus poderiam pintar os Girassóis de Van Gogh.

Onde entra, então, a originalidade humana? Provavelmente em como a


mente humana se enxerga, no seu entendimento do próprio funcionamento
cognitivo, descobrindo quais emoções as notas sequenciadas da Sonata, ou
das cores dos Girassóis, irão produzir ao serem sentidas e percebidas. A men-
te escolhe aquilo que lhe atinge de uma forma ou de outra. Em paralelo ao
mundo das artes, filosofia e religião, caminham junto os saberes e as tradições
correlatos, elaborando porquês e imaginando a nossa posição no universo. As
ciências sociais e políticas questionam e estruturam nossa sociedade como
seres comunitários estabelecendo ordem e identidades comuns, enquanto que
as ciências exatas e biológicas, por sua vez, procuram descrever o mundo que
nos cerca tomando como base a linguagem científica.

Toda a estrutura científica deve ser entendida como um ferramental descri-


tivo do mundo que nos cerca. Tanto o detectável pelos nossos sentidos quanto
o invisível aos olhos, como o universo cosmológico e o mundo microscópico,
são investigados e posteriormente descritos dentro do método científico. Hi-
póteses, experimentações e teses regram nossas afirmações mais concretas so-
bre o mundo em que vivemos e seus horizontes. As ciências, entretanto, não se
firmam apenas no fato descritivo. A descrição cientifica do mundo deve trazer
entendimento do presente ao lado da capacidade de se fazer previsões futuras.
Mais do que isso, deve poder ser escrita e expressa do modo mais objetivo
possível. Neste último cenário, surge a linguagem matemática.

A matemática permeia todas as facetas humanas como linguagem obje-


tiva e representação lógica, e também funciona como pilar fundamental do
pensamento último e mais puro. Há um grande debate se a matemática deve
ser considerada uma ciência, uma vez que não se sujeita à metodologia cien-
tífica. Resta saber se é apenas uma linguagem ou se é onde reside a lógica e as
estruturas mais fundamentais e abstratas do universo. Fato é que, a despeito
das ciências exatas, biológicas ou mesmo das ciências humanas, as quais des-
crevem os sistemas sob estudo de forma objetiva e imparcial, a matemática é

27
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

fruto da criação humana. Não necessariamente a matemática precisa descre-


ver e ser linguagem do mundo objetivo em que vivemos.

Enquanto teoremas e suas estruturas derivadas são afirmações tomadas


como verdades a partir de prova prévia, os axiomas matemáticos são os pi-
lares fundamentais sobre os quais toda a teoria será lastreada e produzida.
Estes mesmos axiomas, entretanto, não constam de provas anteriores ao seu
estabelecimento, ou experimentações que os confirmem. Quase artísticos, os
axiomas são criados e inventados no cérebro humano sem pretenção de tra-
duzir a realidade física que nos cerca. A geometria Euclideana, por exemplo,
baseada nos famosos axiomas de Euclides, foi criada em detrimento da neces-
sidade de medir o mundo a nossa volta, o ambiente em que vivemos. Jamais
teve a pretensão de descrever a curvatura espaço-temporal interna ao hori-
zonte de eventos de um buraco negro e sua geometria associada. De maneira
similar, qualquer aluno ocidental irá dizer que é inconcebível a noção de áreas
e medidas de espaço assumirem valores negativos. Na matemática chinesa,
porém, áreas podem assumir valores negativos de acordo com o sentido em
que percorremos a figura geométrica. As matemáticas, no seu plural máximo,
pretendem ser a linguagem mais pura do pensamento lógico humano, mas
não perderão jamais a sua humanidade.

Modelagens matemáticas da cognição humana


A partir deste momento, devemos estar começando a nos convencer de que
nossa visão de mundo, até mesmo nossa percepção de tudo que nos cerca, é
irreal, se não, pelo menos, subjetiva, e gerada pela nossa mente individual. Neste
aspecto, abrange-se não somente o mundo físico, como o emocional e o inte-
lectual em suas diversas facetas. A mente humana acaba sendo um vasto misto
de sensações de experiências materializadas e irreais. Capaz de se espelhar e
criar fugas. Nossos sentidos e capacidade de perceber estímulos são as portas
de acesso do mundo externo para entrar na própria mente humana. A própria
inteligência, inicialmente relacionada com o tempo que guardamos um dado
estímulo na memória e durante o qual podemos processar a percepção do mes-
mo, passou a ser entendida como a capacidade humana de interpretar e analisar
o mesmo estímulo. Afinal, ratos teriam uma memória RAM muito maior que a
nossa, mas, ao menos em geral, não fazem a crítica de uma pintura.

28
2 – Experimentações e modelagem matemática nas neurociências cognitivas

Neste entendimento, de que a nossa percepção de mundo é irreal ou, no


melhor prisma, apenas verosímil à realidade, faz-se necessária uma mode-
lagem acurada do nosso processo de entendimento e posterior interação de
resposta com o mundo externo. Um dos modelos de processos cognitivos e
visão de mundo mais relevantes atualmente é chamado o modelo de inferên-
cia bayesiana. Este modelo trata o entendimento de mundo de acordo com a
teoria das probabilidades, mais especificamente, as chamadas probabilidades
bayesianas. A esta altura faz-se necessário o entendimento de tais conceitos.

Vamos analisar a probabilidade de que, em um dado de seis faces, venha-


mos a obter a face de número 1 como resultado do dado sendo jogado. Se nos
indagarmos qual a probabilidade de ter a face 1 como resultado, ou melhor, a
probabilidade de termos qualquer uma das faces como resultado, surge rapi-
damente a resposta 1/6. A questão agora não é analisar o porquê de a resposta
ser 1/6, mas o mecanismo formal que nos leva a ela. Quando jogamos o dado,
não sabemos qual face aparecerá como resultado. Se jogarmos o dado dez ve-
zes, também não sabemos os resultados que iremos obter e nem podemos afir-
mar com certeza que a face 1 aparecerá 1/6 das vezes. Em termos estatísticos,
podemos definir a probabilidade de um evento ocorrer como a razão entre
o número de vezes que obtemos o resultado esperado sobre o número total
de experimentações, quando este ultimo é levado a infinito. Assim, percebe-
mos que para obtermos a probabilidade correta do evento favorável ocorrer,
precisamos repetir a experimentação, ou seja, jogar o dado infinitas vezes.
A razão acima não vai a zero, pois na mesma velocidade em que o número
total de experimentações vai a infinito, também vai o número de vezes do
evento favorável. Assim, a razão acaba convergindo para uma constante que
corresponderá à probabilidade em questão. Realizando tal cálculo, podemos
afirmar, com absoluta certeza, que 1/6 das vezes obteremos a face 1 ao jogar o
dado infinitas vezes.

No que tange ao bom senso, repetir uma dada experimentação infinitas ve-
zes não é apenas uma tarefa hercúlea, mas impossível. Desta forma, a definição
supracitada de probabilidade é, na verdade, um capricho do formalismo mate-
mático e do seu linguajar. Faz-se necessária uma nova formulação do conceito
de probabilidade mais palpável e razoável dentro dos conceitos da realidade
humana. Surge, então, a probabilidade bayesiana, baseada na nossa inferência
de mundo e no conjunto de conhecimentos sobre um dado sistema, a partir
dos quais estabeleceremos as previsões probabilísticas atreladas ao sistema/

29
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

eventos sob estudo. Neste caso, a probabilidade bayesisna tomará a forma de


uma probabilidade condicional, que corresponde à probabilidade de ocorrên-
cia do evento favorável, dado que alguma situação ou evento prévios tenham
ocorrido. No caso da probabilidade bayesisna, podemos afirmar diretamente
que a probabilidade é 1/6, dado que há apenas uma face 1 no dado dentre as
6 possibilidades no geral, e dado que todas as faces são equiprováveis. Salta
os olhos que o modelo bayesiano deve se assemelhar consideravelmente mais
à nossa visão de mundo. Mais especificamente, é claramente impossível ao
nosso cérebro repetir infinitas vezes um dado evento para esboçar previsões
e análises sobre o mesmo. Em vez disso, nosso cérebro trabalha em cima do
nosso conhecimento prévio sobre o sistema em questão, ou mesmo cria uma
visão de mundo que lhe dê base para estimativas e interações.

A essa visão de mundo damos o nome, dentro do chamado Modelo de


Inferência Bayesiana (ADAMS, 2018), de expectativa de mundo. Em outras
palavras, mesmo a pouca informação acessível ao cérebro, junto de experiên-
cias e aprendizados prévios sobre o nosso mundo, permite ao nosso siste-
ma nervoso central a criação de um mundo irreal a partir do qual o cérebro
tomará todas as suas decisões. Entretanto, cabe a discussão do quanto este
mundo irreal replica e espelha o mundo real. Para isso, há um confronto de
verossimilhança entre o que o nosso cérebro recebe de informação dos nossos
veículos sensoriais e a sua expectativa de mundo.

Mais formalmente, em termos matemáticos, a expectativa de mundo é


mapeada em uma distribuição de probabilidades. O mundo descrito senso-
rialmente irá, por sua vez, também dar origem a uma outra distribuição de
probabilidades. Na região do córtex cerebral, ambas as duas visões serão con-
frontadas, o que pode ser representado matematicamente pela identificação
da variância entre as duas distribuições de probabilidade. Caso a variância
seja pequena, significa alto grau de verossimilhança entre a expectativa de
mundo criada e as descrições sensoriais dos sentidos. O cérebro, então, pára o
confronto e toma a expectativa de mundo como sua visão de mundo e ponto
de partida para as próximas interações com o meio externo. Por outro lado,
caso a variância seja grande, significa que a expectativa de mundo criada não
condiz com a informação do mundo real que chega ao cérebro a partir dos
nossos sentidos. Neste caso, criar-se-á uma nova expectativa de mundo cuja
distribuição de probabilidade será novamente confrontada com a distribuição
de probabilidades das informações sensoriais. O ciclo de elaboração de novas

30
2 – Experimentações e modelagem matemática nas neurociências cognitivas

expectativas de mundo e confrontos com o dito mundo sensorial continuará


até que o cérebro decida que a variância entre as duas distribuições probabilís-
ticas é suficientemente pequena, terminando o processo de retro-alimentação.
Cabe dizer que, ao modelarmos matematicamente o caso de um cérebro de
um paciente portador de autismo (HAKER, 2016), podemos entender que o
ciclo de confronto só terminará quando a variância final for a menor possível,
de forma que a expectativa de mundo praticamente venha a coincidir com o
mundo sensorial. Tal fenômeno permite não somente entender a percepção
micro do mundo autista, mas também dar base matemática a prevalência de
hipersensibilidades dentro do espectro autista.

Apenas ultimamente a neurociência cognitiva, dentro dos inúmeros braços


das neurociências, começou a vislumbrar a matemática como uma parte impor-
tante da sua evolução e descrição, como ocorre no modelo supracitado de infe-
rência bayesiana para o funcionamento do cérebro. Em geral, a ligação da nova
ciência com a matemática ocorre quando a primeira necessita de ferramentas
mais específicas. No caso do estudo da cognição, a matemática vem se mos-
trando um importante embasamento tanto no ramo teórico e de modelagem,
quanto computacional. Um dos aspectos mais relevantes que a matemática vem
assumindo dentro das neurociências cognitivas é ser um fator de unificação
das diversas teorias. Além disso, áreas da matemática extensamente aplicadas
à biologia e à medicina vêm trazendo uma visão do mundo micro para junto
das ciências cognitivas. Exemplos disso são os estudos dos controles motores
e visuais, ou simplesmente a fisiologia de um único neurônio ou de colunas
corticais, que têm sido amplamente o foco de áreas da matemática como análise
funcional, topologia, sistemas dinâmicos e teoria de grupo e das probabilidades.
Geometria computacional e modelagem computacional vêm, também, dando
forma e corpo a áreas como inteligência artificial e redes neurais.

As subáreas das ciências cognitivas vêm sendo abundantemente acrescidas


de informação a partir de meios matemáticos. A exemplo, métodos estatísti-
cos vêm sendo amplamente utilizados no tratamento de dados em psicologia e
linguística. Gigerenzer (1991) argumenta que as ferramentas que usamos, em
geral, impactam consideravelmente às neurociências e comumente trazem à
tona inúmeros problemas metodológicos.

Em Andler (1991), discute-se a neurociência dentro de três fases distintas.


Na chamada fase pré-histórica (1942-1956), há o foco na lógica e em uma
crescente cibernética (DUPUY, 1991; HEIMS, 1991). A lógica bouleana, por

31
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

exemplo, trouxe à geometria e às formas volumétricas as operações de adição,


subtração e união - dentre outras - a partir de uma estrutura matemática quase
que visual, reproduzindo o processo cognitivo humano. É inclusive esta pro-
priedade que faz com que a lógica bouleana seja, ainda hoje, abundantemente
aplicada no processo de modelagem de objetos em computação gráfica. A ló-
gica pode ser considerada como uma das grandes áreas da matemática, não
tendo apenas tomado um caráter mais sensorial e espelho ao cognitivo huma-
no, mas sendo capaz, também, de representar uma série de conceitos men-
tais. Por meio da cibernética, esperava-se um entendimento mais profundo
do cognitivo humano a partir de uma modelagem mais profunda do cognitivo
das máquinas e sua forma de pensar. Nesta vanguarda, encontrava-se, inclusi-
ve, o matemático Alan Turing (TURING, 1937), pai do primeiro computador
“pensante” com o qual decifrou os códigos nazistas durante a Segunda Grande
Guerra. Turing utilizava a lógica como mecanização do pensamento mental,
enquanto que, nas ciências biológicas, a lógica foi amplamente utilizada nos
trabalhos de McCulloch e Pitt (McULLOCH, 1988; ANDERSON, 1988), den-
tre outros.

A primeira fase do período histórico das ciências cognitivas (1956-1980)


se concentra nos avanços da inteligência artificial (LUNGARELLA, 2007). Já
durante seu nascimento, a inteligência artificial foi gerada tomando por base
o que se entendia por cognição humana. Neste ponto, vale ressaltar que a esta
altura se pensava, basicamente, em reproduzir a maneira humana de resol-
ver problemas, sem que entrássemos no foco do que definiria sentimentos ou
mesmo consciência, no que diz respeito às máquinas. Segundo (ANDLER,
1991), a lógica matemática regeria a linguagem formal dos sistemas, enquanto
que as teorias por detrás do pensamento artificial tomariam a forma (ao me-
nos em termos de notação) de programas computacionais. Neste momento,
faz-se interessante pensarmos nos programas como a mente humana, sendo
o hardware da máquina necessário não somente para a realização de tarefas e
interação com o mundo exterior, como também para abrigar a “mente”, assim
como nosso cérebro.

A inteligência artificial se faz presente ainda hoje até mesmo no campo de


interação com o ser humano. Por exemplo, a inteligência artificial denominada
Amelia, da companhia IPsoft, foi considerada, segundo o Grupo Everest, como
o agente de inteligência artificial mais capaz e cuja cognição mais se assemelha
a do ser-humano. Amelia atua em análises empregatícias, como especialista

32
2 – Experimentações e modelagem matemática nas neurociências cognitivas

em operações de TI, no atendimento ao cliente, dentre outras ocupações e ta-


refas, sendo capaz de afetar e influenciar indústrias e mercados. Na evolução
dos sistemas de inteligência artificial, o desenvolvimento da lógica matemática
para reproduzir operações do pensamento e da mente humana veio junto da
evolução das linguagens de programação. Começando com Lisp e Prolog, ru-
mamos para linguagens de programação mais orientadas ao objeto, como Java,
o que permitiu a escrita de códigos com funções cognitivas. O próprio desen-
volvimento da computação evoluiu para as chamadas linguagens de alto-nível,
as quais, contrariamente às chamadas linguagens tipo máquina, tomam não
somente um linguajar humano, como também uma estrutura, em termos de
escrita de código, semelhante à nossa forma mental de elaboração de algorit-
mos. As ditas linguagens alto-nível, entretanto, precisam ser compiladas, o que
significa que devem ser traduzidas para a linguagem de máquina. Desta forma,
tal fato exemplifica que, em última instância, as máquinas reproduzem, até cer-
to ponto, a cognição humana sem necessariamente contê-la em sua essência ou
sua estrutura fundamental de existência.

O até então mecanismo simbólico de representação da cognição levantou


vôo com o advento das chamadas redes neurais. Podemos dar o nome de co-
nexionismo à junção da inteligência artificial com as redes neurais. Neste mo-
mento, passamos a ter um sistema capaz de tomar decisões e de aprender, não
somente a partir de um pensamento linear e estruturado em degraus rígidos,
mas capaz de seguir diversos caminhos, se moldar e reconstruir, tomar deci-
sões embasadas em experiências e fazer previsões. O conexionismo permite
sua aplicação, inclusive, nos níveis funcional e mental, deixando suas impres-
sões a nível neuronal e refletindo de forma abstrata uma microestrutura de
cognição. Nesta etapa do desenvolvimento tecnológico, ramos matemáticos,
como álgebra linear, teoria das probabilidades e de sinais, análise e sistemas
dinâmicos, alcançaram elevados graus de sofisticação.

A fase moderna, que pode ser considerada como se extendendo até a época
atual, se baseia, em termos gerais, em uma neurociência cognitiva lastreada
por tecnologia de imageamento neurológico, sobretudo com foco no siste-
ma nervoso central, e em um embasamento teórico-formal. Tal embasamento
consiste em uma modelagem físico-matemática dos fenômenos nervosos nos
seus mais variados níveis de organização (DAYAN, 2001; ARBIB, 2003; GAZ-
ZANIGA, 2009). No quesito imageamento, ferramentas matemáticas vêm
permitindo enorme capacidade de caracterização e transcrição dos impulsos

33
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

nervosos em suas diversas complexidades. Os aparelhos de imageamento são


responsáveis pela detecção dos sistemas biológicos. Enxergá-los no computa-
dor e/ou obter imagens para análise significa uma complexa rede de algorit-
mos computacionais e matemáticos, junto de poderosos métodos estatísticos,
para traduzir em imagem o fruto da detecção.

Dentro da fase pós-moderna, por assim se dizer, seria a fase mais recente
da neurociência cognitiva. Neste mar de atualizações e aprimoramentos da
tecnologia e técnicas de modelagem, retoma-se não somente a necessidade de
dar embasamento técnico às ciências da cognição humana, mas também de
quantificá-las. Neste âmbito, nasce a psicofísica (GAZZANIGA, 2007; VAN-
DENBOS, 2010), a qual, idealmente, faz a junção quantitativa entre eventos da
mente e da cognição com fenômenos e descrições físico-matemáticas. Embora
um dos ramos mais antigos da psicologia, a psicofísica atual traz consigo uma
grande capacidade de quantificação, lançando mão das ferramentas. A psci-
cofísica vem adquirindo especial relevância, sobretudo no estudo de como o
cérebro gera fluxos de percepção e os organiza em pensamentos e ações.

A pscicofísica se mostra relevante na questão da complexidade do cérebro


em termos da qualidade de fenômenos nervosos (representações neuronais
VS representações mentais), da caracterização temporal dos eventos nervosos
(a dor de um espinho leva mili-segundos para ser percebida, enquanto que as
etapas de aprendizado levam anos) e da percepção espacial (algumas percep-
ções básicas são codificadas em neurônios únicos, enquanto que a sintaxe, por
exemplo, recobre quase todas as áreas do cérebro para seu processamento). A
psicofísica, após inúmeras reformulações metodológicas, vem sendo utilizada,
inclusive, para descrever o processamento cognitivo das emoções (WESNER,
2006), das motivações humanas (BURSEG, 2009; CARDELLO, 2005; EISLER,
1994), das interações sociais (DERCOLE, 1974), dentre inúmeros outros as-
pectos cognitivos (FETTERMAN, 1995).

Análises físico-matemáticas vêm dando embasamento profundo à psico-


física inclusive no âmbito clínico. Uma vez que a psicofísica requer a possibi-
lidade de inúmeros estímulos com condições de serem testados, transpor os
limites dos quadros laboratoriais para as análises clínicas requereu grandes
investimentos tecnológicos, tanto em termos de aparelhagem quanto em ter-
mos de modelagem e embasamento teórico-matemáticos. Neste quesito, po-
demos destacar o desenvolvimento de programas computacionais capazes de
construir rotinas psicofísicas completas (BRAINARD, 1997; PEIRCE, 2007) e

34
2 – Experimentações e modelagem matemática nas neurociências cognitivas

o avanço da modelagem matemática de sistemas dinâmicos para a descrição


das etapas dos estímulos no corpo humano (ANDERSON, 2003; BRAINARD,
1997; FITZKE, 1988; GARCIA-PEREZ, 1998, 2002) e a construção de algo-
ritmos matemáticos capazes de tratar estatísticas, probabilidades e parame-
trizações com multi-variáveis dos dados empíricos (GARCIA-PEREZ, 2009;
HURLIMANN, 2002; JAZAYERI, 2008; KING-SMITH, 1994; KING-SMITH,
1997; LEWIS, 1986; MACLIN, 2009; ROESCH, 2010; ZYCHALUK, 2009).

Em Maingret (2016), foi estudado o diálogo hipotálamo-cortical durante o


sono, a partir de estímulos elétricos externos compassados, trazendo à tona a
primeira evidência de uma relação causal entre tal diálogo e a consolidação da
memória no cérebro. Trabalhos do gênero utilizam técnicas de experimenta-
ção avançadas em paralelo a elaborados modelos da estrutura do cérebro, para
entender sua biologia, fisiologia e o relacionamento com uma das característi-
cas que nos fazem seres pensantes e com bagagem de vida: no exemplo supra-
citado, o foco fora o estudo da formação e fixação da memória no cérebro, o
HD do nosso computador pensante. Em Thompson (2016), faz-se uma busca
em um dos debates mais profundos das ciências cognitivas: a possibilidade
dos aspectos comportamentais refletirem os alicerces biológicos fundamen-
tais de um indivíduo. No artigo em questão, em vez de um complexo aparato
experimental, as luzes recaem sobre uma modelagem matemática cujo obje-
tivo é estabelecer um modelo geral das interações entre a evolução cultural
- destacando-se a linguagem - e a biológica. Procura-se responder quanto o
meio cultural molda o desenvolvimento cognitivo. Em Kirby (2017), utiliza-se
uma combinação de modelagens matemáticas, cálculos computacionais e ex-
perimentos laboratoriais para mostrar como a linguagem surge naturalmente
a partir da evolução cultural. Em Lotem (2017), chega-se a investigar, até mes-
mo, a evolução dos mecanismos cognitivos a partir das inovações culturais,
tomando-se por ferramental uma modelagem matemática complexa de me-
canismos de aprendizagem e aquisição de dados para justificar a construção
de uma rede complexa suficientemente para suportar as nossas diversas habi-
lidades cognitivas. Percebemos que as neurociências cognitivas, atualmente
embasadas de experimentações físicas e modelagens matemáticas complexas,
estão permitindo não somente o conhecimento da biologia e fisiologia dos
órgãos da cognição humana, mas também uma maior identificação do ser
humano como indivíduo e da espécie como ser social.

35
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Considerações finais
Ao olhar dos autores deste capítulo, fica clara a extrema necessidade do
crescimento conjunto das neurociências cognitivas com o ferramental tecno-
lógico e os formalismos matemáticos que, atualmente, alicerçam não somente
a construção e a física por detrás das tecnologias, mas a própria descrição
da cognição humana. A matemática, como lógica e abstração fundamental,
acaba por não se desprender da subjetividade humana. Enquanto as ciências
exatas têm por base seguir o método científico e descrever objetivamente o
mundo que nos cerca, o pensamento matemático talvez nunca assumirá uma
universalidade completa, sempre vinculado como criação humana e que, de
certo modo, replica nossa condição como seres pensantes. Podemos encarar,
também, a matemática como linguagem e notação das ciências. Galileu Ga-
lilei já diria: “A matemática é o alfabeto com que Deus escreveu o universo!”.
Sob este foco, a mesma torna-se ainda mais humana. Assim sendo, a aparente
perda de universalidade nos traz uma matemática perfeita para descrever-nos
a nós mesmos, no sentido de modelar a nossa cognição e intelecto. Os leito-
res devem ter se convencido que a matemática dentro das ciências cognitivas
pode, até mesmo, ajudar a entender nossos papéis como seres sociais e no
entendimento de como a nossa própria cultura evolui.

O crescente desenvolvimento físico-tecnológico vem assessorando não


somente experimentações acadêmicas para a investigação da mente e da
cognição humana, mas também, atualmente, ao ponto de se transformar em
patentes lucrativas e mecanismos de tratamento. A exemplo, em Association
pour la Diffusion du Neurofeedback en France (2014), faz-se uma coletânea de
trabalhos utilizando-se a técnica de neurofeedback para o tratamento de diver-
sas patologias da mente como TDAH, autismo, dentre outras, assim como de
diversos fantasmas do século XXI, como a síndrome do pânico e a depressão.
Técnicas de neurofeedback baseiam-se, a grosso modo, na modulação das on-
das cerebrais e na sua influência junto da neuroplasticidade.

As neurociências cognitivas não são apenas mais um ramo do conheci-


mento cientifico, mas justamente o ramo que procura entender de onde sur-
ge nosso pensamento lógico, emocional, motivacional, cultural e social. Até
mesmo nosso entendimento de fé e filosofias mais profundas. Desta forma,
devemos receber, com o maior carinho, todas as técnicas engenheirísticas e
matemáticas que vêm assessorando de forma tão profunda o embasamento

36
2 – Experimentações e modelagem matemática nas neurociências cognitivas

das ciências cognitivas e alicerçando novas descobertas e horizontes. Para os


autores deste trabalho, faz-se imprescindível a evolução coesa destes campos
da mente, todos com sua origem última na mente humana.

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2 – Experimentações e modelagem matemática nas neurociências cognitivas

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39
3
A relação entre o envelhecimento e a qualidade do sono: uma
abordagem teórica
Luciano Neves Reis1
Fernanda Castro Manhães2
Rosalee Santos Crespo Istoe3
Lucas Capita Quarto4

1. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem, Universidade Esta-


dual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro/Centro de Ciências do Homem/Cognição e Lin-
guagem – Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil, lucianonevesreis@uol.com.br.
2. Professora no Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem. Universidade Esta-
dual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro/Centro de Ciências do Homem/Cognição e Lin-
guagem – Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil, castromanhaes@gmail.com.
3. Professora no Programa de Pós-Graduação em Cognição em Linguagem, Universidade Es-
tadual do Norte Darcy Ribeiro/Centro de Ciências do Homem/Cognição e Linguagem –
Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil, rosaleeistoe@gmail.com.
4. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem – Universidade Es-
tadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro/Centro de Ciências do Homem/Cognição e Lin-
guagem, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil, lcapitaiv@gmail.com.

40
Considerações iniciais
As questões que envolvem o envelhecimento humano estão cada vez mais
presentes nas pesquisas acadêmicas, visto que, desde o século XX, as transfor-
mações no cenário mundial estão sendo marcadas por um aumento progressivo
da população idosa, fenômeno que é denominado por Abreu (2017) como “lon-
gevidade”. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (2017), até o ano
de 2050 o número de idosos no mundo será igual ou maior que o quantitativo
de crianças e jovens.

No Brasil, o aumento da expectativa de vida é evidenciado pelos avanços


tecnológicos na área da saúde, como vacinas, medicações, tratamentos qui-
mioterápicos e a explosão demográfica. Segundo o Guia da saúde do idoso,
nestas primeiras décadas, o envelhecimento populacional no Brasil e na maior
parte do mundo estabelece uma conquista e um desafio de dimensões jamais
enfrentadas pela humanidade, que se desdobra em implicações sociais, econô-
micas, culturais e políticas, assim como os fatores relacionados à preservação
e melhoria da saúde e qualidade de vida (PARANÁ, 2018).

De acordo com dados das Nações Unidas (2015), a população idosa do Bra-
sil, em 2010, representava 11,7% da população geral, e projeta-se um aumento
desse percentual para 18,8% em 2030 e 29,3% em 2050. O Brasil sofreu uma
grande transformação no seu perfil demográfico a partir de 1970, em que, de
uma sociedade majoritariamente rural e tradicional (famílias numerosas e com
alto risco de morte infantil), passou-se a uma sociedade urbana (menos filhos
e nova estrutura nas famílias brasileiras) (PARANÁ, 2018). A população bra-
sileira era predominantemente jovem, entretanto, desde o início do século XX,
nota-se um contingente de pessoas com 60 anos ou mais de idade (VASCON-
CELOS; GOMES, 2012). Com a crescente presença de pessoas idosas na socie-
dade, Miranda, Mendes e Silva (2016) destacam que o país enfrenta um grande
desafio em inserir o tema do envelhecimento populacional na formulação de
políticas públicas. Conforme a população envelhece, suas escolhas e priorida-
des também se alteram, não sendo possível definir um comportamento padrão.

O envelhecimento, ou senescência, é um processo genético que envolve


fatores biopsicossociais e mudanças fisiológicas, morfológicas, bioquímicas e
funcionais (SANTOS; ALMÊDA, 2013). Esse processo tem início após a fase
de maturação e se acelera após os 50 anos de idade (ABREU, 2017).

41
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Entre as alterações fisiológicas provenientes do envelhecimento, encon-


tra-se a do sono, que, no idoso, torna-se mais fragmentado e superficial, ou
seja, tem menor eficiência e pouca qualidade. De acordo com Barbosa et al.
(2016), seja normal ou usual, o envelhecimento faz com que a população idosa
apresente transtornos como a insônia e a síndrome da apneia do sono. Esses
fatores, na concepção de Silva et al. (2017), podem contribuir para o desen-
volvimento de distúrbios como sonolência diurna excessiva (SED) e, conse-
quentemente, elevação do número de cochilos diurnos, sensação de sono não
repousante, diminuição da capacidade física, desorientação, risco aumentado
de acidentes e traumas, supressão imunitária e declínio cognitivo.

Frente ao exposto, o presente trabalho tem como objetivo identificar a re-


lação entre o envelhecimento humano e a qualidade do sono, a fim de apre-
sentar contribuições importantes para a elaboração de estratégias capazes de
assistir às demandas dessa população, bem como subsidiar futuras pesquisas
acerca do assunto. Para atingir o objetivo proposto, a pesquisa teve como ob-
jetivos específicos: investigar as principais produções científicas entre os anos
de 2010 e 2019 acerca do envelhecimento humano e a qualidade do sono; com-
preender quais são as principais queixas dos idosos em relação à má qualidade
do sono; e apontar as principais mudanças que ocorrem na vida dos idosos
devido aos prejuízos relacionados à má qualidade do sono.

O envelhecimento da população produziu demandas que exigem uma re-


formulação dos princípios básicos de atenção ao idoso (LOPES; MENDES;
SILVA, 2014). Nesse contexto, estudar a relação entre o envelhecimento hu-
mano e a qualidade no sono possibilita uma difusão de saberes, sobretudo
em assuntos relativos à saúde do idoso, sendo esta uma temática importante
frente aos desafios de um envelhecimento saudável e ativo. Portanto, torna-se
relevante buscar informações qualitativas acerca dessa área de estudo.

Delineamento metodológico
O presente capítulo retrata uma revisão de literatura fundamentada por
trabalhos científicos divulgados em periódicos nacionais no tocante à quali-
dade do sono e ao envelhecimento humano, avaliados por intermédio de um
sistema de leituras seletivas: leitura exploratória – análise de critérios de inclu-
são e exclusão estabelecidos; leitura analítica – análise de resumos dos artigos;

42
3 – A relação entre o envelhecimento e a qualidade
do sono: uma abordagem teórica

e leitura interpretativa – análise do texto completo, e pelo ponto de vista de


cada autor acerca do objeto de estudo.

As buscas para realizar o levantamento bibliográfico foram realizadas no


mês de setembro de 2020. Para tanto, foram utilizadas três bases de dados:
Google Acadêmico, Scielo e Web of Science. Foi empregado um recorte tem-
poral de dez anos completos de publicação (2010-2019). Os descritores uti-
lizados para a busca foram: “envelhecimento humano”, “qualidade do sono”,
“qualidade de sono x envelhecimento”.

No que concerne aos critérios de inclusão, estes abarcaram artigos cientí-


ficos indexados nas bases de dados anteriormente mencionadas, disponibili-
zados na internet; registrados em português; publicados no período de 2010
a 2019; e pertinentes ao contexto. Com isso, os textos divulgados em língua
inglesa, publicados antes do intervalo de tempo estabelecido e que não apre-
sentavam subsídios para o propósito desta pesquisa, foram excluídos.

Resultados
Após o levantamento das principais produções científicas publicadas em
um período de dez anos (2010-2019), foram localizados na base de dados
25 artigos científicos (Google Acadêmico: 8; Scielo: 10; e Web of Science: 7),
dos quais 6 obras atenderam os critérios de inclusão. A leitura interpretativa
dos textos permitiu a obtenção de informações relevantes no tocante ao tema
objeto de estudo. Em relação à sistematização dos dados, foi elaborada uma
representação informativa (Quadro 1), na qual se encontram as variáveis esta-
belecidas: título do artigo, periódico, autores e principais objetivos.

43
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Quadro 1 - Distribuição dos artigos selecionados, no período 2010-


2019, segundo título, periódico, autores e objetivo

Título Periódico Autores Objetivo


Relação entre pro­ Sistematizar estudos que
blemas do sono, avaliam a relação entre
desempenho fun­ Alexandre Alves Pe­ problemas do sono, de­
Rev. Bras. Ge­
cional e ocorrên­ reira e Maria Filome­ sempenho funcional e
riatr. Geronto.
cia de quedas em na Ceolim. ocorrência de quedas
idosos da comuni­ em idosos da comuni­
dade. dade.
Keylla Talitha Fer­
nandes Barbosa; Fa­
Avaliar as característi­
Qualidade do so­ biana Maria Rorigues
cas do padrão de sono
no em pacientes Lopes de Oliveira;
Rev. Enferm. em idosos atendidos no
idosos em aten­ Sanni Moraes de Oli­
UFPE ambulatório de geriatria
dimento ambula­ veira; Menacela Oli­
de um hospital universi­
torial. veira Gomes e Maria
tário.
das Graças Melo Fer­
nandes.
Marilisa Berti de Aze­
vedo Barros; Mar­ Estimar a prevalência de
Qualidade do so­
gareth Guimarães sono autoavaliado como
no, saúde e bem­
Rev. Saúde LimaI; Maria Filome­ ruim e identificar os sub­
-estar em estudo
Pública na CeolimII; Edilson grupos da população
de base popula­
ZancanellaIII e Tânia mais susceptíveis ao pro­
cional.
Aparecida Marchiori blema.
de Oliveira Cardoso.
Kézia Katiane Medei­
ros Silva; Gleyce Any
Alterações do so­ Identificar as alterações
Freire de Lima; Rafa­
no e a interferên­ do sono que interferem
Rev. Enferm. ella Guilherme Gon­
cia na qualidade na qualidade de vida
UFPE çalves; Rejane Maria
de vida no enve­ durante o processo de
Paiva de Menezes;
lhecimento. envelhecimento.
Milva Maria Figueire­
do De Martino.
Ariene Angelini Analisar a influência con­
Sono, fragilidade dos Santos; Thalyta junta das variáveis ante­
e cognição: estu­ Cristina dos Santos cedentes (idade, gênero,
Rev. Bras. de
do multicêntrico Mansano-Schlosser; renda), fragilidade e dis­
Enferm.
com idosos brasi­ Maria Filomena Ce­ túrbios de sono sobre a
leiros. olim; Sofia Cristina cognição de idosos resi­
Iost Pavarini. dentes na comunidade.

44
3 – A relação entre o envelhecimento e a qualidade
do sono: uma abordagem teórica

Relações entre
Observar a relação entre
padrão do sono, Beatriz Helena Do­
alterações do sono asso­
saúde percebida mingos Oliveira; Mô­
ciadas à idade, sintomas
e variáveis socio­ nica Sanches Yassu­
Ciênc. Saúde de insônia, sintomas de
econômicas em da; Ana Paula Fabrino
Coletiva apnéia e sintomas de
uma amostra de Bretas Cupertino e
parassonia com variáveis
idosos residentes Anita Liberalesso
socioeconômicas e saú­
na comunidade: Neri.
de autopercebida.
Estudo PENSA.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Discussão

A relação entre o envelhecimento humano e a qualidade do sono

Barros et al. (2019) caracterizam o envelhecimento humano como um


fenômeno mundial que se iniciou nos países desenvolvidos devido à queda
de mortalidades, às conquistas do conhecimento médico, à urbanização, à
elevação dos níveis de higiene pessoal e ambiental, assim como aos avanços
tecnológicos. Ainda segundo os autores, os primeiros indícios desses fatores
começaram a ocorrer no final da década de 40 e início dos anos 50.

A literatura internacional aponta três principais fatores como responsáveis


pelo envelhecimento humano: o declínio da taxa de fecundidade, o aumento
da expectativa de vida e as variações nas taxas de natalidade e mortalidade
(BARBOSA et al., 2016). No que diz respeito ao declínio da taxa de fecundi-
dade, Pereira e Ceolim (2011) destacam a participação da população feminina
no mercado de trabalho ao longo da história, considerando esse fator uma
causa e consequência das quedas de fecundidade dos países. O segundo motor
é o aumento da expectativa de vida. O número de idosos ao redor do mundo
está crescendo consideravelmente, em um curto espaço de tempo, apresentan-
do uma vida substancialmente mais saudável.

De acordo com especialistas da área da saúde, o fenômeno chamado com-


pression of morbidity atribui o aumento da duração de vida aos períodos de
doenças mais curtos e em idades mais avançadas (BARBOSA et al., 2016). O
terceiro motor determinante no processo de envelhecimento está relacionado

45
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

às variações nas taxas de natalidade e mortalidade. Por exemplo, após a Se-


gunda Guerra Mundial, houve um grande aumento demográfico, chamado
baby boom, com grande crescimento na taxa de fecundidade. O crescimento
da fecundidade vivenciado nos anos 60 associado ao declínio nas taxas de
mortalidade infantil acabou refletindo na estrutura etária da população com
60 anos ou mais (BARBOSA et al., 2016).

Em relação à qualidade do sono, na concepção de Santos et al. (2013), ela


é uma das cinco dimensões consideradas relevantes para um sono saudável.
Ainda segundo os autores, o sono está entre os temas emergentes mais
relevantes, uma vez que há evidências de que a sua privação e seus distúrbios
surtem efeitos nos processos metabólicos e inflamatórios, o que gera impactos
negativos na saúde. Especificadamente em relação à qualidade do sono, as
pesquisas realizadas por Silva et al. (2017) detectaram que uma má qualidade
do sono, sobretudo em indivíduos idosos, associa-se a elevadas taxas de mor-
talidade e a maiores prevalências de síndromes metabólicas, diabetes, doença
coronariana, hipertensão e depressão.

O sono é uma condição de descanso e restauração do corpo e da mente,


sendo necessário a todo ser humano independentemente de sua faixa etária
de idade. Durante o sono, o corpo se desliga dos processos externos ao seu
redor. Uma pesquisa realizada por Silva et al. (2017) demonstrou que, quanto
pior for a qualidade do sono do idoso, maior será o seu comprometimento
em realizar tarefas cognitivas. Em sua pesquisa, Barros et al. (2019) afirmam
que as mudanças na qualidade do sono são uma consequência do processo
de envelhecimento, enfatizando que essas alterações vão desde o comprome-
timento cognitivo ao físico. Ainda segundo os autores, as alterações no nível
cognitivo envolvem a perda da capacidade funcional dos idosos, associada à
diminuição da autonomia e aos riscos de quedas, o que resulta em uma maior
vulnerabilidade do idoso.

O processo de envelhecimento demonstra alterações no ciclo circadiano


(SANTOS, 2013). Na definição de Barbosa et al. (2016), o ciclo circadiano é
um relógio biológico que estabelece o controle de vários sinais vitais huma-
nos, como a pressão arterial, a produção de hormônios, a atividade digestiva,
a temperatura corporal, a sensação de fome, o funcionamento dos intestinos e
dos rins. Ainda segundo os autores, o envelhecimento pode ocasionar um des-
controle no ciclo circadiano e gerar consequências diretas na saúde do idoso,
como a fragmentação do sono e a alteração dos horários de descanso. Quando

46
3 – A relação entre o envelhecimento e a qualidade
do sono: uma abordagem teórica

isso ocorre, o idoso passa a dormir e acordar mais cedo, e até mesmo passar ter
cochilos diários. Os distúrbios do sono acarretam efeitos negativos na saúde
mental e física do ser humano. No idoso, esses distúrbios geram maior impac-
to, pois podem ser confundidos com algum comprometimento cognitivo ou
alguma demência (SILVA et al., 2017). Oliveira, Yassuda e Cupetino (2010)
associam a insônia a uma menor sobrevida, em virtude da mortalidade oca-
sionada por acidente vascular encefálico, doenças cardíacas, suicídio e cân-
cer. Nesse contexto, os autores ainda dizem que idosos possuem chances duas
vezes maiores de apresentarem insônia que um indivíduo jovem que possua
qualidade do sono.

Avaliação integrativa dos artigos

Para atingir o objetivo proposto, Pereira e Ceolim (2011) realizaram uma


revisão bibliográfica entre os dias 21 e 30 de setembro de 2009, utilizando os
descritores “sleep” AND “falls” AND “functional performance” AND “elderly”
aplicados nas bases de dados Pubmed, Ageline e Scielo. Como critérios de in-
clusão, os autores empregaram: artigos completos publicados de 2006 a 2009,
estudos retrospectivos, transversais e prospectivos. Como resultado, foram
encontrados 52 estudos. Após a análise da amostra, os autores chegaram à
conclusão de que os distúrbios do sono podem afetar o desempenho funcional
do idoso, além de aumentar o risco de quedas.

Para avaliar as características do padrão de sono dos idosos participantes


da pesquisa, Barbosa et al. (2016) fizeram um estudo descritivo e transversal,
desenvolvido com uma amostra de 100 idosos. O instrumento de coleta de
dados foi a entrevista com o auxílio de formulário. Após o levantamento dos
dados, os autores os analisaram por meio de estatística descritiva e do teste
de Qui Quadrado de Pearson. Como resultado, foi observado que 46% dos
idosos relataram possuir sono muito alterado, enquanto 57% informaram ter
um bom padrão de sono. A pesquisa serviu para salientar a importância de
políticas públicas direcionadas para o enfrentamento dos distúrbios do sono
da população idosa.

O estudo de Barros et al. (2019) trata de uma pesquisa transversal, de


base populacional, desenvolvida por meio de dados de Inquérito de Saúde do
município de Campinas. Os autores analisaram os dados de uma amostra de
1.1998 indivíduos. A qualidade do sono da amostra foi analisada conforme

47
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

as características sociodemográficas, comportamentos e saúde, morbidades


e sentimentos de bem-estar. A prevalência de sono autoavaliado como ruim
foi de 29,1%, sendo significativamente mais elevada nas mulheres, indivíduos
sem ocupação, em indivíduos de 60 a 70 anos de idade, com algum transtorno
mental comum (RP = 1,59), com maiores problemas de saúde (RP = 2,33) e
que manifestavam sintomas de depressão. O sono ruim foi associado aos rela-
tos de dificuldade de iniciar o sono (RP = 4,17), de manter o sono (RP = 4,40)
e com dificuldades em se sentir disposto durante o dia (RP = 4,52).

Silva et al. (2017) utilizaram uma revisão integrativa, com os descritores


“envelhecimento”, “distúrbios do sono” e “qualidade de vida” aplicados nas ba-
ses de dados Medline, Lilacs e Scopus. A amostra da pesquisa foi de 10 artigos,
que subsidiaram a construção de três categorias: o processo de senescência e
as modificações habituais do sono; os distúrbios do sono em função das pato-
logias típicas do envelhecimento; e as implicações dos distúrbios do sono na
qualidade de vida do idoso. As alterações do sono evidenciadas nas pesquisas
evidenciam as necessidades de ações direcionadas à melhor qualidade de vida
da pessoa idosa.

O estudo de Santos et al. (2013) se trata de um recorte de um projeto mul-


ticêntrico denominado “Fragilidade em Idosos Brasileiros”. No projeto, 878
idosos foram avaliados, por meio de questionário sociodemográfico e ques-
tões sobre os distúrbios do sono. Na análise dos dados, foram empregados os
testes Mann Whitney e Kruskal Wallis, e a análise de regressão univariada e
multivariada, com um nível de significância de 5% (p < 0,05). Os resultados
permitiram aferir que os idosos que apresentaram menos escore do MEEM
foram aqueles com menor renda familiar e do sexo feminino. Diante dos re-
sultados, os profissionais de saúde poderão desenvolver ações preventivas no
que concerne à cognição, mantendo a autonomia e independência dos idosos
na realização de suas atividades cotidianas. Para atingir o objetivo proposto,
Oliveira et al. (2010) avaliaram o padrão de sono da amostra por meio do
Mini-Sleep Questionary. Os resultados apontaram que o grupo com menor es-
colaridade e as mulheres apresentaram maiores sintomas de insônia, os idosos
apresentaram maior frequência de sintomas apnéicos. Com isso, os autores
concluíram que o padrão do sono é influenciado pelas características socioe-
conômicas, como gênero, idade e escolaridade.

48
3 – A relação entre o envelhecimento e a qualidade
do sono: uma abordagem teórica

Considerações finais
A qualidade do sono está entre as queixas mais frequentes dos idosos. As
mudanças morfológicas e fisiológicas provenientes do processo de senescên-
cia podem ser observadas na qualidade do sono do idoso. Conforme foi dis-
cutido no decorrer da pesquisa, as principais alterações do sono relacionadas
ao processo de envelhecimento são a apneia, a insônia e os distúrbios do ritmo
circadiano.

O presente estudo nos permite aferir que a qualidade do sono atua na


prevenção de agravos à saúde da população idosa, apresentando resultados
complementares à literatura do sono, o que contribui para uma melhor com-
preensão desses aspectos no envelhecimento. Diante do exposto, fica clara a
necessidade de um olhar mais crítico quanto à qualidade de vida do idoso,
que, com os problemas do sono, pode sofrer grande interferência.

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50
4
Neuroeducação: contribuições das neurociências, psicologia e
educação para as práticas pedagógicas
Andreza de Souza Almeida1
Flávia da Cunha Pereira2

Considerações iniciais
As descobertas em neurociências têm influenciado significativamen-
te a área da educação. Os conhecimentos neurocientíficos têm contribuído
muito com as pesquisas educacionais para a criação de melhores estratégias
pedagógicas no processo de ensino e aprendizagem.

A partir do entendimento de que a educação pode utilizar diferentes mé-


todos para promover a aprendizagem, pesquisas com intuito de investigar

1. Mestra em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy


Ribeiro (UENF). Especialista em Avaliação, Saúde e Trabalho pela Faculdade Santo André.
Graduada em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: andreza_
com@yahoo.com.br.
2. Mestra em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro (UENF). Especialista em Neuroeducação pela Universidade Estácio de Sá e em Neu-
ropsicologia pela UCAM-Prominas. Graduada em Psicologia pela Universidade Federal
Fluminense. E-mail: flavinhapereira17@gmail.com.

51
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

as contribuições das neurociências na educação estão sendo realizadas sob


perspectivas diferenciadas de neurocientistas, pedagogos e psicólogos visando
uma compreensão científica da educação (OLIVEIRA, 2011).

Neste capítulo, propomos uma articulação entre as neurociências e a edu-


cação, apresentando um novo modelo de ensino formado pela interdiscipli-
naridade entre as neurociências, psicologia e educação: a neuroeducação, que
visa subsidiar, por meio de estratégias pedagógicas, os educadores no cotidia-
no escolar.

Para o desenvolvimento do texto, como metodologia foi realizada uma


revisão literária a fim de apresentar a neuroeducação, um campo recente e
interdisciplinar que busca levar os educadores a relacionar os conhecimen-
tos do funcionamento do cérebro com a aprendizagem. Esse campo apresen-
ta propostas que, se bem aplicadas no contexto educacional, podem oferecer
práticas de ensino e aprendizagem mais eficazes.

Ao longo deste capítulo, pretendemos apresentar algumas contribuições


das neurociências à educação, o surgimento da neuroeducação no contexto
escolar, bem como compreender os seus subsídios nas práticas pedagógicas.

Portanto, esta pesquisa se propõe a debruçar-se sobre a temática apresen-


tada, de modo a contribuir com o aprofundamento das pesquisas já existentes,
bem como tornar-se mais um instrumento de consulta no processo de desen-
volvimento do tema.

Contribuições das neurociências para a educação


O órgão mais importante do sistema nervoso é o cérebro, devido a ele to-
mamos consciência das informações transmitidas pelos órgãos dos sentidos e
as processamos (COSENZA; GUERRA, 2011). As neurociências explicam que
é por meio do funcionamento cerebral que somos capazes de aprender, uma
vez que esse funcionamento é feito mediante os circuitos nervosos, formados
por dezenas de bilhões de neurônios, que são células especializadas em rece-
ber e levar informações.

Embora estudos apontem ser o processo de aprendizagem biológico, é im-


portante reconhecer que esse processo depende fundamentalmente da intera-
ção entre o indivíduo e o meio (RIBEIRO, 2015). As neurociências mostram

52
4 – Neuroeducação: contribuições das neurociências,
psicologia e educação para as práticas pedagógicas

que, logo nos primeiros anos de vida do bebê, a capacidade de formação de


novas sinapses no sistema nervoso é muito grande, porém é necessária a inte-
ração do indivíduo com o ambiente a fim de que seja feita no cérebro a maior
parte das conexões.

Enquanto o indivíduo interage com o ambiente, as sinapses entre os neu-


rônios, que constituem as redes neurais, se tornam mais estabelecidas e com-
plexas (CRUZ, 2016). As sinapses podem ser entendidas como estruturas nas
quais ocorrem a passagem de informações entre as células, sendo essas es-
truturas que regulam as transmissões das informações no sistema nervoso.
Portanto, a sua importância é fundamental na aprendizagem.

Para compreendermos o funcionamento cerebral, no que concerne à


aprendizagem, torna-se importante conhecer como as informações sensoriais
chegam ao sistema nervoso e circulam no cérebro. Os sentidos como a visão
ou a audição têm receptores e cadeias neurais que conduzem determinada in-
formação até uma região do córtex cerebral, onde essa informação se tornará
consciente. Dessa forma, é por intermédio das informações sensoriais trans-
portadas mediante os circuitos específicos e processadas pelo cérebro que ob-
temos conhecimento, pois “o cérebro se liga aos órgãos periféricos tanto para
receber informações como para enviar os comandos que permitem a interação
com o mundo exterior” (COSENZA; GUERRA, 2011, p. 27).

Quanto mais se esclarece acerca do funcionamento do cérebro, como ele


se forma e se desenvolve, mais aumenta o interesse dos pesquisadores e pro-
fissionais da educação em compreender os aspectos biológicos relacionados
à aprendizagem, às habilidades e deficiências que cada indivíduo pode apre-
sentar (OLIVEIRA, 2014). Esses conhecimentos podem auxiliar tanto os pais
como os educadores na tarefa de educar.

Para explicar melhor como os conhecimentos das neurociências sobre


o cérebro podem contribuir com as práticas educativas, Cosenza e Guerra
(2011) escreveram que a apropriação de tais conhecimentos pode auxiliar o
professor no cotidiano na escola, junto ao aluno e à sua família:
O trabalho do educador pode ser mais significativo e
eficiente quando ele conhece o funcionamento cere-
bral. Conhecer a organização e as funções do cérebro,
os períodos receptivos, os mecanismos da linguagem,
da atenção e da memória, as relações entre cognição,
emoção, motivação e desempenho, as dificuldades de

53
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

aprendizagem e as intervenções a elas relacionadas


contribui para o cotidiano do educador na escola,
junto ao aprendiz e a sua família. Mas saber como o
cérebro aprende não é suficiente para a realização da
“mágica do ensinar e aprender” (COSENZA; GUER-
RA, 2011, p. 143).

Os neurocientistas acreditam que podem ajudar nas práticas pedagógicas


por meio de ideias que qualificam as escolhas para melhores estratégias de
ensino e aprendizagem, porque os fundamentos das neurociências possibi-
litam uma melhor compreensão dos processos cognitivos envolvidos com o
aprendizado. Entretanto, as neurociências não prometem soluções para as di-
ficuldades de aprendizagem, mas podem auxiliar nas escolhas de práticas de
ensino que respeitem o modo como o cérebro funciona (FILIPIN et al., 2017).

Nesse sentido, torna-se importante que o educador tenha conhecimentos


sobre o funcionamento cerebral a fim de que consiga elaborar estratégias para
aprendizagem que estimulem o aluno, uma vez que o cérebro é um órgão fas-
cinante, que controla desde as suas funções vitais basais até as emoções e o
aprendizado (OLIVEIRA, 2015).

A partir do entendimento de como o cérebro funciona, as neurociências


podem contribuir com a educação por meio de conhecimentos sobre como
ocorre o processo de aprendizagem no cérebro. Mas, para que isso aconteça,
pesquisas no campo das neurociências vêm avançando e se destacando, pois
o interesse em entender o funcionamento do cérebro e suas potencialidades,
junto ao avanço tecnológico, tem apresentado um progresso científico signifi-
cativo (RIBEIRO; SENA, 2014). O avanço das pesquisas neurocientíficas vem
favorecendo o entendimento da mente humana e seus desdobramentos.

Visto que as neurociências descrevem o funcionamento cerebral, estudar o


cérebro, para muitos, significa dedicar-se ao estudo do órgão humano respon-
sável pela aprendizagem (CRUZ, 2016). Contudo, ainda que o encéfalo seja
um órgão extremamente complexo, não deve ser considerado o único respon-
sável pelo processo de aprendizagem, uma vez que esse processo utiliza bem
mais que o cérebro (OLIVEIRA, 2014). Pensar que o cérebro isolado do corpo
é capaz de aprender pode ser considerada uma concepção reducionista do ser
humano, pois, segundo, Amaral e Jandrey (2015), quem aprende é uma pessoa
que tem história e está inserida em um contexto social.

54
4 – Neuroeducação: contribuições das neurociências,
psicologia e educação para as práticas pedagógicas

Há outros fatores intrínsecos que estão relacionados com o processo de


aprender e devem ser considerados, como as atividades físicas, os níveis de
interesse, os graus de motivação, a nutrição e o sono (COSENZA; GUERRA,
2011; CRUZ, 2016; OLIVEIRA, 2014; SANTIAGO JÚNIOR, 2016; WALKER;
STICKGOLD, 2006).

Ainda que o cérebro não seja o único responsável pelo processo de apren-
dizagem, Cosenza e Guerra (2011, p. 73) defendem que, para a escolha de me-
lhores práticas educativas, “as estratégias eficientes serão aquelas que atentem
para os princípios do funcionamento do cérebro”. Dessa forma, na tentativa
de aplicar estratégias que tornem a aprendizagem mais eficiente no contexto
escolar, Carvalho (2010) discorreu acerca da importância dos conhecimentos
neurocientíficos serem incluídos na formação dos educadores:
Quantos professores sabem que um simples traba-
lho de memorização de diferentes tipos de textos
exige diferentes níveis de oxigenação do cérebro?
Que quanto mais complexa a atividade proposta e
à medida que se eleva o grau de raciocínio, o fluxo
sanguíneo no cérebro é mais intenso? O professor
tem noção de que sua ação pedagógica desencadeia
no organismo do aluno reações neurológicas e hor-
monais que podem ter influência na motivação para
aprender? Como pode o professor desconhecer a di-
nâmica mente/cérebro? Basta a análise dessas ques-
tões para que se compreenda a importância desse
tipo de informação na adequação de metodologias
de ensino (CARVALHO, 2010, p. 546).

A compreensão de como se processa a aprendizagem no cérebro pode pro-


porcionar aos educadores métodos e estratégias para se tentar reduzir as difi-
culdades de aprendizagem, mediante o auxílio de intervenções que podem ser
utilizadas nesse processo.

Dessa forma, professores que percebem a aprendizagem como processo


humano vinculado às ciências biológicas e condicionantes socioculturais as-
sumem uma coordenação mais eficaz, tanto das emoções como da aprendi-
zagem de seus alunos (RIBEIRO; SENA, 2014). Portanto, é importante que
o educador seja capacitado para compreender as individualidades no pro-
cesso de aprendizado de seus educandos, a fim de que haja possibilidades de

55
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

maximizar seus potenciais e minimizar suas dificuldades durante a prática


educativa.

Visto que as neurociências têm se mostrado uma importante aliada à edu-


cação, disponibilizando o seu saber sobre o sistema nervoso central, a fim de
colaborar com a diminuição dos problemas educacionais (SANTOS; SOUSA,
2016), suas contribuições no contexto educacional podem trazer novas ideias
para que intervenções sejam realizadas por meio de estratégias pedagógicas,
que estejam fundamentadas na compreensão dos processos cognitivos envol-
vidos no processo de ensino e aprendizagem.

O surgimento da neuroeducação
A neuroeducação surge no campo das pesquisas a partir de 1970 pelo fato
de serem percebidas algumas dificuldades na aprendizagem dentro do am-
biente escolar, esse problema instigou estudiosos das áreas de psicologia, neu-
rociências e educação a atuarem juntamente para aplicações de estratégias que
oferecessem melhores resultados para a aprendizagem. A motivação desses
pesquisadores de pensarem em como resolveriam essa questão surgiu, por-
que professores recebiam exames neurológicos dos alunos, que apresentavam
problemas de funcionamento cerebral, sem estarem capacitados para agirem
conforme as necessidades apresentadas, e isso pode ter contribuído para com-
prometer ainda mais o processo cognitivo do paciente-aluno (TOKUHAMA-
-ESPINOSA, 2008).

Além disso, a situação na qual “professores às voltas com tomografias com-


putadorizadas trazidas por pais de alunos para discutir desempenho e inter-
venção” poderia trazer um problema de ética para esses profissionais, pois
eram procurados para darem orientação sem que tivessem formação nas áreas
de neurologia e psicologia (ZARO et al., 2010, p. 202).

Nesse cenário, Tokuhama-Espinosa (2008) conta que alguns pesquisado-


res, que iniciaram suas pesquisas na ciência, com base no pensamento inter-
disciplinar, direcionaram a atenção para a educação com o intuito de poderem
contribuir com o processo de ensino e aprendizagem.

A partir desses acontecimentos, surge a importância da inserção dos


conhecimentos das áreas das neurociências e psicologia na formação dos

56
4 – Neuroeducação: contribuições das neurociências,
psicologia e educação para as práticas pedagógicas

educadores a fim de capacitá-los. Santiago Júnior (2016) relata que tanto


a neuroeducação como a preocupação com a capacitação dos professores
surgiram à medida que foram constados diferentes estudos acerca da in-
teligência. Um desses estudos, foi a Teoria das Inteligências Múltiplas, que
surgiu na década de 1980, explicando que cada pessoa possui um ou mais
conjuntos de competências que se destacam (GARDNER, 2015).

A Teoria das Inteligências Múltiplas surge quando Howard Gardner3 cri-


tica o conceito tradicional de inteligência e o compreende como muito li-
mitado. Gardner conta que “na visão clássica de inteligência, o desempenho
de um indivíduo em uma esfera é um indicativo de seu desempenho geral”
(GARDNER, 2015, p. 30). Ele revela que todo ser humano é inteligente, mas
de formas diferentes, e que suas habilidades podem ser reforçadas, desen-
volvidas ou não.

A teoria de Gardner totaliza dez inteligências: verbal ou linguística, lógi-


co-matemática, corporal-cinestésica, espacial, interpessoal, intrapessoal, mu-
sical, naturalística, existencial e pedagógica. Entretanto, além das inteligências
apresentadas na teoria de Gardner, cabe mencionar a inteligência emocional,
divulgada por Daniel Goleman, que seria a relação das inteligências intrapes-
soal e interpessoal (COSENZA; GUERRA, 2011).

A partir do conhecimento de que existem diferentes tipos de inteligências,


são apontadas as preocupações da neuroeducação, que incluíam a compreen-
são de que não há dois cérebros idênticos, o que significa dizer que nem todos
aprenderão do mesmo modo devido às questões congênitas e às experiências
(TOKUHAMA-ESPINOSA, 2008).

Ao considerar que as experiências de vida são diferentes para cada pessoa,


é possível dizer que a aprendizagem não ocorre da mesma maneira para todos.
Gardner (2015) reconhecendo essas diferenças, argumenta que:
Seres humanos são diferentes uns dos outros, e não
há razão para ensinar e avaliar todos de forma idênti-
ca. Uma boa prática para o futuro seria individualizar
as formas de apresentação de conteúdo, assim como

3. Howard Gardner – professor e psicólogo cognitivo e educacional. Em artigo especial para


revista Neuroeducação, o autor esclarece seus fundamentos acerca da Teoria das Inteligên-
cias Múltiplas.

57
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

as maneiras de avaliá-lo, tanto quanto possível. Isso


depende essencialmente do entendimento de que
cada estudante apresenta um perfil intelectual parti-
cular (GARDNER, 2015, p. 35).

Dessa forma, por mais que o educador tente alcançar todos os alunos
com o mesmo ensino, não terá resultados positivos se não compreender
que há diferenciação nos modos de aprender, visto que cada um tem a sua
própria percepção e assimilação do conteúdo, além do próprio tempo de
aprendizagem.

Considerando que os alunos não devem ser ensinados da mesma forma,


Tokuhama-Espinosa (2008) observou que existem muitos estudos acerca da
aprendizagem, contudo há poucos estudos que explicam como eles devem ser
instruídos.

Partindo da necessidade da formação de um campo que respeita a forma


como as pessoas devem ser ensinadas, autores apontam que uma nova ciência
tem emergido, a neuroeducação, uma nova linha de pensamento e ação que
tem como principal objetivo aproximar os educadores dos conhecimentos que
relacionam o cérebro com a aprendizagem, considerando a união entre a Pe-
dagogia, a Psicologia Cognitiva e as neurociências (CAMPOS, 2010; OLIVEI-
RA, 2011; TOKUHAMA-ESPINOSA, 2008).

A neuroeducação surge como um campo interdisciplinar, formado pela


interseção entre a pedagogia, a psicologia e as neurociências, que visa compre-
ender a relação de determinas áreas do cérebro humano com a aprendizagem
(OLIVEIRA; LACERDA, 2018). A compreensão das áreas cerebrais respon-
sáveis pela memória, linguagem, atenção, funções executivas e emoção, que
estão envolvidas no processo de aprendizado, tem despertado o interesse dos
educadores, psicólogos e neurocientistas na busca de configurar um novo mo-
delo educativo.

A neuroeducação nas práticas educativas


Quando a neuroeducação é aplicada nas práticas pedagógicas, o educador
deve respeitar a individualidade dos alunos considerando que aprendem de

58
4 – Neuroeducação: contribuições das neurociências,
psicologia e educação para as práticas pedagógicas

formas diferenciadas e que podem apresentar facilidades e dificuldades para


compreenderem o mesmo conteúdo, visto que são indivíduos diferentes e
possuem competências distintas.

As habilidades e capacidades humanas estão relacionadas a determinadas


regiões do cérebro (GARDNER, 2015). Assim, podemos compreender a capa-
cidade de cada cérebro, porquanto são habilitados em áreas distintas e que não
respondem igualmente em todas as áreas.

Acerca da maneira de ensinar, os neurocientistas acreditam que os educa-


dores ensinam melhor quando entendem como os alunos aprendem, já que
“para neurociências não há pessoas que não aprendem, o que existem são cé-
rebros com ritmos neurais diferentes que necessitam de mais estímulos e os
processam de forma mais lenta” (OLIVEIRA, 2015, p. 10). Dessa forma, ainda
que com ritmo ou metodologia diferentes, os neurocientistas acreditam que
todo aluno é capaz de aprender.

Com base nisso, é importante que o professor se habilite a ensinar, a mo-


tivar e a avaliar os educandos da maneira que seja mais eficiente e compatível
com o funcionamento do cérebro deles (OLIVEIRA, 2011). Talvez, a falta des-
sa habilitação profissional esteja colaborando para que a aprendizagem não
ocorra de forma efetiva, uma vez que, na sala de aula, muito do que é ensinado
nem sempre é aprendido. Alves (2018) escreveu acerca de alguns motivos para
o acontecimento desse fenômeno:
Não se aprendeu porque o método de ensino não foi
adequado. Não se aprendeu porque o que foi ensi-
nado não fazia sentido. Não se aprendeu porque a
linguagem dita não era a mesma que o receptor con-
seguia compreender, aprender em si. Não se apreen-
deu porque quem deveria ensinar não teve a possibi-
lidade de ensinar como é capaz de aprender (ALVES,
2018, p. 194).

São muitos os porquês para se tentar explicar o motivo pelo qual o que foi
ensinado não foi aprendido, já que diversos fatores podem atravessar o ato de
ensinar e aprender. Diante disso, os educadores devem pensar acerca de novas
formas de ensinar, uma vez que a educação, na contemporaneidade, pode ser
pensada de modo interdisciplinar.

59
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Assim, constituído de forma interdisciplinar, surge um novo paradigma


para tornar ainda melhores as práticas pedagógicas, pois “a neuroeducação
vem se constituindo num campo de pesquisa educacional, com metodologia
própria, que se fortalece com as contribuições da neurociência, da psicolo-
gia e da pedagogia” (OLIVEIRA, 2011, p. 75). Como uma proposta que vem
ganhando espaço no campo da educação, a neuroeducação se ocupa em con-
tribuir para que os conhecimentos científicos sejam aplicados em sala de aula
por meio das melhores práticas educacionais.

Ao considerar que a neuroeducação pode aproximar os conhecimentos neu-


rocientíficos às práticas educacionais, Bos et al. (2019) argumentam que esse
campo pode auxiliar na escolha de melhores estratégias para ensinar e aprender:
A neuroeducação pode ser uma ferramenta impor-
tante para aprimorar os processos de aprendizagem,
pois é possível trabalhar com informações e dados do
sistema nervoso em diferentes aspectos.  Esse ramo
da neurociência nos ajuda a entender como aprende-
mos, abrindo possibilidades para melhorar os víncu-
los educacionais. Também auxilia no melhor entendi-
mento dos alunos por meio de dados, possibilitando
verificar os processos de ensino e aprendizagem mais
eficazes para eles (BOS et al., 2019, p. 1833).

A neuroeducação pode ser utilizada como um instrumento para auxiliar na


compreensão de como os conhecimentos das neurociências, psicologia e pe-
dagogia podem ser aplicados no sistema de educação. Para a neuroeducação, a
contribuição das neurociências está no auxílio ao conhecimento dos mecanis-
mos cerebrais envolvidos com a aprendizagem, já a colaboração da psicologia
está em compreender os processos cognitivos resultantes desses mecanismos, e
a participação da pedagogia está em aplicá-los nas práticas de ensino.

Diante das contribuições de três áreas distintas para o campo educacional,


Tokuhama-Espinosa (2008, p. 36) questiona: “Qual é o objetivo da neuroe-
ducação?”. A pesquisadora esclarece que “existem pelo menos três pontos de
vista distintos, dependendo se a literatura vem de um neurologista, de um
psicólogo ou de um educador”. Nessa perspectiva, uma maneira de entender
os debates conceituais no campo é reconhecer que cada uma dessas áreas con-
tribui com objetivos diferentes.

60
4 – Neuroeducação: contribuições das neurociências,
psicologia e educação para as práticas pedagógicas

A pesquisadora Tokuhama-Espinosa entende que, na perspectiva da psi-


cologia, um dos objetivos da neuroeducação é explicar os comportamentos da
aprendizagem. Já para os neurocientistas, o objetivo da neuroeducação é en-
tender “como o cérebro aprende”, ou seja, como os neurônios são alterados no
cérebro com base nas novas experiências. Então, enquanto os psicólogos estão
mais preocupados com o comportamento e os neurocientistas se ocupam com
o funcionamento cerebral, os professores entendem que o objetivo da neuroe-
ducação é melhorar os instrumentos de ensino e as práticas pedagógicas na
escola (TOKUHAMA-ESPINOSA, 2008).

Nessa interdisciplinaridade que envolve neurociências, psicologia e edu-


cação, Mateus (2016) entende que cada uma dessas áreas possui funções di-
ferentes. O neurocientista tem a função de estudar o funcionamento do cé-
rebro e suas estruturas. O psicólogo, especificamente o neuropsicólogo, é o
principal elo entre as neurociências e a educação. Segundo Luria (1981), o
neuropsicólogo estuda as relações entre o cérebro e o comportamento obje-
tivando conhecer o funcionamento das funções corticais superiores, como
atenção, memória, linguagem etc., que estão envolvidos no processo de ensi-
nar e aprender. Dessa forma, “a neuropsicologia conecta o que se sabe sobre a
mente na psicologia com o que é conhecido sobre o cérebro físico em neuro-
logia” (TOKUHAMA-ESPINOSA, 2008, p. 37).

Entretanto, a psicologia cognitiva pode ser utilizada como uma ponte para
unir as neurociências à educação, já que essa abordagem se envolve com o
estudo dos processos mentais e pode proporcionar conhecimentos sobre o
desenvolvimento e a aprendizagem com o intuito de auxiliar o ato de ensinar
(LISBOA, 2014).

Mediante a agregação entre as neurociências e a psicologia, os profissionais


da educação utilizam esses conhecimentos para melhorar as suas práticas pe-
dagógicas na escola (MATEUS, 2016). Assim, sem desconsiderar as funções
do cérebro, a psicologia cognitiva se ocupa em explicar os processos cogniti-
vos envolvidos no processo da aprendizagem, dando condições para que os
educadores entendam como os alunos interpretam, percebem e utilizam o
conhecimento.

A pesquisadora Tokuhama-Espinosa (2008, p. 37) percebe que “tanto a


psicologia quanto neurologia procuram explicações para o papel das emoções
na tomada de decisões, e suas descobertas podem ser complementares um ao

61
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

outro”. Segundo a autora, o papel das emoções é importante nos processos de


tomada de decisão e na motivação para a aprendizagem do aluno.

A psicologia e as neurociências complementam as práticas educacionais


na medida em que resultados científicos comprovam como alterações cere-
brais acontecem durante o processo da aprendizagem. Desse modo, Zaro et al.
(2010) explicam com quais finalidades esses conhecimentos podem ser utili-
zados no ambiente escolar:
Para os educadores, estas informações seriam usa-
das para melhorar suas práticas em sala de aula.
Poderiam, por exemplo, aproveitar o conhecimen-
to já consolidado sobre as mudanças neuronais que
ocorrem no cérebro, durante o aprendizado (área de
pesquisa das Neurociências), e as técnicas e métodos
de observação e documentação dos comportamen-
tos observáveis (área de pesquisa da Psicologia), para
fundamentar de forma consistente e verificável a efi-
ciência de tais práticas (ZARO et al., 2010, p. 203).

Apesar dos diferentes objetivos dos neurologistas, psicólogos e educadores,


todos se interessam pelo processo de aprendizagem e compartilham pontos
comuns na neuroeducação. Esses pontos podem ser chamados de metas neu-
roeducativas. Elas se apresentam no processo educativo quando a neurologia
procura demonstrar como o cérebro aprende através de mudanças neuronais,
quando a psicologia procura documentar e manipular mudanças no compor-
tamento com base no conhecimento da mente e quando a educação busca
melhorar a sociedade através do ensino das melhores práticas (TOKUHAMA-
-ESPINHOSA, 2008).

Visto que essas três áreas compartilham um objetivo comum, na tentativa de


explicar o processo de aprendizagem, psicólogos, neurocientistas e profissionais
envolvidos com a área da educação direcionaram a atenção para o modo como
se aprende e, a partir do diálogo acerca do processo de aprendizagem, percebe-
ram a necessidade de analisar esse processo juntamente. Feita uma nova análise,
esses campos passaram a ver o ser humano com um olhar sistêmico.

Assim, a neurociência, a psicologia e a educação, que antes contribuíam


independentes uma das outras para o processo de ensino e aprendizagem,
trouxeram importantes interlocuções, formando uma interdisciplinaridade

62
4 – Neuroeducação: contribuições das neurociências,
psicologia e educação para as práticas pedagógicas

que recebeu o nome de neuroeducação. O encontro desses campos deu ori-


gem a uma nova área investigativa, que apresenta melhores estratégias de
ensino para os educadores e subsídios para a aprendizagem.

Considerações finais
Como vimos, os conhecimentos neurocientíficos podem contribuir para
que os professores busquem compreender como o aluno aprende e assim ado-
tem um modo mais eficaz de ensinar, escolhendo melhor as estratégias peda-
gógicas para serem aplicadas na sala de aula.

Dessa forma, a neuroeducação pode ser uma mudança de paradigma no


processo de ensino e aprendizagem, pois, com metodologias próprias, ela sur-
ge do encontro entre as neurociências, a psicologia e a educação buscando
compreender o funcionamento cerebral e subsidiar, por meio de estratégias
pedagógicas, os educadores no cotidiano escolar.

A neuroeducação como um campo interdisciplinar relaciona os conheci-


mentos do funcionamento do cérebro com a aprendizagem a fim de que, por
meio da compreensão dessa relação, melhores estratégias pedagógicas sejam
utilizadas no processo de educação.

Portanto, esta pesquisa se propôs a debruçar-se sobre o tema “Neuroedu-


cação: as contribuições das neurociências, psicologia e educação nas práticas
pedagógicas”, de modo a colaborar com o aprofundamento das pesquisas já
existentes, assim como tornar-se mais um instrumento de consulta no pro-
cesso de desenvolvimento do tema. Sem a pretensão de esgotar as discussões
sobre o assunto, o estudo tem a finalidade de possivelmente contribuir para o
alargamento dos conhecimentos acerca do tema em questão.

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64
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65
5
As contribuições da neurociência no processo de formação
de professores
Sebastião Duarte Dias1
Cristina de Fátima de Oliveira Brum Augusto de Souza2
Fernanda Castro Manhães3

Considerações iniciais
Com o advento do avanço tecnológico, pesquisas no campo da neurociên-
cia vêm trazendo consideráveis contribuições para o processo educacional.
Compreender como as atividades cerebrais se relacionam com a conduta e a

1. Mestre em Ensino de Ciências e Matemática – PUC/MINAS. Pós-graduando em Neuropsi-


copedagogia Clínica e Institucional, UNIG – Itaperuna/RJ. Professor SEEDUC/RJ. E-mail:
sebastiaoduartedias@yahoo.com.br.
2. Pós-graduanda em Neuropsicopedagogia Clínica e Institucional, UNIG – Itaperuna/RJ.
Mestra em Cognição e Linguagem – UENF, Campos dos Goytacazes, RJ. E-mail: cristinaf-
brum@gmail.com.
3. Pós-doutora em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Fluminense
Darcy Ribeiro, UENF, Campos dos Goytacazes/RJ. Professora do Programa de Pós-Gradua-
ção em Cognição e Linguagem, UENF/RJ. E-mail: castromanhaes@gmail.com.

66
aprendizagem tem se tornado uma via de mão dupla no sentido de contemplar
as interfaces que protagonizam o papel da neurociência na educação a fim de
buscar o desenvolvimento de uma nova pedagogia.

Destarte, a partir do conhecimento e aplicação da neurociência na sala de


aula, almeja-se ampliar estratégias de ensino para lidar com as particularida-
des e habilidades de cada indivíduo.

Nesse sentido, pode-se dizer que a neurociência é um referencial para a


apreciação de teorias e reflexões sobre o processo de ensino-aprendizagem
sob a luz do funcionamento do cérebro como origem da cognição e do com-
portamento humano.

Nessa perspectiva, o presente texto aborda a possibilidade de inserção dos


conhecimentos neurocientíficos no aprimoramento da formação docente. Para
tanto, utilizou-se como abordagem metodológica a pesquisa exploratória do
tema, com base na revisão bibliográfica de autores pertinentes, dentre os quais
se destacam: Assmann (2011), Cosenza (2011), Demo (2005), Relvas (2011),
Morin (1999), Piaget (1996), Sternberg e Grigorenko (2003) e Vygotski (2003).

Sendo assim, esta produção apresenta importantes considerações sobre o


papel da neurociência; a relação entre o cérebro e a aprendizagem e a articula-
ção estabelecida entre a neurociência e a prática docente.

O que é neurociência?
A neurociência é conceituada como uma área que estuda o sistema ner-
voso central e suas ações no corpo humano (COSENZA, 2011). Está presente
em diferentes espaços do conhecimento e intervém em distintas áreas como
a linguística, medicina e psicologia. Segundo Cosenza (2011), a neurociência
tem como escopo entender como o cérebro aprende e, sobretudo, como a in-
formação circula pelo SNC durante o processo de aprendizagem.

Como o cérebro aprende?


Entender como se dá o funcionamento do cérebro talvez seja o melhor ca-
minho para aprender e fixar o conhecimento. Assim, para esclarecer um pouco

67
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

mais sobre as questões que envolvem a aprendizagem e, sobretudo, como a in-


formação circula pelo cérebro, faz-se necessário notar algumas considerações
sobre teorias da aprendizagem.

Sabe-se que a aprendizagem é um processo contínuo, que pode ocorrer em


qualquer circunstância, desde a mais tenra infância até a mais avançada velhice
(MOTA; PEREIRA, 2015). Segundo Piaget, só há aprendizagem quando o es-
quema de assimilação sofre acomodação. A assimilação é o processo cognitivo
pelo qual uma pessoa integra um novo dado perceptual, motor ou conceitual
às estruturas cognitivas prévias (WADSWORTH, 1996). Já a acomodação re-
porta-se à toda modificação dos esquemas de assimilação sob a influência de
situações exteriores, meio aos quais se aplicam (PIAGET, 1996, p. 18).

Para entender o processo cognitivo de assimilação e acomodação da men-


te, Tafner (2009) adota o exemplo de uma criança que está aprendendo a re-
conhecer animais e, até o momento, o único animal que ela conhece e tem
organizado esquematicamente é o cachorro. Assim sendo, o autor afirma que
a criança possui em sua estrutura cognitiva um esquema de cachorro.

Pois bem, quando apresentada a esta criança outro animal que possua al-
guma parecença, como um cavalo, ela o terá também como cachorro, isto é,
de cor marrom, quadrúpede, com uma cauda, pescoço e nariz molhado, con-
forme mostra a imagem da figura 1.

Figura 1 - Leve semelhança morfológica entre um cavalo e um cão

Fonte: Tafner (2009).

68
5 – As contribuições da neurociência no processo de formação de professores

Tafner (2009) explica que ocorre, neste caso, um processo de assimilação,


ou seja, a semelhança entre o cavalo e o cachorro faz com que um cavalo passe
por um cachorro em função da proximidade dos estímulos e da pouca dispa-
ridade e qualidade dos esquemas acumulados pela criança até um determina-
do momento. A diferenciação do cavalo para o cachorro deverá ocorrer pelo
processo de acomodação.

 Segundo Piaget, a mente, sendo uma estrutura, tende a funcionar em bus-


ca do equilíbrio. No entanto, quando este equilíbrio é rompido por experi-
ências não assimiláveis, a mente sofre acomodação a fim de construir novos
esquemas de assimilação e atingir novo equilíbrio (OSTERMANN; CAVAL-
CANTI, 2010).

Este processo de reequilíbrio é chamado de equilibração majorante e é o


responsável pelo desenvolvimento mental do indivíduo (OSTERMANN; CA-
VALCANTI, 2010).

Desse modo, na abordagem piagetiana, ensinar constitui em provocar o


desequilíbrio na mente para que ela, buscando o reequilíbrio, se reestruture
cognitivamente e aprenda (OSTERMANN; CAVALCANTI, 2010).

Outrossim, David Ausubel, psicólogo norte-americano e idealizador do


conceito de aprendizagem significativa, afirma que o aprendiz deve se colocar
como sujeito ativo e não passivo em seu processo de aprendizagem. Na con-
cepção de Ausubel, o conhecimento que o indivíduo já possui previamente é
chamado de conceito subsunçor, ou seja, conceitos e proposições estáveis no
indivíduo. Essa estabilidade garante ao aprendiz a possibilidade de conhecer
novas ideias, acrescentando, em seus conhecimentos prévios, novos elementos
(MANCINI, 2005).

O conhecimento prévio nunca mais voltará a ser o que era antes, o que se
chama de assimilação obliteradora. Este fica mais amplo e completo, apesar de
extinguir partes peculiares do conhecimento (MANCINI, 2005).

Segundo Pelizzari et al. (2002), para haver aprendizagem significativa, são


imprescindíveis duas condições: em primeiro lugar, o sujeito precisa ter uma
disposição para aprender; caso contrário, se o mesmo buscar a memorização
do conteúdo arbitrária e literalmente, então a aprendizagem será mecânica.
Outra condição apontada se refere ao conteúdo escolar. Os autores afirmam
que o conteúdo a ser aprendido tem que ser potencialmente significativo, ou

69
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

seja, ele tem que ser lógico e psicologicamente significativo: o significado ló-
gico depende somente da natureza do conteúdo e o significado psicológico é
uma experiência que cada indivíduo tem. Sendo assim, cada aprendiz faz uma
filtragem dos conteúdos que têm significado ou não para si próprio (PELI-
ZZARI et al., 2002).

Numa concepção vygotskiana, o aprendizado orientado para níveis de de-


senvolvimento que já foram atingidos é ineficaz do ponto de vista do desen-
volvimento global da criança. Ao contrário de outras teorias pedagógicas, para
Vygotski, o aprendizado não se dirige para um novo estágio do processo de
desenvolvimento, mas, ao invés disso, vai a reboque desse processo.

Segundo Vygotski:
[...] o aprendizado adequadamente organizado re-
sulta em desenvolvimento mental e põe em movi-
mento vários processos que, de outra forma, seriam
impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é
um aspecto necessário e universal do processo de
desenvolvimento das funções psicológicas cultu-
ralmente organizadas e especificamente humanas
(VYGOTSKI, 2003, p. 118).

Nessa ótica, a escola cumpre um papel central para auxiliar o educando


a descobrir estratégias para melhorar a atenção, se concentrar e aprender de
forma motivadora e satisfatória.

Ao focar nossa atenção em estudos acerca do cérebro e, consequentemen-


te, conhecer como ele faz e o que faz, passamos a nos tornar mais maduros e
responsáveis pela maximização de nossas forças e pela minimização de nossas
fraquezas, preparando-nos para participar do processo de construção do sa-
ber e do mundo (RATEY, 2001).

Portanto, por meio da evolução da neurociência, novas tendências de en-


sino-aprendizagem estão sendo criados para o benefício na hora de ensinar e
de aprender.

70
5 – As contribuições da neurociência no processo de formação de professores

Neurociência e a prática docente


Considerando a significância do cérebro no processo de aprendizagem
do indivíduo, bem como o inverso, parece-nos evidente a relação direta entre
neurociência e a educação (RATO et al., 2010).

A neurociência tem fornecido maior entendimento do cérebro no momen-


to em que novas informações são absorvidas e processadas. Trata-se de uma
série de requisitos básicos que podem tornar o artifício do ensino uma ferra-
menta motivadora e significativa para o aprendiz, fazendo com que a aprendi-
zagem seja motivo de conhecimento para toda a vida.

Desde o surgimento de novas técnicas de neuroimagem, pesquisadores vêm


acompanhando diversas funções cerebrais que se sucedem durante o proces-
samento da informação e, com maior precisão deste processo, tornam-se evi-
dentes as especificidades intelectivas que anteriormente não eram conhecidas.

Ferramentas tais como a eletroencefalografia, a tomografia por emissão de


pósitrons e a ressonância magnética funcional têm permitido aos pesquisado-
res observar o processo de compreensão leitora mais de perto e a ter acesso
a imagens do cérebro humano em atividade, enquanto o leitor executa uma
tarefa de leitura (TOMITCH, 2013).

Os estudos neuropsicológicos da linguagem, como os de Broca e Werni-


cke, em que lesões em áreas específicas do cérebro são ligadas a distúrbios da
linguagem, continuam trazendo subsídios importantes para a ciência, e são
fundamentais para a triangulação com dados advindos de estudos que se uti-
lizam de ferramentas da neuroimagem (PHELPS, 1999).

Tudo isso tem possibilitado melhor entendimento sobre as respostas do


cérebro durante a aprendizagem como, por exemplo, o funcionamento de uma
dieta nutricional particular que possa condicionar o cérebro a usufruir um
componente característico e, consequentemente, garantir respostas mais sig-
nificativas. Outrossim, pesquisadores buscam aperfeiçoar o desenvolvimento
cognitivo por meio da aplicação de atividades físicas de modo regular.

O caso da dislexia é um bom exemplo, estando bem documentado o fato


de que as ciências da educação e do comportamento consideravam que a difi-
culdade de leitura estaria dependente de falhas na percepção visual, enquanto
os estudos no âmbito das neurociências cognitivas identificavam o principal

71
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

problema como decorrente do processamento fonológico, demonstrando de


forma clara as áreas de disfunção cerebral que justificam a etiologia da desor-
dem (SHAYWITZ; SHAYWITZ et al., 2001 apud RATO et al., 2010).

Nesse sentido, as ciências do cérebro, que avançam vertiginosamente, po-


dem colaborar para a renovação teórica na formação docente, adicionando in-
formações científicas essenciais para a melhor compreensão da aprendizagem
como fenômeno complexo (CARVALHO, 2010).

Com base nesse ponto de vista, passa-se a promover uma interlocução


entre neurociência e educação, defendendo um diálogo criativo entre ambas
e apresentando uma visão da interferência positiva dos conhecimentos neu-
rocientíficos na educação, em especial na formação docente (CARVALHO,
2010).

Considerações finais
Uma das promessas mais auspiciosas da neurociência diz respeito ao for-
necimento de material preciso para o avanço das políticas educacionais e da
pesquisa aplicada em sala de aula, sobretudo, quando se considera que ela
pode fornecer os parâmetros adequados à investigação prática e a consequen-
te dissipação de erros e atavismos históricos.

Trata-se, aqui, decerto, de se usar de modo eficaz todo o recurso disponível


tão bem quanto os haveres da ciência hodierna como ferramenta de atuação
precisa, desse modo, cumpre salientar que a neurociência acaba por oferecer
as chaves de um admirável mundo de possibilidades para a pesquisa educacio-
nal e futura aplicação em sala de aula.

Cumpre salientar, todavia, que a neurociência não deve ser encarada como
uma receita científica e/ou solução pedagógica de um fenômeno sabidamente
complexo e multifacetado; trata-se aqui, sobretudo, da sábia adoção, isto é, do
ingresso de uma pujante ferramenta e não do império de uma nova estratégia,
aliás, aqui cabe incluso uma oportuna e didática analogia, do mesmo modo que
a ferramenta automóvel não sugere o destino almejado ao seu condutor, mas
antes e apenas auxilia o motorista cumprir o seu escopo de modo mais rápido
e seguro, deveras e com efeito, assim também ocorre com a educação que passa
a dispor de um novo utensílio para a persecução de metas outrora desejadas.

72
5 – As contribuições da neurociência no processo de formação de professores

A neurociência não introduz novas estratégias educacionais, mas fornece


razões importantes e concretas, demonstrando, decerto, o porquê de algumas
abordagens se apresentarem mais eficientes do que outras.

Por conseguinte, a análise das bases da aprendizagem sob as luzes rele-


vadoras da neurociência porta consigo a grande promessa de elucidação de
antigas questões e impasses, garantindo, assim, um currículo compatível com
o desenvolvimento cerebral tão bem quanto a conversão do conhecimento ob-
tido em pesquisas e métodos instrucionais efetivos com cenários reais.

Outrossim, a melhoria da transmissão do conteúdo de algumas disciplinas


compreende uma das maiores expectativas, conjugada ao súbito advento de
novas tecnologias no desempenho escolar.

Enfim, nada há a se temer senão a abolição de antigos e recorrentes equí-


vocos, sobretudo porque o educador é e sempre continuará sendo o profissio-
nal que maior impacto pode causar no sistema atual da educação.

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Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

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74
6
Neurociência e a constituição da pessoa, segundo Henri
Wallon
Aline do Nascimento Barbosa1
Danielle Soares da Silva2
João Luiz Lima Marins3
Sinthia Moreira Silva Ribeiro4

Considerações iniciais
Ao se analisar a neurociência cognitiva, pode-se obter contribuições mag-
níficas para a área pedagógica, analisando a maneira que o cérebro aprende.

1. Especialista em Educação Física Escolar (UNIFSJ), graduada em Educação Física (UNIG -


Campus V), licenciada em Educação Física (FUNITA/RJ).
2. Pós-graduada em Neuropsicologia (UNIG - Campus V), graduada em Psicologia (UNIFSJ).
3. Mestrando em Cognição e Linguagem pela UENF/RJ, especialista em Gestão de Pessoas
UFF/RJ e Docência do Ensino Superior UCAM/RJ, graduado em Administração de Empre-
sas pela UNIVERSO/RJ.
4. Mestranda em Cognição e Linguagem (UENF), Especialização em MBA em Gestão de Ne-
gócios (UniRedentor), Especialização em Estudos Linguísticos e Literários (UniFSJ), Gra-
duada em Letras – Português e Literatura (UniFSJ) e Graduanda do Curso Jurídico (UNIG
- Campus V).

75
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Sendo necessárias pesquisas na área da educação, este trabalho tem por obje-
tivo analisar as principais teorias de Wallon no campo da educação, buscando
demonstrar sua aplicabilidade tanto no âmbito cognitivo, quanto no campo
da neurociência. A neurociência e a educação devem andar lado a lado, num
propósito de sustentação mútua. O valoroso neste processo seria utilização
de métodos pedagógicos propostos por Henri Wallon no intuito de atingir o
máximo da aprendizagem de cada aluno.

Henri Wallon pesquisou principalmente o universo infantil, buscando


avaliar como ocorre o desenvolvimento físico e psicológico das crianças e as
exigências de sua educação. Esse estudioso estava focado em introduzir suas
observações na prática pedagógica e dessa forma melhorar a qualidade do en-
sino nas escolas.

Na teoria walloniana, são considerados comportamentos, pensamentos,


percepções, sensações, emoções, ações motoras, ideias e decisões. Essas fun-
ções mentais estão intimamente ligadas ao funcionamento do cérebro e aos
estudos da neurociência. O cérebro não possui limites na sua aprendizagem,
inclusive renovando-se quando precisa. Um órgão muito complexo com ha-
bilidade de se modificar em decorrência da motricidade, questões afetivas, do
treino mental e interações no processo da existência da pessoa.

O estado emocional da pessoa auxilia na aprendizagem e na aquisição de


conhecimento. Como proposto por Wallon, nossa interação e nossas emoções
estão intimamente ligadas à nossa ação (motricidade), logo pode-se concluir
que a emoção nos leva à ação e ao ato de aprender.

As produções de Wallon dialogavam com outros autores e pesquisas da


área e de outras áreas similares, e a neurociência estava diretamente interli-
gada a todas elas, pelo fato de estar intrinsecamente ligada à aprendizagem.

Neurociência e Educação
De acordo com Martins e Almeida (2019), a denominação de neurociên-
cia é muito nova, sendo muito utilizada para designar a ciência ligada ao sis-
tema nervoso. Uma definição abrangente também relaciona a neurociência
ao desenvolvimento químico, estrutural, funcional e patológico do sistema
nervoso.

76
6 – Neurociência e a constituição da pessoa, segundo Henri Wallon

A neurociência tem como sua força motriz o tratamento das capacidades


mentais complexas relativas ao ser humano, na identificação das zonas cere-
brais responsáveis por cada função. A descoberta de cada área específica de-
signa um estudo ligado à neurociência, como, por exemplo, a Neurobiologia
molecular, a neurociência comportamental e a neurociência cognitiva.

Um dos conceitos trabalhados no estudo do cérebro e da neurociência é a


plasticidade neural, característica que possibilita a constante aprendizagem.
Segundo Martins e Almeida (2019), esse conceito foi desenvolvido por Char-
les Sherrington, sendo uma das propriedades essenciais de desenvolvimento
e função cerebral.

A plasticidade neural é uma capacidade adaptativa do Sistema Nervoso


Central, possibilitando a modificação, inclusive, de sua organização estrutural
e funcionamento. Essa função desenvolve as alterações estruturais em respos-
ta a estímulos.

Em análises dos processos psicopedagógicos, alguns pesquisadores da área


de Educação, entre eles Wallon, utilizaram estudos correspondentes às neu-
rociências neste entendimento. Wallon utilizou tanto no entendimento dos
estágios de desenvolvimento quanto na relação existente de motricidade, afe-
tividade e cognição.

Outra característica ligada à neurociência e às teorias wallonianas é o fator


interacionista do pesquisador, pois, como afirmam Samá e Fonseca (2019),
o meio com o qual o aluno interage influencia o processo de aprendizagem,
com uma interferência nos fatores psicológicos e emocionais, que induzem
comportamentos ligados à aprendizagem, como expõe Wallon em sua teoria
sobre a afetividade.

Levando em consideração o conceito de que aprendizagem é conhecimen-


to adquirido ou modificado, Wallon defende que a ligação existente entre a
afetividade e a cognição são fatores fundamentais para o desenvolvimento in-
dividual, como a sua constituição como pessoa.

Ao fazer uma junção entre as teorias wallonianas e a neurociência, po-


de-se identificar uma relação direta entre a plasticidade das redes neurais e
suas modificações estruturais contínuas, ocorrendo tanto por fatores ligados
à sua motricidade quanto por aspectos ligados à sua afetividade, uma vez que
Wallon identifica uma ligação direta entre a cognição, afetividade e motrici-
dade, sendo três fatores essenciais para a aprendizagem.

77
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

O forte desencadeamento de emoções favorece o estabelecimento de me-


mórias, com isso pode-se destacar, segundo Samá e Fonseca (2019), que es-
sas emoções ligadas à afetividade orientam, dessa maneira, a aprendizagem.
Aprendemos, assim, com aquilo que nos emociona.

As informações processadas, decodificadas e armazenadas no córtex pas-


sam pelo sistema límbico, gerador de emoções. Os estímulos recebidos por
esse sistema poderiam facilitar ou bloquear a aprendizagem, uma vez que fa-
tores ligados à afetividade têm muita influência em aspectos cognitivos.

Etapas do desenvolvimento de Wallon


Wallon dedicou-se ao desenvolvimento da criança, destacando-se o estudo
da consciência, sendo o melhor caminho para entendê-la buscar suas origens,
fatores esses orgânicos e sociais que desenvolveram as características para
cada estágio. Oliveira e Juberg (2018) especificam as etapas destes processos:

Estágio Impulsivo Emocional (0 a 1 ano)

É dividido em dois momentos: impulsividade motora e emocional. A


impulsividade motora (0 a 3 meses) é o período em que a atividade da criança
se manifesta apenas por reflexos e movimentos impulsivos. Na fase emocional
(3 a 12 meses), a criança começa a construir padrões emocionais diferencia-
dos para raiva, alegria, dor etc.

Estágio Sensório-motor e Projetivo (1 a 3 anos)

A criança começa a explorar seu mundo e o do outro, tendo como princi-


pais atividades a marcha e a fala, provocando no outro condições para enten-
der suas necessidades.

Estágio do Personalismo (3 a 6 anos)

A criança imitadora e curiosa começa a construir a sua própria identidade e


passa a se distinguir, colocando-se em oposição ao outro, sendo este o período

78
6 – Neurociência e a constituição da pessoa, segundo Henri Wallon

em que diz não a tudo. Nesta fase, afetividade favorece muito a aprendizagem
da criança, uma vez que ela costuma repetir sons e gestos de uma pessoa amá-
vel e carinhosa com ela, sendo o ambiente familiar e escolar primordiais para
o seu desenvolvimento.

Estágio Categorial (6 a 11 anos)

Neste período, a criança aprende a dominar seus objetos familiares, per-


cebe a existência das coisas independentes de sua pessoa, sendo também ca-
paz de participar de vários grupos diferentes, como grupo familiar, grupo do
colégio, grupo de amigos próximos etc., representando papéis diferentes nas
atividades realizadas. É uma importante etapa para a evolução cognitiva, uma
vez que a criança começa a se enxergar como um indivíduo diferente em cada
meio. Na fase categorial, ocorre uma evolução das atividades das quais parti-
cipa, sendo elas intelectuais e sociais.

Estágio da Puberdade e da Adolescência (11 anos em diante)

Neste estágio, a criança começa a estabelecer os limites de sua autonomia,


mediante atividades de confronto, questionamentos, contrapondo-se com aos
valores expostos pelos adultos com quem vivem.

Teoria walloniana da afetividade


Dantas (1990) realizou pesquisas sobre Wallon e o comportamento emo-
cional compreendendo o período que vai de 0 a 3 anos. Observou os recém-
-nascidos e percebeu a relação de afeto e inteligência que os mesmos estabele-
cem com suas mães, manifestando-se primitivamente no comportamento, nos
gestos expressivos da criança. O recém-nascido permanece por um período
voltado para si mesmo, como se estivesse desenvolvendo ou exercitando de-
terminadas habilidades para mais tarde interagir com o mundo físico.

É através do movimento que se traduz a vida psíquica, os gestos do lactente


são cheios de significados afetivos que são expressões das necessidades alimen-
tares e do humor. Segundo Galvão (1995), à medida que vão amadurecendo,

79
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

suas relações de criança com o meio vão mudando, movimentos esses que evo-
luem com a idade, crescendo gradativamente o seu papel no desenvolvimento
infantil. Observa-se que os movimentos e os gestos de expressão são repletos de
afetividade, tornam-se a base para as variadas emoções.

Na teoria walloniana, a afetividade é o ponto de partida para o desenvolvi-


mento do indivíduo, sua evolução parte de uma sociabilidade sincrética para
uma individualização psicológica, ou seja, a vida afetiva da criança é instaura-
da por uma simbiose alimentar que é substituída por uma união afetiva com a
mãe. Com isso, as relações familiares exercem um papel ordenador na vida da
criança, resultando em um grande papel do meio para a evolução da mesma.

Aos poucos, com a diversidade do meio social, vão-se realizando conquis-


tas afetivas como a diferenciação de si e do outro, e essa individualização ocor-
re gradativamente, passando pelo processo de diferenciação que percorrerá os
estágios de desenvolvimento. Essas expressões de afetividade vão se especiali-
zando, tornando-se cada vez mais fortes as interações sociais.

Os estágios da afetividade pressupõem a evolução de algumas capacidades


que apontam o estado de maturação. As emoções, o sentimento e a paixão
surgem em seu tempo, de acordo com a maturação das atividades, as reações
posturais e o raciocínio.

A emoção possui uma ativação orgânica, não é controlada pela razão; o


sentimento possui um caráter mais cognitivo, ele surge quando a pessoa já
consegue falar das coisas que lhe afetam, e a paixão aparece quando a criança
possui autocontrole, ou seja, através da paixão, a emoção pode ser contida.

Teoria walloniana das emoções


A emoção, segundo Wallon (1995), desenvolve-se no indivíduo com a
função de maturação, pois, ao observar as reações emotivas, o pesquisador
constatou que não é possível falar em afetividade e não falar da emoção, con-
sistindo em sistemas de atitudes que constituem uma determinada espécie de
situação.

O pensamento de Darwin é interpretado nas relações entre os seres vi-


vos, evidenciando subordinação da criança com o adulto, sendo a emoção

80
6 – Neurociência e a constituição da pessoa, segundo Henri Wallon

um instrumento de sobrevivência para o ser humano e a primeira relação do


homem no campo cultural, entre os indivíduos. Com isso, a criança supera
sua inaptidão com o mundo físico e estabelece relações sociais que asseguram
sua sobrevivência.

As atitudes são as primeiras formas de expressão da criança, pois revelam


os estados de necessidades, tendo na sua origem a missão de representar as
emoções. O choro e o riso são vias de expressão da emoção, assim como ex-
pressão facial, lágrimas, palidez, riso confirmam a dependência da emoção.

A contagiosidade, a plasticidade e a regressividade são características que


atingem pessoas próximas do ser emocionado, sendo a primeira a capacida-
de de contaminar o outro; a segunda, a capacidade de refletir no corpo os
sinais da emoção; e, por último, a capacidade da emoção em fazer regredir
as atividades de raciocínio, ou seja, a emoção é contagiosa na medida em que
arrebata o outro, podendo submeter-se à atração emocional na condição de
objeto da emoção.

É na emoção que a tendência do sincretismo se faz presente, quer seja no


sincretismo subjetivo (quando não se sabe como se distinguir das outras pes-
soas), quer seja no sincretismo objetivo (quando não se sabe como se distin-
guir das coisas do ambiente).

Para Wallon (1989), o riso é o simples relaxamento dos músculos, poden-


do ser provocado por circunstâncias. Tanto o riso como o choro possuem a
função de baixar o grau do tom de voz, em que cada emoção é caracterizada
por um determinado conjunto de sintomas.

A alegria é uma emoção positiva, sendo uma das primeiras sensações que
se pode observar em um bebê. Já a cólera possui sua raiz na sensibilidade or-
gânica, possuindo, muitas vezes, tamanha intensidade que impede a atividade
do sujeito. E o medo aparece nos primeiros meses de vida da criança, tendo
como fonte as excitações labirínticas.

A visão walloniana do movimento corporal humano


De acordo com os estudos de Mahoney e Almeida (2004) Wallon, há três
tipos de deslocamentos: exógeno, autógeno e o movimento das reações pos-
turais. O primeiro movimento se caracteriza como principal característica do

81
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

deslocamento necessário à tonicidade humana, ou seja, os movimentos ne-


cessários para driblar as forças da gravidade. O segundo movimento, o mo-
vimento autógeno, são os movimentos naturais do ser humano no tempo e
no espaço, possibilitando a locomoção e o ato de pegar objetos. O terceiro
movimento são os movimentos que os seres humanos apresentam a partir das
emoções vividas.

O ato de pensar o ser humano como uma máquina, em que tudo que existe
são alavancas (ossos e músculos), nos quais as movimentações ocorrem sim-
plesmente como um cálculo matemático entre forças, segundo Wallon apud
Mahoney e Almeida (2004), não considera as relações afetivas e cognitivas, na
consideração da dimensão motora. Essa concepção humana, próxima a uma
máquina, não leva em conta os elementos internos de uma pessoa, como as
emoções, sentimentos e pensamentos, na realização de movimentos corpo-
rais. Não se deve analisar o ser humano de forma fragmentada.

Wallon leva em consideração os três aspectos (exógeno, autógeno e o mo-


vimento das reações posturais) para a constituição da pessoa. Cada um des-
ses elementos tem um aspecto determinante no processo, já que ele leva em
consideração os posicionamentos que o corpo necessita assumir para atingir
seu ponto de equilíbrio estável, neste caso o movimento necessário para sair
de uma posição horizontal para uma posição vertical dinâmica, fato predomi-
nante para a evolução da espécie humana. As estruturas corporais ou neuroló-
gicas que controlam esse tipo de movimento se localizam na região subcorti-
cal do cérebro, sendo essas estruturas inconscientes.

Outro tipo de movimento na concepção de Wallon é o movimento au-


tógeno, o centro neurológico e consciente do ser humano, que controla essa
atividade. Esses movimentos são os movimentos intencionais, possibilitando
a movimentação no espaço-tempo, neste caso a locomoção propriamente dita,
e a preensão de objetos, para seu uso de um modo geral, desde a alimentação
até a utilização como um objeto.

O último tipo de movimento, não menos importante e muito ligado ao


lado afetivo, é o movimento de reações posturais. Esse elemento se caracteriza
pelas mímicas e expressões corporais e faciais que os seres humanos cons-
troem nas diferentes situações ou experiências vividas. São movimentos sub-
conscientes, localizados na região subcortical, e que são apresentados nas fei-
ções decorrentes do choro, da alegria, do desprezo, da raiva. Tais movimentos
são involuntários e surgem através das vivências de cada um.

82
6 – Neurociência e a constituição da pessoa, segundo Henri Wallon

Esse conjunto de movimentos preenchem as duas principais funções da


motricidade: a função cinética e a função tônica. A função cinética origina-se
na sensibilidade exteroceptiva, gerando impulsos nervosos formando o tônus
residual da musculatura estriada, possibilitando realizar os movimentos vo-
luntários intencionais. Já a função tônica apresenta-se de duas formas: a pri-
meira originada na sensibilidade proprioceptiva, responsável pela estrutura
que mantém o homem em pé, e a segunda é a sensibilidade interoceptiva, que
gera impulsos nervosos formando o tônus plástico da musculatura estriada,
responsável pelos movimentos posturais e atitudes, permitindo ao corpo ex-
pressar corporalmente suas emoções.

Segundo Mahoney (2012), a partir da década de 1970, os métodos de ensi-


no começam a dar ênfase ao movimento do aluno como elemento facilitador
de aprendizagem. Apesar de essa discussão ter pelo menos duas décadas de
existência, ainda hoje esse processo está em fase de experimentação e imple-
mentação dentro de um sistema educacional brasileiro, que ainda preza pela
educação rígida e voltada ao professor como centro de todo o processo. Isso
se deve porque o aluno ainda é visto com um olhar dicotômico e fragmenta-
do, pelo qual seu movimento é compreendido como simples movimentação
voluntária do corpo.

Desenvolvimento Cognitivo para Wallon


Segundo Wallon, o desenvolvimento se deve à integração de fatores bio-
lógicos e sociais, já que toda a experiência e a aprendizagem são marcadas
na criança desde o seu nascimento. Em cada estágio, existem reações e com-
portamentos específicos para cada momento, e as respostas que o meio pro-
porciona. As três dimensões, afetiva, motora e cognitiva, acontecem em cada
momento do desenvolvimento através de funções e aptidões que se destacam,
interligadas de forma a compor um conjunto original.

As funções intelectuais possibilitam a pessoa a adquirir conhecimento


sobre o seu ecossistema, selecionando informações, comparando, definindo,
encontrando o seu lugar no mundo, situando essas descobertas na relação
tempo, espaço e casualidade. Os processos cognitivos intervêm na aquisição e
no uso da linguagem, na memória, na capacidade de prestar atenção, na ima-
ginação, na aprendizagem e na solução de problemas.

83
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Entre cada estágio ocorrem transformações perceptíveis, no ato de se de-


senvolver, já que cada etapa se distingue da outra por apresentar uma nova
direção, delineando um conjunto de comportamentos bastante diferente do
que se apresentava até então.

Esta abordagem considera o desenvolvimento da função cognitiva, que


acontece no nascimento, mesmo o comportamento acontecendo à base de
reflexos. O nascimento impõe à criança uma situação de rápida adaptação,
sendo que suas necessidades não vão estar plenamente satisfeitas, passando a
viver situações de privação e desconforto.

A compreensão de Wallon sobre o desenvolvimento e as capacidades inte-


lectuais entende que o processo de formação do indivíduo inclui necessidades
diferenciadas em cada idade, do próprio corpo, do movimento, da afetividade
e da cognição.

Deve-se também levar em conta que uma teoria do desenvolvimento com


essas implicações considera que educar levando em conta as questões éticas
da educação, considerando também o papel da escola, gera a necessidade de
criar um adulto com plena capacidade de agir objetivamente na direção de um
mundo melhor.

A constituição da pessoa por Wallon


Mahoney e Almeida (2004), exemplificam a concepção de Wallon, sobre a
constituição eu–outro vivida no cotidiano é uma relação dupla ora de acolhi-
mento ora de oposição, que no processo de desenvolvimento é incorporada e
internalizada na constituição do mundo psíquico.

O eu e o outro fazem uma simbiose constante, já que em alguns aspectos há


uma complementação e em outros aspectos há uma oposição e diferenciação.
O eu necessita do outro para sua própria sobrevivência e evolução, mas só se
constitui indivíduo construindo e através da oposição e liberação desse outro.

Nesse contexto, meio e grupo são conceitos distintos, se diferem, mas se


convergem, há uma conexão; podem, em alguns momentos, coincidir, e, em
outros momentos, se superpor. Meio e grupo são um ecossistema indispensá-
vel ao ser humano e constituinte da pessoa.

84
6 – Neurociência e a constituição da pessoa, segundo Henri Wallon

Wallon apud Mahoney e Almeida (2004) considera os meios como estru-


turas fechadas relacionando-se entre si, e a pessoa participa de vários meios
que se entrelaçam e vivem essa dualidade de se superpor e conflitar. Wallon
considera a existência de um meio físico-químico, um meio biológico e um
meio social, onde esses diversos meios se inter-relacionam e se transformam
mutuamente.

Percebe-se, dessa forma, que existem os grupos, o espaço das relações


onde acontece a construção dos indivíduos, criando suas identidades e suas
personalidades, o que faz com que cada indivíduo descubra seu lugar no
mundo, vivenciando e recriando sua cultura, os ritos e mitos, ou seja, suas
tradições.

Dentro de um contexto social, sobre o qual o indivíduo está inserido, exis-


tem grupos e subgrupos. Por existir uma reunião dos indivíduos, já que os
mesmos mantêm relações interpessoais, determinando o papel e o lugar de
cada um dentro de um conjunto, por exemplo: existe o grupo ligado a um
hobby comum, grupo do trabalho, grupo familiar etc., podendo existir vários
grupos dentro de um mesmo meio, já que, quando as pessoas se conhecem,
agem em comum e partem suas tarefas, exercendo o papel de trabalhadores,
pais, amigos, dentro de um mesmo meio, o indivíduo exerce diferentes fun-
ções com significados distintos.

Os grupos são tão diversos e particulares em sua constituição e organi-


zação, que Wallon considera impossível defini-los, caracterizando-os como
reuniões de pessoas mantendo entre si relações interpessoais, com objetivos
atribuídos. São esses objetivos que definem a composição do grupo, a repar-
tição de tarefas, regulando as relações dos membros entre si e a hierarquia
quando necessário.

Considerações finais
Neste trabalho, buscou-se evidenciar a relação entre as teorias de Henri
Wallon com as descobertas na área das neurociências, principalmente sobre o
funcionamento do cérebro no processo cognitivo e de aprendizagem.

A pessoa, em sua constituição, aprende o que emotiva (afetividade), tem


significância para seu dia a dia, a emoção a leva para ação (motricidade),

85
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

auxiliando o fortalecimento das sinapses da rede neural, desenvolvendo sua


cognição e aprendizagem.

A obra de Wallon nos viabiliza muitas análises acerca da complexidade


do desenvolvimento da criança, de forma a avaliar como ocorre o desenvol-
vimento físico e psicológico dela e as exigências de sua educação no universo
infantil. Grande parte de suas ideias foi reunida a partir de investigações clíni-
cas, considerando que era um médico psiquiatra de renome à sua época.

A teoria walloniana aborda em suas linhas aspectos relevantes como a ên-


fase sobre aspectos ligados à constituição da pessoa, entre esses aspectos pode-
-se destacar o papel emocional, o orgânico e o papel do outro nesse processo.
O aspecto emoção possui um amplo destaque, na medida em que Wallon con-
sidera a emoção como fator substancial na gênese da inteligência.

Desse modo, o desafio de qualquer proposta educativa fundamentada nas


reflexões wallonianas é não se regressar mais um instrumento de adequação
das pessoas aos modelos perversos de opressão que imperam nas relações so-
ciais baseadas nos modelos econômicos prevalecentes, de forma que os vários
saberes e conhecimentos que despontam das propostas integrativas não de-
vem ser associados à ideia de desenvolvimento de um indivíduo especializado
e criativo para compor uma máquina perversa.

A partir do exposto, é possível concluir, com esta pesquisa, que, com o apoio
da teoria walloniana, é possível que se eduque e conheça crianças de forma a
considerar as características e peculiaridades delas, tendo-se também como pa-
râmetro seus estágios de desenvolvimento. Nisto reside a importância do aces-
so, durante os cursos de graduação, do conhecimento sobre o desenvolvimen-
to, baseado no estudo da criança em seu aspecto integral, sendo pertinente no
repensar das práticas educativas, no respeito ao outro em suas particularidades
e na importância das emoções no processo ensino-aprendizagem.

Referências
DANTAS, Heloysa. A infância da razão. São Paulo: Manole, 1990.

GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis:


Vozes, 1995.

MAHONEY, Abigail Alvarenga. Henri Wallon: psicologia e educação. São Paulo: Edições Loyo-
la, 2012.

86
6 – Neurociência e a constituição da pessoa, segundo Henri Wallon

MAHONEY, Abigail Alvarenga; ALMEIDA, Laurinda Ramalho de Almeida. A constituição da


pessoa na proposta de Henri Wallon. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

MARTINS, Jorgiane Cunha Leal; ALMEIDA, Ilda Neta Silva. Contribuições da Neurociência
Cognitiva para a educação no ensino superior. In: Revista Humanidades e Inovação, v. 6,
n. 19, v. 2, 2019.

OLIVEIRAS, Eloisa da Silva Gomes; JURBERG, Marize Bezerra. Psicologia e Educação. Rio de
Janeiro: Editora Consórcio CEDERJ Fundação CECIERJ, v. 1, 2018.

SAMÁ, Suzi; FONSECA, Laerte. Projetos de aprendizagem sob as lentes da neurociência cogni-
tiva: possibilidade para a construção de conceitos estatísticos. Revista Eletrônica de Edu-
cação Matemática, Florianópolis, v. 14, p. 1-16, set. 2019. ISSN 1981-1322. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/revemat/article/view/1981-1322.2019.e62797. Acesso
em: 21 out. 2019.

WALLON, Henri. As origens do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 1989.

WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. Lisboa: Edições 70, 1995.

87
7
A importância da neurociência no processo de aprendizagem
Cristina de Fátima de Oliveira Brum Augusto de Souza1
Sebastião Duarte Dias2
Fernanda Castro Manhães3
Ademir Hilário de Souza4

1. Mestra pelo Programa de Cognição e Linguagem – UENF. Pedagoga – FEAP. Psicopedagoga


Clínica e Institucional – FCWB e Neuropsicopedagoga – UNIG. Especialista em Educação
Especial com Ênfase em Autismo – CENSUPEG.
2. Possui Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática – PUCMG. Especialista em Química
– UCMG. Possui licenciatura em Ciências Biológicas – USO. Possui Licenciatura em Quí-
mica pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras – SM.
3. Pós-doutorado em Cognição e Linguagem – UENF. Doutorado em Ciências da Educação
– UAA (Revalidação UFAL). Mestrado em Cognição e Linguagem – UENF. Atualmente, é
Diretora Acadêmica da Faculdade Metropolitana São Carlos – FAMESC.
4. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem – Universidade Es-
tadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro/Centro de Ciências do Homem/Cognição e Lin-
guagem, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil, ademirhilariodesouza@gmail.com.

88
Considerações iniciais
A neurociência é uma ciência multidisciplinar que surgiu com a priori de
investigar o sistema nervoso. Embora haja diversas neurociências, o objeto de
estudo principal é o cérebro. Com isso, a neurociência se tornou meramente
conhecida e valorizada no meio científico, pois ela investiga a individualidade
de cada indivíduo.

O processo de aprendizagem é indispensável na vida humana. Aprende-


mos desde que nascemos e a aprendizagem é um processo individual, ou seja,
ela é diferente em cada indivíduo. Muitos estudos analisavam como acontecia
esse processo e muito se pesquisavam sobre qual metodologia poderia ser me-
lhor no processo de ensino aprendizagem, mas foi apenas com o advento das
neurociências que realmente o indivíduo passou a ser observado e respeitado
nas suas individualidades.

Frente a essa realidade, o presente capítulo tem como objetivo apresentar


a importância da neurociência no processo de aprendizagem humana. Para
tanto, foi realizada uma revisão de literatura com base em pesquisas relacio-
nadas ao assunto. Assim, o pesquisador tem aproximação direta com o que foi
produzido textualmente, sem ter feito algum tipo de pesquisa de campo para
conhecer visualmente seus procedimentos na realização de atividades. Após
a revisão de literatura, foi realizada uma análise bibliométrica para analisar a
evolução das pesquisas sobre o tema. A bibliometria foi aplicada na base de
dados da Scopus e os termos de busca utilizados foram: “neuroscience AND
learning”.

A presente pesquisa se justifica pela necessidade de analisar e apresentar


a forma como a neurociência contribui para o processo de aprendizagem. A
neurociência respeita a forma que cada indivíduo aprende e acredita-se que,
a partir desses estudos, a aprendizagem poderá ser vista de forma positiva, o
que pode auxiliar na diminuição dos índices de evasão escolar e no desenvol-
vimento do processo da aprendizagem.

Este capítulo está dividido nas seguintes seções: introdução, neurociên-


cias; neurociências e o processo de aprendizagem; a evolução das pesquisas
e, finalmente, as considerações finais, que apresentam as contribuições deste
capítulo. Espera-se que essa pesquisa possa subsidiar futuros estudos.

89
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Neurociências
O universo biológico humano interno contém milhares de células nervo-
sas que formam o cérebro e o sistema nervoso, estas se comunicam por meio
de pulsos eletroquímicos para produzir atividades como: nossos pensamentos,
sentimentos, dor, emoções, sonhos, movimentos e muitas outras funções men-
tais e físicas, atividades sem as quais seria impossível expressarmos a nossa
riqueza interna e nem perceber o nosso mundo externo, como o som, cheiro,
sabor (RELVAS, 2005).

As pesquisas que abordam os estudos cerebrais tiveram início a partir do


século XIX, no qual se considerou por milênios que as cavidades no centro
do cérebro eram responsáveis pelas funções cognitivas (HOUZEL, 2008). A
partir disso, os estudos foram se aperfeiçoando até os dias atuais, em que se
entende que o cérebro humano é responsável por todas as funções do nosso
corpo. E a neurociência é a área de conhecimento intendente pelas pesquisas
que envolvem o sistema nervoso central.

A neurociência é uma ciência interdisciplinar que tem como foco principal


realizar estudos sobre o sistema nervoso, contribuindo com várias áreas como,
por exemplo, a educação, pois entender o cérebro é criar recursos que facili-
tem o processo de aprendizagem (GROSSI et al., 2019). Para Pereira (2011), a
neurociência é um novo ramo da ciência que estuda o sistema nervoso central
e a sua complexidade por meio de bases científicas. Segundo Houzel (2008),
a neurociência é um termo guarda-chuva que aborda as áreas da ciência que
se interessam pela estrutura, função, desenvolvimento, evolução e disfunções
do sistema nervoso.

Segundo Relvas (2011, p. 22), “neurociência é uma ciência nova, que trata
do desenvolvimento químico, estrutural e funcional, patológico do sistema
nervoso. As pesquisas científicas começaram no início do século XIX”. É ex-
tremamente necessário refletir a importância de ter a neurociência aliada à
educação, pois prevalece, dessa forma, o princípio que, em sala de aula, nos
deparamos com indivíduos que aprendem de formas diferentes. A neuro-
ciência nos torna profissionais humanizados e preparados para atuarmos em
sala de aula. É essencial entendermos a diversidade humana, cada indivíduo é
biologicamente único e apresenta suas individualidades e consequentemente
apresenta formas diferentes de aprender, que devem ser respeitadas e estimu-
ladas de forma coerente com suas necessidades.

90
7 – A importância da neurociência no processo de aprendizagem

A neurociência é considerada um campo interdisciplinar que analisa agre-


ga o conhecimento de diversas disciplinas e ciências para o estudo da estru-
tura e organização funcional do sistema nervoso (especialmente o cérebro),
visando compreender a sua estrutura, desenvolvimento, funcionamento e
evolução, assim como a relação entre o comportamento e a mente e as suas
oscilações (SILVA, 2012).

Neurociências e o processo de aprendizagem


Ao pensarmos em aprendizagem, entende-se que há quem detém o saber e,
por consequência, quem necessite adquirir o conhecimento. Freire já contribuiu
em descrever esse processo, que denominou de “concepção bancária”, partindo
do pressuposto que o professor é o dono do saber e o aluno é meramente um
receptáculo do saber, e que o professor é quem detém o saber e o aluno é sim-
plesmente um objeto, um receptor (CHIARELLA, 2015). Partindo desse pres-
suposto, estamos olhando para o indivíduo, baseando-se somente nas metodo-
logias, e esquecendo-se de olhar para um sujeito que possui um cérebro único,
facilidades e dificuldades, e que o professor do XXI deve se atentar a estes fatos.

No século XX, em 1960, surgiu uma nova ciência, a “neurociência”, apon-


tando uma área específica da neuroanatomia e neurofisiologia; desde então,
olhar para aprendizagem humana sem olhar o indivíduo aprendente e somen-
te se basear em metodologias é um retrocesso da ciência (HOUZEL, 2008).
[...] o cérebro pode ser visto como um sistema dinâ-
mico que tem sua complexidade funcional subsidia-
da pela sua interação com outros sistemas nele pre-
sentes, não podendo ser interpretado como depósito
estático para o armazenamento de informação (BAS-
TOS, 2013, p. 42).

Mediante as afirmações, os professores devem estar preparados para atu-


arem com a diversidade humana, deixando de olhar o seu aluno como um
receptor e sim ser um mediador entre o saber e o aluno, mudando a metodo-
logia, a didática, mediante a necessidade específica do estudante. O saber deve
ser apresentado de diversas formas, até que, então, o aluno consiga receber a
aprendizagem e o entendimento.

91
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Se fizermos uma retrospectiva, em relação a ensinar e aprender e, ao fazer-


mos um retrospecto avaliando as formas de ensinar, partimos do pressuposto
que o único meio era o mestre, posteriormente a lousa, quadro negro e qua-
dro de giz. Mais tarde, outro meio superou os anteriores, o caderno, em que
o estudante poderia anotar solicitado pelo mestre. Posteriormente, esse meio
tornou-se obsoleto com os livros didáticos e entre o século XX e XXI, a sala
de aula, que era o único espaço, tornou-se, enfim, ampliada aos meios virtuais
e digitais, em que o ensino veio ser mediado pelo ciberespaço (MARTINS,
2012). E, por consequência, acabam a baixa autoestima e até mesmo evasão
escolar. Segundo Carvalho et al. (2010, p. 540).
O cérebro pode ser visto como um sistema dinâmico
que tem sua complexidade funcional subsidiada pela
sua interação com outros sistemas nele presentes,
não podendo ser interpretado como depósito estáti-
co para o armazenamento de informação.

Assim, desde que o ato de ensinar e aprender é mediado pelo ciberespaço,


exige-se do professor uma busca cada vez maior pelas informações, uma vez
que seu público obtém o mediador virtual em suas mãos. No cenário escolar,
o professor é o detentor no processo de ensinar, e o aluno, de aprender. Cabe
ao professor mediar o conhecimento ao aluno, mas torna-se responsabilidade
do professor fazer a tradução do saber ao aluno, movido pela causa que os
indivíduos aprendem de formas diferentes (GROSSI et al., 2014).

Muitos docentes sem acesso aos estudos da neurociência, que proporcionam


a base para atuarem e se tornarem aptos para entender cada discente, rotulam
os estudantes que apresentam dificuldades de aprendizagem e certas limitações
por falta de conhecerem o funcionamento cerebral (RAMALHO, 2019).

A evolução das pesquisas


A bibliometria é um termo originário da junção das palavras metria e bi-
bliografia. A bibliometria auxilia na identificação de tendências de crescimen-
to do conhecimento em determinada disciplina, dispersão e obsolescências
de campos científicos, também os autores e instituições mais produtivos, bem
como os periódicos mais utilizados para publicação e divulgação de pesquisas

92
7 – A importância da neurociência no processo de aprendizagem

nas mais diversas áreas científicas (QUARTO et al., 2018). Os primeiros resul-
tados apresentados na pesquisa se iniciam em 1961, ganhando mais ênfase a
partir de 1991, totalizando, ao todo, 600.532 documentos.

De acordo com Romero e Pastor (2012), a alta intensidade de publicações


e a disseminação de novos conhecimentos são umas das características mais
relevantes da sociedade moderna. Os Estados Unidos da América são o país
que mais financia trabalhos sobre o tema, conforme se vê no gráfico 1.

Gráfico 1 - Cinco países com maior índice de publicações sobre o tema

300000

250000
Número de publicação

200000

150000

100000

50000

0
Estados Unidos  Reino Unido Alemanha China  Canadá
da América
Países
 

Fonte: Scopus (2019).

Segundo Spinak (1996), diante do contexto contemporâneo, em que o co-


nhecimento se tornou um eixo para os poderes econômicos, político e social,
o estudo do tema “excelência científica” assumiu suma importância no desen-
volvimento de políticas de pesquisa científica em diversos países.

No que diz respeito às universidades que mais desenvolveram estudos


sobre linguagem e autismo, destacam-se o Centre National de la Recherche,
Harvard Medical School e UCL, Gráfico 2.

93
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Gráfico 2 - As instituições que mais financiaram pesquisas

Centre National de la Recherche
Instituições

Harvard Medical School 

UCL

9000 9200 9400 9600 9800 10000


Número de publicações

 
Fonte: Scopus (2019).

O conhecimento gerado por essas instituições auxilia no desenvolvimento


econômico e científico do país. Os rankings que apresentam as universidades
que possuem mais publicações sobre um determinado tema estão transfor-
mando a forma como as instituições de ensino colaboram entre si (SANTOS,
2015). Esses rankings destacam os pontos fortes e fracos das instituições, for-
talecendo o sistema do ensino superior.

Diante dos resultados obtidos pela bibliometria, conclui-se que o método


de pesquisa é eficaz para o levantamento de dados e pode ser facilmente re-
plicada para a coleta de informações de trabalhos futuros sobre este ou qual-
quer outro tema, assim como houve um aumento significativo nas publicações
sobre a temática. Vale ressaltar que novas publicações são produzidas a todo
momento, sendo possível atualizar o estudo no decorrer do tempo.

Considerações finais
É evidente que o processo de ensino-aprendizagem por muito tempo foi
focado apenas na maneira homogênea e mecânica de adquirir conhecimentos.

94
7 – A importância da neurociência no processo de aprendizagem

Com a neurociência, a priori passou a ser o indivíduo, o professor deixa de


olhar para a metodologia e observa quem é o seu aluno. Com isso, a apren-
dizagem passou a ter outra abordagem. Entende-se que a neurociência não
ocupou o trabalho da pedagogia, pois as estratégias para o ensino continuam
de responsabilidade da pedagogia por intermédio da didática; o viés com a
neurociência é definir o estudante como protagonista do seu processo de
aprendizagem.

O que difere o ensino daquele que tem o auxílio da neurociência é a sua na-
tureza, que apresenta uma aprendizagem homogênea com indivíduos hetero-
gêneos, entretanto, quando a educação tem por alicerce a ciência como aporte,
o educador consegue produzir aos alunos ambientes instigantes despertando
as habilidades de cada discente.

A partir dos estudos realizados, conclui-se que quando a neurociência atua


com a pedagogia, sua atuação é esclarecedora na prática pedagógica. Seu dever
é esclarecer ao docente a individualidade de cada aprendente, sua função é de
aporte à pratica pedagógica. Agregar a ciência ao ambiente acadêmico é poder
abrir caminhos, trilhas, para realmente conseguir levar o saber ao aprendente,
pois a aprendizagem chega a todos, porém, nem sempre com o mesmo caminho.

Referências
GROSSI, M. G. R. et al. Uma reflexão sobre a neurociência e os padrões de aprendizagem: a
importância de perceber as diferenças. Debates em Educação, Maceió, v. 6, n. 12, jul./dez.
2014.

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MARTINS, O. B.; MOSER, A. Conceito de mediação em Vygotsky, Leontiev e Wertsch. Revista


Intersaberes, Curitiba, v. 7, n. 13, p. 8-28, 2012.

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QUARTO, L. C. et al. Ergonomia cognitiva: uma análise das publicações por intermédio da bi-
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RAMALHO, D. M. Psicopedagogia e Neurociência. 2. ed. Rio de Janeiro: Wak, 2019.

RELVAS, M. P. Fundamentos biológicos da educação: despertando inteligências e afetividade


no processo de aprendizagem. Rio de Janeiro: Wak, 2005.

95
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

RELVAS, M. P. Neurociência e transtornos de aprendizagem: as múltiplas eficiências para uma


educação inclusiva. 5. ed. Rio de Janeiro: Wak, 2011.

ROMERO, J.; PASTOR, J. M. Las Universidades Espanolas Bajo La Influencia De Los Rankings.
Regional and Sectorial Economic Studies, Portugal, v. 12, n. 3, 2012.

SANTOS, G. C. Análise Bibliométrica dos Artigos Publicados como Estudos Bibliométricos na


História do Congresso Brasileiro de Custos. Pensar Contábil, Rio de Janeiro, v. 17, n. 62, p.
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SILVA, A. C. A. Aplicação do programa de neurociência: intervenção em leitura e escrita. 109


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Educação Almeida Garrett. Lisboa, 2012.

SPINAK, E. Diccionario enciclopedico de bibliometría, cienciometria e informetria. Monte-


video; Caracas: Unesco, 1996.

96
8
A metamorfose do corpo na contemporaneidade e a interface
com a plasticidade neural
Erika Costa Barreto1
Evandro Monteiro de Barros Junior2
Gustavo Santos Crespo3

Considerações iniciais
Indícios de estudos na área das neurociências evidenciam que o córtex ce-
rebral se configura como um complexo mapa corporal capaz de orientar o
indivíduo a respeito do conteúdo e posicionamento de cada parte que compõe

1. Psicóloga clínica e institucional. Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental. Me-


diadora e Conciliadora de Conflitos. Doutoranda e Mestre em Cognição e Linguagem. Es-
pecializando-se em Neurociências e em Neuropsicologia. Coordenadora da Pós-Graduação
em Terapia Cognitivo-Comportamental l da FABERJ.
2. Advogado e professor. Especialista em Direito Tributário – UNIDERP. Mestre em Cognição
e Linguagem – UENF. Coordenador do Grupo de pesquisa Questões de Estado, Direito e
outras ciências - (ITEP-UENF-UNIFLU-CNPQ) - ”GPIDMR”.
3. Médico Ginecologista e Obstetra. Especialista em Ciências da Fisiologia Humana. Cursou
residência médica no Hospital Escola Álvaro Alvim. Mestrando em Cognição e Linguagem
– UENF. Professor da Faculdade de Medicina de Campos.

97
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

sua estrutura física. Tais evidências, em sua maioria, partem de descrições clí-
nicas e exames de imagem com pacientes que tiveram algum dos seus mem-
bros amputados e ainda sim podiam ter ilusões e percepções sensoriais acerca
do mesmo, fenômeno classificado como síndrome do membro fantasma.

A explicação para a ocorrência de tal fenômeno passa pela hipótese de que


o cérebro leva um tempo relativamente desproporcional, em relação à am-
putação do membro, para elaborar a perda e adaptar-se a uma nova imagem
corporal.

Relevos e depressões de tecido epitelial contornam o volume do que cha-


mamos corpo. Como invólucro, a pele explicita uma dinâmica entre super-
fície e profundidade ao aceitar e acompanhar as formas e dimensões que o
corpo ganha naturalmente ao longo da vida, seja devido ao processo natural
de desenvolvimento e envelhecimento físico humano, seja por meio de inter-
venções acionadas pelo desejo de modificar a aparência em decorrência da
necessidade de aceitação de si perante a construção de uma individualidade
que busca aprovação social e por ela é influenciada.

Os estudos a respeito de como o cérebro representa em si o mundo externo


compõem também uma parte significativa da resposta sobre como a ilusão
de uma individualidade é capaz de se configurar no “eu” interno de cada ser.
Entender tais fenômenos contribui para que seja possível a compreensão de
como a plasticidade neural organiza nosso cérebro em relação ao mapa cor-
poral e às reorganizações que as mudanças físicas impõem à nossa dinâmica
cortical.

O objetivo do presente estudo é evidenciar, por meio dos apontamentos


acerca da plasticidade neural a partir de relatos de observações clínicas de pa-
cientes amputados, como as exigências sociais acerca da imagem corporal têm
exigido, possivelmente, um trabalho de reorganização cortical intenso e cons-
tante para acompanhar as constantes mudanças corporais autoinflingidas.

Materiais e métodos
O presente estudo trata de uma abordagem qualitativa pautada na revisão
de artigos originais que desenvolvida a partir da seleção de artigos e bibliogra-
fias relacionados à questão das mudanças corporais e ao zeitgeist que impõe tal

98
8 – A metamorfose do corpo na contemporaneidade
e a interface com a plasticidade neural

paradigma, bem como aos que se referiam às representações mentais do corpo


e evidenciavam modificações corticais diante de tais mudanças. Os artigos es-
colhidos foram, em sua maioria, publicados a partir da década de 90, período
em que se iniciaram o maior número de pesquisas sobre o assunto acerca da
síndrome do membro fantasma, fato de extrema importância para que fosse
respondida a pergunta problema e, assim, ajustar os principais pontos do de-
senvolvimento da pesquisa.

Discussão

O corpo na contemporaneidade

Falar sobre corpo apresenta-se sempre como tarefa árdua, pois seus signi-
ficados, simbolismos e utilidades foram sempre forjados às necessidades e an-
seios de determinados momentos históricos e sempre amparado por um con-
texto social que definiu sua importância e o atravessou com suas demandas.
Sendo o corpo o responsável pela inserção e mediação com o grupo social, é
natural que ele influencie e seja influenciado mutuamente (SILVA, 2002).

Sabemos que o corpo apresenta diferentes significados e utilidades que


sempre são resultado das necessidades e vicissitudes de uma época. Em tem-
pos remotos, o corpo era visto como algo a ser utilizado para fins de sobre-
vivência e reprodução, ter um corpo funcional e habilidoso era condição sine
qua non para garantir a sobrevivência e preservação da espécie.

Com o advento do patriarcado, instauração do poder da igreja sobre os go-


vernos e sociedades, o corpo passa a ser controlado pelas diretrizes e dogmas
religiosos que ensinam as pessoas como estas devem comportar-se e fazer o
uso de seus corpos. Porém, em nenhuma outra época, o corpo descartável foi
tão exaltado como na contemporaneidade (BOLTANSKI, 1984).

O corpo deixou de ser a internação dedutível do sujeito e deu lugar a uma


construção, uma instância de conexão, um objeto transitório e manipulável
suscetível de muitos emparelhamentos. Hoje, o corpo aparece disponível a to-
das as modificações, o que se configura como uma prova radical e modulável
da existência pessoal e exibição de uma identidade escolhida provisória ou
duravelmente (ROSÁRIO, 2005).

99
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Durante milênios e ainda hoje, em grande parte do mundo, os homens ca-


minharam para ir de um lugar a outro, nadaram, consumiram-se na produção
cotidiana dos bens necessários ao seu prazer e a sua subsistência. A relação
com o mundo era uma relação pelo corpo. Certamente, nunca em nossas so-
ciedades ocidentais, os homens utilizaram tão pouco seu corpo, sua mobili-
dade, sua resistência como hoje. O consumo de estresse substituiu o consumo
físico. Os recursos musculares caem em desuso, a não ser nas academias de
ginástica, e toma seu lugar a energia inesgotável fornecida pelas máquinas.
Até as técnicas corporais mais elementares recuam consideravelmente e só são
solicitadas raramente na vida cotidiana como atividades de compensação ou
de manutenção da saúde (SILVA, 2001).

As atitudes culturais contemporâneas denotam a crescente necessidade de


atrativos estéticos, e a comparação entre as pessoas a respeito de padrões idea-
lizados de beleza vem se configurando como mecanismo de aceitação pelo
grupo social. Observa-se como o foco no corpo é empregado como método
evitativo que visa eliminar ou diminuir o contato com experiências privadas
particulares consideradas desagradáveis. O corpo tem sido vivido ultimamen-
te como um acessório de presença, um objeto imperfeito, um rascunho a ser
corrigido (BAUMAN, 2001).

Artifícios como cirurgias plásticas, modificação de formas corporais ou do


sexo, medicações e hormônios, rígidas dietas e treinos para modelar a massa
muscular são empregados para que se mantenha a silhuetas dentro de um
padrão que dispensa os sinais de uma identidade singular. O corpo torna-se
um suporte geométrico variável de uma identidade que pode ser escolhida e
sempre irrevogável, uma proclamação momentânea desse. Se não é possível
mudar suas condições de existência, pode-se pelo menos mudar o corpo de
múltiplas maneiras.

Segundo Rosário (2005), pesquisas apontam que no Brasil, o peso e a bele-


za do corpo influem mais na autoestima que sucesso na profissão, fé religiosa
ou número de amigos. Apenas 7% das mulheres se consideram bonitas e, por
conta disso, 54% se dizem dispostas a fazer cirurgias plásticas.

Um dos pressupostos recorrentes em nosso cotidiano é de que somos os


únicos responsáveis por nossos corpos, temos o corpo que merecemos. Confor-
me propõe Goldemberg (2002 apud ROSÁRIO, 2005), se não temos um corpo
perfeito é porque somos negligentes, a gordura se transformou em sinônimo
de doença, pessoas gordas são consideradas desleixadas e preguiçosas. Assim,

100
8 – A metamorfose do corpo na contemporaneidade
e a interface com a plasticidade neural

a gordura está associada a uma baixa condição moral. Neste sentido, pode-se
mencionar a pesquisa realizada na Universidade da Califórnia, em que coloca-
ram 50 tipos de pessoas: assassino, ladrão, traficante, gordo, baixinho. Pergunta-
ram a mil mulheres com qual se casariam. O gordo foi o último a ser escolhido.

De acordo com Rosário (2005), existe uma força tarefa social que combate
à recusa pela busca da beleza, comportamento frequentemente interpretado
como uma negligência que deve gerar frustrações e baixa autoestima, frequen-
temente doente de adoecimento psíquico e que deve ser combatida de forma
profilática ou de cura.

Para aderir com força à existência, multiplicam-se os seus signos de ma-


neira visível sobre o corpo. É preciso se colocar fora de si para se tornar si
mesmo. O próprio sujeito é o mestre de obras que decide a orientação de sua
existência. O extremo contemporâneo define o mundo em que a significação
da existência é uma decisão própria do indivíduo e não mais uma evidên-
cia cultural. A relação com corpo depende menos da evidência da identidade
consigo mesmo do que daquela de agora em diante de um objeto a sublinhar
na representação de si. É importante gerir seu próprio corpo como se gerem
outros patrimônios do qual o corpo se diferencia cada vez menos. O corpo
tornou-se empreendimento a ser administrado da melhor maneira possível no
interesse do sujeito e de seu sentimento de estética. A retirada para o corpo,
para aparência, para os afetos é um meio de reduzir a incerteza buscando limi-
tes simbólicos o mais perto possível desse. Só resta o corpo para o indivíduo
acreditar e se ligar (BAUMAN, 2001).

O corpo é transformado em artefatos e até mesmo em carne da qual se


convence livrar para ter, por fim, acesso a uma humanidade gloriosa.

Invólucro de uma presença, arquitetônica de materiais e funções, o quê en-


tão fundamenta a existência do corpo não é mais a irredutibilidade do sentido
e do valor, o fato de ser a carne do homem, mas a permutação dos elementos
e das funções que garantem sua organização. O corpo é, hoje, remanejado por
motivos terapêuticos que praticamente não levantam objeções, mas também
por motivos de conveniência pessoal, às vezes, ainda, para perseguir uma uto-
pia técnica de purificação do homem, de retificação de seu ser no mundo. O
corpo encarna a parte ruim, o rascunho a ser corrigido.

Na contemporaneidade, a dimensão corporal assegura a “verdade” sobre os


sujeitos e o sucesso ou fracasso do indivíduo parece ser medido pelo “formato”

101
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

e pela aparência que o corpo exibe. O corpo, nesta etapa histórica, atua como
um informador da individualidade.

Plasticidade neural
Os estudos a respeito de como o cérebro representa em si o mundo exter-
no compõem também uma parte significativa da resposta sobre como a ilu-
são de uma individualidade é capaz de se configurar no “eu” interno de cada
ser. Entender tais fenômenos contribui para que seja possível a compreensão
e o tratamento de distúrbios da imagem corporal como a anorexia nervosa,
apraxia, dentre outros.

Mudanças e reorganizações têm sido observadas por meio de exames de


imagens nos córtices somatossensorial e motor em pacientes amputados, de-
monstrando a plasticidade neural. Nesse processo, estão envolvidos a remo-
ção da inibição cortical local, o reforço de sinapses existentes e a formação de
novas sinapses, uma vez que as conclusões apontam para o fato de que a área
de representação referente ao membro amputado nos córtices sensitivo e mo-
tor, além de não ficar inativa, passa a exercer uma relação com áreas corticais
vizinhas (XERRI, 2003).

A primeira descrição clínica a respeito do membro fantasma surgiu no ano


de 1872 por Weir Mitchell, que observou em seus pacientes relatos de dor e
câimbras, embora todos os pacientes tivessem consciência de que experimen-
tavam uma ilusão.

Mesmo com as contribuições de lúria em 1930 e com a criação da neurop-


sicologia, a plasticidade neural tem sido estudada de forma mais aprofundada
desde os anos 90 (NEVES et al., 2017).

A tese neurológica de Ramachandran (2000) sobre plasticidade neural, a


partir dos estudos com pacientes que apresentam a síndrome do membro fan-
tasma, tem colaborado significativamente para a análise a respeito da imagem
corporal como um todo.

Em seus estudos, o autor observou que era possível compreender a relação


da perda do sentido do eu e da individualidade dos sujeitos, em relação a sua
imagem corporal quando por algum tipo de acidente ou fatalidade, os indiví-
duos tinham alguma parte do seu corpo amputado.

102
8 – A metamorfose do corpo na contemporaneidade
e a interface com a plasticidade neural

As provas apontadas por Ramachandran (2000) para explicar como o cé-


rebro nega a falta de um membro perdido que persiste na mente do indivíduo
passam pela hipótese de que o cérebro leva um tempo relativamente despro-
porcional, em relação à amputação do membro, para elaborar a perda e adap-
tar-se a uma nova imagem corporal.

Há ainda ideia de que os nervos seccionados passam a enviar sinais e ali-


mentar sensorialmente o cérebro com impulsos.

Além disso, existe ainda a ideia de que a responsável pela sensação do fan-
tasma seria uma determinação genética a ser moldada ao longo da vida por
meio da experiência pessoal, que é capaz de modificar a imagem do corpo
(XAVIER, 2015).

O homúnculo de penfield traz uma representação dos dois hemisférios do


cérebro a respeito de diferentes pontos da superfície do corpo, é representa-
ção artística adquirida por meio de experimentos em que os pesquisadores
estimulavam partes do cérebro exposto cirurgicamente e perguntava aos pa-
cientes a respeito das imagens, sensações ou lembranças corpóreas (RAMA-
CHANDRAN; BLACKSLEE, 2004).

Este é apenas um dos indícios de que o que existe no córtex cerebral é um


complexo mapa corporal que proporciona a cada um de nós reconhecer cada
uma das partes do nosso próprio corpo.

Assim, há indícios de que a nossa subjetividade esteja pautada numa constru-


ção da imagem do corpo por meio de mapas sensório-motores no córtex cere-
bral, ou em bases genéticas determinadas hereditariamente (NEVES et al., 2017).

Nesse sentido, o campo visual configura-se como um dispositivo capaz de


disparar e predizer por genes para agir, como ocorre nos casos de pessoas que
não tiveram seus membros amputados, mas nasceram sem estes e, mesmo
assim, apresentam a referida sensação a respeito do membro fantasma.

Segundo Ramachandran (2000), a imagem corporal é uma espécie de re-


presentação da nossa massa corpórea no cérebro, uma imagem forjada por
meio da materialidade do corpo, sem que com isso queiramos formar uma
descrição puramente fisicalista da mente.

De modo sucinto, a imagem corporal é definida como a figura que temos


em mente do tamanho e forma dos nossos corpos e os nossos sentimentos em
relação a essas características e partes constituintes do corpo. A imagem do

103
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

corpo é uma representação consciente abstrata que se distingue dos outros


ambientes. Reações proprioceptivas são responsáveis por fornecer ao organis-
mo informações acerca de nossas sensações e percepções, bem como nossa
posição no espaço em um dado ambiente. Capacidades motoras, habilidades e
hábitos estão envolvidos neste processo.

A partir de como o indivíduo vê o próprio corpo, a própria imagem, ele


busca compará-la ao padrão determinado pela sociedade. As sociedades con-
temporâneas, principalmente as ocidentais, vêm apresentando uma preocu-
pação excessiva com os padrões de beleza nas quais há uma verdadeira “divi-
nização” do corpo belo.

De maneira geral, os estudos têm identificado frequências crescentes de


insatisfação com a imagem corporal em diferentes faixas etárias, especialmen-
te nos adolescentes.

Nosso cérebro parece ser capaz de uma plasticidade neuronal que faz com
que este seja capaz de readaptar as mudanças sofridas pela imagem do próprio
corpo, dada sua maleabilidade de reorganizar (NEVES et al., 2017).

A neuroplasticidade, dentre suas muitas definições, pode ser a capacidade


de adaptação do sistema nervoso, especialmente a dos neurônios, às mudan-
ças nas condições do ambiente que ocorrem diariamente na vida dos indi-
víduos. Essa reorganização neural é um objetivo preliminar da recuperação
neural para facilitar a recuperação da função e pode ser influenciada pela ex-
periência, pelo comportamento, pela prática de tarefas e em resposta a lesões
cerebrais (NEVES et al., 2017).

Há várias formas de plasticidade: regenerativa, axônica, sináptica, dendrí-


tica, somática e habituação, que é uma de suas formas mais simples.

Em pessoas que não sofreram nenhum tipo de amputação, mensagens do


lobo frontal são enviadas em conjunto, ou pelo cerebelo para o lobo parietal,
que monitora os comandos e recebe o feedback do membro sobre a sua po-
sição e velocidade do movimento. Quando este membro não está presente,
não há feedback, mas a monitoração dos comandos motores pode continuar
a ocorrer no lobo parietal, e assim o paciente tem a vívida sensação de movi-
mento de membro fantasma.

Uma das possíveis implicações da experiência com espelhos sugere que a


imagem do corpo é, na verdade, um construto interno transitório, uma mera

104
8 – A metamorfose do corpo na contemporaneidade
e a interface com a plasticidade neural

concha que nosso cérebro cria temporariamente para nossos genes. A imagem
corporal, apesar de sua aparência, durabilidade e permanência, é um cons-
truto transitório interno que pode ser alterado por estímulos contingenciais
(NEVES et al., 2017).

Considerações finais
Já dizia Nietsche que não nos fatigamos de nos maravilhar com a ideia
de que o corpo humano tornou-se possibilidade. O corpo é uma espécie de
escrita viva no qual as forças imprimem vibrações, ressonâncias e caminhos.

O cérebro humano está constantemente sofrendo alterações e este é um


dos motivos que dificulta o entendimento de seus mecanismos, como a regu-
lação da neuroplasticidade.

A reconstrução do corpo humano é empreendimento ao qual se dedicam


os novos engenheiros biológicos. Os anatomistas, mesmo antes dos filósofos
que, como Kant e Descartes, falavam da dualidade entre mente e corpo, fun-
daram um dualismo que é central na modernidade e não apenas na medicina:
aquele que distingue, por um lado, o homem, por outro, seu corpo. Na maioria
das vezes, a medicina trata menos o homem em sua singularidade que está
sofrendo do que o corpo doente. Os problemas que ainda se colocavam com
relativa descrição alguns anos adquirem uma ampliação considerável com a
enfatização e o refinamento dos meios técnicos, a especialização dos cuidados,
a falta de peso do corpo, o mito da saúde perfeita e, sobretudo, a informação e
a resistência crescentes dos usuários.

A contemporaneidade eleva o paradigma da relação com a transformação


do corpo ao status quo de sucesso e determinação. Domar e doutrinar o invó-
lucro que contorna a carne humana é objetivo respaldado pelas ciências exatas
e matemáticas.

O corpo exaltado não é o corpo com qual vivemos, mas sim um corpo
costurado, coberto em mil pedaços remendados. O discurso relativo ao aper-
feiçoamento tem proporcionado uma ligação na carne do homem de proce-
dimentos que escondem em si mesmos promessas messiânicas falando sobre
velhos que permanecem jovens, jovens que não suportam envelhecer e o al-
cance da eterna juventude para todos.

105
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

A exigência momentânea e fugaz exalta um corpo bricolado que resulta do


excesso de deriva, um externo contemporâneo, que oscila entre a vontade de
controle absoluto e o narcisismo furioso, próximo de uma vontade de potência
que milita contra o corpo pleno.

Nosso aparato neuronal, por sua vez, planejado para lidar com as mu-
danças lentas e gradativas impostas ao corpo pelas demandas próprias do
desenvolvimento e processo de envelhecimento, vê-se forçado a acelerar seu
processo de plasticidade neural para adaptar o mapa cortical às frequentes
mudanças ocorridas em decorrência das modificações abruptas e não na-
turais às quais os corpos têm sido expostos para acompanhar a demanda de
uma exigência social.

As evidências de que a plasticidade neural existe são decorrentes de


estudos clínicos feitos com pacientes que perderam algum membro de forma
acidental, ou ainda, que nasceram sem o membro, mas que possuem sensações
referentes ao membro inexistente. Se isso ocorre em maior escala em situações
adversas como as citadas, possivelmente experimentamos constantemente pe-
quenas ilusões acerca dos nossos corpos, uma vez que o transformamos fre-
quentemente por meio de atravessamentos constantes e frequentes, seja em
nome de uma mudança estética, seja por meio de procedimentos que busca-
mos para evitar o processo natural da morte.

Referências
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BOLTANSKI, L. As classes sociais e o corpo. 3. ed. Rio de Janeiro: Grall, 1984.

NEVES, C. M. et al. Imagem corporal na infância: uma revisão integrativa da literatura. Rev.


paul. pediatr., São Paulo ,  v. 35, n. 3, p. 331-339,  set.  2017.

RAMACHANDRAN, V. S.; ROGERS-RAMACHANDRAN, D. Phantom limbs and neural plas-


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RAMACHANDRAN, V. S.; BLACKSLEE, S. Fantasmas no cérebro: uma investigação dos mis-


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107
9
Contribuições das neurociências na Síndrome de Wallenberg
Juliana da Conceição Sampaio Lóss1
Fabio Luiz Fully Teixeira2
Cristina de Fátima de Oliveira Brum Augusto de Souza3

“Os homens deveriam saber que é do cérebro, e de


nenhum outro lugar, que vêm as alegrias, as delícias,
o riso e as diversões, e tristezas, desânimos e lamen-
tações” (Hipócrates).

1. Psicóloga, Pedagoga, Especialista em Psicologia da saúde e hospitalar, em Terapia Familiar e


em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Doutoranda em Psicologia Clínica e acadê-
mica de Medicina na UNIG.
2. Doutorando no curso de Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Flu-
minense Darcy Ribeiro. Mestre em Engenharia Médica pela Universidade do Vale do Paraí-
ba (UNIVAP), São José dos Campos - SP (2011).
3. Mestra pelo Programa de Cognição e Linguagem – UENF. Pedagoga – FEAP. Psicopedagoga
Clínica e Institucional – FCWB e Neuropsicopedagoga – UNIG. Especialista em Educação
Especial com Ênfase em Autismo – CENSUPEG.

108
Considerações iniciais
Ao refletir sobre o tema “neurociência”, pode-se verificar que se trata de
uma ciência considerada em crescimento e que tem por objetivo desvendar o
sistema nervoso, o desenvolvimento, a estrutura, a função e as patologias do
SN (sistema nervoso).

Seguindo a proposta desta obra, que é neurociências, educação e saúde em


estudos interdisciplinares, o presente capítulo objetiva apresentar as contribui-
ções desta tão importante ciência aplicada à saúde, notadamente à neurologia:
as neurociências frente à Síndrome de Wallenberg, uma vez que essa patologia
tem sua etiologia no AVC (acidente Vascular cerebral) e pode acometer parte
considerável da população mundial. Nessa perspectiva, a neurociência tem
muito a contribuir, especialmente na compreensão dos sintomas que afetam
os pacientes que sofreram alguma sequela neurológica advinda de um AVC e
que pode atingir áreas importantes, como as áreas cerebelares. A Síndrome de
Wallenberg, também conhecida como síndrome da artéria cerebelar posterior
inferior, tem etiologia em um acidente vascular cerebral (AVC) na artéria ver-
tebral ou posterior inferior do cerebelo do tronco cerebral (SANVITO, 2008).

Esta síndrome se caracteriza por problemas sensoriais que acometem o


tronco e as extremidades do lado oposto e déficits sensoriais que afetam a
face e os nervos cranianos ipsilateral. Dentre as diferentes manifestações clí-
nicas, encontram-se dificuldade de deglutição, rouquidão, vertigem, náuseas,
vômitos, nistagmo (movimentos rápidos e involuntários dos olhos), alteração
na marcha e problemas de equilíbrio. Há a presença, em alguns pacientes, da
perda da sensação de calor e/ou dor no lado oposto do corpo e do mesmo lado
da face do infarto. Também podem ocorrer soluços incontroláveis, bem como
a perda do paladar em um dos lados da língua.

Os apontamentos do capítulo ora em foco iniciam-se a partir de epide-


miologia da Síndrome de Wallenberg. Ato contínuo, esse apontamento se dá
enfocando a importância do cerebelo e implicações neurológicas que causam
forte impacto na vida dos sujeitos. Nessa trilha, considera-se uma possibilidade
compreender a Síndrome de Wallenberg por meio de aportes das neurociências
com ênfase na neuroanatomia. Já em um momento seguinte, demonstra-se a
importância do cerebelo utilizando ferramentas das neurociências. Espera-se,
com essa abordagem, reafirmar a importância das neurociências frente a pato-
logias neurológicas, possibilitando aos pacientes melhora na qualidade de vida.

109
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Síndrome de Wallenberg e implicações neurológicas


A Síndrome de Wallenberg é constituída por um conjunto de sintomas
neurológicos decorrentes de um acidente vascular encefálico (INSTITUTO
NACIONAL DE DISTÚRBIOS NEUROLÓGICOS E DERRAME, 2007).

A Organização Mundial de Saúde (OMS), entre outras organizações inter-


nacionais, apontou, em várias ocasiões, que as doenças vasculares cerebrais
são a segunda causa de morte no mundo. Especificamente, mais de 4 milhões
de pessoas nos países desenvolvidos morrem desse tipo de patologia (ULLOA-
-ALDAY et al., 2015).

Nosso sistema nervoso, especialmente as áreas do cérebro, são nutridos


por uma ampla rede de vasos sanguíneos que redirecionam o fluxo de sangue
de maneira homogênea e constante para todas as estruturas, a fim de manter
sua atividade funcional. Geralmente, a oclusão do fornecimento de sangue
tende a ser localizada na região posterior da artéria cerebelar inferior (PICA),
responsável por alimentar, principalmente, medula oblonga e áreas inferio-
res dos hemisférios do cerebelo (SANCHEZ-CAMACHO-MAROTO et al.,
2010).

Merece relevo, do ponto de vista científico, que a Síndrome de Wallen-


berg recebe outros tipos de nomes, como infarto bulbar lateral, síndrome
da artéria cerebelar ou síndrome da coluna lateral (ROLDÁN-VALADEZ et
al., 2007).

A síndrome foi uma doença inicialmente identificada pelo pesquisador


Gaspard Vieusseux, embora recebeu o nome de Adolf Wallenberg, que des-
creveu com precisão as características clínicas da doença (ULLOA-ALDAY et
al., 2015). A Síndrome de Wallenberg é definida como um transtorno neuro-
lógico, causado pela interrupção do fluxo sanguíneo nas áreas posteriores do
cérebro e caracterizado pela presença de vômitos, ataxia, Síndrome de Horner,
dentre outros (SÁNCHEZ-CAMACHO-MAROTO et al., 2010).

De acordo com as estatísticas, a síndrome de Wallenberg é uma das pa-


tologias mais ocorrentes nos acidentes vasculares cerebrais que acometem as
regiões posteriores (SÁNCHEZ-CAMACHO-MAROTO et al., 2010).

Apesar de não ser conhecido nenhum dado específico sobre sua inci-
dência, é uma doença principalmente associada ao sexo masculino, com

110
9 – Contribuições das neurociências na Síndrome de Wallenberg

uma relação de 3x1, em relação ao sexo feminino (CARRILLO-ESPER et al.,


2014). Destaca-se que dos fatores sociodemográficos relacionados ao au-
mento da prevalência da Síndrome de Wallenberg é a idade, sendo relevante
o dado indicativo que a idade média de apresentação é próxima aos 60 anos
(CARRILLO-ESPER et al., 2014). Ademais, trata-se de uma doença intima-
mente relacionada a diversos fatores de risco, como hipertensão arterial,
níveis elevados de colesterol, doenças cardíacas ou diabetes (SÁNCHEZ-
-CAMACHO-MAROTO et al., 2010).

Em arremate, considera-se a Síndrome de Wallenberg um distúrbio neuro-


lógico raro em crianças ou adultos jovens. No entanto, também pode ser apre-
sentado como um processo secundário em intervenções cirúrgicas ou lesões
cerebrais traumáticas (QUIROZ; CORTECERO, 2015).

Implicações no funcionamento do cerebelo


Ab initio, traçando um perfil anatômico do cerebelo (do latim, pequeno cé-
rebro), encontra-se situado dorsalmente ao bulbo e a ponte, contribuindo para
formação do teto do IV ventrículo. Repousa sobre a fossa cerebelar do osso occi-
pital e está separado do lobo occipital do cérebro por uma prega da Dura Máter
denominada tenda do cerebelo, ligando-se à medula e ao bulbo pelo pedúnculo
cerebelar inferior e à ponte e ao mesencéfalo pelos pedúnculos cerebelares mé-
dios e superiores respectivamente (DANGELO; FATTINI, 2011).

Sua importância equivale à manutenção da postura, equilíbrio, coorde-


nação dos movimentos e aprendizagem de habilidades motoras, entretanto,
embora tenha fundamentalmente função motora, estudos recentes demons-
tram que também está envolvido em funções cognitivas (MACHADO et al.,
2014).

Distúrbios cerebelares podem ter variadas causas, incluindo malformações


congênitas, ataxias hereditárias e doenças adquiridas, sendo que a sintoma-
tologia irá variar de acordo com a causa, já que envolve ataxia (marcha nor-
mal com base alargada em decorrência do comprometimento da coordenação
muscular), ao passo que, para chegar ao diagnóstico, são necessários exames
de imagem, atendimento clínico e testes genéticos. Em geral, o tratamento é
apenas de suporte (MOORE; DALLEY; AGUR, 2011).

111
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

A anatomia do cerebelo consiste em uma porção impar e mediana, a saber,


o Vérmis, que é ligado a duas grandes massas laterais, que são os hemisférios
cerebelares. Já a superfície do cerebelo é toda composta por fissuras trans-
versas e curvas, com aspecto laminado. No tocante as fissuras, estas se apre-
sentam mais profundas e dividem órgãos em lóbulos. Por sua vez, o cerebelo
possui cerca de 150 gramas, isto no indivíduo adulto, sendo responsável por
10% do volume total do encéfalo, e contém cerca da metade dos neurônios do
cérebro. Embora menor que o cérebro, o cerebelo possui aproximadamente o
mesmo número de neurônios (MACHADO et al., 2014).

Internamente, o cerebelo é preenchido pela substância branca, que forma


um miolo central, formado por fibras próprias, fibras de projeção e axônios
mielínicos das células de Purkinje. Superficialmente, o córtex cerebelar é co-
berto pela substância cinzenta, formando as fissuras. O córtex cerebelar é divi-
dido em camada molecular e camada granular. No interior do corpo medular,
existem quatro pares de núcleos de substância cinzenta, que são os núcleos
centrais do cerebelo: denteados, interposito, subdividido em emboliforme e
globoso, e fastigial. Em relação aos núcleos centrais do cerebelo, estes têm
grande importância funcional e clínica, já que deles saem todas as fibras ner-
vosas eferentes do cerebelo (MACHADO et al., 2014).

A cognição e o cerebelo
A cognição é o ato ou processo de conhecer que envolve atenção, percep-
ção, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento e linguagem, e tam-
bém um processo pelo qual o ser humano interage com os seus semelhantes e
com o meio em que vive. Facilmente, percebemos, por meio da definição des-
crita, que todo o nosso cérebro tem uma implicação direta ou mesmo indireta
nestas funções. É o caso do cerebelo.

O cerebelo foi tradicionalmente associado com o controle motor, no en-


tanto, teorias mais recentes estendem a contribuição cerebelar às funções não-
-motoras, tais como a aprendizagem ou a organização visuo-espacial. Estes
princípios teóricos são baseados em duas linhas de evidência principais: em
primeiro lugar, o cerebelo faz uma extensiva conexão com as áreas de associa-
ção do córtex frontal e parietal, indicando a possibilidade de influência cere-
belar em processos cognitivos. Em segundo lugar, várias pesquisas postulam

112
9 – Contribuições das neurociências na Síndrome de Wallenberg

que os défices cognitivos são mais extensos que os de controle motor em do-
entes com patologia cerebelar (MACHADO et al., 2014).

Nesse passo, o cerebelo desempenha funções associadas ao controle dos


movimentos, garantindo a harmonia das movimentações comandadas pelo
cérebro; regula ainda o tónus muscular, intervindo também na manutenção
do equilíbrio. Destaca-se que o surgimento de perturbações do funcionamen-
to do encéfalo (doenças degenerativas ou tumores, por exemplo) é geralmente
possível por meio da observação de problemas de coordenação da marcha ou
dos movimentos (MACHADO et al., 2014).

Destaca-se, portanto, que as funções do cerebelo envolvem o equilíbrio e


postura, por meio do vestíbulo cerebelo que promove contração adequada dos
músculos axiais e proximais dos membros com o objetivo de manter o equilí-
brio e postura mesmo em condições em que o corpo se desloca. Mantém, ain-
da, a função de controle do Tônus por meio do núcleo denteado e interposto,
que mesmo na ausência de movimento mantém certa atividade que age sobre
neurônios motores das vias laterais. Ademais, é necessário trazer à baila o fato
de que o cerebelo também controla os movimentos voluntários e caso ocor-
ram lesões no cerebelo, terá como sintomatologia uma grave ataxia, ou seja,
falta da coordenação dos movimentos voluntários decorrentes de erros na
força, extensão e direção do movimento. Dito isto, tem-se que o mecanismo
em que o cerebelo regula o movimento envolve duas etapas: planejamento do
movimento e correção dos movimentos já em execução. O cerebelo é a prin-
cipal região do encéfalo que regula a postura e o equilíbrio e torna possível
todas as atividades motoras habilidosas, desde apanhar uma bola de beisebol
até dançar (MACHADO et al., 2014).

Por que devemos conhecer as doenças cerebelares?


Segundo Machado et al. (2014), as doenças do cerebelo podem ser a cau-
sa de diversos sintomas ou transtornos como nos casos de acidente cerebro-
vascular, nas hemorragias, traumatismos, infecções ou tumores, devendo-se
registrar que quaisquer dessas lesões são capazes de originar uma série de al-
terações que incluem:

1) Distúrbios dos tônus musculares: os músculos perdem o estado normal


de contração, tornando-se fracos e flácidos, afetando a motilidade.

113
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

2) Dismetria: mostra-se pela falta de sinergia e faz com que os movimen-


tos se tornem bruscos e exagerados, pois é difícil deter o movimento
ao realizar uma ação, por exemplo, quando ultrapassamos a mão além
do lugar que se encontra um objeto que pretendemos pegar ou quando
levantamos demais a perna além do necessário para subir um degrau.
3) Tendência para ir aos lados: descompasso devido à falta de sinergia
dos músculos do tronco.
4) Tremor: tremores característicos que aparecem durante o movimento
e desaparecem no repouso que podem afetar somente um lado do
corpo como apenas uma mão.
5) Distúrbios do equilíbrio: lesões do cerebelo que afetam a estática, que
por sua vez é caracterizada pela instabilidade ao permanecer em pé
por falta de tônus muscular; isso faz com que se busque separar as
pernas e mantê-las retas para compensar. Digno de nota é que, com a
sinergia afetada, o caminhar para um lado ou para o outro fica cam-
baleante e igual ao de uma pessoa embriagada.
6) Disartria: distúrbio da articulação das palavras que atinge as pessoas
que possuem o cerebelo lesado, o que torna a fala entrecortada e ex-
plosiva.

A lesão do cerebelo por trauma ou doença cria sintomas envolvendo os


músculos esqueléticos. Os efeitos no corpo estão no mesmo lado lesado do
cerebelo, devido a um cruzamento duplo de tratos dentro do cerebelo. Pode
haver falta de coordenação muscular, denominada ataxia (a = sem; taxis = or-
dem). As pessoas com olhos vendados e com ataxia não podem tocar o ápice
do seu nariz com um dedo, pois não podem coordenar o movimento com seu
senso de localização da parte do corpo. Outro sinal de ataxia é um padrão de
fala alterado devido a não-coordenação dos músculos da fala. A lesão cere-
belar também pode resultar em distúrbios da marcha (andar cambaleante ou
movimentos anormais de angulação) e tortura. O álcool inibe o cerebelo e os
indivíduos que consomem muito álcool mostram sinais de ataxia (MACHA-
DO et al., 2014).

114
9 – Contribuições das neurociências na Síndrome de Wallenberg

Contribuições da neurociência nas doenças cerebelares


Para análise deste tópico, mister se faz delinear que a neurociência é a
área que estuda o sistema nervoso, sua funcionalidade e possíveis proble-
mas que possam surgir no decorrer da vida. Esta ciência busca aprofundar-
-se no cérebro, medula espinhal e nervos periféricos. O cérebro humano é
complexo e estudá-lo significa considerar seus amplos aspectos, processos
estruturais, conexões neuronais, neurofisiologia, comportamentos, pensa-
mentos, linguagem, memória, aprendizagem e emoções. Dentre os varia-
dos aspectos importantes, está a neuroplasticidade, tema este abordado
doravante.

Ressalta-se que a neurociência vive um momento de grande expansão,


eleita com destaque pelo Governo dos EUA como prioridade na década de
1990, que ficou conhecida como a “Década do Cérebro”. Muitos estudiosos
consideram o século 21 como o século do cérebro, no qual as grandes con-
quistas da humanidade estarão dirigidas para a compreensão das funções
neurais humanas (VENTURA, 2010).

Ao estudarmos o AVC (Acidente Vascular Cerebral Isquêmico), observa-


mos que pacientes acometidos por tal patologia manifestam sequelas poste-
riores, denotando dificuldades motoras e sensitivas, apresentando a neuro-
plasticidade com fundamental importância neste processo de perdas.

De acordo com Zilli et al. (2014), a neuroplasticidade pode ser entendi-


da como a capacidade dos neurônios de modificar suas funções, sendo fun-
damental para a recuperação da lesão ocorrida no sistema nervoso central.
Existem técnicas que utilizam a neuroplasticidade como auxiliadora na reabi-
litação, a saber: terapia de Restrição e Indução do Movimento (TRIM), cujos
primeiros relatos foram publicados em 1981 por Ostendorf e Wolf e, após,
foram realizados estudos de ensaios clínicos. Elucida-se que mudanças nas
estruturas cerebrais, como nas regiões cinzentas das áreas sensoriais e moto-
ras do cérebro, também ocorrem, além de mudanças no hipocampo, que es-
tão diretamente relacionadas com os processos de aprendizagem e memória.
Outrossim, pode-se contemplar que o uso do membro afetado resulte em um
aumento da representação cortical desse membro.

Ainda sobre o tema ligado a este tópico, contribuições da neurociência nas


doenças cerebelares, tem-se que a neurociência também se preocupa com o

115
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

indivíduo em sua totalidade, procurando métodos de diagnóstico, prevenção


e tratamento, além da descoberta das causas e mecanismos, considerando im-
portante qualquer patologia, quer seja uma dor de cabeça ou doenças de alta
complexidade.

Dos estudos sobre a problemática aqui tratada, depreende-se que AVC são
a terceira causa de doenças que acometem o funcionamento cerebral, como
elucida o National Institute of Health – HIH (2002, p. 52):

Na população dos EUA, dentre as doenças neurológicas que em geral se


instalam na infância: (1) a epilepsia afeta cerca de 2,5 milhões de norte-ame-
ricanos; (2) a paralisia cerebral ocorre em 750.000 nascimentos; (3) o autismo
atinge 400.000 crianças; e (4) os tumores cerebrais são a segunda causa de
morte por câncer em crianças até 15 anos. Dentre as doenças que afetam adul-
tos, causando anos de invalidez, perda de vida e impacto econômico, os dados
do NIH indicam que: (1) acima dos 60 anos, a demência do tipo Alzheimer,
o acidente vascular encefálico e a doença de Parkinson são frequentes; (2) os
acidentes vasculares encefálicos (cerebrais) são a terceira entre todas as causas
de morte e uma causa importante de invalidez (mais de 700.000 americanos
são afetados); (3) o trauma cerebral e as lesões medulares ocorrem principal-
mente antes dos 30 anos, sendo o trauma cerebral responsável por mais de 5,3
milhões de comprometimentos e mais de 50.000 óbitos; (4) a esclerose múl-
tipla começa por volta dos 30 anos de idade. Finalmente, a dor é a principal
queixa para a procura de atendimento médico em geral. A prevalência de dor
crônica é alta e suas causas difíceis de tratar.

Silva e Fukujima (2019), em estudo recente, chegaram à constatação e rela-


taram que, no caso das doenças cerebelares, observa-se sintomas súbitos nos
hematomas, depressão do nível de consciência, início da HIC, podendo che-
gar a fase tardia e apresentar coma, compressão do tronco cerebral e alterações
cardiovasculares. Na fase inicial, ocorre a destruição do parênquima cerebelar
ou a extensão do hematoma dentro do parênquima ou do espaço subaracnói-
deo, em que o paciente manifesta sintomas como tonturas, náuseas, vômitos,
ataxia de marcha, cefaleia e desequilíbrio.

Continua o estudo evidenciando que a fase intermediária, tem por carac-


terística o aumento do efeito de massa, decorrente da lesão instalada anterior-
mente, quer por compressão do IV ventrículo, por aumento da hemorragia ou
do edema tecidual.

116
9 – Contribuições das neurociências na Síndrome de Wallenberg

Continua afirmando que é possível, nessa fase, verificar o rebaixamento


do nível de consciência do paciente, quando surgem sintomas de hipertensão
intracraniana, como paralisia de VI nervo, paresias, liberação piramidal ou
papiledema. Por último e não menos relevante, ocorre o coma, denotando
compressão intensa das estruturas do tronco (SILVA; FUKUJIMA, 2019).

Nesse ínterim, aponta-se que o conhecimento e o estudo dessas diferentes


fases se tornam de grande relevância para atuação médica, evitando maiores
acometimentos e sequelas irreversíveis, com danos severos ao paciente.

Na patologia ora estudada “Síndrome de Wallenberg”, o tratamento é es-


sencialmente clínico, tratando-se os sintomas. Salienta-se que não se pode
utilizar trombolíticos, pois causa piora no quadro do paciente. Ademais, deve-
-se investir na prevenção e controle dos principais fatores de risco como: Hi-
pertensão Arterial Sistêmica, Dislipidemia e Diabetes Mellitus. A longo prazo,
pode-se pensar na administração de anticoagulantes orais de forma individu-
alizada para cada paciente (ULLOA-ALDAY et al., 2015).

Considerações finais
O presente capítulo nos permite concluir que, inicialmente, o papel do ce-
rebelo tem ampla importância no contexto do encéfalo e uma patologia como
a Síndrome de Wallenberg pode ocasionar severos acometimentos cerebela-
res, alterando o funcionamento e manutenção do equilíbrio, tônus muscular,
movimentos voluntários e aprendizagem motora, repisando que tal patologia
tem sua etiologia no Acidente Vascular Isquêmico.

Destaca-se que pesquisas recentes revelam que o cerebelo também apon-


ta funções cognitivas, funcionando como coordenador de processos cog-
nitivos e emocionais, uma vez que apresenta extensas ligações com regiões
corticais e subcorticais que não são dirigidas apenas para áreas motoras.
Destarte, a importância do cerebelo é ímpar e lesões podem significar di-
versos sintomas, realçando o fato de que as lesões de cerebelo muitas vezes
podem ser recuperadas.

O cerebelo tem notável recuperação funcional quando há lesões do seu


córtex, particularmente em crianças ou nos casos lesões graduais. Tal fato
se explica, pois o córtex tem uma estrutura uniforme, permitindo que áreas

117
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

intactas assumam pouco a pouco as funções das áreas lesadas. Todavia, a re-
cuperação não ocorre quando as lesões atingem os núcleos centrais.

O presente capítulo nos permitiu apontar as contribuições da neurociência


na Síndrome de Wallenberg, bem como entender a fisiopatologia deste tão grave
evento. Por seu turno, cabe ressaltar que são necessários mais estudos científicos
e, se possíveis, ensaios clínicos que evidenciem os avanços que se pode obter por
meio das neurociências, já que esta área está em crescente aclive.

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119
10
Investigação de marcadores neuropsicológicos do declínio
cognitivo em indivíduos senescentes: tecnologia e
neurociência cognitiva
José Alexandre1
Lívia Vasconcelos de Andrade2
Rosalee Santos Crespo Istoe3

Considerações iniciais
A senescência é o período que antecede à velhice, caracterizado no âmbi-
to biológico pela progressão de desgastes orgânicos e alterações estruturais,
com manifestações em todos os tecidos e órgãos. Esse processo interfere

1. Psicólogo, Mestre e Doutorando em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual


Darcy Ribeiro – UENF.
2. Psicóloga, Mestre e Doutoranda em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual
Darcy Ribeiro – UENF.
3. Psicóloga, Mestre pela Universidade Metodista de São Paulo, Doutora pela Fundação Oswal-
do Cruz - RJ. Professora dos cursos de mestrado e doutorado da Universidade Estadual
Darcy Ribeiro – UENF.

120
fisiologicamente em qualquer organismo, exercendo dificuldades funcio-
nais, tornando-o mais suscetível a doenças e perda da autonomia (TEIXEI-
RA; GUARIENTO, 2010). No ser humano, ocorrem durante o processo do
envelhecimento, alterações e perdas nos aspectos biológicos e cognitivos, o
que acarretam, dentre outras coisas, dificuldades nas interações sociais. As al-
terações no cérebro humano, decorrentes do envelhecimento, ocorrem devido
a esse processo ser inevitável, contudo, passível de postergação com recursos
da medicina, atividades físicas, mentais e hábitos saudáveis (GOMES-ABRIS-
QUETA; SANTOS, 2006). Dentre essas perdas e alterações, merecem desta-
que as cognitivas, por serem consideradas o abrigo das habilidades intelec-
tuais superiores e da vida em sociedade. Contudo, essas perdas não ocorrem
de forma repentina, caso ocorram, fatores não naturais como traumas físicos,
emocionais ou quadros neuropsiquiátricos podem ser seus geradores.

A medicina vem contribuindo com questões que envolvem a estética corpo-


ral, melhorando a autoestima de senescentes, idosos e indivíduos insatisfeitos
com seus fenótipos, elaborando estratégias antienvelhecimento ou técnicas anti-
-aging (LEITÃO; PEDRO, 2014). Porém, um corpo estético ou aparentemente
saudável não é garantia de uma estrutura cognitiva sem alterações e/ou perdas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), embora tenha considerado o


envelhecer como processo sequencial, individual, cumulativo, irreversível,
universal e não patológico de deterioração de um organismo maduro, não
pode afirmar que esse organismo tenha que se resignar aos cânones da na-
tureza humana. A OMS também classificou como idoso as pessoas com mais
de 65 anos de idade em países desenvolvidos e com mais de 60 anos de idade
nos países em desenvolvimento (WHO, 2015). Dados do Estatistic Explained
(EUROSAT) apresentaram em 2017 uma população idosa de 19% da União
Européia, com uma tendência de 13% de indivíduos com mais de 80 anos em
2080, com acentuada mudança na pirâmide etária. Outras projeções indicam
que, em 2025, o Brasil será o sexto país do mundo em número absoluto de
indivíduos com mais 60 anos, com uma representação numérica de 30 mi-
lhões de pessoas (FAPESP, 2016). Esses fatores são decorrentes de uma taxa de
fecundidade abaixo do nível de reposição populacional. Além disso, avanços
tecnológicos na área da saúde também elevam a expectativa de vida de idosos,
ocupando espaços expressivos na sociedade brasileira.

O envelhecimento, embora seja um processo progressivo, pode não repre-


sentar a finitude do ser humano na atualidade. O homem atual não é o mesmo

121
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

de décadas passadas, o mundo tecnológico avançou, proporcionando novas


possibilidades de adaptação do idoso ao mundo jovem, com auxílio de novas
tecnologias da informação e comunicação (TICS), disponíveis para o aces-
so de seus interessados. Inclusive, segundo o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2019), foram 9.840 indivíduos
com mais de 60 anos inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM),
representando 0,2% de inscritos nesse exame. Porém, torna-se necessário que
esses interessados tenham condições de possiblidade para o acesso e aprovei-
tamento dessas oportunidades, usando a tecnologia a seu favor. Aqui também
se faz referência a abordagem transumanista, como movimento intelectual e
filosófico que defende uma melhor condição humana, levando em considera-
ção o desenvolvimento de tecnologias que aumentem ou melhorem as capaci-
dades intelectuais, físicas e psicológicas humanas, sem com isso desconsiderar
seus desejos, incompletudes e intencionalidades, por constituírem a essência
humana (VILAÇA; DIAS, 2014).

É fato que o envelhecimento decorrente do aumento da idade traz altera-


ções nas habilidades desses indivíduos, principalmente nas habilidades fluidas,
responsáveis pela resolução de novos problemas. Tais habilidades requerem
maior velocidade de processamento, ao passo que, as habilidades cristaliza-
das, produtos da experiência e aprendizado, sofrem menos danos (RAMÍRES-
-BENÍTEZ; TORRES-DIAZ; AMOR-DIAZ, 2016). Segundo Fleur e Salthouse
(2017), o declínio começa a partir dos 30 anos de idade e acentua-se após os
50 anos de idade, sendo assim, torna-se relevante o investimento em recursos
tecnológicos associados à saúde na identificação prévia dos indicadores desses
declínios.

Neurociência cognitiva
No final da década de cinquenta, ocorreu uma grande revolução em bus-
ca de uma nova ciência da mente. Uma eclosão de pesquisadores com suas
teorias e experiências marcou à época na busca de uma nova ciência que ex-
plicasse o funcionamento da mente, tendo como base a Filosofia, Linguística,
Antropologia, Inteligência Artificial, Psicologia e neurociências. Fundações
como Josiah Macy e Sloan investiram recursos no financiamento desse proje-
to (GARDNER, 2003). O produto desse investimento intelectual e científico
resultou na figura denominada “Hexágono Cognitivo”, objetivando melhor

122
10 – Investigação de marcadores neuropsicológicos do declínio cognitivo
em indivíduos senescentes: tecnologia e neurociência cognitiva

compreensão do psiquismo (MANDLER, 2002). Essa figura representa as


ligações fortes e mais fracas entre as ciências que a compunham, que até a
presente data ainda não foi superada uma explicação mais coerente do que
poderia ser uma nova ciência da mente (GARDNER, 2003).

Figura 1 - Hexágono Cognitivo

Fonte: www.nce.ufrj.br.

Nessa figura, cabe destacar os vértices e sua base de sustentação (figura 1).
Aqui, chama-se a atenção para as relações entre essas ciências, principalmente
as fortes ligações com as neurociências que parece proposital, encontrar-se na
base desse hexágono, lhe dando toda a sustentação. Percebe-se, também, que
se retirada as neurociências dessa representação, nada restaria para a valida-
ção do investimento na busca de uma nova ciência da mente.

A neurociência cognitiva surgiu como denominação para dar nome a como


o cérebro dá origem a mente. Tal terminologia recebeu esse nome no fim da

123
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

década de 1970 por George A. Miller e Michel S. Gazzaniga em Nova York.


Objetivava-se descobrir de que forma o córtex cerebral se organizava, bem
como ele funcionava em feedback a estímulos simples. Ao longo dos anos,
a neurociência avançou significativamente, beneficiando diversos indivíduos
com estudos e trabalhos relevantes ao progresso da humanidade (GAZZANI-
GA; IVRY; MANGUN, 2006).

A neurociência vai além da investigação do Sistema Nervoso. Sua histó-


ria surgiu na Grécia antiga e consolidou-se com suas estreitas relações com
as ciências cognitivas, aquelas que se preocupam com a compreensão do ra-
ciocínio, linguagem, pensamento, suas funcionalidades “normais” e suas al-
terações. Essa possibilidade de o cérebro ser o grande maestro e coração das
neurociências, ser o cerne das funções cognitivas, não poderia ser diferente,
pois um órgão que estuda a si próprio transcende a qualquer máquina que se
atreva a igualá-lo, limitando-se, no máximo, ao seu comando; inclusive, pode-
-se afirmar que toda e qualquer informação consciente pode estar ou tenha
passado por esse órgão tão complexo e fascinante. Destarte, considera-se im-
portante que se faça referência com o merecido destaque ás contribuições das
neurociências nas chamadas ciências cognitivas. Não seria pleonasmo fazer
referência às contribuições da neurociências, pois toda e qualquer ciência ou
doutrina que almeje o conhecimento da mente deveria, se tiver a pretensão de
enxergar um pouco mais longe, subir em seus ombros para vislumbrar a mais
perfeita “máquina” e seu funcionamento.

Embora as neurociências sejam o somatório de outras ciências que a com-


põe, como a Neuroanatomia, Neuroquímica, Neurofisiologia, entre outras,
aqui, chama-se a atenção para sua mais nova criação: a Neuropsicologia, com
uma visão das relações que ocorrem entre o cérebro, o comportamento, as
emoções e cognições como seu escopo básico, podendo representar, atual-
mente, a nova ciência da mente.

Tecnologia e senescência
A literatura voltada à saúde e comentários a respeito das alterações e per-
das cognitivas em indivíduos que envelhecem vem de longa data. Cícero, 44
a.C., já falava sobre a velhice e a memória:

124
10 – Investigação de marcadores neuropsicológicos do declínio cognitivo
em indivíduos senescentes: tecnologia e neurociência cognitiva

Certo. Mas com a velhice a memória declina!... E os


jurisconsultos? Os pontífices? Os áugures? Os filóso-
fos? Certamente são idosos, mas que memória! Aliás,
os velhos a conservam tanto melhor quanto perma-
necem intelectualmente ativos. Isso é tão verdadeiro
para o homem público, os homens célebres, quanto
para os particulares tranquilos e sem ambição (BRU-
CKI, 2004, p. 389).

Essa referência à velhice e perdas mnemônicas é ironicamente retratada


quando se depara com indivíduos idosos que não manifestam qualquer difi-
culdade ou atropelo em seus discursos e raciocínio lógico, trazendo sempre
como resposta: é... cada um reage de uma maneira diferente no envelhecimento.
Obviamente, a assertiva tem sua lógica, mas abre a possibilidade de especu-
lações no entendimento do porquê e de como isso acontece. O porquê suscita
respostas filosóficas; e o como, respostas mais estruturadas e científicas.

Estudar as filigranas que estruturam as funções cognitivas não é um tra-


balho simples, pois essa tarefa remete a preceitos éticos, por acreditar que a
natureza humana tem seu tempo útil. Contudo, estudos para investigação do
declínio cognitivo representam novas modalidades de investigação da relação
entre cérebro, comportamento e cognição, por entender que essas pesquisas
trazem resultados promissores e buscam a melhoria da qualidade de vida com
indivíduos senescentes e idosos. Isso pode ser visto em um estudo de revi-
são de Klimova et al. (2017); tal trabalho examinou pesquisas realizadas no
período de 2000 a junho de 2016, utilizando como indicadores as seguintes
palavras-chave: habilidades cognitivas no envelhecimento normal e estraté-
gias de intervenção; idosos saudáveis e declínio cognitivo; atividades físicas;
idosos saudáveis e declínio cognitivo e dieta mediterrânea; idosos saudáveis e
declínio cognitivo e música, com indivíduos acima de 60 anos saudáveis e sem
comprometimento cognitivo.

Neste capítulo, embora a ênfase tenha sido nos aspectos fisiológicos, evi-
denciou-se a possibilidade de atividades físicas, dietas e musicoterapia, como
estratégias válidas no auxílio do retardo do declínio cognitivo. Porém, não
ocorreu a previsibilidade de declínio de funções intelectuais superiores, como
memória, função executiva, planejamento, controle inibitório, dentre outras
funções básicas ao raciocínio e adaptação social.

125
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

No período da senescência, mais especificamente na transição da senes-


cência à velhice, algumas habilidades cognitivas sofrem e podem declinar,
com destaque para a memória, solução de problemas e velocidade de proces-
samento da informação (RODRIGUES, 2016). Essas habilidades cognitivas
podem ser entendidas como o sustentáculo de toda a plataforma cognitiva,
pois essas, ao declinarem, comprometem a tomada de decisão, tornando o
raciocínio mais lento. Essas alterações são típicas em idosos e os excluem de
espaços que exigem mais velocidade e resolução de problemas, como, por
exemplo, os caixas eletrônicos, travessias de ruas, operações bancárias, dentre
outras atividades da vida diária. Assim, habilidades que exigem processamen-
to rápido de funções cognitivas, quando comprometidas, podem excluir indi-
víduos de relações sociais, educacionais e interatividade com o ciberespaço.

Segundo Fleur e Salthouse (2017), existem fatores que influenciam o de-


clínio cognitivo, alguns de risco modificáveis outros não. Os não modificáveis
estariam no grupo da idade, etnia, gênero e genética. Já os modificáveis seriam
diabetes, lesões na cabeça, estilo de vida e educação. Chama-se a atenção para
o fator educação e condições socioeconômicas, pois sabe-se que indivíduos
com mais anos de estudo são menos vulneráveis ao declínio, da mesma forma
que indivíduos pobres privados ao acesso à educação são mais vulneráveis às
alterações e perdas cognitivas (NASCIMENTO et al., 2015).

O declínio cognitivo tem reserva genética de 60%, a educação e o estilo de


vida seriam indicadores para melhora cognitiva, restando mais investigações
que identifiquem marcadores indicativos para o início desses declínios, pre-
ventivamente, para que se possa, de forma mais efetiva, verificar se indivíduos
que não apresentem alterações cognitivas possam ser monitorados com pro-
gramas de reabilitação e/ou estimulação sensorial e, posteriormente, pareados
com grupos controlados que não recebam estimulação cognitiva. E, para essa
tarefa, torna-se necessário instrumentos precisos aliados ao conhecimento
estrutural e funcional do Sistema Nervoso Central, suas funções cognitivas,
comportamentais e emocionais (NASCIMENTO et al., 2015).

Estudos a respeito de estratégia na prevenção ao declínio cognitivo em


indivíduos adultos mostram que muitas atividades podem contribuir para o
atraso do declínio dessas funções. Lizuka et al. (2019), em estudo de revisão,
investigaram 20 artigos que se dedicaram à possibilidade do lazer, diversão
ou bem-estar causarem estímulo intelectual positivo (por exemplo, leitura,
jogos de tabuleiro) e dentre os 20 casos estudados, 13 mostraram melhora em

126
10 – Investigação de marcadores neuropsicológicos do declínio cognitivo
em indivíduos senescentes: tecnologia e neurociência cognitiva

algum domínio cognitivo. Em 12 desses 13 casos, os efeitos da intervenção


não foram observados em um domínio cognitivo específico, mas sim em vá-
rios domínios cognitivos e na memória de trabalho. Nesse estudo, concluiu-
-se que seus resultados sugerem que as funções cognitivas em idosos podem
ser melhoradas por meio de intervenções com atividades de lazer, bem como
atividades relacionadas ao aprendizado de novas habilidades, por causarem
fortes estímulos intelectuais, principalmente os estímulos que incluem ele-
mentos de comunicação associados ao lazer. Porém, estudos controlados
para a investigação preventiva de indícios de alterações cognitivas ainda são
parcos, talvez pela dificuldade do controle de muitas variáveis que possam
contaminar as pesquisas, como a disponibilidade de amostras, locais para
testagens e instrumentos fidedignos.

Considerações finais
A intersecção da Neuropsicologia com softwares torna-se necessária devi-
do seu status de ciência que investiga as relações das estruturas cerebrais e suas
funções, principalmente as cognitivas. Nesse caso, os softwares representam o
avanço dos testes neuropsicológicos para avaliação de determinadas funções,
devido sua precisão na avaliação e rapidez em seus resultados. Cabe destacar
que as correlações anatomoclínicas de testes neuropsicológicos são estuda-
das e validadas por experientes especialistas, denominados “juízes” na área
de Neuropsicologia (COSTA et al., 2017). Softwares validados para exames
encontram-se disponíveis no site do Conselho Federal de Psicologia – SA-
TEPSI. Outros, ainda em processo de validação, ficam disponibilizados para
pesquisas.

A avaliação Neuropsicológica com uso de softwares necessita, como toda


avaliação, de conhecimento clínico para sua realização e representa a maneira
mais avançada e precisa, na atualidade, de investigação de funções cognitivas
em crianças, adultos e idosos. Por fim, pode-se atribuir às neurociências os
grandes avanços nas investigações e descobertas de novos caminhos no des-
velamento do órgão mais complexo e fascinante da evolução das espécies: o
cérebro e suas relações com a cognição humana, o grande maestro da autono-
mia e liberdade.

127
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

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129
11
Diálogos transdisciplinares na tríade: neurociência, educação
e saúde
Lídia de Oliveira Paula1

“Amanhã será tarde demais”.


(Bassarab Nicolescu)

Considerações iniciais
A triangulação entre neurociência, Educação e Saúde baseia-se numa re-
visão bibliográfica de caráter crítico, reflexivo e argumentativo com ênfase na
transdisciplinalidade. Partindo do princípio do trabalho clínico envolvendo a
diversidade, Schimidt trouxe à luz a importância do tema e da prática no atendi-
mento, seguindo os princípios propostos pelo Dr. Rudimar Riesgo, Dr. Gilberto
Garcias e Doutora M. Sonia Georgem, que os enfatizaram na área da neurobio-
logia e da genética, sempre no âmbito transdisciplinar (SCHIMIDT, 2013).

1. Doutoranda em Ciências da Educação - Visión Educacional – Chile. Mestrado em Ciências


da Educação – Universidade ULHT, Lisboa, Portugal/ Visión Educacional Chile – Autismo.
Especializações: Química/UFLA; Ciências da Educação/FATIN; Neurociências/UNIG (em
andamento). Graduada em Farmácia/UFRJ.

130
Assim, os diálogos a serem desenvolvidos entre neurociência, Educação e
Saúde estão embasados nesse importante e emergente conceito. Cabe ressaltar
o brilhante e atual “Manifesto da Transdisciplinalidade”, proposto por Basa-
rab Nicolescu (1999, p. 01), a respeito da antiga visão contínua senhora deste
mundo, em que cita: “De onde vem esta cegueira? De onde vem este desejo
perpétuo de fazer o novo com o antigo?”. Ou seja, o crescimento contempo-
râneo dos saberes no século XXI, com o advento da neurociência, dos estu-
dos científicos sobre saúde e doença, clamam por uma indiscutível quebra de
paradigma na educação como um todo. A mudança é universal e indiscutível
em todas as esferas da vida contemporânea. O filósofo e sociólogo Bauman
cria o termo “Modernidade Líquida” (2000), considerando que nada é sólido,
tudo se dilui. Santos (2014) reflete e sinaliza em artigo que diz respeito à vida,
à obra e às influências de Bauman, o conceito de liquidez, da forma e do pro-
penso a mudar na vida atual. Logo, o conhecimento é uma reconstrução diária
dos adventos neurocientíficos, questões transdisciplinares na área de Ciências
da Saúde, assim como na área de Ciências da Educação, ambas delineadas por
mudanças sociais globais.

A partir dessas considerações iniciais, dialogamos a respeito do advento


e do futuro da neurociência, aludindo à belíssima obra de Michelangelo, da
Capela Sistina, em “Que segredos escondem os frescos de Michelangelo”, logo
a arte transcende o tempo, não como referência anatômica criteriosa e científi-
ca, uma vez que é uma questão altamente mais complexa, mas sua observação
é indiscutivelmente interessante para a mente humana.

A neurociência abrange um conjunto de disciplinas, sendo, portanto,


transdisciplinar, tendo como fundamento o estudo e o entendimento das ba-
ses cerebrais da mente do ser humano. Segundo Lent (2013, p. 02), “mas o
que tem a ver a mente com o cérebro? Quais as evidências desta relação?”,
considerando que esse campo de estudo busca contribuir, elucidar e desmis-
tificar questões tão relevantes na atualidade, contribuindo tanto na profilaxia
de determinadas patologias e possíveis intervenções, como também no en-
tendimento do ser humano pensante, juntamente com questões anatômicas,
fisiológicas, neuroquímicas e assim por diante. Dessa forma, abrange, por-
tanto, muito conteúdo e as mais variadas profissões, impactando diretamente
na saúde, no bem-estar, na doença e nos processos de aprendizagem, tanto
no campo cognitivo, comportamental, neurobiológico, quanto na neuroplas-
ticidade que traz à luz possibilidades e prognósticos muito promissores na

131
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

atualidade. Sendo o cérebro a porção mais importante do sistema nervoso,


emergem as questões das interações do organismo e do meio ambiente, con-
siderando também a clássica predisposição genética e os fatores ambientais;
ambos ainda em fase de elucidação no meio científico para determinadas
patologias ainda não elucidadas claramente quanto à sua etiologia, genética,
comorbidades e prognósticos, enfim, é uma busca intensa com inúmeras va-
riáveis, uma vez que se trata do ser individual e suas mais diversas diferencia-
ções das próprias características humanas.

É sabido que o sistema nervoso é constituído de neurônios, células especiali-


zadas na condução e processamento da informação. Possui circuitos complexos
por meio de impulsos elétricos, estabelecendo sinapses por meio de neurotrans-
missores. Vias sensoriais, assim como vias motoras, emitem ao cérebro as infor-
mações até a região do córtex cerebral. O comportamento humano é função das
atividades desses circuitos neuronais (COSENZA; GUERRA, 2011).

Considerando o “pensando no futuro da neurociência” (BRITO; BALDO,


2007, p. 32-41), o capítulo aborda prismas conceituais buscando alternativas
de condução do progresso da pesquisa na referida área, refletindo que, mesmo
que haja o abandono do dualismo cartesiano em favorecimento ao monismo
anátomo-funcional, enfrenta-se, ainda, na mudança, grandes desafios explica-
tivos, a partir da estrutura do sistema nervoso, assim como seus mecanismos
fisiológicos que darão origem elucidativa à memória, à percepção, à atenção.

Atualmente, apesar dos desafios, as conquistas acerca da neurociência são


altamente relevantes, considerando todo espectro de ação e amplitude nas
mais diversas aéreas antes compactadas, estabelecendo “sinapses de conheci-
mento” e avanço tanto na teoria quanto na prática das mais diversas ciências.
Nesse campo, tem-se avanço, não estagnação, como observamos em outras
esferas acadêmicas.

Discorrendo, agora, acerca de questões no campo da saúde, norteia-se o


diálogo concebendo também o conceito da doença por Transtornos Mentais e
seus aspectos relevantes na classificação diagnóstica junto à neurociência, que
se insere concomitantemente na área da educação, analisando sua evolução
histórica e seu relacionamento, e contextualizando, de forma global, a evolu-
ção das ideias e experiências humanas.

A partir de uma reflexão macroscópica sobre a saúde em si, a mesma re-


flete uma conjuntura social, econômica, política e cultural, não representando

132
11 – Diálogos transdisciplinares na tríade: neurociência, educação e saúde

para o indivíduo a mesma situação, dependendo da época, considerando um


mesmo grupo, lugar, religião, classe social até mesmo valores individuais são
concebidos nesse contexto.

Segundo Araújo e Neto (2014, p. 67):


Algumas das principais mudanças introduzidas na
nova classificação diagnóstica norte americana são
apresentadas de modo sintético à comunidade
behavariorista. Fruto de estudos de campo que estu-
daram a validade dos diagnósticos anteriores, possui
vantagens, mostra as falhas que temos ainda no co-
nhecimento dos transtornos mentais. Algumas das
críticas também são apresentadas.

Para Mousinho e Navas (2016), considera-se que a publicação de 2013,


na sua 5ª edição do Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM-5), trouxe mudanças principalmente no que se refere aos transtornos
de neurodesenvolvimento e, significativamente, para os transtornos espe-
cíficos de aprendizagem, observam-se alterações no que tange aos critérios
de diagnósticos, como também à terminologia, adotada com ressalva na im-
portante recomendação do paradigma de resposta a possíveis intervenções
numa confirmação de que há hipótese diagnóstica (response to intervertion
- RTI).

A justificativa para tais mudanças emerge do fato de que os transtornos de


aprendizagem são transtornos de neurodesenvolvimento podem estar asso-
ciados a variados níveis de ansiedade e depressão. Logo, o diagnóstico não é
dado a priori, considera-se, a partir de então, hipótese diagnóstica, com perío-
dos de intervenção que deverão ser embasados cientificamente. Obviamente,
há variáveis ambientais que não podem ser descartadas e claramente são de
extrema importância na concepção do indivíduo como um todo.

A Figura 1 sintetiza as principais ideias sobre o princípio de modelo RTI


(MOUSINHO; NAVAS, 2016):

133
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Figura 1 – Síntese das principais ideias no Modelo RTI

Fonte: Revista em Debates em Psiquiatria.

Aspectos centrais para o diagnóstico: leitura

Critério A: subitem 1

1 – Leitura de palavras de forma imprecisa ou lenta e com esforço, por exemplo:


lê palavras isoladas em voz alta, de forma incorreta ou lenta e hesitante, frequen­
temente, adivinha palavras, tem dificuldade de soletrá-las.

Fonte: Revista Debates em Psiquiatria, 2016.

Para tanto, é importante observar a importância da Pirâmide do Aprendi-


zado proposta por Williams e Shellembergeer:

134
11 – Diálogos transdisciplinares na tríade: neurociência, educação e saúde

Figura 2 - Pirâmide do aprendizado

Fonte: www.tech-me-momoy.com.

Nesse diálogo de ideias e ideais, há conceitos sobre educação? Ela é uni-


versal e igualitária? Educação Especial, Inclusiva e Equidade? Vivemos a opu-
lência dos paradigmas. É um confronto real e imediato, considerando que há
uma submissão e omissão social, cultural, política, econômica e tecnológica.

Conceitos são indiscutivelmente necessários, assim como as políticas so-


ciais, posicionamento econômico, índices, dados estatísticos, para nos em-
basarmos da teoria à prática. Legislações também existem, belíssimas, assim
como o Sistema Único de Saúde (SUS), mas, no Brasil, o Setor Executivo in-
siste em ignorá-las, havendo algumas ressalvas.

No processo de educar, é preciso fundamentar e significar a ciência e edu-


cação de forma conjugada por palavras compostas, logo, segundo Michaelis
(2019), conjugação significa: “que se conjugou; harmoniosamente misturado
ou combinado; diz-se daquilo que se apresentou ou se estivesse ou fosse liga-
do; fundido, unido”.

135
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

A educação, segundo Aulet (2019, p. 292), denomina-se: “ação ou ato de


educar-se. Ensino, instrução. A educação é fundamental para o desenvolvi-
mento. Formação e desenvolvimento da capacidade física, moral e intelectual
do ser humano visando a integração social”.

Portanto, o ato ou efeito de educar, buscando aperfeiçoamento das facul-


dades físicas, intelectuais e morais do ser humano, inseridos no conceito de
instrução e integração social do indivíduo, objetiva o ensino por meio do
processo educativo, em que sua função é desenvolver-se e aperfeiçoar-se pelo
próprio exercício.

Muitas áreas – entre elas, a neurociência, a Psicologia, o Serviço Social e a


Educação – vêm se preocupando com crianças e adultos deficientes mentais.
Cada uma delas faz a sua análise a partir de seus próprios referenciais teóricos.
Como a ciência não é uma constante, as definições não são estáticas e tendem
a ser modificadas e aperfeiçoadas, na medida em que mais experiências e evi-
dências se tornam possíveis.

Em tentativas recentes de se definir a deficiência mental, a ênfase mudou


significativamente de uma condição que existe somente no indivíduo para
uma que apresenta uma interação do mesmo com um ambiente em particu-
lar. A definição de deficiência mental, atualmente adotada, foi proposta pela
Associação Americana de Deficiência Mental (AAMR) e consta na Política
Nacional de Educação Especial do Ministério de Educação e Cultura (BRA-
SIL, 1994), a saber: funcionamento intelectual geral significativamente abaixo
da média, oriundo do período de desenvolvimento, concomitante com limita-
ções associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa ou da capacidade
do indivíduo em responder adequadamente as demandas da sociedade, nos
seguintes aspectos: comunicação, cuidados especiais, habilidades sociais, de-
sempenho na família e comunidade, independência de locomoção, saúde e
segurança, desempenho escolar, lazer e trabalho.

A Secretaria de Educação Especial do Ministério de Educação (MEC) ado-


ta esta definição para efeito de diagnóstico e caracterização das pessoas com
deficiência mental. Ou seja, considera ter deficiência mental aquele cujo esco-
re em teste de inteligência seja inferior aos obtidos por 97 a 98% das pessoas da
mesma idade; que não satisfaça padrões de independência e responsabilidade
esperados do grupo etário e cultural, isto é, aprenda habilidades acadêmicas
básicas e participe de atividades apropriadas ao grupo social.

136
11 – Diálogos transdisciplinares na tríade: neurociência, educação e saúde

Portanto, o aporte legal para a pessoa com deficiência, a partir das reivin-
dicações e da pressão diversos grupos sociais que defendem o reconhecimento
da igualdade de acesso prenunciado em diversos documentos legais, tais como
a Declaração dos Direitos da Pessoa com Deficiência (1975), Programa de
Ação Mundial para Pessoas com Deficiência (1982), Congresso de Educação
para Todos em Jotiem (1990), Declaração de Cartagena (1992), Declaração
de Salamanca (1994), Carta para o Terceiro Milênio (1999), Declaração de
Inchean (2015), dentre outros, enfatiza o igual direito de acesso, permanência
e sucesso na promoção de educação de qualidade para todos.

Considerações finais
Compreendendo, dialogando e argumentando esse universo de possibi-
lidades, busca-se conhecimento nas questões: há integralidade, consciência
social e acadêmica das reais limitações da vida diária do indivíduo com de-
ficiência para suas efetivas possibilidades educativas e terapêuticas? Por que
estabelecer como paradigma a transversalidade e não a transdisciplinalidade
no âmbito educativo? Como se define cientificamente seu espectro de com-
prometimento intelectual ou de possíveis habilidades? E seus prognósticos?
Critérios de normalidade? Eis questionamentos duvidosos para perguntas as-
saz complexas, uma vez que as pessoas não são iguais, pensam e agem de mo-
dos diferentes. Um mesmo indivíduo pode agir diferentemente em situações
semelhantes. Como se percebe, o ser humano com sua complexidade é um
enigma a ser desbravado, ainda que a ciência tenha se desenvolvido a passos
largos. Somos seres humanos diferentes pelas nossas semelhanças e os seres
humanos deficientes também, pelas suas semelhanças e complexidades fasci-
nantes. Este capítulo tão complexo e abrangente poderá redefinir conceitos e
paradigmas, expondo expectativas relacionadas à educação, pois ela é a base
de toda sociedade, seja na neurociência, no universo acadêmico de pesquisas,
nas universidades, nos Centros de Saúde, em questões e temas culturais, como
também nas práticas pedagógicas e educação continuada; é um tema sem fim,
mas resultados serão exuberantes à sociedade tão carente de conhecimento se
houver acolhimento da educação com um todo.

137
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

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138
12
O corpo como um espaço de linguagem emocional
Margarete Zacarias Tostes de Almeida1
Caroline Ferreira dos Santos2
Cristina de Fátima de Oliveira Brum Augusto de Souza3

Considerações iniciais
Em tempos hodiernos, o stress é um dos assuntos mais apontados como
fator desencadeante de muitos distúrbios emocionais, mentais e, por con-
sequência, comportamentais. As atividades desenvolvidas pelos humanos

1. Doutora em Ciências em Museologia e Patrimônio (2015) pela Universidade Federal do Es-


tado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Mestre em Psicologia (2004) e Letras (2010) pelo Centro
de Ensino Superior de Juiz de Fora (CESJF). Pedagoga, Professora de Psicologia Médica, Psi-
cologia Aplicada ao Direito e Coordenadora Pedagógica da Universidade Iguaçu - Campus
Itaperuna, Pesquisadora na Universidade Iguaçu - Campus V.
2. Mestranda em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Fluminense
Darcy Ribeiro (UENF), Enfermeira pela Universidade Iguaçu - Campus Itaperuna. Coorde-
nadora da Enfermagem do Hospital Ferreira Machado em campos dos Goytacazes.
3. Mestra em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro (UENF), Pedagoga, Neuropsicopedagoga e Coordenadora dos Cursos de Pós-Gra-
duação Lato Sensu em Neuropsicopedagogia, Neurociências e Neuropsicologia pela Uni-
versidade Iguaçu - Campus Itaperuna.

139
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

exigem, muitas vezes, uma dedicação intensa, de fácil compreensão quando


aprecem sintomas de exaustão. Pensar o corpo como lugar, espaço geográfi-
co que permite morar, guardar, sentir, registrar, memorar e, sobretudo, viver,
suscita o desejo de busca da função identitária que a corporeidade assume
em cada cultura. Dessa forma, torna-se plurissignificativo o olhar em torno
do corpo – que trabalha, que se modela no que reconhece como belo e sau-
dável, que luta pelo direito de ser livre na sexualidade, que protesta nas ruas
contra o mal-estar inadmissível, que sofre com a violência cotidiana num
mundo tão desigual, com a fome de comida, de justiça, de afeto que é, acima
de tudo (ALMEIDA, 2015, p. 1), transforma-se numa “fonte de angústia, de
prazer, de consumo, de carência, visível e ignorado, esquadrinhado, contro-
lado, liberto ou regulado” (VILHENA; NOVAES, 2012, p. 13).

Nessa esteira, esse capítulo traz abordagens cujo objetivo é o de postular


reflexões acerca do corpo como um espaço de linguagem emocional, partindo
da premissa de que o stress estimula o corpo a oferecer uma resposta do orga-
nismo quando ele precisa lidar com situações que demandam um grande em-
penho emocional, para que sejam transpostas e que, na interconexão mente e
corpo, a subjetividade comande as reações comportamentais.

Esse estudo é de natureza qualitativa de cunho bibliográfico e de revisão


de literatura, fundamentada em referenciais teóricos como livros técnicos, pe-
riódicos, artigos científicos e sites científicos (Scielo, Medline, entre outros).

Partindo de tais pressupostos, o presente estudo justifica-se por contribuir


reflexivamente com conhecimentos acerca de um tema relevante na contem-
poraneidade e que favorecerá na construção de novos olhares e perspectivas
na sua qualidade de vida, leitor!

A consciência de que não somos seres “prontos e acabados”, portanto, in-


completos e com necessidades, desejos e frustrações inscritos na condição do
existir, abarca também a realidade de que o corpo carrega em si a condição de
expressar, denunciar, comunicar, tudo o que é inerente ao sujeito, de forma
singular.

140
12 – O corpo como um espaço de linguagem emocional

Fundamentação teórica
Na trama identitária, além de uma organização biológica, o corpo revela
o que temos de mais particular, a singularidade; entretanto, paradoxalmente,
constitui-se como um objeto particular e social, por exibir as dimensões iden-
titárias pessoais, bem como socioculturais, simultaneamente. Nessa esteira,
atento ao princípio Habeas corpus4, Jeudy (2002, p. 14) salienta que
[...] a ideia comum de que, se nosso corpo nos per-
tence, isso ocorre na medida em que somos sujeitos
do objeto que ele representa, o que faz persistir uma
dúvida acerca da realidade. Será que experimenta-
mos essa realidade quando nosso corpo é tratado
como objeto ou quando cremos ser o sujeito das sen-
sações que o animam?

Numa trama de configuração indissociável, pensar o corpo como algo de


pertencimento exclusivamente pessoal é desconsiderar seus encadeamentos
por inserção num contexto cultural e social e, sobremaneira, educativo. Num
intuito de reflexão, Freud (1923, p. 39) postula que “o eu é, primeiro e acima
de tudo, um eu corporal; não é simplesmente uma entidade de superfície, mas
é, ele próprio, a projeção de uma superfície”. No cenário do real do corpo (or-
ganismo) e do seu imaginário (constitutivo pessoal, cultural e social), o sujeito
se pensa existindo num corpo, porque o eu é por si só já corporal.

Trazendo essa composição identitária para o âmbito simbólico, Bourdieu


(2008) qualifica o corpo como lugar de categorização social, como superfí-
cie de inscrição de marcas distintivas de gênero, de raça, de classe, de po-
der. Sendo a proposição verdadeira, pensar o corpo sob essa ótica viabiliza

4. Habeas corpus  significa “que tenhas o teu corpo”, e é uma expressão originária do latim.
Habeas corpus é uma medida jurídica para proteger indivíduos que estão tendo sua liberda-
de infringida, é um direito do cidadão e está na Constituição brasileira. “Nasce com formato
próximo ao atual na Magna Carta de João sem Terra em 1215, consagrando-se no Habeas
Corpus Act de 1679. No Brasil, surge expressamente no Código de processo Criminal de
1838. Hoje, a Constituição Federal, em seu art. 5.º, LXVIII prevê que conceder-se-á habeas
corpus sempre que alguém sofre ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em
sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (FULLER; JUNQUEIRA,
MACHADO, 2013, p. 307).

141
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

apresentar o “eu” e o “outro” por meio das experiências, demandas, reali-


zações e frustrações, de modo a permitir o não posicionamento do corpo
como um objeto neutro, mas como uma linha de força que conduz a narrati-
va (linguagem) do sujeito, a uma cumplicidade tangível entre o eu, o corpo,
e o mundo, o observador.

Em virtude da complexidade que abarca a temática, o conceito de repre-


sentações postulado por Chartier (1999) evidencia contribuições de vários
autores, sobretudo entendimentos de Bourdieu, em cuja descrição, represen-
tações são como classificações e divisões que organizam a captura do mundo
social como formas de percepção do real. As representações não estarão sob
as formas de compreensão do real pelos grupos ou classes sociais desejantes de
um paradigma universal, mas sim sob a tutela determinante dos interesses dos
grupos que as tecem (ALMEIDA, 2015). Para Chartier (1990, p. 17), o poder
e a dominação estão presentes no cotidiano humano, tornando as representa-
ções comportamentais discursos não neutros, cujas mensagens traduzem prá-
ticas de imposição de uma autoridade, que legitimam escolhas, muitas vezes,
advindas da concepção de outro ou de um mesmo grupo social.

Na perspectiva de Certeau (1982, p. 172), “[...] o corpo é um código à es-


pera de ser decifrado [...]; cada sociedade tem seu corpo, assim como ela tem
sua língua”. Daí a conclusão de que não existe um paradigma corporal único,
nem corpo igual, nem diferente, mas semelhantes, cada qual com suas parti-
cularidades, variáveis culturais assimiláveis para cada indivíduo, época e so-
ciedade (ALMEIDA, 2015). Na mesma direção, Corbin (2008, p. 10) acentua
que “o corpo é uma ficção, um conjunto de representações mentais, uma ima-
gem inconsciente que se elabora, se dissolve, se reconstrói através da história
do sujeito, com a mediação dos discursos sociais e dos sistemas simbólicos”,
engendrada por significados culturais, capazes de transformarem conceitos,
registros e informações em representações visuais do paradigma do poder vi-
gente (ALMEIDA, 2015).

Ocorre, no entanto, um paradoxo, segundo Jeudy (2002, p. 20):


O corpo é ao mesmo tempo o sujeito e o objeto das
representações. O que eu sinto, o que eu aprendo, o
que memorizo, todas as sensações, percepções e re-
presentações interferem nas imagens do meu corpo,
que é simultaneamente a possibilidade e a condição
daquilo que experimento e de minhas maneiras de
interpretar o que eu experimento.

142
12 – O corpo como um espaço de linguagem emocional

Nessa linha de pensamento, a imagem corporal apresenta-se como registro


de algo no tempo. A representação imagética imortaliza uma realidade não
somente extratextual, mas, sobremaneira, o conteúdo intrínseco que “grita”
(ALMEIDA, 2015).

Nos dias atuais, vivemos uma fase de buscas pessoais, exigindo dos atores
sociais responsabilidades para exercerem sua individualidade e compreende-
rem as múltiplas faces que se apresentam numa sociedade plural, da qual faze-
mos parte como cidadãos.

Mergulhado na obscura rede em que se constitui o processo comunicativo,


é por intermédio da linguagem que o homem se desvela a si mesmo e se invoca
senhor do mundo, como evidencia Hegel (1989, p. 64), ao relevar a onipotên-
cia da linguagem:
É na linguagem que pensamos [...] Acredita-se em
geral, é certo, que o que existe de mais elevado é o
inefável. Isso, entretanto, é opinião superficial e sem
fundamento; porque, em realidade, o inefável é o pen-
samento, é o pensamento obscuro, o pensamento em
estado de fermentação, e só é o pensamento quando
encontra a palavra. Assim, pois, a palavra dá ao pensa-
mento a sua existência mais elevada e mais verdadeira.

A proposição de Hegel (1989) coloca a palavra no âmago da representação


do movimento das impressões a respeito do mundo, atribuindo à palavra o
poder de organização deste caos. Pressupõe-se que o desvendar entre as ideias
e as coisas, por intermédio da utilização inusitada dos recursos da linguagem,
a qual, juntamente com o pensamento, apresenta inquestionável essência sim-
bólica. Assim, pensamento, linguagem e símbolo interconectam-se no ato de
representar aos olhos novas e infinitas possibilidades para a mágica da criação
do mundo, o que acontece em incontáveis vezes (ALMEIDA, 2015).

Dessa maneira, “a linguagem representa a mais elevada forma de uma fa-


culdade que é inerente à condição humana: a faculdade de simbolizar” (CLA-
RET, 1980, p. 43).

No que diz respeito à função simbólica, ainda na visão do autor supraci-


tado, a linguagem permite ao ser humano representar o real por um signo e
entender o signo como um legítimo representante do real, logo instituir uma

143
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

relação de significação entre alguma coisa e outra coisa, por meio de palavras,
ou de outras manifestações linguísticas quaisquer. A partir de então, o corpo
apresenta-se como um signo que remete ao real a representação simbólica do
contexto cultural e social de uma dada época, com todo seu aparato comu-
nicacional, pensamento, cultura e a própria linguagem em si, na imbricada
trama da subjetividade como patrimônio da ética, da estética, da política e da
história, como um fenômeno cultural (ALMEIDA, 2015, p. 25). Nesse sentido,
trazer à baila a função simbólica como mais uma forma de entender o real
também possibilita compreender que
[...] significar, em primeiro lugar, as obras humanas
que se exprimem em uma civilização, [...] passou a
significar a relação que os humanos, socialmente or-
ganizados, estabelecem com o tempo e com o espaço,
com outros humanos e com a natureza; [...] agora,
cultura torna-se sinônimo de história [...], portanto,
é a relação dos humanos com o tempo e no tempo
(grifo nosso).

Tomando como referência os pressupostos mencionados, o corpo foi apre-


sentado não só como um cenário individual, mas, sobretudo, um lócus simbó-
lico de linguagem, capaz de demonstrar, manifestar de forma visível e singu-
lar, o que se passa em suas dimensões identitárias pessoais. Nesse imbricado
perpassam, como já mencionado, questões no eu corporal que se inscrevem
e se desvelam numa linguagem simbólica significativa, transformando repre-
sentações mentais em representações visuais demandas do eu e do Outro, de
poder, de necessidades, de sentimentos, de desejos, de frustrações, imperati-
vos sociais, variáveis culturais, imagens inconscientes, história do sujeito em
engendramentos sociais, desvelando em forma de comportamento e sintoma,
o conteúdo intrínseco que “grita”.

Ao trazer “o corpo como um espaço de linguagem emocional” nesse capí-


tulo, deixa-se, como contribuição reflexiva e ilustrativa, um olhar sobre doen-
ças psicossomáticas, forma essa de demonstrar como o corpo abriga emoções,
grita como sintoma e demonstra de forma patológica, decodificando senti-
mentos inscritos e não descritos pela linguagem oral.

Deslindando o termo “psicosomático” para esboçar o entendimento sobre


patologias psicossomáticas: psicossomático vem da união de duas palavras de

144
12 – O corpo como um espaço de linguagem emocional

origem grega, psique – cujo significado é alma, e sóma, que significa corpo,
entendendo, assim, que a doença psicossomática embrica alma/psicológico,
acarretando em consequências físicas ao corpo.

Nessa esteira, evidencia-se a indissociabilidade entre mente e corpo, for-


mando um sistema único, que abriga e compartilha mecanismos inconscien-
tes presentes nesta relação.

Alexander (1989, p. 3) salienta que “cada doença é psicossomática, uma vez


que fatores emocionais influenciam todos os processos do corpo, através das
vias nervosas humorais e que os fenômenos somáticos e psicológicos ocorrem
no mesmo organismo e são apenas dois aspectos do mesmo processo”.

Partindo de tais pressuposto psicossomáticos, Cardoso (1995) apresenta


suas hipóteses alicerçadas na interrelação entre o corpo fisiológico e o corpo
erótico, postulada por Dejours (1988 apud CARDOSO, 1995), cuja aborda-
gem se concentra por meio da subversão libidinal, sustentando que “o cor-
po erótico surge do corpo biológico, mantendo constantemente uma relação
de dependência, influenciando e intervindo ao nível da relação orgão-junção”
(CARDOSO, 1995, p. 22). Seguindo essa linha de pensamento, Cardoso (1995)
se refere ao confronto permanente entre o corpo erótico e o corpo biológico,
para destacar a indissociabilidade entre a doença orgânica e a doença mental,
uma vez que as somatizações, em ambas, correspondem a uma somatização
cerebral. Nessa perspectiva, o autor afirma que “a escolha do órgão, nessa con-
cepção, dependeria das vicissitudes da subversão libidinal e da construção do
corpo erótico, ancorado nas funções bio-endócrinas como nas motoras e cog-
nitivas” (CARDOSO, 1995, p. 35).
O corpo e a mente trabalham em harmonia, garan-
tindo uma homeostase, para se ter equilíbrio e bem-
-estar. Se houver uma quebra nessa harmonia, haverá
uma desestabilização homeostática, causando um
suposto adoecimento. Pode-se dizer que a doença é
um aviso de que algo precisa mudar, pois dentro dos
padrões de normalidade, algo não está funcionando
como deveria. Essa correlação da mente e o corpo é
dada pela associação do corpo como uma máquina
e a mente como a cabine de controle, onde mesmo
o corpo em total repouso a mente não se “desliga”
e continua em constante atividade, seja ela de for-
ma consciente ou inconsciente. Com isso, o corpo

145
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

apresenta uma capacidade limitada para lidar com


traumas psicológicos, um cansaço excessivo, onde o
corpo padece em resposta a essa sobrecarga. O so-
frimento emocional tem uma dimensão traumática
para a formação da doença psicossomática, como
excesso que não pode ser elaborado e precisa ser des-
carregado no corpo. Nesse fenômeno psicossomáti-
co, o corpo pode ser afetado de forma orgânica ou
funcional. O indivíduo faz do corpo o palco para a
expressão de sua angústia (OLIVEIRA; LIMA; FREI-
TAS, 2019, p. 35).

Face ao exposto, o corpo se apresenta como um espaço de linguagem de


uma energia libidinal direcionada por um processo sublimatório, o que não
apaga o desejo reprimido, frustrado, o que, na maioria das vezes, causa no
indivíduo um sentimento de mal-estar, uma insatisfação, angústia, propician-
do a ausência de um corpo em homeostase e um campo para a manifestação
patológica como sintoma em forma de doença física.

Considerações finais
Mediante uma densa avaliação na literatura que abalizou este estudo, in-
fere-se que a interdependência entre o corpo e a mente é dada pela associa-
ção inseparável entre os acontecimentos geradores de emoções, comparados
metaforicamente a um “software”, que será processado no “hardware”. Assim
sendo, seguindo a analogia, o corpo pronuncia-se como uma capacidade
limitada para lidar com eventos traumáticos psicológicos, fatores estressores
geradores de cansaço excessivo, levando o corpo ao sofrimento e exaustão
emocional, principal fator do desencadeamento de uma doença de ordem
psicossomática.

O corpo como um espaço de linguagem emocional traduz, dentre tantas


emoções, a expressão da angústia em formato de patologia. No entanto, mister
se faz demonstrar que não só de angústia se constitui o sujeito em seus desejos,
mas também no prazer de realizações, logo, o corpo é palco de manifestações
de alegrias! São muitas as emoções!

146
12 – O corpo como um espaço de linguagem emocional

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147
13
Autismo e imitação na proposta da aprendizagem: uma leitura
neurocientífica dos neurônios-espelho
Mariana Fernandes Ramos dos Santos1
Cristina de Fátima de Oliveira Brum Augusto de Souza2
Denise Tinoco Novaes Bedim3

Considerações iniciais
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) está cada vez mais presente em
nosso cotidiano. Com isso, observa-se uma maior concentração de escolas in-
clusivas, o que fomenta estratégias para promover o sujeito com TEA de forma

1. Mestre em Psicologia. Psicóloga. Neuropsicóloga. Terapeuta Cognitivo-Comportamental.


Pós-graduada em Saúde Mental, Psiquiatria, Reabilitação Neuropsicológica, Terapia dos Es-
quemas. Licencianda em Filosofia e Pós-graduanda em Neuropsicopedagogia.
2. Mestra pelo Programa de Cognição e Linguagem – UENF. Pedagoga – FEAP. Psicopedagoga
Clínica e Institucional – FCWB e Neuropsicopedagoga – UNIG. Especialista em Educação
Especial com Ênfase em Autismo – CENSUPEG.
3. Mestre em Psicologia pelo CES/JF. Especialista em Psicologia Escolar/Educacional pelo
Conselho Regional de Psicologia. Especialista em Psicologia Clínica – UFF/RJ. Especialista
em Docência do Ensino Superior – IBMR/RJ.

148
ampla, desde a aprendizagem curricular à aprendizagem para a vida e, assim
sendo, sua autonomia.

Sabe-se que o autista apresenta comprometimentos de habilidades sociais,


entre elas a imitação, que é um percursor de linguagem de significância dentro
do processo de aprendizagem. Diante deste comprometimento, destacamos
os neurônios-espelho e sua relação com o autismo. Uma leitura do espectro a
partir do estudo neurocientífico traz intervenções visando a neuroplasticidade
com o intuito de trabalhar a possibilidade de estimular tais comprometimen-
tos em prol de estabelecimento de novas formas atualizadas junto à perspec-
tiva inclusiva, que objetiva promover a aprendizagem para vida, estimulando
a imitação e os comprometimentos do sujeito autista. Entre elas, a capacidade
de imitação, um aparato importante para a compreensão da linguagem não
verbal e para a expansão da aprendizagem para a vida.

Tendo a necessidade de abertura de espaços para que sejam lançadas dis-


cussões acerca de atividades que estimulem habilidades que são necessárias
para o processo de aprendizagem, dentro do parâmetro social de estratégias
que envolvam habilidades sociais no trabalho com as crianças na maximi-
zação do desenvolvimento da autistas, a presente pesquisa tem como objeti-
vo analisar como podemos contribuir de forma reflexiva para o processo de
aprendizagem do autista, traçando formas de intervenção dentro dos maiores
comprometimentos identificados: a imitação, a empatia e a interação social.

Neurociência e autismo
Conhecida como a ciência do cérebro, a neurociência busca compreender
fenômenos múltiplos, entre eles o comportamento humano, partindo de uma
premissa funcional, ou seja, como este organismo (sujeito) funciona e as des-
cobertas que dele podem se beneficiar ao longo do desenvolvimento.

As descobertas da neurociência não se aplicam direta e imediatamente na


escola, ou seja, este conhecimento no contexto educacional tem limitações. A
neurociência pode informar a educação, mas não explicá-la ou fornecer pres-
crições, receitas que garantam resultados. E é disso que se trata a discussão
deste capítulo, em que são aplicadas teorias psicológicas baseadas nos meca-
nismos cerebrais envolvidos na aprendizagem que podem inspirar objetivos
e estratégias educacionais, em que cada sujeito é levado em consideração e

149
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

sua subjetividade entra em ênfase, apontando o trabalho do educador, que


pode ser mais significativo e eficiente se o mesmo conhecer o funcionamento
cerebral, possibilitando o desenvolvimento de estratégias pedagógicas mais
adequadas (GUERRA, 2011).

Assim sendo, a neurociência é uma ferramenta interessante que pode ser


utilizada de forma a promover, dentro deste processo subjetivo, o desenvolvi-
mento enquanto pessoa pela gama de estratégias que lhe é alcançada.

O autismo compromete o desenvolvimento no que se refere às causas neu-


robiológicas, afetando as áreas de comunicação, interação e comportamento,
partindo desta análise, o desenvolvimento de uma criança autista é diferencia-
do de uma criança que não tem o espectro (SCHWARTZMAN, 2011).

Dentro dos comprometimentos no desenvolvimento, destacam-se: imita-


ção, linguagem, enfatizando a dificuldade de imitar gestos e vozes (GUERRA,
2011). As crianças com espectro autista apresentam dificuldades em compor-
tamentos que regulam a interação social e a comunicação, demostrando limi-
tado interesse em alicerçar relações, expondo diferentes níveis de dificuldades
na reciprocidade social e emocional (GÓMEZ; TORRES; ARES, 2009; NO-
GUEIRA, 2009).

No espectro autista, não é diferente: quando levamos em consideração o


funcionamento do sujeito autistas, achados significantes da neurociência se
fazem importantes, como: as alterações frontais, atribuídas aos autistas prove-
nientes da análise feita com indivíduos que sofreram lesões nas áreas corticais
pré-frontais e que apresentavam características semelhantes, demostrando
alterações de personalidade; perda do juízo crítico; dificuldades de atenção
e problemas na memória de trabalho e prospectiva, a partir da porção pré-
-frontal ou anterior que prepara e organiza as informações ligadas a emoção,
memória e atenção, provenientes do sistema límbico ou do cerebelo (BOSA,
2001). Muitas das características percebidas no autismo estão relacionadas
com funções do lobo frontal, principalmente ao que se refere às funções execu-
tivas. Uma das funções centrais desta porção cerebral está ligada à capacidade
de planejamento para atingir metas, tarefa esta que necessita de flexibilidade
cognitiva, característica encontrada como deficitária no autismo, levando em
consideração que a função executiva é a capacidade neurobiológica que obje-
tiva o manejo adequado da atenção para tarefas que necessitam ser resolvidas
(DUMAS, 2011). Uma disfunção nesta área sugere comportamentos rígidos e

150
13 – Autismo e imitação na proposta da aprendizagem: uma
leitura neurocientífica dos neurônios-espelho

inflexíveis, alterações de raciocínio, pensamento concreto e dificuldades em


tarefas cotidianas (BOSA, 2001). 

Entre os achados, podemos analisar a participação dos neurônios-espelho


dentro do entendimento dos comprometimentos os quais pertencem o quadro
de autismo, o que entendemos que os neurônios-espelho dariam ao sujeito um
aparato para compreensão da realidade do outro e, então, esta compreensão
do mundo do outro seria estendida.

Apesar de o autismo ser considerado um enigma para a neurociência,


pesquisas revelam que ele é de natureza multifatorial. Recentemente, estudos
apontam para um grupo especifico de neurônios, os neurônios-espelho. Tais
neurônios relacionam-se a comportamentos como a interação social, imita-
ção, a linguagem e na capacidade em adotar o ponto de vista do outro, incluin-
do a empatia, habilidades prejudicadas no TEA (SINIGAGLIA, 2008; LEAL-
-TOLEDO, 2010; RAMACHANDRAN, 2014).

Entre as funções dos neurônios-espelho, está a interpretação do comporta-


mento dos outros a partir de uma ativação nas representações motoras (BONINI;
FERRARI, 2012; MARSHALL; MELTZOFF, 2012; RIZZOLATTI; CRAIGHE-
RO, 2004). Por conta desses comprometimentos, o autismo detém dificuldades
específicas no que se refere ao processamento cerebral, o que culmina no com-
prometimento comportamental no que se refere às habilidades sociais.

Neurônios-espelho
Entende-se por neurônios-espelho o aqueduto cerebral responsável pela
interação social humana, sendo estes o aparato que nos dá a compreensão do
comportamento do outro e da imitação do mesmo. Riech (2002) atribui que
estes neurônios tratam das dimensões que interagem, configurando a apren-
dizagem humana, e classifica-as em: orgânica, sociocultural, afetiva e intelec-
tual. O autor salienta que nesta estruturação cooperativa, existem elementos
sensoriais, perceptivos, cognitivos e motores que habilitam o sujeito a apren-
der. Ou seja, as funções destes neurônios são amplas.

Pesquisas de neuroimagem apontam resultados que sugerem a existên-


cia de um sistema de neurônios-espelho (SNE) em humanos distribuído em
várias áreas corticais fronto-parietais. Demonstrações realizadas por meio de

151
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

ressonância magnética funcional (fMRI), realizadas por Buccino et al. (2014),


apresentam a ativação de áreas frontais (giro frontal inferior e córtex pré-mo-
tor) em humanos durante a execução/observação de ações realizadas com a
mão, com a boca e com os pés. Tais ativações ocorriam em diferentes setores
corticais, de acordo com o efetor envolvido e seguindo um padrão somato-
tópico. Outro fator ativado é a intenção em outros humanos (RIZZOLATTI;
FOGASSI; GALLESE, 2006). 

Para Schwartzman (2011), quando ativados pela observação de uma ação,


os neurônios-espelho permitem que o significado da ação seja compreendi-
do automaticamente (de modo pré-atencional), podendo ou não ser segui-
do por um processamento consciente que conduz a uma compreensão mais
abrangente dos eventos por meio de mecanismos cognitivos mais sofisticados.
Tais neurônios possibilitam a compreensão da ação e/ou da intenção de outro
animal pela ativação subliminar desta ação nos circuitos fronto-parietais, sen-
do estes neurônios associados a várias modalidades do comportamento hu-
mano: imitação, teoria da mente, aprendizado de novas habilidades e leitura
da intenção em outros humanos. Sua disfunção poderia estar envolvida com
a gênese do autismo.

Os autores apontam que os neurônios-espelho estariam envolvidos com


a origem da linguagem humana e retratam que sua disfunção poderia causar
autismo, ressaltando a dificuldade para se expressar, compreender e imitar
sentimentos como medo, alegria ou tristeza, justificativa que acaba desenvol-
vendo sérios problemas de socialização, aprendizado, entendimento de ações
(essencial para a tomada de atitude em situações de perigo), imitação (extre-
mamente importante para os processos de aprendizagem) e empatia (a ten-
dência em sentir o mesmo que uma pessoa na mesma situação sente, a qual é
fundamental na construção dos relacionamentos); são funções atribuídas aos
neurônios-espelho e são exatamente essas funções que se encontram alteradas
em pessoas autistas. Por este motivo, tem-se que trabalhar tais atribuições,
que são vistas como o comprometimento do quadro. Entre elas, destaca-se a
imitação e a compreensão do comportamento do outro, como uma linguagem
comunicativa.

Alguns cientistas relacionam as alterações dos neurônios-espelho e a di-


ficuldade de empatia para pacientes autistas, atribuindo também a esta teo-
ria a compreensão de porquê autistas têm tanta dificuldade em compreender
metáforas ou figuras de linguagem, esclarecendo que a dificuldade de empatia

152
13 – Autismo e imitação na proposta da aprendizagem: uma
leitura neurocientífica dos neurônios-espelho

não possibilita a formação de um conceito do que se passa na mente do outro


(RAMACHANDRAN, 2012). A função empática nos possibilita compreender
os demais sujeitos aos quais nos relacionamos e é por meio dela que nos “co-
locamos no lugar uns dos outros” para compreendermos a realidade do outro.
Esta leitura de realidade é apontada por Serra (2018) como uma das percurso-
ras de linguagem, ou seja, antes do processo de leitura e escrita, é preciso que
se tenha um aparato para o desenvolvimento da mesma e, dentro deste aparato,
destacamos a imitação, que propicia a leitura do outro.

Tendo um comprometimento significativo como este, a relação da pessoa


autista e a aprendizagem se torna um desafio considerável, ou seja, fazem-
-se necessárias ações e intervenções que trabalhem esta questão a partir da
premissa da neuroplasticidade, ou seja, atividades que estimulem estas funções
e coloquem o ser em movimento.

Autismo e aprendizagem
Para que a aprendizagem seja alcançada, faz-se necessária a aplicabilidade
de conhecimentos de grande significância e a neurociência vem ao encon-
tro desta necessidade criando possibilidades de atividades que culminam em
associações neurais visando trabalhar os comprometimentos identificados e
maximizar as habilidades observadas. “A aprendizagem se traduz pela forma-
ção e consolidação das ligações entre as células nervosas. É fruto de modifi-
cações químicas e estruturais no sistema nervoso de cada um” (COSENZA;
GUERRA, 2011, p. 38).

Com a inclusão da neurociência no processo de aprendizagem, tornou-se


compreensível como ocorre o funcionamento do cérebro, ou seja, a inclusão
dos fundamentos neurobiológicos do processo ensino-aprendizagem, pro-
porcionando na formação inicial do educador nova e diferente perspectiva
da educação e de suas estratégias pedagógicas, influenciando também a com-
preensão dos aspectos sociais, psicológicos, culturais e antropológicos tradi-
cionalmente estudados pelos pedagogos (GUERRA, 2011). Ainda segundo
o autor, dessa maneira, a neurociência pode contribuir para a evolução das
práticas pedagógicas que têm a pretensão de desenvolver o indivíduo, apro-
ximando-o da manifestação máxima de potenciais, tendo em vista crescentes
demandas da idade contemporânea digital e virtual.Dentro dessa proposta

153
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

subjetiva colocada por meio da neurociência, pode-se analisar diversas ferra-


mentas para que sejam maximizadas as habilidades das pessoas, com desta-
que para as habilidades sociais, dentre elas a imitação.

O conceito de aprendizagem não se restringe ao conteúdo formal das sé-


ries e sim a um contexto mais amplo. Segundo Gómez (2015), a finalidade da
escola não pode se esgotar no ensino e na aprendizagem dos conteúdos dis-
ciplinares estabelecidos no currículo e organizados nos livros didáticos, esta
visão coloca a missão da escola para desenvolver capacidades, competências
ou qualidades humanas fundamentais que o cidadão contemporâneo precisa
para viver em complexos contextos da era da informação, que possam trans-
cender os muros da escola para a vida.

Por conseguinte, a aprendizagem é, afinal, um processo fundamental da


vida, em que todo indivíduo desenvolve os comportamentos que o oportuni-
zam viver. Todas as atividades e realizações humanas exibem os resultados da
aprendizagem (PORTO, 2007).

No trabalho com autistas, a aprendizagem engloba questões neuropro-


cessuais, o aspecto social e o afetivo, uma vez que a aprendizagem é vista de
forma ampla, em que se é implicado o ser crítico e o ser social. Destarte, afeto
e cognição se constituem aspectos inseparáveis, presentes no desenvolvimen-
to de qualquer atividade, diversificando apenas as suas proporções (SERRA,
2018).

Com isso, podemos compreender que a interação e a estimulação de ações


que estão comprometidos no quadro de autismo se faz cada vez mais necessária
dentro do processo de aprendizagem, pois possibilita trabalhar a aprendizagem
social, no que se refere à estimulação de interação social neste contexto, estimu-
lando também este sujeito no mundo e na aquisição de atividades complexas
como a compreensão de figuras de linguagem como, por exemplo, a metáfora.

A imitação é uma das habilidades mais importantes para o processo de


aprendizagem. Na alfabetização, este precursor ocupa um lugar de muita im-
portância uma vez que o aluno necessitará desta habilidade para ler, repro-
duzir, copiar, escrever. Assim, a imitação também reúne uma série de outras
habilidades como memória, atenção e interação social.

Algumas atividades podem ser utilizadas para estimulação da interação so-


cial, como: siga o mestre; música (coreografia); macaco disse; estátua; imitar

154
13 – Autismo e imitação na proposta da aprendizagem: uma
leitura neurocientífica dos neurônios-espelho

seus gestos; imitar vídeos e cenas de desenhos; trabalhar em frente ao espelho;


apresentar vídeos com imagens de pessoas conhecidas; jogos; imagem e ação;
esconde-esconde; esconde o brinquedo; sequência de sons; amassar papel; as-
soviar; balançar um chocalho; bater palmas; bater os pés no chão; bater à porta;
cortar papel com uma tesoura; derramar água em um recipiente; estalar a lín-
gua; estalar os dedos; fechar uma porta; fechar um zíper; rasgar papel; soprar;
tocar um apito; tocar um sino; tocar uma tecla do piano; tossir, celular, animais;
que expressão é essa?; mímica; imitação das ações: derreter como um sorvete;
flutuar como um floco de algodão; balançar como as folhas de uma árvore; cor-
rer como um rio; voar como um pássaro ou um avião; cair como um raio; jogar
uma bola invisível; rodar um bambolê; pular uma corda invisível; andar a cava-
lo; escovar os dentes; trocar de roupa e passear de carro.

Os percussores de Linguagem, como propõe Serra (2018), são de suma im-


portância para o desempenho da leitura e da escrita assim como o desenvolvi-
mento humano como um todo. Tais percussores são de importantes para o de-
senvolvimento do aluno de forma integral. Entre eles está o processo de imitar,
uma vez que estes processos são primordiais no desenvolver da aprendizagem.
Serra destaca o sorriso responsivo como um dos percursores de linguagem,
que precisa ser estimulado. Podemos observar que a leitura do outro é o que
nos faz emitir o afeto como, por exemplo, o sorriso responsivo. É preciso que
o aluno faça leituras emocionais. Diante dos comprometimentos, incluindo os
da imitação, dificulta-se ainda mais esta leitura do outro.

Serra (2018) destaca algumas perguntas que podem ser feitas pelos alfabe-
tizadores para avaliação deste percursor de linguagem: há algum engajamento
afetivo quando você sorri para o seu aluno? O sorriso vem acompanhado do
olhar? Quando há mudança de intensidade ou tonalidade da voz, esse com-
portamento é notado pela criança? O sorriso existe e é compatível com as
estimulações ambientais, ou ocorrem sem motivos aparentes? A autora ainda
destaca a postura reforçadora dos pais para com os filhos no desenvolvimento
deste tipo de percursor, sendo importante também a estimulação em ativida-
des de socialização para desenvolver a aprendizagem.

Dentro deste contexto, a estimulação sempre será necessária dentro desta


discussão, em que é papel da escola ir para além da inclusão resumida a con-
vivência social, para uma inclusão que expanda, em que pessoas vivenciem
e compartilhem aprendizagens e experiências à sua maneira, uma vez que a
aprendizagem é desenvolvimento e o desenvolvimento gera aprendizagem,

155
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

assim sendo, os dois processos andam juntos, em prol de um sujeito que


esteja cada vez mais incluído em sua vida.

Considerações finais
Segundo o parâmetro da neurociência, entre os comprometimentos, des-
taca-se o comprometimento dos neurônios-espelho. Estes são responsáveis
pela interpretação do comportamento dos outros a partir de uma ativação
nas representações motoras. Por conta deste comprometimento, há prejuízos
na socialização, sendo necessário o estímulo de atividades que trabalhem tais
comprometimentos, dentro da proposta que não seja reduzida somente em
intervenção medicamentosa. Há a necessidade de que tenhamos intervenções
em espaços coletivos em prol de trabalhar um dos maiores sintomas significa-
tivos no autismo, que tem relação com a interação social e a leitura que se faz
do outro, uma vez que tais comprometimentos trazem implicações de grande
significância na aprendizagem no que se refere à interpretação e leitura do
outro e nas diferentes posições no mundo, pelos perfis de sujeitos diferentes.

Contudo, faz-se necessária a fomentação de propostas que trabalhem dire-


tamente os comprometimentos atestados, para que estas ações façam parte de
uma análise crítica no que diz respeito a à aprendizagem atendendo a diversos
públicos, entre eles o público autista.

Assim sendo, é relevante que ações como estas, que se direcionam por
meio de um olhar neurocientífico pautado na neuroplasticidade e na inclu-
são, tomem conta de propostas importantes que envolvam tanto o desenvolvi-
mento humano como as diferentes formas de acessar a aprendizagem, tendo a
possibilidade de discussão da inclusão das mesmas no projeto terapêutico sin-
gular e no projeto educacional individualizado. São planos de metas contextu-
alizados ao sujeito e a sua subjetividade, que trabalham formas de autonomia
e independência, em uma aprendizagem para além do currículo formal. Uma
aprendizagem para a sua própria vida.

156
13 – Autismo e imitação na proposta da aprendizagem: uma
leitura neurocientífica dos neurônios-espelho

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158
Índice remissivo

A 71, 72, 73, 74, 75, 80, 83, 87, 88,


89, 90, 93, 96, 100, 101, 102,
Afetividade 23, 75, 76, 77, 78, 82, 83, 103, 104, 106, 108, 109, 110,
93 111, 113, 119, 121, 122, 123,
Alunos 53, 54, 56, 57, 58, 59, 72, 93 125, 129, 130, 147, 151, 155
Aprendizagem 8, 9, 11, 12, 16, 17, 22, Ciência 11, 25, 29, 54, 56, 69, 70, 74,
23, 33, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 87, 88, 89, 93, 107, 113, 120,
56, 57, 58, 59, 60, 61, 65, 66, 67, 121, 122, 125, 126, 133, 134,
68, 69, 70, 71, 72, 74, 75, 76, 77,
135, 147
81, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90,
Cognição 10, 24, 38, 49, 63, 64, 73, 86,
92, 93, 94, 109, 110, 113, 115,
95, 106, 118, 137, 146
129, 131, 136, 146, 147, 149,
Cognitivas 8, 13, 23, 24, 29, 30, 31, 33,
150, 151, 152, 153, 154, 155
34, 35, 44, 66, 69, 80, 88, 109,
Assimilação 56, 66, 67
115, 119, 122, 123, 124, 125,
Atenção 22, 40, 51, 54, 56, 59, 60, 68,
143
81, 110, 121, 122, 124, 126, 130,
Comportamento 21, 155
148, 152
Conhecimento 8, 9, 11, 12, 15, 16, 17,
Autismo 29, 34, 91, 114, 147, 148,
149, 150, 152, 154, 155, 156 19, 20, 22, 28, 33, 34, 43, 51, 55,
58, 59, 60, 65, 67, 69, 71, 72, 74,
B 75, 81, 84, 88, 89, 90, 91, 92,
115, 122, 124, 125, 129, 130,
Biologia 29, 33, 126, 145 131, 135, 147
Consciência 30, 50, 76, 100, 114, 115,
C
135, 138
Capacidades 12, 13, 57, 75, 78, 82, Contemporaneidade 8, 11, 57, 95, 97,
120, 152 99, 103, 138
Cérebro 8, 9, 10, 11, 12, 22, 26, 28, 29, Contexto 11, 19, 40, 41, 45, 50, 52, 53,
30, 32, 33, 50, 51, 52, 53, 56, 57, 54, 82, 83, 91, 97, 115, 127, 131,
59, 60, 61, 62, 65, 66, 68, 69, 70, 139, 142, 147, 152, 153

159
Neurociências, educação e saúde: diálogos interdisciplinares

Corpo 22, 29, 33, 44, 52, 65, 79, 80, F


81, 82, 88, 95, 96, 97, 98, 99,
100, 101, 102, 103, 104, 105, Fisiologia 21, 95
107, 110, 111, 112, 119, 137, Formação 11, 20, 33, 51, 53, 54, 56,
138, 139, 140, 142, 143, 144, 62, 63, 64, 65, 70, 71, 72, 82,
145 100, 109, 144, 151
Crianças 13, 39, 74, 84, 109, 114, 115, Funções 10, 12, 31, 51, 52, 56, 59, 68,
125, 134, 147, 148 69, 74, 81, 83, 88, 99, 109, 110,
111, 113, 115, 116, 122, 123,
D 124, 125, 126, 143, 148, 149,
150, 151
Desenvolvimento 8, 9, 11, 13, 14, 16,
22, 23, 31, 32, 33, 34, 40, 47, 50, H
59, 61, 65, 67, 68, 69, 71, 72, 74,
75, 76, 77, 78, 81, 82, 84, 87, 88, Habilidades 9, 11, 13, 14, 33, 51, 55,
89, 91, 92, 96, 97, 104, 107, 119, 57, 65, 77, 93, 102, 109, 119,
120, 134, 147, 148, 151, 152, 120, 123, 124, 125, 134, 135,
153, 154, 155 147, 149, 150, 151, 152
Diálogos 62, 128
Docente 61, 62, 65, 69, 70, 71, 93
I
Idosos 39, 40, 42, 43, 44, 45, 46, 47,
E 48, 119, 123, 124, 125, 126, 127
Educação 8, 9, 10, 11, 15, 16, 17, 18, Imaginação 81, 110
19, 20, 21, 22, 23, 49, 50, 51, 52, Individualidade 56, 87, 93, 96, 100,
54, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 65, 69, 141
70, 71, 72, 74, 81, 82, 84, 85, 88, Indivíduos 12, 13, 44, 45, 46, 57, 79,
93, 94, 107, 124, 128, 129, 130, 83, 88, 90, 93, 100, 102, 112,
133, 134, 135, 136, 147, 151, 118, 119, 120, 122, 123, 124,
155 139, 148
Educador 51, 52, 53, 56, 58, 71, 93, Inovações 33
148, 151 Inteligência 10, 11, 12, 13, 14, 22, 23,
Educando 68 26, 29, 30, 31, 55, 77, 84, 134
Emoção 12, 22, 51, 56, 74, 78, 79, 83, Interdisciplinaridade 50, 59, 60
84, 148
Ensino 19, 62, 64, 73, 86, 120, 134, J
137, 146 Jovens 39, 103, 109
Envelhecimento 22, 38, 39, 40, 41, 42,
43, 44, 46, 47, 48, 96, 104, 119, L
120, 123, 126, 127
Estratégias 14, 40, 49, 50, 52, 53, 54, Linguagem 10, 24, 38, 49, 64, 73, 86,
58, 61, 65, 68, 71, 93, 119, 123, 95, 106, 118, 137, 146, 153
146, 147, 148, 151 M
Estruturas 10, 25, 26, 51, 59, 66, 80,
83, 108, 113, 115, 125 Matemática 22, 64, 85, 86

160
Índice remissivo

Memória 12, 22, 26, 33, 51, 56, 59, 81, 103, 107, 110, 122, 123, 124,
110, 113, 122, 123, 124, 125, 140, 147, 154
126, 130, 148, 152 Práticas 8, 9, 11, 22, 49, 50, 51, 52, 53,
Mente humana 11, 24, 25, 26, 30, 31, 56, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 84,
35, 52, 104, 129 135, 140, 145, 151
Metodologia 25, 50, 57, 58, 87, 89, 93 Processo 9, 11, 17, 18, 22, 23, 27, 29,
Modelagens 26 30, 39, 42, 43, 44, 46, 47, 48, 49,
Motivação 51, 53, 54, 60 50, 52, 53, 54, 56, 59, 60, 61, 64,
Motricidade 74, 75, 81, 83 65, 66, 67, 68, 69, 72, 74, 75, 78,
Múltiplas 12, 13, 14, 22, 23, 55 80, 81, 82, 83, 84, 86, 87, 88, 89,
90, 92, 93, 96, 100, 102, 104,
N 109, 110, 113, 118, 119, 125,
Neurociência 9, 11, 15, 16, 17, 18, 20, 133, 134, 139, 141, 143, 144,
21, 22, 23, 29, 31, 32, 58, 60, 62, 147, 148, 151, 152, 153
63, 64, 65, 68, 69, 70, 71, 72,
Q
73, 74, 75, 85, 86, 87, 88, 89, 90,
93, 94, 107, 113, 116, 118, 121, Qualidade de vida 39, 42, 46, 47, 48,
122, 128, 129, 130, 134, 135, 107, 123, 138
136, 147, 148, 149, 151, 152,
154, 155 R
Neuroeducação 49, 55, 61, 62, 63
Representação 25, 31, 41, 99, 100, 101,
Neurologia 21
102, 113, 119, 121, 141, 142
Neurônios 12, 32, 50, 51, 59, 102, 110,
111, 113, 130, 146, 147, 149, S
150, 154
Neuroplasticidade 34, 102, 103, 113, Saber 25, 52, 54, 62, 68, 89, 90, 93,
129, 147, 151, 154 106, 110, 113, 134
Nutrição 53 Sala de aula 14, 22, 57, 58, 60, 61, 65,
70, 88, 90
P Saudável 40, 43, 44, 119, 138
Saúde 8, 9, 21, 39, 40, 42, 43, 44, 45,
Pedagogia 56
46, 47, 48, 62, 98, 103, 106, 107,
Pedagógicas 8, 9, 11, 22, 49, 50, 52, 54,
119, 120, 122, 127, 128, 129,
56, 58, 59, 61, 62, 63, 68, 135,
130, 134
148, 151
Sensação 40, 44, 101, 102, 107
Pensamento 8, 12, 25, 26, 30, 31, 34,
Significado 68, 143, 150
54, 56, 71, 78, 85, 110, 122, 141,
Significativa 18, 22, 67, 69, 71, 72, 96,
142, 143, 149
100, 142
Percepção 26, 27, 29, 32, 56, 62, 69,
Sono 8, 33, 38, 40, 41, 42, 43, 44, 45,
110, 130, 140
Perspectivas 23, 47, 50, 127, 138 46, 47, 48, 53
Plasticidade 11, 75, 79, 95, 96, 100, T
102, 104
Possibilidade 32, 33, 57, 65, 67, 85, Tecnologia 31, 32, 118, 120

161
Esta obra foi composta nas tipologias Minion Pro/Coolvetica e foi impressa
em papel Pólen-soft® 80 grs./m2, na primavera de 2020.
A presente obra contribui para o de-
bate sobre estudos recentes acerca das
neurociências, da educação e da saúde e
sua relação com as práticas pedagógicas
na contemporaneidade e áreas afins, pro-
porcionando informações acadêmicas e
científicas, alicerçando novas descobertas
e horizontes. Na perspectiva interdiscipli-
nar, ancorados em pesquisas que fazem
interseção entre as ciências do cérebro,
educação, saúde e comportamento hu-
mano, surge um novo repensar sobre as
práticas pedagógicas correlacionando os
estudos nas áreas de aprendizagem e de-
senvolvimento humano.

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